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Comunidades de aprendizagem, em direção a uma nova sociabilidade na educação*.
Vani Moreira Kenski**
.... recuperar, nas relações educacionais, as pessoas, que somos todos nós...
1. Pessoas.....
A divisão social do trabalho organiza as pessoas em grupos distintos. Os que mandam e os que
obedecem. Chefes e subordinados. Os que sabem e os que não sabem. Os que ensinam e os
que aprendem. Professores e alunos. Mais do que papéis funcionais, estas divisões
impregnaram o universo de nossas relações sociais cotidianas e tornaram-se estruturais. Ser
diretor, chefe, professor é ter algum poder. Éter um fazer e saber distinto que os diferenciam
das demais pessoas.
Ser professor é ter um poder em relação ao conhecimento. É saber. Mais do que conhecer,
saber ensinar o que sabe. Desencadear a vontade de aprender e transformar outras pessoas:
seus alunos. Ensinar é processo. Movimento em que se conduz alguém, por meio de distintas
mutações, ao saber: saber fazer; saber pensar; saber ensinar.
Recuperando Michel Serres (1996).... até algum tempo atrás haviam espaços definidos para se
ensinar e aprender: escolas, campus, bibliotecas....Aprendida as informações restritas e
direcionadas previstas pelo mundo da escola, a expectativa era a de que o aluno mudasse de
lado. Diplomado e formado o aluno assumia outro status. Era a hora de mostrar
profissionalmente sua competência em lidar com o conhecimento aprendido. Encontrar o seu
novo papel no plano social e no mundo do trabalho. Novos valores e perspectivas para o seu
olhar diante da sociedade.
Essas certezas diluem-se neste nosso frenético momento de vida em que as possibilidades
tecnológicas de comunicação e informação atravessam o nosso cotidiano e o transformam
permanentemente. O que é aprendido na escola, no campus... já não mais oferece ao aluno a
confiança do saber atualizado. O conhecimento estruturado e construído em bases “sólidas”
em duros anos de estudo precisa ser permanentemente re-construído.Não há espaços para
certezas ou verdades definitivas.
“Tudo o que é sólido, desmancha no ar”
O movimento é acelerado. A atualização é permanente. Novas informações derrubam velhas
certezas. Implodem teorias, leis. Transformam hábitos. Alteram práticas. Mudam as rotinas
das pessoas. Informações que se deslocam velozmente por todo o mundo. Todos precisam
estar em “estado constante de aprendizagem” sobre tudo. Sobretudo.
Mais do que nunca as pessoas precisam acessar e interagir com frequência com diferenciados
media para estarem minimamente informadas. Na atualidade, diz Virilio (1993), a janela é a
tela. Tela da televisão e do computador. Na atualidade, a lousa também migra para a tela. Tela
que se inicia na função de lousa e desloca as atividades de ensino para experiências e vivências
virtuais em lugares, espaços, tempos e grupos sociais onde as coisas acontecem. Espaços de
aprendizagens - não mais restrito ao perímetro em que ocorre a relação fechada entre
professores e alunos na sala de aula, mas abertos a todas as possibilidades e interações. Tela
como espaço possível para uma nova forma de se pensar e fazer educação a partir das
informações disponíveis no ciberespaço. Informar-se, meio caminho para aprender.
Recuperando novamente Serres (1996)... hoje é o saber que viaja e transforma
completamente a ideia de classe ou de campus.
A interação proporcionada pelas “telas” amplia as possibilidades de comunicação com outros
espaços de saber. As informações fluem de todos os lados e podem ser acessadas e
trabalhadas por todos: professores, alunos e os que, pelos mais diferenciados motivos, se
encontram excluídos das escolas e dos campi: jovens, velhos, doentes, estrangeiros,
moradores distantes, trabalhadores em tempo integral, curiosos, tímidos, donas de casa...
pessoas.
Diluem–se nestes novos espaços professores e alunos. Todos se tornam ávidos “consumidores
da informação”. Informação que se oferece sob a forma de mercadoria e que estabelece outro
estágio de valores na versão capitalista da era em que vivemos. A informação como produto
acessível a todos é um bem volátil, efêmero, que exige consumo frequente do que é novo,
permanentemente diferente e original, sob pena da desatualização.
Consumidoras cativas das informações veiculadas, dependentes e viciadas no consumo
desenfreado das notícias, as pessoas rompem o vínculo tradicional com o conhecimento
estruturado oferecido pelas escolas, institutos e universidades e se lançam iguais na coleta do
que lhes oferecido no mercado globalizado dos media. Não mais professores e alunos, mas
pessoas, em busca do saber, da permanente atualização, na atualização permanente da
informação veiculada.
Isoladas no movimento em direção ao saber, essas pessoas sentem que saber só, não basta.
Buscam o outro com quem dialogar, conversar, trocar ideias, refletir junto. O outro, próximo e
visível, tem seu ritmo próprio, interesses diferentes... sem tempo para a troca informal. O
outro distante, acessível pelo telefone, também não se encontra disponível. Na alternativa
tradicional existente nos espaços presenciais de aprendizagem – escolas e campi -prevalece o
ensino ativo do professor sem a necessária correspondência com o desejo calado e passivo de
aprendizagem dos alunos. Ensino orientado, estruturado e, muitas vezes, distante dos
pensamentos, experiências e anseios dos aprendentes. “Totalmente isolado, o ser sente-se
irrecuperavelmente perdido. Daí a busca por nova conectividade em identidade partilhada,
reconstruída” (Castells, 1999,p. 40).
O ciberespaço abre novas possibilidades e configurações para as pessoas aprenderem.
Dispostos, informais, com muita vontade para aprender o que lhes interessa, sem
discriminações, sem deslocamentos físicos, reunidos virtualmente em “comunidades virtuais”
estas pessoas inauguram uma nova era para a educação. Uma nova pedagogia, novas relações
com os saberes, novos papéis para os participantes, cidadãos. Não mais professores e alunos -
separados pelos limites do saber autenticado pelas instituições formais- mas seres desejosos
de ir além da informação e, neste movimento comum, ir além da aprendizagem. Nos
movimentos de trocas e desencadeamento de ações comuns, de consciência e valores sociais
grupais recuperam, nas relações educacionais, as pessoas, que somos todos nós...
2. Pessoas conectadas...
... para aprender, com ou sem suportes tecnológicos de última geração. Conexão: momento
em que muitos se encontram em torno de uma mesma ideia. Acompanham de seus lugares a
mesma linha de raciocínio. A emoção das descobertas, o suspense do desvelamento das
respostas, vencer junto o desafio da ignorância conjuntural, ultrapassar as barreiras do
desconhecido ... chegar no limite da aventura ... transformar, alcançar, superar e superar-se,
vencer ... aprender.
A conectividade se dá quando duas ou mais pessoas se aproximam mentalmente, interagem,
conversam ou colaboram. Com o auxílio de telégrafos, rádios, telefones ou das redes digitais
de comunicação estas pessoas podem estar em lugares diferentes, distantes. O avanço
tecnológico e a ampliação de uso da World Wide Web (WWW)transformaram as possibilidades
de conectividade entre as pessoas. Não mais grupos pequenos, restritos... mas um “coletivo”
de pessoas unidas – ao mesmo tempo - pelos mesmos interesses, objetivos, ideias, ideais.
Kerckhove (1997, p. 175) diz que no reino das redes integradas, o crescimento das interações
humanas – pessoais, sociais, institucionais-está concentrando e multiplicando a energia mental
humana. Em consequência, diz também, o grau de colaboração entre as mentes pode crescer
muito. Para ele, “a Internet nos permite acender a um entorno vivo, quase orgânico de
milhões de inteligências humanas que estão trabalhando constantemente em muitas coisas
que sempre tem uma relevância potencial para todos os demais”.
A conectividade, a qual se refere Kerckhove, constrói elos sensíveis entre a eletricidade ou
energia que há no interior e no exterior dos nossos corpos com a tecnologia. Estabelece
relações estreitas entre os domínios tecnológicos e biológicos com a finalidade de agregar
pessoas e máquinas para um determinado fim, coletivo.
Kerckhove (1999) lembra que diariamente milhões de pessoas passam bastante tempo
conectadas utilizando seu cérebro em sua máxima velocidade, sofrendo a agonia de esperar
para poder baixar novas informações. Cada pessoa se conecta a muitas outras mediante
sistemas digitais de funcionamento integrado, as redes.
O pensamento dessas pessoas conectadas adquire novas feições. A forma de raciocinar, a
imaginação criadora perseguem caminhos diferentes dos que habitualmente o corpo realiza
isoladamente, na interioridade de nossa mente/cérebro. Ainda é Kerckhove que diz que “o
objeto da atenção de centenas ou milhares de pessoas em uma rede é uma construção
unificada e flexível... na rede, alcançamos ao conteúdo da imaginação e da memória de muita
gente. A tela de cada usuário transforma-se no espaço onde a imaginação e a memória
próprias se encontram com a imaginação e a memória de muitas outras pessoas.” (1999,
p.181/2)
Projetos como o “Genoma” ou o idealizado para a próxima visita da nave Pathfinder a Marte...
quando qualquer pessoa autorizada, em qualquer lugar da Terra, poderá enviar comandos
reais para o jipe, ou seja, qualquer participante poderá ser um cientista planetário, mudam
completamente a relação entre ensinar e aprender e a própria forma de se fazer “ciência” na
atualidade.
Conectadas, as pessoas acessam múltiplos espaços virtuais. Podem estabelecer elos – redes
integradas de saberes em permanente movimento - por onde circulam amplamente as
informações. Criar comunidades.
3. As comunidades virtuais de aprendizagem
A primeira dificuldade em definir uma “comunidade virtual de aprendizagem” está exatamente
em restringir sua ação, seu início e continuidade com o fim especifico de atender a todos os
seus membros em seus anseios de aprender. Como diferenciar uma comunidade virtual de
uma comunidade virtual de aprendizagem? A redefinição de uma comunidade virtual
orientada especificamente para “aprendizagem” é difícil. Na verdade as múltiplas e
incessantes trocas que ocorrem em qualquer tipo de comunidade virtual refletem-se em
inúmeras e diferenciadas aprendizagens para os seus membros. Em termos operacionais
podemos denominar assim para as comunidades que emergem de cursos ou disciplinas
realizadas totalmente ou quase exclusivamente no ambiente da Internet, por exemplo. Nem
todos os cursos ou disciplinas oferecidas no ambiente eletrônico dão origem a comunidades. A
comunidade específica de “aprendizagem” vai além do tempo de uma disciplina ou curso,
ainda que possam surgir de iniciativas nestes momentos de ensino-aprendizagem. Em muitos
casos ela se solidifica após o encerramento destes. Não se constituem também apenas de
períodos finitos, previamente estabelecidos pelas instituições ou pelos seus coordenadores e
professores. As comunidades de aprendizagem ultrapassam as temporalidades regimentais
estabelecidas pela cultura educacional e vão além. Seu tempo é o tempo em que seus
membros se interessam em ali permanecerem em estado de troca, colaboração e
aprendizagem.
A interação, a troca, o desejo dos membros “alunos e professores” de se manterem em
contato, em estado permanente de “aprendizagem”... define melhor este movimento que, em
si, é bem mais potente do que a obrigatoriedade educativa imposta pelos sistemas clássicos de
ensino. Este grupo de pessoas voluntariamente reunidas para trocarem conhecimentos e
experiências e aprenderem juntas sobre temas específicos, com regras e valores comuns, pode
ser o embrião em torno do qual as mudanças na educação ocorram.
Em termos mais precisos, Palloff e Pratt (1999, p. 31) dizem que as especificidades das
comunidades virtuais de aprendizagem derivam da necessidade de satisfazer as seguintes
condições:
Objetivos comuns a todos os seus membros;
Centralização dos resultados a serem alcançados;
Igualdade de direitos e de participação para todos os membros;
Definição em comum de normas, valores e comportamentos na comunidade;
Trabalho em equipe;
Professores assumem o papel de orientadores e animadores da comunidade;
Aprendizagem colaborativa;
Criação ativa de conhecimentos e significados de acordo com o tema de interesse da
comunidade;
Interação permanente.
Segundo Lévy (1999, p. 126),a cultura das redes, ou cibercultura, se dá exatamente na
articulação entre os “princípios de interconexão, as comunidades virtuais e a inteligência
coletiva”. Os interesses comuns dessas pessoas, desterritorializadas mas permanentemente
conectadas, criam novas formas de comunicação permanente e universal e transformam todo
o espaço virtual em um infinito canal interativo de múltiplas aprendizagens.
4. Pessoas motivadas para aprender
A sensação de pertencimento a um grupo com interesses comuns, pessoas com as quais eu
posso trocar ideias, conversar, ensinar e aprender sobre o que prioritariamente eu dedico a
minha atenção, já é potencialmente motivador para desencadear um processo significativo de
aprendizagem.
O processo motivacional, no entanto, não é algo externo que se impõe à pessoa. Também não
é um produto, uma mercadoria que possa ser encomendada e trabalhada segundo parâmetros
previamente estabelecidos. Motivação é processo. Processo que se transforma
permanentemente de acordo com os diversos momentos em que vivemos. As nossas
motivações falam de nossos anseios e desejos. É a energia interior que nos encaminha para a
realização das nossas aspirações, mesmo quando não lhes damos conta no plano consciente.
As nossas motivações são únicas, não transferíveis, contínuas e sofrem permanentes
transformações. Em diversas teorias, de maneira geral, elas são agrupadas de acordo com as
necessidades humanas. Neste caso, elas seriam básicas - quando refletem as múltiplas
necessidades de sobrevivência física e proteção ;e culturais ou comportamentais – quando
refletem as condições ligadas à sobrevivência psíquica e social.
A motivação para aprender se inclui nesta última categoria. O despertar do desejo de aprender
e a sua continuidade, sem jamais chegar à totalidade do saber, é um jogo do qual todos os
indivíduos participam individualmente durante toda a vida, mas cujos resultados e
condicionamentos ocorrem no plano social.
O contexto social reflete na motivação individual para aprender, mas não o define ou
restringe. Ao contrário, o processo motivacional individual inclui necessidades, expectativas,
valores, modelos mentais e as concepções pessoais sobretudo, o significado que atribuímos ao
trabalho .... e ao estado permanente de predisposição para aprender.
O estímulo para aprender nas comunidades virtuais é um desafio permanente. Na maioria das
vezes, as pessoas desistem pelos mais variados motivos, quase sempre vinculados a
reorientações de seus desejos (e motivações) para outros caminhos. Assim, a alegada falta de
tempo para estudar, por exemplo, indica a redistribuição do tempo individual para suprir
outras necessidades, consideradas prioritárias naquele momento.
Wilson Azevedo diz, em mensagem enviada para a comunidade colaborativa de aprendizagem
a distância “EOL”, que “... mesmo com toda limitação de tempo, ainda separamos algum para
escrever sobre EOL. Isto acontece porque na hora em que o recurso (tempo) e' escasso
precisamos priorizar e gastá-lo naquilo que efetivamente tem relevância para nós naquele
momento. O mundo passa por uma crise muito grande, mas continuamos todos e cada um de
nos envolvidos com nossas responsabilidades e nossos sonhos...” (24/09/2001).
Comunidades que conseguem dar vitalidade aos vínculos estabelecidos entre os participantes
para que se mantenham “em aprendizagem” - suprindo de alguma forma as necessidades
individuais e coletivas das pessoas envolvidas – têm mais do que um foco ou temática
aglutinadora. A comunidade virtual ativa desperta o desejo e a necessidade de colaboração
entre seus membros na medida em que eles se sintam acolhidos e reconhecidos pelas suas
contribuições e participações.
O comportamento individual na comunidade virtual é resultado de diferentes motivações
psíquicas e sociais. Participando, colaborando, reconhecendo e sendo reconhecida pelos seus
pares, a pessoa que atua intensamente da comunidade virtual sente o seu poder, desenvolve
suas potencialidades comunicacionais, libera seus talentos. Mais ainda, socialmente integrada
na equipe, a pessoa dimensiona sua participação de acordo com os valores e regras em jogo,
realiza trocas e aprende muito mais do que o foco específico de seu interesse. Aprende a
conviver em grupo, a colaborar e respeitar as pessoas, a falar e a ouvir (ainda que ambos
ocorram em intercâmbios escritos), a superar conflitos, expor opiniões, trabalhar com pessoas
que não conhece presencialmente, mas com as quais se identifica no plano dos interesses e
ideias.
5. Em direção a uma nova sociabilidade na educação
As comunidades virtuais não se diferenciam das comunidades que conhecemos no mundo
físico. As pessoas que circulam nas comunidades virtuais transferem para elas seus modos de
vida, seus valores e sua cultura. Essas comunidades, no entanto, não são réplicas do mundo
físico ou reproduções das esferas sociais tradicionais. A própria forma de agregação social, não
imposta, a não ser pelo interesse pessoal, já as diferenciam. As possibilidades de superação
dos limites de espaço e tempo, as agregações de pessoas sem as costumeiras barreiras e
limites que ocorrem na vida social, mostram as potencialidades existentes nestes grupos e que
permitem realizar atividades que não são possíveis no mundo físico.
6. A dinâmica de uma comunidade virtual
Hagel y Armstrong (1997) consideram que a dinâmica das comunidades virtuais está orientada
de acordo com o princípio do benefício crescente de todos os seus membros. Um tema
interessante agrega membros para uma comunidade e, por sua vez, estes membros geram
novos conteúdos que ampliam e enriquecem todo o grupo. Esta acumulação de saberes sobre
um tema específico ocorre em paralelo à maior interação e agregação entre eles. Na medida
em que os participantes da comunidade se sentem confortáveis e identificados pelo ambiente
construído nas interações com os demais membros, eles permanecem e atuam com mais
frequência. Desenvolvem sentimentos de fidelidade e lealdade ao grupo.
A acumulação de saberes e o sentimento de fidelidade são, segundo Silvio (2000),os dois
pontos iniciais para o bom funcionamento das comunidades virtuais. A partir daí, diz o autor,
“a participação crescente dos membros e a interação entre eles geram informações cada vez
mais completas sobre os membros da comunidade: suas preferências, interesses e pontos de
vista, ou seja, o perfil de seus pensamentos, sentimentos e ações. Estes perfis permitem aos
gerentes da comunidade e a seus próprios membros focalizar suas atividades para os membros
individuais ou para grupos ou subgrupos e criar mais valor para a comunidade” .
Segundo Hagel e Armstrong (in Silvio), a percepção do valor da comunidade atrai novos
membros, usuários externos e administradores de outras comunidades, que propõem
parcerias e estimula a realização de transações diversas entre seus membros.
A evolução das comunidades virtuais, segundo Hagel y Armstrong (in Silvio,2000) ,como todo
grupo social, passa por varias etapas desde a sua formação. A comunidade tem um ciclo de
vida durante o qual ocorrem diversos movimentos, guiados pelas interações entre os membros
e o interesse específico que gerou a comunidade. Alguns movimentos comuns em todas as
comunidades virtuais estão ligados à sua própria administração e direção (eleições, definição
de comitês),organização, comunicação (jornais, arquivos gerais, bibliotecas)e eventos
presenciais ou não (chats, videoconferências, fóruns). .
A comunidade que se inicia é intensa de interações entre seus membros. Todos querem se
apresentar e conhecer os demais participantes. Com o tempo, surgem subgrupos que se
interessam por temas específicos dentro do contexto geral da temática geradora do grupo
.Esta “profundidade fractal”, como diz Silvio, pode ter efeitos positivos de estreitamento de
laços entre seus membros ou encaminhar para rupturas. Pode ser este o momento em que os
subgrupos se deslocam para a criação de novas comunidades, mais orientadas aos seus
interesses.
A palavra fractal, explica Sílvio, quer dizer que a comunidade pode segmentar-se em
profundidade e amplitude, sem perder sua identidade original. De qualquer forma, as
comunidades virtuais apresentam-se com muita movimentação e flexibilidade temática dentro
dos focos específicos. Reunidos pelas ideias comuns, seus membros migram de interesses ou
transitam, como “nômades telemáticos” entre as várias comunidades, grupos e subgrupos
orientados para os mesmos temas.
7. Desafios
As comunidades virtuais de aprendizagem, o ensino colaborativo, a conexão “planetária”, a
mudança dos papéis de professores e de alunos nas relações de ensino aprendizagem ainda
são situações que escapam da realidade presente para a maioria dos indivíduos e das
possibilidades tecnológicas e culturais existentes no ambiente educacional.
Nossos ambientes educacionais e todas as instituições que os regulam e os alimentam já não
conseguem suprir as necessidades e anseios das pessoas e da realidade contemporânea.
“Instituições viciadas em valores obsoletos e práticas ultrapassadas” (Laszlo, p. 61), insistem
em construir novas práticas, utilizar novas tecnologias, capacitar professores para continuarem
a agir diferente, mas obedecendo a currículos e programas iguais, sem alterações nas formas
como se faz e se dá a educação neste início de século.
Transformações radicais na organização educacional e nas formas como se ensina e como se
relaciona com o conhecimento são necessárias urgentemente para que se possa acompanhar
o ritmo em que a sociedade ampla se encontra na atualidade. É preciso a relativização e
reorientação dos poderes das organizações e dos dirigentes educacionais. Proliferação de
novas formas de organização do ensino orientadas para uma relação crítica permanente,
contínua e frutífera com o conhecimento e com a aprendizagem pessoal e coletiva, pode ser
um dos muitos caminhos iniciais para a reestruturação necessária dos processos educacionais.
O maior desafio é que nestes novos espaços educacionais não se recriem as práticas de
exclusão e discriminação costumeiramente feitas pelas instituições tradicionais de ensino. Ao
contrário, nestes novos espaços de aprendizagem deve ser prioritária a formação de cidadãos
para atuarem democraticamente em todos os espaços: virtuais ou não.
Orientadas pelos princípios de participação ativa, respeito aos demais participantes, não
discriminação e abertura para a inclusão geral e a educação permanente, as comunidades
virtuais podem realizar os ideais da democracia participativa, antecipados por Matsuda.
Cidadãos participantes de várias comunidades permanentes de aprendizagem abrem-se para a
interação e a colaboração global no mundo. Preocupados com a diminuição total da info-
exclusãoe a inserção de todas as pessoas – de diferentes idades, segmentos sociais, regiões e
culturas-conectadas e participantes como cidadãos planetários.
A grande questão, colocada por Milton Santos (in Lucena, 2000, p. 27) é a criação de uma nova
prática comunicativa... e educativa. Prática que não se baseia na continuidade do tempo, que é
independente de distâncias e que não se referencia no espaço físico e que, ao “aboli-lo”
subverte toda a prática educativa pré-existente.
As comunidades virtuais de aprendizagem – flexíveis, abertas, dinâmicas e atuantes - são focos
subversivos de agregação social em que podem ocorrer processos de aprendizagem individual
e grupal de qualidade. Em suas práticas é possível que se definam novas regras de atuação
democrática e igualitária. Novas formas de participação, de relacionamento e interação entre
as pessoas que ensinam e aprendem.
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in SMITH, M. e KOLLOCK, P. Communities in Cyberspace. Londres, Routledge, 1999.
* Artigo publicado na Revista de Educação e Informática "Acesso" SEED/SP - no. 15/ Dez. 2001
** Mestre e Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade de São Paulo (USP). Bolsista do CNPq (bolsa Pq).