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REOPERAÇÕES
EM
HÉRNIAS INTRA-RAQUEANAS
DOS
DISCOS
INTERVERTEBRAIS LOMBARES
GILBERTO MACHADO
DE
ALMEIDA
*
WALTER
C.
PEREIRA
*
Numerosos trabalhos têm sido publicados a respeito dos resultados ob-
tidos,
com a cirurgia, no tratamento das hérnias de discos lombares, mas,
de maneira geral, apenas alguns têm referido casos que necessitaram reo-
perações. Em 1963, Wolinetz e Rosier3 apresentaram estudo crítico de 15
casos de ciática recidivada após a intervenção. O assunto é interessante
e nos levou a rever os casos reoperados nos Serviços de Neurocirurgia do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (HC) e do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários e
Empregados em Serviços Públicos (IAPFESP). Em cêrca de 360 pacien-
tes (340 no HC e 20 no IAPFESP) submetidos a laminectomias ou hemi-
laminectomias por hérnia discai, 22 foram reoperados (20 no HC e 2 no
IAPFESP) por permanência ou recidiva da sintomatologia. Em 4 dos casos
(2 do HC e 2 do IAPFESP) a primeira intervenção foi realizada em outros
Serviços; nos restantes foi seguida, de maneira geral, a orientação esque-
matizada por Tenuto 2.
Consideramos que a primeira intervenção fracassou quando os sintomas
permaneceram inalterados ou quando, após certo tempo, surge sintomatolo-
gia semelhante à anterior, provocada pela mesma hérnia, não reconhecida
no ato cirúrgico ou retirada apenas parcialmente.
As recidivas foram causadas por fibrose pós-operatória, pelo aparecimen-
to de nova hérnia em outro nível ou por herniação do mesmo disco, do
lado oposto. A fibrose pós-operatória pode ter tido importância nos casos
em que o disco foi curetado incompletamente; preferimos, entretanto, colo-
car êstes casos no grupo dos fracassos cirúrgicos, desde que a intervenção
não foi completa.
Os nossos casos foram assim distribuídos: 1 — fracassos por falha téc-
nica na primeira intervenção, 8 casos (em 2 foi explorado o espaço imedia-
tamente acima ou abaixo do disco herniado, em 5 o disco não foi retirado
ou sua curetagem foi incompleta e em um a sintomatologia persistiu pela
presença de corpo estranho); 2 — recidivas, 14 casos (4 por fibrose pós-
operatória, 9 por hérnia em outro disco e um por herniação no mesmo
nível, no lado oposto).
Trabalho
da
Clinica
Neurológica
da
Faculdade
de
Medicina
da
Universidade
de São
Paulo
(Prof.
Adherbal
Tolosa): * Neurocirurgiões.
Fracass-os por ter sido explorado o espaço errado (2 casos) — Em um
caso havia comprometimento das raízes S1, porém, a mielografia mostrou
imagem típica de hérnia de disco bilateral em L4-L5. Na primeira inter-
venção não foi encontrada lesão discai, por ter sido feita laminectomia
L3-L1. O quadro clínico permaneceu inalterado e a revisão mielográfica
mostrou imagem idêntica à observada no pré-operatório. Nôvo ato cirúr-
gico permitiu exerese do disco herniado.
No outro doente a sintomatologia surgiu após traumatismo raqueano
(queda), sendo comprometida a raiz S1 à esquerda. A mielografia eviden-
ciou imagem lacunar típica em L5-S1 à esquerda; entretanto, por engano,
foi feita hemilaminectomia L4-L5, sendo encontrada pequena hérnia. Estra-
nhamente a paciente melhorou, passando bem durante 4 anos depois do que,
após nova queda, surgiu sintomatologia semelhante à anterior; o exame
radiológico mostrou imagem lacunar bilateral em L5-S1, tendo a intervenção
cirúrgica confirmado a existência de grande hérnia discai a êste nível. £
difícil explicar, neste caso, a melhora obtida após o primeiro ato operatório.
Podemos supor, entretanto, que o repouso tenha determinado regressão da
sintomatologia que reapareceu após a segunda queda.
Fracassos por ter sido feita operação incompleta (5 casos) — Quatro
dêstes pacientes haviam sido operados em outros Serviços, o que não nos
permitiu saber exatamente o que foi encontrado no primeiro ato cirúrgico.
O que nos foi informado é que, após a intervenção, a sintomatologia per-
maneceu inalterada ou sofreu melhora transitória. Os exames mielográficos,
feitos antes das reoperações, mostraram sempre imagens lacunares grandes
e bilaterais em 4 doentes. No único caso em que foi possível comparar as
mielografias feitas antes e depois da primeira intervenção cirúrgica verifi-
camos que a imagem lacunar permaneceu pràticamente inalterada.
Na revisão operatória sempre foi encontrada fibrose; entretanto, o que
mais nos chamou a atenção foi o encontro de volumosa hérnia (3 casos)
ou de restos discais (2 casos). Os 3 doentes com disco herniado intacto
haviam sido operados em outros Serviços e, portanto, não dispomos de dados
precisos a respeito da primeira intervenção. Estes casos comprovam a ine-
ficiência das operações propostas com fins sòmente descompressivos. Nos
outros dois enfermos a persistência de fragmentos discais, continuando a es-
tirar a raiz, mostra a necessidade de ser feita curetagem completa do disco.
Fracasso provocado por corpo estranho (1 caso) — A paciente apre-
sentava quadro clínico e mielográfico típico de hérnia entre L5-S1 à direita.
Foi feita hemilaminectomia no nível correspondente e curetado o disco com-
prometido. No pós-operatório a sintomatologia persistiu e mesmo se inten-
sificou, tendo sido indicada nova mielografia, a qual mostrou bloqueio total
ao nível de L5. Na reoperação, foi verificada a existência de intensa fibrose
e de uma bola de algodão ao nível do bloqueio.
Recidivas por fibrose (4 casos) — Nestes doentes houve melhora da
sintomatologia por períodos que variaram de 6 meses a 5 anos (média 24
meses). Em dois casos, a recidiva foi precipitada por esfôrço violento e,
em todos, o quadro clínico assemelhava-se ao apresentado anteriormente.
Nas revisões mielográficas havia, em todos os casos, grande estreitamento
do saco durai no nível operado, determinando mesmo, em 3 casos, bloqueio
parcial ao trânsito do contraste. Nas reoperações, apesar de terem sido
realizadas laminectomias relativamente amplas, nada foi encontrado além de
intensa e extensa fibrose. Entretanto, existem alguns argumentos que su-
gerem não ter sido êste elemento o único responsável pela recidiva: a)
existiu sempre intervalo relativamente longo entre a intervenção e o reinício
da sintomatologia; b) em dois pacientes a recidiva seguiu-se à realização
de esfôrço; c) em outros doentes reoperados (casos de recidiva causada
por hérnia discai em nível diferente) encontramos fibrose semelhante, sem
o quadro clínico correspondente. Ê possível, portanto, que outros elementos,
provàvelmente relacionados com a estática da coluna, tenham atuado.
Recidivas pela ocorrência de hérnias em outro nível (9 casos) — A
sintomatologia recidivou após período de 6 meses a 12 anos (média 41/2 anos);
a não ser em um caso, o reinício do quadro clínico pôde ser correlacionado
a traumatismo ou a esfôrço físico mais ou menos violento. É interessante
referir, como foi salientado por Wolinetz e Rosier3, que a maioria dêstes
doentes exercia funções que exigiam esforços físicos violentos ou propicia-
vam traumatismos repetidos, facilitando a instalação de verdadeira doença
discai.
Especificamos abaixo o nível e o lado das hérnias discais encontradas
nas duas intervenções, chamando a atenção para o fato de que, na maioria
dos casos, elas se localizavam em lados opostos:
No que se refere à mielografia, julgamos indispensável seu emprêgo
nos casos de recidiva. Êste exame orientou sempre o diagnóstico correto
se bem que, em alguns casos, sua interpretação tivesse sido dificultada, em
parte, pela fibrose peridural. A Êste respeito é importante salientar que
em dois pacientes existia, no nível em que havia sido realizada a primeira
intervenção, bloqueio parcial ao trânsito do contraste, semelhante ao obser-
vado em 3 doentes incluídos no grupo anterior. Entretanto, havia, nos dois
casos aqui relatados, sintomatologia imputável à nova hérnia discai e não
à fibrose pós-operatória.
De maneira geral as reoperações requerem laminectomias amplas, pro-
piciando o exame, não só do nível correspondente à nova hérnia, mas, tam-
bem, do local da primeira intervenção. Foi sempre encontrada fibrose de
maior ou menor intensidade, semelhante à observada nos casos de recidiva
nos quais apenas êste elemento foi encontrado.
Recidiva de hérnia no mesmo disco, do lado oposto (1 caso) — Êste
paciente apresentou, após queda, sintomatologia radicular correspondente à
raiz L5, do lado direito. A mielografia mostrou imagem lacunar entre L4-L-
à direita e o ato cirúrgico (hemilaminectomia) confirmou o diagnóstico.
O doente passou bem por 5 anos e, após nova queda, voltou a sentir dor,
agora com irradiação correspondente à raiz L5 esquerda. A revisão mielo-
gráfica mostrou imagem lacunar entre L4-L5, do lado esquerdo. No ato
cirúrgico (hemilaminectomia L4-L5 esquerda) foram retirados fragmentos
discais expulsos.
Neste caso, uma curetagem mais completa do disco talvez tivesse evi-
tado a recidiva. Não o incluímos, porém, entre os doentes operados incom-
pletamente, pois, após a primeira intervenção, houve melhora acentuada
por período de 5 anos e a recidiva ocorreu do outro lado e após nôvo
traumatismo.
COMENTÁRIOS
Muito se tem discutido a respeito da necessidade dos exames radioló-
gicos contrastados em pacientes com lombociatalgia. Alguns autores defen-
dem a mielografia (com contraste lipo ou hidrossolúvel), outros a discogra-
fia; alguns prescindem, na maioria dos casos, da radiologia contrastada.
Entretanto, quando se trata de estudar nova indicação cirúrgica em doente
que já foi operado parece-nos que a mielografia é obrigatória, tanto para
julgar da necessidade de reoperar como para orientar o ato operatório.
Empregamos de rotina a mielografia com contraste lipossolúvel; outros pre-
ferem os hidrossolúveis3. A discografia não se justifica nestes casos, pois
é impossível realizá-la no nível operado e, se realizada em outros níveis,
não forneceria indicação sôbre a existência de elementos importantes tais
como fibrose pós-operatória ou presença de corpos estranhos.
Os resultados das reoperações podem ser considerados bons nos doentes
em que pode ser retirada compressão causada por corpo estranho (1 caso)
ou por hérnia discai (7 vêzes no mesmo local da primeira operação e 10
vêzes em locais diferentes). Conforme foi referido acima, o papel desem-
penhado pela fibrose peridural na eclosão da sintomatologia parece-nos du-
vidoso e, nos 4 casos em que ela foi o único elemento encontrado, o resul-
tado da reoperação foi precário.
De maneira geral as reoperações levaram o resultados favoráveis, jus-
tificando estudo mais aprofundado dos casos considerados como fracassos ci-
rúrgicos ou recidivas.
A análise dos nossos casos mostra que em 8 pacientes a reoperação
poderia ter sido evitada: em dois a exploração foi feita em espaço errado;
em 3 a operação constou apenas de retirada da lâmina; em 2 o disco não
foi curetado completamente e, em um, foi deixado corpo estranho. No
caso em que houve aparecimento de nova hérnia, no mesmo disco mas do
lado oposto, talvez a recidiva não ocorresse se a curetagem tivesse sido
mais completa. Em 9 doentes a reoperação foi devida ao aparecimento de
nova hérnia discai em outro nível;
êste
grupo mostra a necessidade da ma-
nutenção de cuidados pós-operatórios (fisioterapia) e de recomendar que
os pacientes evitem esforços físicos. Nos 4 casos em que foi encontrada
apenas fibrose peridural persistem dúvidas no que diz respeito à explicação
da sintomatologia e, portanto, sôbre o que poderia ser feito para evitar
a recidiva.
No que se refere à técnica cirúrgica, cumpre salientar novamente a
necessidade de curetagem completa do espaço correspondente ao disco her-
niado,
estando contra-indicadas, por ineficientes, as operações chamadas des-
compressivas.
RESUMO
Geralmente as reoperações, em doentes com hérnia intra-raqueana dos
discos intervertebrais lombares, proporcionam resultados satisfatórios, justi-
ficando estudo mais acurado dos casos considerados como fracassos cirúrgicos
ou recidivas. Num total de 360 laminectomias e hemilaminectomias por
hérnias discais foram encontrados 22 casos que exigiram reoperações. Os
casos foram assim distribuídos: 1 — fracassos por falhas técnicas na pri-
meira intervenção, 8 casos (em 2 foi explorado o espaço situado acima ou
abaixo do disco herniado, em 5 o disco não foi retirado ou sua curetagem
foi incompleta e em um a sintomatologia persistiu devido à presença de
corpo estranho); 2 — recidivas, 14 casos (4 por fibrose pós-operatória, 9
por hérnia em outro disco e um por herniação no mesmo nível, do lado
oposto.
A análise do material apresentado permite salientar que: há necessidade
de curetagem completa do disco lesado; as operações descompressivas não
são justificadas; no pós-operatório, ao mesmo tempo em que se impõem
cuidados fisioterápicos, os convalescentes devem evitar esforços físicos in-
tensos;
a mielografia é o exame ideal quando se estuda a possibilidade de
reintervenção.
SUMMARY
Reoperations on patients with herniated lumbar disc.
As reoperations on patients with lumbar disc herniation are usually
successful, a careful study of the cases considered as surgical failures or
relapses was made. Among 360 laminectomies and hemilaminectomies for
herniated lumbar disc 22 cases needed to be reoperated on. The cases were
classified in two groups: 1 — failure caused by technical problems at the
first operation, 8 cases (in two of them a wrong disc was explored, in 5
the disc was not removed or was only partially curetted, in one a cotton
pad was left); 2 — relapses, 14 cases (4 were caused by fibrosis, 9 by
a new prolapse in another disc and one by herniation in the same disc, at
the other side).
This study allowed the following conclusions: decompressive operations
are not justified; the herniated disc must be completely curetted; after ope-
ration the patient must have physiotherapie care and avoid physical strain;
myelography is the best test to be done when reoperation is considered.
REFERÊNCIAS
1.
SICARD, A. — Résultats du traitement chirurgical des sciatiques (d'après
3000 cas opérés). Bull. Acad. Nat. Med. (Paris) 147:469-474, 1963. 2. TENUTO,
R. A. — Hérnias intra-raqueanas dos discos intervertebrais lombares: resultados da
excisão de 128 casos. Arq. Neuro-Psiquiat. (São Paulo) 17:23-56, 1960. 3. WOLI-
NETZ, E. & ROSIER, M. — Étude critique de quinze cas de sciatique récidivant
après l'intervention. Neuro-chirurgie 9:124-127, 1963.
Clínica Neurológica — Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Uni-
versidade de São Paulo — Caixa Postal 3461 — São Paulo, Brasil.