Content uploaded by Luiz E A Troncon
Author content
All content in this area was uploaded by Luiz E A Troncon on Dec 07, 2015
Content may be subject to copyright.
Available via license: CC BY
Content may be subject to copyright.
Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3): 264-71
Correspondência:
Divisão de Gastroenterologia do Departamento de Clínica
Médica
Hospital das Clínicas da FMRP- Campus da USP
Av. Bandeirantes, 3900 - CEP: 14048-900
E-mail: ledatron@fmrp.usp.br
Artigo recebido em 22/05/2014
Aprovado para publicação em 19/06/2014
Ambiente educacionalAmbiente educacional
Ambiente educacionalAmbiente educacional
Ambiente educacional
Educational Environment
Luiz Ernesto de Almeida Troncon1
RESUMO
O ambiente educacional pode ser definido como um conjunto de elementos que circunda o educando,
que nele deve necessariamente se inserir e que o inclui, quando vivencia os processos de ensino e
aprendizado. Existem evidências variadas de que o ambiente educacional encontrado pelos educando
tem impacto no seu rendimento acadêmico, bem como na sua satisfação com o processo educativo e
dão boa medida da sua importância e justificam o seu estudo, no sentido de melhor conhece-lo e poder
aperfeiçoa-lo. Os componentes do ambiente educacional são de natureza material, relacionados aos
aspectos fisiológicos do educando e de caráter afetivo, relacionados às suas necessidades e respostas
emocionais. O ambiente educacional é determinado por fatores ligados à instituição e, em especial, ao
professor, que se caracteriza como o principal elemento na sua manutenção e aprimoramento. Uma
variedade de instrumentos tem sido descritos para a avaliação do ambiente educacional, que deve ter o
sentido de obter informações sobre este importante determinante do aprendizado e do desenvolvimento
do estudante. Estas informações podem subsidiar a tomada de medidas visando o aperfeiçoamento do
ambiente educacional, o que resulta em aumento da qualidade dos processos educativos.
Palavras-chaves: Ambiente Educacional; Clima de Aprendizado; Ensino; Aprendizado; Estudantes; Edu-
cação Superior, Profissões da Saúde.
Introdução
Os processos educacionais, independentemen-
te das suas características, visam sempre a aquisição
de conhecimentos e a incorporação, pelo educando,
de novas habilidades e competências. A eficácia do
processo educacional, que, em última análise, pode-
ria ser entendida como a concretização do aprendiza-
do, depende de vários fatores, dos quais, um dos mais
1. Professor Titular, Departamento de Clínica Médica, Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo
importantes, é o ambiente educacional. Embora de
grande importância, o ambiente educacional é fre-
quentemente negligenciado.
Neste texto, pretende-se apresentar alguns con-
ceitos relativos à noção de ambiente educacional e os
seus principais componentes, discutir a sua partici-
pação no conjunto de fatores determinantes do apren-
dizado, descrever as instâncias responsáveis pela
manutenção e pelo aperfeiçoamento contínuo de um
SIMPÓSIO: Tópicos fundamentais para a formação e o desenvolvimento
docente para professores dos cursos da área da saúde
Capítulo III
265
Troncon LEA. Ambiente educacional
Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):264-71
http://revista.fmrp.usp.br/
ambiente favorável ao aprendizado e, por fim, des-
crever sucintamente como o ambiente educacional,
no qual se pretende que o educando aprenda e se de-
senvolva, no âmbito de disciplinas, cursos, progra-
mas e instituições, pode ser avaliado.
Desde já deve ser esclarecido, que este é um
texto de caráter geral e de natureza apenas introdutó-
ria, que se destina aqueles que se iniciam no estudo
mais aprofundado dos vários aspectos da educação,
sobretudo aquela voltada à formação de profissionais
da área da saúde.
Conceitos básicosConceitos básicos
Conceitos básicosConceitos básicos
Conceitos básicos
O termo “ambiente educacional” é bastante
genérico e, de fato, tem sido utilizado de formas bem
variadas. Uma forma de utilização muito comum é a
que implica no conceito de ambiente educacional
como todo e qualquer contexto em que se dá o ensino
e o aprendizado; neste sentido, encontra correspon-
dência nas expressões “contexto educacional” e “es-
paço educacional” ou, ainda, “ambiente escolar”, caso
em que o a utilização é particularizada para os con-
textos ligados à “escola”, como instituição voltada
para o desenvolvimento de processos educacionais.
Os termos “atmosfera educacional” e “clima
educacional” têm sido também comumente emprega-
dos como sinônimos de “ambiente educacional”. Deve
ser ressaltado, no entanto, que alguns teóricos es-
tabelecem diferenças conceituais entre “clima” ou
“atmosfera” e “ambiente” educacional. Por exemplo,
Genn1, considera o “clima educacional” como algo
que depende da história, das tradições e da filosofia
da instituição e seria, deste modo, um determinante
do ambiente educacional que os estudantes encontram.
O mesmo autor, adotando outra conceituação2, consi-
dera o “clima educacional” como a maneira que o
estudante percebe o ambiente, o que determina o seu
comportamento frente aos diferentes desafios das ati-
vidades educacionais. Este conceito alude à relativi-
dade das coisas, tal como percebida por diferentes
pessoas, pois admite que um mesmo ambiente pode
ser considerado amigável por um estudante e amea-
çador, por outro, como também considera Linda
Hutchinson.3
Além destes vocábulos de natureza mais geral
(ambiente, contexto atmosfera, clima), a palavra “am-
biente” tem sido também muito utilizada recentemen-
te, ainda no âmbito educacional, em um sentido mais
estrito, para designar plataformas computadorizadas
de aprendizagem eletrônica ou de ensino à distância;
neste sentido, “ambiente educacional” pode equiva-
ler às expressões, também usuais neste uso mais es-
trito, “ambiente virtual de aprendizagem” e “ambien-
te eletrônico de apoio ao aprendizado”.
O ambiente educacional poderia, enfim, ser
definido como o conjunto de elementos, de ordem
material ou afetiva, que circunda o educando, que nele
deve necessariamente se inserir e que o inclui, quan-
do vivencia os processos de ensino e aprendizado, e
que exerce influência definida sobre a qualidade do
ensino e a eficácia do aprendizado. Destaque-se que
um aspecto particular deste conceito é a inclusão do
educando como elemento que participa do ambiente,
o que tem a implicação de lhe atribuir responsabili-
dades na manutenção e no aperfeiçoamento do ambi-
ente que integra.
Independentemente das várias formas da sua
utilização, bem como do grau de precisão das corres-
pondentes definições de ambiente educacional, é im-
portante considerar, como sugere Linda Hutchinson3,
que existe a pressuposição que o ambiente deve ser
favorável ao aprendizado, ou então deve ser
propiciador do aprendizado conseguido de forma agra-
dável. Do mesmo modo, devem ser consideradas as
evidências de que o ambiente educacional encontra-
do pelos educando tem impacto no seu rendimento
acadêmico, bem como na sua satisfação com o pro-
cesso educativo4,5,6, o que indica a sua importância e
relevância. Assim sendo, todo o empenho em conhe-
cer o ambiente educacional e em aperfeiçoa-lo, pare-
ce válido e meritório4, bem como contribui para o
aperfeiçoamento do próprio processo educacional.7
Componentes do ambienteComponentes do ambiente
Componentes do ambienteComponentes do ambiente
Componentes do ambiente
educacionaleducacional
educacionaleducacional
educacional
Os componentes do ambiente educacional po-
dem ser classificados, de maneira simplificada, como
sendo de natureza material ou de caráter afetivo (Qua-
dro I). Os de natureza material estão mais relaciona-
dos aos aspectos fisiológicos do educando, enquanto
que os de natureza afetiva relacionam-se às suas ne-
cessidades e respostas emocionais.
Embora seja óbvio, é importante enfatizar que
parte importante dos componentes do ambiente edu-
cacional é a que se relaciona ao ambiente físico em
que se dá o aprendizado, ou às condições materiais
que cercam o ensino e o aprendizado. Os estudantes
devem estar confortavelmente acomodados em espa-
266
Troncon LEA. Ambiente educacional Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):264-71
http://revista.fmrp.usp.br/
ços físicos que os caibam com folga e que permitam
que as atividades propostas sejam adequadamente
desenvolvidas. Na maior parte das atividades, as pes-
soas ficam sentadas, o que implica que deva haver
cadeira para todos e que os assentos sejam confortá-
veis. A disposição das cadeiras deve ser tal que per-
mita que todos os participantes vejam e escutem o
que deve ser visto ou escutado. Em atividades educa-
tivas mais dinâmicas, deve haver espaço físico sufi-
ciente para que as cadeiras sejam mudadas de posi-
ção, se o processo assim o exigir. Como será mencio-
nado adiante, a disposição dos participantes no recin-
to pode também exercer influência nos aspectos
afetivos do ambiente educacional.
A temperatura deve ser aquela em que todos no
recinto sintam-se confortáveis, o que é especialmente
digno de atenção quando há necessidade de se utilizar
equipamentos de ar condicionado ou aquecedores.
O ambiente físico deve também ser silencioso, o
que se aplica tanto ao ruído gerado externamente, que
deve ser necessariamente controlado, como aquele que
os próprios participantes produzem. Em salas maio-
res em que os estudantes são divididos em grupos
menores para trabalhar no mesmo espaço físico e tem
que se comunicar entre si, é importante que um grupo
não atrapalhe os demais, fazendo barulho demais.
A iluminação deve ser adequada ao tipo de ati-
vidade, permitindo que tudo seja visualizado sem
maior esforço. É também importante dar atenção a
elementos visuais presentes que podem distrair os par-
ticipantes da atividade educativa, sejam os externos,
vistos por janelas abertas, ou aqueles presentes na pró-
pria sala, como é o caso de anotações em lousa, carta-
zes ou outros estímulos visuais utilizados em ativida-
des prévias, que devem ser removidos ou ocultados.
Quando se utilizam recursos audiovisuais ou
tecnológicos, como projeções de arquivos de vídeo
usando computadores, é importante que as condições
sejam adequadas para que todos ouçam ou enxerguem.
Por fim, fazem parte deste conjunto de elemen-
tos materiais os recursos para que os estudantes par-
ticipem das atividades educacionais tendo as suas
necessidades fisiológicas mais básicas satisfeitas, ou
seja, que não esteja com fome ou sede e que tenha
banheiros adequados e limpos nas proximidades.
A adequação das condições destes elementos
físicos ou materiais pode ser mais facilmente contro-
lada em atividades ditas de “sala-de-aula”, como pre-
leções, seminários, discussão de casos ou problemas,
reuniões clínicas, etc. No entanto, este controle pode
ser muito difícil, ou mesmo impossível, nas ativida-
des desenvolvidas nos locais de trabalho clínico, como
enfermarias, ambulatórios, unidades de saúde na co-
munidade, ou no próprio domicílio dos pacientes. Não
é incomum em nosso país que, nestes locais, as con-
dições materiais sejam precárias, mesmo para o exer-
cício das suas atividades fim. Nestas circunstâncias,
é conveniente reconhecer explicitamente a ausência
das condições mais adequadas, de modo a preparar
os estudantes para a adaptação, na medida do possí-
vel, ao ambiente existente.
Os diferentes componentes de natureza afetiva
do ambiente educacional, que são apresentados no
Quadro I, tem como elemento comum a finalidade de
fazer com que o estudante se sinta confortável e que
sinta prazer em participar das atividades educativas
É essencial que o estudante seja respeitado e se sinta
seguro para expor as suas ideias, sem medo de ser
criticado ou ridicularizado. Deve sentir-se como per-
tencente ao grupo e fazendo parte importante dele,
tendo a percepção clara que o seu trabalho e a sua
participação contribuem para o aprendizado de todos.
Como será comentado adiante, estes elementos de-
pendem, em grande parte, de quem tenha a função de
coordenar ou liderar a atividade, responsabilidade que,
na maioria das vezes, recai sobre o professor. Deve
ele ter a percepção das diferenças entre os estudantes
e estimular e encorajar os mais retraídos a exporem
as suas opiniões e pontos de vista, de modo que, ao
longo do tempo, adquiram confiança para participar
das atividades, em condições de igualdade com os
demais membros do grupo.
Quadro I. Componentes do ambiente educacional.
ELEMENTOS MATERIAIS
- Espaço físico
- Mobiliário
- Temperatura
- Condições de som
- Iluminação e adequação visual
- Recursos para atender necessidades fisiológicas
ELEMENTOS AFETIVOS
- Respeito
- Senso de pertencimento
- Segurança
- Encorajamento
- Confiança
267
Troncon LEA. Ambiente educacional
Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):264-71
http://revista.fmrp.usp.br/
Um elemento prático, de importância óbvia, que
se relaciona tanto com os componentes físicos como
afetivos, é a necessidade de se prover intervalos nas
atividades educacionais, de modo que os estudantes
possam se recompor tanto fisiológica como mental-
mente.
Este conjunto diversificado de componentes
pode também ser classificado de outra maneira, como
considera Genn 2, referindo-se ao trabalho de Barry
Fraser, um grande estudioso do ambiente educacio-
nal. Esta classificação contempla as características
físicas, as psicológicas, as sociais, as pedagógicas e
as tecnológicas (Quadro II). As físicas correspondem
aos componentes materiais já comentados, as psico-
lógicas correspondem ao modo como o educando per-
cebe o ambiente e é por ele influenciado, enquanto
que as sociais referem-se às diversas interações entre
as pessoas, particularmente, entre os próprios estu-
dantes. Por outro lado, as pedagógicas ligam-se às
características do currículo, que pode ser mais cen-
trado no professor ou no estudante. Já as característi-
cas tecnológicas dizem respeito aos recursos desta
natureza disponíveis para a facilitação do aprendiza-
do, bem como ao acesso dos estudantes a eles.
RR
RR
Relações entrelações entr
elações entrelações entr
elações entre componentese componentes
e componentese componentes
e componentes
do ambientedo ambiente
do ambientedo ambiente
do ambiente educacional educacional
educacional educacional
educacional
e ae a
e ae a
e aprpr
prpr
prendizadoendizado
endizadoendizado
endizado
Dentre os estudiosos da Educação, como área
do conhecimento, não se duvida da importância de
um conjunto relativamente pouco numeroso de fato-
res, cuja presença ou ausência determina se o apren-
dizado irá ou não efetivamente ocorrer. Estes fatores
estão representados esquematicamente na Figura 1.
Quadro II. Classificação das características do am-
biente educacional, segundo Genn (2), referindo-
se ao trabalho de Barry Fraser.
FÍSICAS
PSICOLÓGICAS
SOCIAIS
PEDAGÓGICAS
TECNOLÓGICAS
INSTITUIÇÃO
Currículo
Qualidade do ensino
Definição clara de objetivos, atividades e avaliações
Mecanismos de apoio
PROFESSORES
Estilos e técnicas de ensino
Entusiasmo
Adequação do ambiente físico
Modelos de comportamento
AMBIENTE EDUCACIONAL
EDUCANDO
Experiências prévias
Estilos de aprendizagem
Motivação
Percepção de relevância
APRENDIZADO
Figura 1. Representação esquemática dos principais fatores que afetam o aprendizado, relacionados ao ambiente educacional, modificada
e adaptada a partir do esquema apresentado em Hutchinson.3
268
Troncon LEA. Ambiente educacional Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):264-71
http://revista.fmrp.usp.br/
Dentre os fatores de importância inquestioná-
vel, talvez o de maior relevância seja o envolvimento
pessoal do educando 3. Este, por sua vez, depende da
sua motivação para aprender, bem como do seu con-
vencimento sobre a relevância do conhecimento que
será aprendido, ou das habilidades e competências que
serão incorporadas ou desenvolvidas 3. Tanto a moti-
vação para aprender e a noção da relevância do que
será aprendido são influenciadas pelas experiências
prévias do educando, bem como pelo contexto e pelo
ambiente em que se dá o aprendizado. Por fim, cada
estudante tem um estilo de aprendizado preferido,
sendo alguns mais eficazes do que outros.8
Com relação à motivação do estudante ou edu-
cando, A. Maslow, citado por Linda Hutchinson 3,
afirma que ela está ligada a um senso de “auto-reali-
zação”, que somente é alcançado se sua auto-estima
estiver preservada. Esta preservação é determinada
pelo senso de pertencimento ao grupo do qual o edu-
cando participa, o que, por sua vez, depende de o es-
tudante se sentir seguro para manifestar suas opini-
ões e pontos de vista. No entanto, todo este encadea-
mento de percepções se assenta em uma mesma base,
que é o atendimento às “necessidades fisiológicas”
do educando, expressão que, neste caso, estão liga-
das ao seu conforto e bem-estar físico. Este conjunto
de relações, que descreve os requisitos para que a
motivação para o aprendizado ocorra, passou a ser
denominado como “Hierarquia de Maslow” e está
representado na Figura 2.
A “Hierarquia de Maslow” 3, tal como repre-
sentada na Figura 2, constitui um bom modelo para o
entendimento da importância do ambiente educacio-
nal no aprendizado do educando. De fato, o atendi-
mento ao bem estar físico do estudante, que constitui
a base sobre a qual se assentam os outros elementos,
depende da presença dos elementos materiais do am-
biente educacional, enquanto que a segurança, o sen-
so de pertencimento e a preservação da auto-estima
estão ligados aos seus elementos afetivos (Quadro I).
De fato, o estudante colocado em uma sala com tem-
peratura inadequada, barulhenta, com cadeiras
desconfortáveis e com vários focos de distração visu-
al ou auditiva, provavelmente, não vai conseguir con-
centrar-se ou animar-se para a atividade, o que pode
afetar negativamente a sua motivação, bem como afe-
tar a sua noção de relevância do conhecimento que
será aprendido. Da mesma maneira, o estudante que
é ignorado pelos colegas ou pelo professor, ou que é
ridicularizado quando apresenta sua opinião dificil-
mente se sentirá disposto a se engajar nas atividades
propostas de modo a efetivamente aprender.
É importante ressaltar que as considerações fei-
tas anteriormente dizem respeito à motivação intrín-
seca para aprender, que, diga-se de passagem, é tida
como a que mais se associa ao um aprendizado efeti-
vo e duradouro, mas que se diferencia da motivação
extrínseca. Esta é representada por estímulos exter-
nos, que podem ser tanto positivos, como prêmios ou
gratificação emocional, como negativos, como o medo
AUTO-REALIZAÇÃO
AUTO-ESTIMA
SENSO DE PERTENCIMENTO
SEGURANÇA
NECESSIDADES FISIOLÓGICAS
Figura 2. Representação esquemática da “hierarquia de Maslow”, sobre os determinantes da motivação do estudante para o aprendizado,
modificada e adaptada do esquema apresentado em Hutchinson.3
269
Troncon LEA. Ambiente educacional
Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):264-71
http://revista.fmrp.usp.br/
de punições ou reprimendas.9 Embora esta discussão
extrapole o escopo deste texto, muitos entendem que
o aprendizado influenciado pela motivação intrínse-
ca, ou “desejo de aprender”, é mais profundo e dura-
douro, enquanto que o aquele determinado pela moti-
vação extrínseca é mais superficial e fugaz.
DeterDeter
DeterDeter
Determinantes do ambienteminantes do ambiente
minantes do ambienteminantes do ambiente
minantes do ambiente
educacionaleducacional
educacionaleducacional
educacional
A Figura 1 mostra que o ambiente educacional
é determinado por fatores ligados à instituição e, em
especial, ao professor. Os estudantes, também, desem-
penham um importante papel na manutenção e no
aprimoramento do ambiente educacional, além de,
como já foi dito, serem afetados por ele.
A instituição ou escola constitui o principal res-
ponsável pela provisão de condições materiais para o
bom desenvolvimento do aprendizado. Além disso, é
a instância responsável pelo estabelecimento do pro-
jeto político pedagógico dos cursos, do qual deriva a
estrutura curricular e as formas de avaliação do estu-
dante. A instituição ou escola é também a instância
que se encarrega da contratação e do treinamento dos
professores, do estabelecimento de políticas para a
valorização da sua atuação no ensino, bem como do
controle da qualidade da sua atuação no ensino, o que,
naturalmente, tem implicações no ambiente educa-
cional.
Currículos pouco flexíveis, excessivamente cen-
trados na instituição e no professor, com pouca mar-
gem para os estudantes escolham atividades e conteú-
dos a aprender, provavelmente determinarão um am-
biente educacional menos favorável. Da mesma for-
ma, a falta de explicitação ou de clareza quanto aos
objetivos, programas e métodos de ensino, de um lado,
e propostas de avaliação do estudante focadas predo-
minantemente no domínio cognitivo e com finalida-
des exclusivamente somativas, sem a preocupação com
o componente formativo, de provisão de devolutivas
ao estudante, contribuirão fortemente para que se te-
nha um ambiente educacional pouco saudável.
Políticas de contratação de professores e estra-
tégias para o seu desenvolvimento pela instituição,
incluindo a definição do que é ou não é valorizado,
dentre os diferentes papéis desempenados pelos mem-
bros do corpo docente, tem, também, claras repercus-
sões no ambiente educacional. Adicionalmente, a ins-
tituição contribui para a criação de ambiente educa-
cional positivo ao demonstrar preocupação efetiva
com a trajetória dos estudantes e oferecendo apoio
aos que encontram maiores dificuldades para se adap-
tar ao meio e para aprender.
O professor é talvez o determinante mais im-
portante do ambiente educacional, bem como é fre-
quentemente o responsável pela sua manutenção em
condições favoráveis e pelo seu aperfeiçoamento. Por
esta razão, os professores devem ser vocacionados
para a atividade didática e preparados para trabalhar
com os estudantes. Além de necessariamente deter
familiaridade com o conteúdo, devem ter domínio
satisfatório dos princípios do aprendizado e das téc-
nicas de ensino, bem como conhecer a importância
do seu papel na manutenção e no aperfeiçoamento de
ambiente educacional favorável ao aprendizado dos
estudantes. No exercício deste papel, o entusiasmo
demonstrado nas atividades educacionais é, sem dú-
vida, um elemento de grande influência na percepção
do estudante sobre a relevância do que deve ser apren-
dido. Mais ainda, o comportamento do professor e
suas demonstrações de relacionamento adequado com
os estudantes funcionam como modelo para o seu
desenvolvimento pessoal e profissional, mesmo que
o professor não tenha conhecimento disto.
Os estudantes também constituem elementos
importantes na determinação da qualidade do ambi-
ente educacional. Isto se dá não só mediante a sua
interação com a instituição e com o corpo docente,
exercida pela representação discente, mas também
pelo seu comportamento com os colegas nas diferen-
tes atividades educacionais. Junto com os professo-
res, os estudantes tem a responsabilidade de interagir
favoravelmente com os colegas mais retraídos, esti-
mulando-os e favorecendo a sua integração com o
grupo, bem como evitando comportamentos abusivos
que levam à exclusão e à perda de confiança dos atin-
gidos. É importante que, ao invés do estímulo ao
aprendizado e desenvolvimento pela competição en-
tre os estudantes, estes, junto com os professores,
contribuam para que a criação de uma ambiente de
colaboração entre os colegas, para que todos atinjam
as finalidades dos processos educacionais.
AA
AA
Avv
vv
valiação do ambiente educacionalaliação do ambiente educacional
aliação do ambiente educacionalaliação do ambiente educacional
aliação do ambiente educacional
Considerando a importância do ambiente edu-
cacional para o aprendizado e o desenvolvimento pes-
soal dos estudantes, não é difícil compreender a rele-
vância de se conhecer a fundo as características dos
ambientes das várias instituições, para que os elemen-
270
Troncon LEA. Ambiente educacional Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):264-71
http://revista.fmrp.usp.br/
tos positivos sejam mantidos e reforçados e os aspec-
tos negativos sejam eliminados ou corrigidos. De fato,
a preocupação dos educadores com a avaliação do
ambiente educacional é antiga.
Barry Fraser, em revisão publicada em 199810,
assinala nove diferentes instrumentos de avaliação do
ambiente educacional, aplicáveis genericamente a
qualquer processo de ensino e aprendizado, com foco
nos seus aspectos psicossociais. Mais recentemente,
Soemantri e colaboradores11, em revisão sistemática
da área de avaliação do ambiente educacional, encon-
traram publicações sobre 31 diferentes técnicas, no
período entre 1966 e 2010. Estas técnicas foram apli-
cadas tanto para o ensino de graduação, como para o
treinamento pós-graduado, em diferentes profissões
da saúde. Nesta revisão, concluíram que quatro ins-
trumentos específicos parecem ser os mais adequa-
dos, por preencherem requisitos de validade e fide-
dignidade ou confiabilidade. Um deles, o DREEM
(Dundee Ready Education Environment Measure)
desenhado originalmente para ser um instrumento
“universal”12 adquiriu grande popularidade e tem sido
aplicado em várias partes do mundo, bem como ser-
vido de base para o desenvolvimento de outros ins-
trumentos, de uso mais particularizado. Entre este, é
mister assinalar a sua adaptação no Brasil, para a ava-
liação do ambiente educacional de treinamento de
médicos residentes.13
O DREEM foi desenvolvido na Escócia, a par-
tir da opinião de estudantes e professores, sendo de-
pois submetido à apreciação de 48 professores em
meio de carreira, provenientes de 22 diferentes paí-
ses.12 Este instrumento é composto por cerca de 50
afirmações, que abordam diferentes dimensões ou sub-
escalas (Quadro III), em relação às quais, os estudan-
tes devem manifestar explicitamente concordância ou
discordância.
É importante destacar que a avaliação do am-
biente educacional dever ter o sentido de obter infor-
mações sobre este importante determinante do apren-
dizado e do desenvolvimento do estudante que subsi-
diem a tomada de medidas visando o seu aperfeiçoa-
mento, de modo a aumentar a qualidade dos proces-
sos educativos.
Principais pontos de interesse
• O ambiente educacional, entendido como um con-
junto de elementos materiais e afetivos que circun-
Quadro III. Componentes do ambiente educacional.
I. CONDIÇÕES DO ENSINO
(Ex.: sinto-me estimulado, percebo com clareza os ob-
jetivos, tenho noção de que o tempo está sendo bem
utilizado, tenho liberdade para construir o meu apren-
dizado...)
II. ATUAÇÃO DOS PROFESSORES
(Ex.: comunicam-se bem, conhecem bem a matéria, são
bons para dar devolutiva aos estudantes, não são auto-
ritários...)
III. PERCEPÇÃO ACADÊMICA DE SÍ PRÓPRIOS
(Ex.: sou capaz de memorizar tudo o que preciso, per-
cebo como relevante tudo que tenho que aprender, sin-
to-me preparado para esta profissão, estou confiante que
vou passar este ano...)
IV. ATMOSFERA EDUCACIONAL
(Ex.: o clima durante as aulas é relaxado, sinto-me à
vontade para fazer perguntas, sinto-me confortável en-
tre os meus colegas de classe...)
V. PERCEPÇÃO SOCIAL DE SÍ PRÓPRIOS
(Ex.: tenho bons amigos nesta escola, sinto que tenho
apoio quando preciso, raramente me sinto aborrecido
neste curso...)
da o educando, constitui um dos principais deter-
minantes do aprendizado;
• O ambiente educacional é determinado por fatores
ligados à instituição, ao professor e ao próprio edu-
cando, que devem contribuir para a sua manuten-
ção e aprimoramento;
• Existem diversos instrumentos construídos e vali-
dados para a avaliação do ambiente educacional,
nos seus vários aspectos;
• A avaliação do ambiente educacional é importante
para fornecer dados e informações, que podem ser
utilizadas para a tomada de medidas visando o seu
aperfeiçoamento, o que implicará em aumento da
qualidade do processo educativo.
271
Troncon LEA. Ambiente educacional
Medicina (Ribeirão Preto) 2014;47(3):264-71
http://revista.fmrp.usp.br/
RR
RR
Refef
efef
eferências Biberências Bib
erências Biberências Bib
erências Bibliolio
liolio
liogg
gg
gráfráf
ráfráf
ráficasicas
icasicas
icas
1. Genn JM. AMEE Medical Education Guide No. 23 (Part 2):
Curriculum, environment, climate, quality and change in medi-
cal education - a unifying perspective. Med Teach. 2001; 23:
445-54.
2. Genn JM. AMEE Medical Education Guide No. 23 (Part 1):
Curriculum, environment, climate, quality and change in medi-
cal education - a unifying perspective. Med Teach. 2001; 23:
337-44.
3. Hutchinson L. ABC of learning and teaching - Educational en-
vironment. BMJ 2003; 326:810-12.
4. Miles S, Swift L, Leinster SJ. The Dundee Ready Education
Environment Measure (DREEM): A review of its adoption and
use. Med Teach. 2012; 34: e620–34.
5. Pimparyon P, Roff S, McAleer S, Poonchai B, Pemba S. Edu-
cational environment, student approaches to learning and aca-
demic achievement in a Thai nursing school. Med Teach 2000;
22:359–64.
6. Mayya SS, Roff S. Students’ perceptions of educational envi-
ronment: A comparison of academic achievers and under-
acheivers at Kasturba Medical College, India. Educ Health.
2004; 17:280-91.
ABSTRACT
The educational environment is composed by a number of factors that influence learning and affect aca-
demic performance and student satisfaction. The components of the educational environment are related
to student physiological needs and emotional responses. The educational environment is determined by
the school and the teacher, but student also plays a role in its maintenance and improvement. A variety of
instruments have been described for the evaluation of the educational environment, which could be un-
derstood as a process of collecting data that should inform decision making processes aiming at improv-
ing educational environment. This will result in increased quality of student learning and development.
Key-words: Educational Environment; Learning Climate; Teaching; Learning; Students; Health Professions
Education.
7. Genn JM, Harden RM. What is medical education here re-
ally like? Suggestions for action research studies of cli-
mates of medical education environments. Med Teach.
1986; 8:111–24.
8. Newble DI, Entwistle NJ. Learning styles and approaches: im-
plications for medical education. Med Educ. 1986; 20:162-75.
9. Ryan RM, Deci EL. Intrinsic and Extrinsic Motivations: Clas-
sic Definitions and New Directions. Contemp Educ Psychol.
2000; 25:54-67.
10. Fraser B. Classroom environment instruments: development,
validity and applications. Learning Environments Research
1998; 1: 7-33.
11. Soemantri D, Herrera C, Riquelme A. Measuring the educa-
tional environment in health professions studies: A systematic
review. Med Teach. 2010; 32: 947–52.
12. Roff S, McAleer S, Harden RM, Al-Qahtani M, Ahmed AU,
Deza H, Groenen G, Primparyon P. Development and valida-
tion of the Dundee Ready Education Environment Measure
(DREEM). Med Teach.1997; 19: 295–99.
13. De Oliveira Filho GR, Vieira JE, Schonhorst L. Psychometric
properties of the Dundee Ready Educational Environment
Measure (DREEM) applied to medical residents. Med Teach.
2005; 27: 343–7.