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ISSN 1808-4281
Estudos e Pesquisas em Psicologia
Rio de Janeiro v. 14
n. 1 p. 65-88 2014
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Estresse, Doença do Tempo: um estudo sobre o uso
do tempo pelos executivos brasileiros
Stress, a Disease Related to Time: a study about Brazilian top
managers schedules
Betania Tanure*
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG, Belo Horizonte, Minas
Gerais, Brasil
Antonio Carvalho Neto**
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG, Belo Horizonte, Minas
Gerais, Brasil
Carolina Maria Mota Santos***
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG, Betim, Minas Gerais,
Brasil
Roberto Patrus****
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG, Belo Horizonte, Minas
Gerais, Brasil
RESUMO
O objetivo deste artigo é verificar a percepção do tempo para os executivos
brasileiros e a sua relação com o estresse. Os dados da pesquisa, que
conjugou estratégia quantitativa e qualitativa, demonstram que o estresse
está diretamente relacionado com o uso do tempo. Há diferença
estatisticamente significativa quanto ao grau de satisfação no trabalho entre
as pessoas que trabalham de 8 a 9 horas e as que trabalham 12 horas ou
mais. Nesse último caso, a freqüência de sintomas de estresse é maior. O
tempo dos altos executivos é abordado como algo autônomo, abstrato,
independente, tal qual a concepção de tempo associada à concepção
mecanicista da natureza. Não por acaso, o estresse já foi caracterizado como
uma doença do tempo.
Palavras-chave: executivos, estresse, tempo.
ABSTRACT
The aim of this article is to verify the perception of Brazilian executives
about the relation between time and stress. The research that conjugated
quantitative and qualitative data shows that stress is directly related with
time schedule. There is significant statistical difference as to the satisfaction
level at work among people that work from 8 to 9 hours daily and those who
work 12 hours or more. In this last case the stress symptoms are larger. Top
executives approach time as something autonomous, abstract, independent,
associating time to the mechanical conception of nature. Not by chance,
stress was already characterized as a disease of time.
Betania Tanure, Antonio Carvalho Neto, Carolina Maria Mota Santos, Roberto Patrus
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pelos executivos brasileiros
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Keywords: executives, stress, time.
1 Introdução
O estresse já foi caracterizado como a doença do tempo (Pena,
2002). Associado pelo senso comum ao deus Crono, da mitologia
grega, o tempo tudo constrói, tudo destrói. No mito grego, Crono
destruía a sua própria criação ao devorar os próprios filhos, para o
desespero de sua mulher, Réia. O tempo possibilita ao ser humano a
criação da sua história. O estresse, como doença do tempo, destrói a
qualidade de vida do indivíduo, que se vê “sem tempo” para realizar
suas responsabilidades e desenvolver suas relações afetivas. A pressa
é “a alma dos nossos negócios”, canta Paulinho da Viola. Andamos
acelerados, a 100 quilômetros por hora, como na canção.
Toda concepção de tempo está relacionada com uma determinada
concepção de mundo. Na concepção de mundo contemplado, própria
do período clássico, greco-romano, em que a medida do tempo é
feita pela natureza, o estresse no trabalho não poderia ser associado
ao tempo. É na concepção de um mundo fabricado, própria do
período moderno, em que a medida do tempo é feita por um artefato
que mede as horas artificialmente, que tempo e estresse se
relacionam de modo inextrincável, como no caso dos executivos, alvo
do presente estudo.
Além dessa introdução, o trabalho tem mais quatro seções. O
referencial teórico está dividido em duas partes. A primeira aborda o
tempo em suas duas concepções, a natural e a moderna. Ambas são
relacionadas com a forma de mensuração e de percepção do tempo,
respectivamente, com o relógio de sol e com o relógio mecânico. A
segunda parte do referencial teórico traz a descrição das tipologias
básicas de estresse, a partir de uma leitura cuidadosa de autores
como Selye (1959; 1965; 1974), Albrecht (1990), Cooper (1988) e
autores brasileiros como Moraes, Pereira, Lopes, Rocha, Ferreira e
Portes, (2001), Couto (1987) e Lipp (1996). A terceira seção do texto
aborda os procedimentos metodológicos da pesquisa empírica. A
estratégia de investigação recaiu sobre o método misto qualitativo-
quantitativo, como explica Creswell (2003), onde um complementa o
outro. Dessa pesquisa, foram selecionados os dados quantitativos e
qualitativos que associam o estresse ao tempo, como o objetivo de
verificar a percepção do tempo para o público-alvo pesquisado e a
sua relação com o estresse. A quarta seção traz os resultados da
pesquisa empírica, no tocante aos dados que cruzam o estresse e o
tempo de trabalho. A quinta e última seção trata das considerações
finais, onde se procura relacionar a reflexão teórica sobre o tempo
com os dados da pesquisa sobre o estresse.
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Sem deixar de considerar outros fatores que podem desencadear
desordens psicossomáticas, o corte para a apresentação dos dados foi
o tema “tempo”. A compreensão moderna de estresse está
relacionada com a concepção de um tempo autônomo, artificial, que
mede as horas independentemente da natureza. Embora o alto
executivo aparentemente tenha muito mais controle sobre a sua
agenda do que a maioria dos trabalhadores da base da hierarquia
organizacional, ele se vê refém de condicionantes do macro ambiente
empresarial, da roda viva dos negócios. O tempo lhe é autônomo,
visto como uma roda viva, uma entidade impessoal e abstrata.
2 Referencial teórico
2.1 Duas concepções de tempo, duas formas de medi-lo
A mensuração do tempo é feita pelo relógio. A palavra relógio tem
sua origem etimológica na palavra grega horológion, composta por
hora, horas, e por lego, dizer. Literalmente, significa o que diz as
horas. Em latim, se diz horologiu, em italiano, orologio, em francês,
horloge, e em espanhol, reloj. Para cada concepção de mundo, temos
uma forma diferente de medir o tempo, ou seja, um tipo de relógio. A
concepção contemplativa do mundo corresponde ao relógio de sol. A
concepção mecanicista de mundo, moderna, corresponde ao relógio
mecânico.
2.1.1 A concepção contemplativa de mundo e o relógio de sol
Os astrônomos foram os primeiros homens a se ocuparem da
medição do tempo, usando o movimento regular dos astros.
Primitivamente, o homem dividiu o tempo em noite e dia. O passo
seguinte foi o fracionamento do período diurno em certo número de
partes, que podemos hoje chamar de horas, e isso aconteceu graças
ao movimento da sombra dos corpos iluminados pelo Sol (Barnnet,
1998).
O relógio de sol não pode ser entendido como um relógio na
concepção moderna do termo, pois não era um artefato
imprescindível para o homem antigo. Os calendários com anos,
meses e semanas foram desenvolvidos bem antes do que as horas.
Para uma cultura então essencialmente agrária, o que interessava
eram as estações do ano. Não havia necessidade de contar as horas,
e sim conhecer as estações e a melhor época para o plantio e para a
colheita. Quando as horas começaram a ser medidas, apenas as
horas do dia eram contadas. Por muitos séculos, não se mediu o
tempo da noite. A noite era útil apenas para dormir, por isso não
havia razão para tentar medir suas horas (Barnett, 1998:17).
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O primeiro relógio foi encontrado no Egito. Tratava-se de uma
simples estaca presa ao chão, que indicava o tempo através do
deslocamento da sombra do Sol. As sombras se deslocam para o
oeste pela manhã, quando o Sol está no leste, e se movem para o
leste durante a tarde, quando o Sol cruza em direção ao céu
ocidental. Um outro relógio de sol, também egípcio, foi encontrado
em 1500 a.C. É mais avançado que o anterior porque permite uma
calibração das mudanças da sombra à medida que o sol fica mais alto
no céu. Ao meio-dia, a direção do instrumento necessita ser mudada
para continuar medindo as outras seis horas da tarde.
É importante ter em conta que as horas medidas pelos relógios de sol
são temporárias, ou seja, não são as mesmas horas que usamos hoje
para medir o tempo. Ainda que eles tenham condições de medir
partes do dia – dia entendido como intervalo entre o nascer e o pôr
do sol – isso não significa que as horas medidas antigamente tenham
os sessenta minutos da hora de hoje. Nossas horas de hoje são as
mesmas durante todo o ano, todas têm sessenta minutos. Mas, para
os antigos, uma hora no verão era bem mais longa do que uma hora
no inverno. De fato, apenas no Equador as horas seriam iguais. As
horas do relógio de sol são horas temporárias, não uniformes, elas
variam de acordo com a estação e o momento do dia.
Em essência, o relógio de sol é a esquematização de uma árvore que
produz uma sombra e sua trajetória durante a passagem do dia. É
um artefato que não transforma a natureza, apenas a reproduz.
Aproxima-se do que Ortega y Gasset (1998) chama de instrumento,
um prolongamento da natureza, pertinente ao estágio primitivo da
técnica.
O relógio de sol preserva a intenção da Física aristotélica de não
alterar a natureza. O homem obedece à natureza na medida em que
é ela quem determina, (falando em termos anacrônicos, isto é,
usando termos modernos que não seriam utilizados naquela época), a
duração ou a quantidade de minutos de uma hora. O relógio de sol
estuda o tempo em condições reais. Tão reais que quem determina a
duração do dia são as estações do ano. O relógio de sol é um artifício,
mas não tem função sem a natureza. Trata-se de um artifício que não
pode abrir mão da natureza. É uma continuação dela.
Também o movimento no relógio de sol é natural. Não há nesse
artefato um movimento sequer que seja movido por um empurrão ou
arrastão, ou seja, pelo que Aristóteles chamou de movimento
violento. O mundo devia ser contemplado, o homem deveria curvar-
se às leis da natureza. O homem antigo se adaptava à natureza, por
isso o seu instrumento para medir o tempo teria de respeitar a
natureza. O relógio de sol é um artefato que reproduz a natureza, ou,
literalmente, acompanha o movimento do Sol. O tempo natural
determinava suas atividades de trabalho na terra. O registro do
tempo é um espelho (sombra) da natureza e o homem antigo
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obedecia às suas determinações. Ele ia se deitar assim que o Sol se
punha no oeste e só se preparava para o trabalho ao amanhecer. O
momento de trabalhar estava diretamente relacionado com a luz do
dia. O pôr-do-sol determinava a hora de parar de trabalhar. A
natureza era quem controlava a agenda do homem antigo. Nos dias
frios de inverno, trabalhava por menos tempo e dormia um pouco
mais.
A concepção de mundo subjacente ao relógio de sol é a de um mundo
natural que deve ser contemplado. Para os antigos, não compete ao
ser humano alterar a ordem da natureza. É o homem que deve se
adaptar à natureza e não a natureza ao homem. Nessa perspectiva,
não é o homem que determina o momento de trabalhar e o de
descansar, mas a própria natureza, representada pelo movimento do
sol ou pelo corpo que pede repouso.
A reflexão sobre o estresse no trabalho e sua associação com o
tempo só é possível quando tempo é concebido como uma entidade
autônoma, artificial, algo abstrato que existe por si mesmo. O
estresse como doença do tempo não seria concebível se o tempo
fosse pensado como no mundo contemplado dos antigos. Se as horas
fossem temporárias, o executivo e o operário se adaptariam à
natureza. É somente com a compreensão do tempo como entidade
autônoma que o ser humano se vê obrigado a cumprir prazos,
independentemente da temperatura fria ou escaldante. A concepção
moderna de tempo é o que será visto a seguir.
2.1.2 A concepção mecanicista de mundo e o relógio mecânico
O relógio mecânico é um mecanismo de engrenagens dotadas de
algum elemento regulador que contém o movimento do sistema,
mantendo sua rotação em um ritmo simétrico. A primazia da criação
de um escape mecânico é atribuída ao povo da China. Seu inventor
seria o monge budista, notável matemático e astrônomo de seu
tempo, I-Hsing (682-727). Os relógios mecânicos, desde o início até
fins da Idade Média (1300-1450), foram festejados de tal forma que
foram considerados como símbolos do equilíbrio, da sabedoria e da
virtude. Grande parte dos relógios construídos nesse período, ou
mesmo posteriormente, apresentavam figuras e desenhos alusivos a
essas qualidades que o homem deveria possuir (Barnett, 1999).
O relógio mecânico é formado por um conjunto de peças combinadas
entre si que funcionam juntas com a finalidade de medir as horas,
minutos e segundos. O relógio usa uma peça de metal flexível, a
mola principal, que é enrolada e liberada. O tempo indicado no
mostrador pelos ponteiros é o tanto que a mola principal se
desenrolou. O movimento dos ponteiros é causado pelo giro das
rodas que movem umas as outras, a partir da energia fornecida pela
mola principal.
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O relógio mecânico pressupõe uma concepção mecanicista do mundo,
cujo principal articulador foi o filósofo francês Descartes (1596-1560),
pai do racionalismo moderno. Para Descartes, o comportamento da
natureza tem como modelo a máquina. O mundo não é como um
organismo biológico (como imaginava Aristóteles), mas como uma
máquina (Descartes, 1989). O relógio mecânico é um produto do
homem, não é natural, é um artefato, é uma máquina. Nele não há
movimento espontâneo, gerado pela natureza. Ao contrário do relógio
de sol, a marcação das horas é artificial. Mesmo com o tempo frio e
escuro pela manhã, o relógio mecânico vai marcar a mesma hora
para que se inicie a jornada de trabalho. O trabalhador moderno vai
acordar mesmo que o sol não tenha ainda nascido.
As horas do relógio mecânico não são temporárias. São as mesmas
em todas as estações, têm sempre 60 minutos. “O relógio mecânico
transformou o tempo e os ritmos da natureza em algo abstrato e
autônomo, uma entidade em si mesma” (Barnett, 1999:56). O tempo
se liberou dos eventos da natureza e “sua divisão em unidades
matemáticas iguais foi o momento anterior a este mundo de ciência”
(Barnett, 1999:59). O tempo compreendido como uma entidade criou
a crença da independência do mundo matematicamente mensurável:
o mundo da ciência.
Para Descartes, a matéria tem extensão geométrica. O mundo é
cheio, pois não há espaço vazio. Se há movimento no mundo, quando
uma matéria se move ela provoca movimento em outra matéria, que
provoca movimento em outra matéria, e assim sucessivamente.
Compreender este movimento é conhecer as relações matemáticas e
geométricas entre os corpos que se chocam (Descartes, 1989). O
relógio mecânico é a mais perfeita metáfora dessa concepção da
natureza, pois nele o movimento se sucede por meio do choque e de
precisas disposições matemáticas e geométricas para a verificação
correta das horas do dia e da noite.
O relógio é a metáfora perfeita para descrever o mundo fabricado, o
mundo moderno, ou seja, a concepção mecanicista do mundo que
Descartes inaugura. Segundo Munford (1934), o relógio é o
verdadeiro símbolo da era moderna industrial, e não a máquina a
vapor. Percebemos a importância da imprensa, da eletricidade, do
avião, mas nos esquecemos, em geral, “da suprema importância do
relógio mecânico” (Munford, 1934). Segundo Landes (1983), esses
relógios foram, como são os computadores hoje, a sensação
tecnológica de seu tempo. Internamente, representam o mundo
mecanicista. Externamente, medem o tempo. E não param.
2.2 Estresse: conceitos e tipologias básicas
Estresse é uma palavra derivada do latim stringere, que significa
tração apertada, ou seja, “espremer”. Dada a raiz etimológica, não
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parece coincidência a relação com o tempo “espremido” de quem se
vê estressado. Inicialmente, definições de pressão e carga usadas na
medicina e na engenharia influenciaram a percepção do estresse e de
como medi-lo (Cooper, Cooper & Eaker, 1988; Arnold, Robertson &
Cooper, 1995). Segundo Lipp (1996), por volta do século XVII, os
estudos na área de engenharia apontavam que, para a escolha do
material para construção de pontes e outras estruturas, as
características das cargas tinham que ser levadas em conta. Daí se
origina a idéia de que as pessoas suportam carga emocional, ou que
o trabalho pode ser mais ou menos pesado para algumas pessoas.
As pressões geradas pelas contínuas transformações atuais têm
exigido cada vez mais dos indivíduos, seja em termos de
responsabilidades com o trabalho, seja em sobrecarga adicional de
tarefas, tornando os indivíduos mais vulneráveis às doenças
psicossomáticas e orgânicas, dentro e fora das empresas (Moraes e
Sicoli, 2004). Na década de 1970, Albrecht (1990) já destacava que o
estresse, então uma doença nova e estranha, havia surgido na vida
das pessoas de países altamente industrializados e estava trazendo
um elevado custo em termos de saúde e bem-estar emocional. Para
esse autor, não se trata de uma doença propriamente dita, mas uma
condição de descontrole de uma função fisiológica normal do corpo
humano.
Selye (1959; 1965), completando o conceito de estresse, relaciona
uma série de idéias errôneas e distorcidas existentes sobre o termo.
O autor afirma que o termo estresse era aplicado de forma tão
diversa e confusa que seria mais fácil começar por estabelecer o que
não é estresse. Fraser (1983) também aponta a dificuldade em
definir o termo estresse. Ao falar sobre o conceito, usa estresse e
pressão como sinônimos e afirma que o estresse é subjetivo e
associado à condições emocionais e psicológicas. De fato, o indivíduo
estressado se vê pressionado por uma “roda viva”, percebendo o
tempo como insuficiente para as demandas de terceiros e auto-
impostas. O estresse pode ser definido como um “estado manifestado
por uma síndrome específica, constituída por todas as alterações não-
específicas produzidas num sistema biológico”. (Selye, 1965, p.64).
Apesar de associado a uma falta de compensação do organismo, o
estresse pode indicar equilíbrio. No que se refere às conseqüências
positivas e negativas do estresse, Selye (1974) utiliza os termos
distresse e eustresse. O eustresse é o estresse da realização, é uma
resposta positiva do organismo a um estímulo. Podemos ver com
bons olhos certas experiências e situações de estresse por causa dos
sentimentos positivos que temos diante delas. O eustresse que
acompanha estas experiências é uma parte natural de superação
eficaz de desafios, como os de um cargo administrativo ou de
qualquer outro trabalho profissional (Albrecht, 1990). Rio (1995)
acrescenta que no eustresse há o predomínio da emoção da alegria,
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podendo haver momentos de ansiedade discreta, criativa. Não é raro,
em nossa experiência, encontrar depoimentos de altos executivos que
afirmam adorar a “adrenalina” que o trabalho produz neles, mas que
se queixam da falta de tempo, da sensação de dívida permanente, da
sensação de que nunca havia tempo suficiente para “zerar” as
demandas do trabalho.
Inversamente, o distresse é um fenômeno negativo que pode gerar
danos ao organismo. Há predominância das emoções de ansiedade
destrutiva, medo, tristeza e raiva (Rio, 1995). Albrecht (1990)
acrescenta que o grande inimigo da saúde humana não é a crise
ocupacional, a situação perigosa ou, ainda, a perturbação emocional.
O inimigo é o distresse, o estado prolongado e constante de
preocupação, ansiedade e alerta do qual o indivíduo parece não poder
escapar. Apesar do perigo que o excesso de estresse possa trazer
para a saúde e o bem-estar, isso não significa que se deva eliminar
todo o estresse, pois até a felicidade e a alegria causam o mesmo
(Albrecht, 1990). As reações de estresse são naturais e necessárias
para a vida, mas, sob algumas circunstâncias, elas podem se tornar
prejudiciais ao funcionamento do indivíduo (Limongi-França;
Rodrigues, 1996).
O distresse tem assumido o status de doença. Provavelmente, uma
das razões do estado de distresse acontecer com maior freqüência
neste século é haver maior quantidade de estressores ou mudanças
do que suporta a capacidade humana (Moraes & Kilimnik, 1992 ;
Moraes et al., 2001). Há quase três décadas, Goldberg (1980) já
mencionava a sobrecarga de trabalho, excessiva responsabilidade,
exigências conflitantes no trabalho e ambigüidade de papéis como
origens de distúrbios devidos ao estresse. Todos esses fatores são
acompanhados por uma exigência de curto prazo.
Atualmente, o enorme grau de superação demandado pelo mundo
dos negócios, a busca incessante por melhores resultados e maior
participação no mercado fazem com que as empresas procurem
contar com espécies de super-heróis, buscando profissionais dotados
de competências cada vez mais variadas e sofisticadas, num
movimento de deificação da gerência (Carvalho Neto, Tanure, Santos
& Lima, 2012). Certamente este quadro é o que mais favorece uma
tendência ao distresse (Sant’anna, Moraes & Kilimnik, 2003).
Os executivos estão, mais do que nunca, lidando com um mundo em
transição. Previsibilidade e controle, importantes proteções contra o
estresse causador de doenças, parecem cada vez mais inalcançáveis.
Com o aumento do estresse, os colapsos da saúde do gerente
representam agora uma verdadeira ameaça à organização e às
próprias pessoas. (Goldberg, 1980; Albrecht, 1990; Moraes &
Kilimnik, 1992).
Algumas mudanças no mundo do trabalho estão acontecendo numa
velocidade acelerada, pondo a capacidade de adaptação das pessoas
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à prova em todos os aspectos (físico, psicológico, emocional e
espiritual). Esta velocidade destrói a sensação de estabilidade.
(Moraes & Kilimnik,1992). “Tudo isso quer dizer que devemos
procurar não mudar?”, pergunta Goldberg (1980, p.44). Não, as
mudanças são essenciais à vida; o que o ser humano deve fazer é
procurar regulá-las, pelo menos as que estão sob seu controle.
Entretanto, a sensação de falta de governabilidade para mudar essa
pressão excessiva do trabalho sobre as outras dimensões da vida é
muito sentida pelos executivos (Tanure, Carvalho Neto & Andrade,
2007).
Apesar de o estresse ser um fenômeno comum a todas as ocupações,
ele pode ser mais facilmente identificado em alguns grupos
específicos, em que as fontes de pressão desses postos de trabalho
são mais altas, se comparadas a muitas outras profissões (Mendes,
2000; Mendes & Moraes, 2001; Metzker, Moraes & Zille, 2012).
O distresse é muito mais alto nos executivos que chegaram ao alto
escalão das maiores empresas (Tanure et al.,2007). Algumas
profissões tendem a ser mais estressantes em função de suas
características intrínsecas (Zille, Moraes, Marques e Silva, 2001;
Metzker, Moraes & Zille, 2012). Este parece ser o caso dos executivos
de alto escalão, público-alvo da pesquisa contemplada neste artigo.
Um executivo, para chegar até a cúpula e lá se manter, precisa
percorrer um caminho repleto de pressões que criam estresse
diariamente. Esse estresse pode ser excessivo e crônico, e pode gerar
problemas de saúde que acabam por prejudicar a carreira do
executivo. Além disso, muitos vivem em estado de tensão e, mesmo
quando podem relaxar, têm dificuldade de fazê-lo (Couto, 1987; Lipp,
1996).
Uma das pressões sofridas pelo alto executivo se relaciona com o
tempo. São as demandas de curto prazo, a exigência de
pontualidade, os compromissos que se interpõem, as viagens, que,
muitas vezes, o fazem trabalhar dobrado antes dela (para poder sair
da empresa), e depois (para colocar a agenda em dia). A
compreensão moderna de estresse está relacionada com a concepção
de um tempo autônomo, artificial, que mede as horas
independentemente da natureza. Embora o alto executivo
aparentemente tenha muito mais controle sobre a sua agenda do que
a maioria dos trabalhadores da base da hierarquia organizacional, ele
se vê refém de condicionantes do macro ambiente empresarial, da
roda viva dos negócios. O tempo lhe é autônomo, visto como uma
roda viva, uma entidade impessoal e abstrata. Como a agenda de
trabalho tem datas marcadas, o executivo adia as demandas afetivas.
Sua sensação é que lhe chega uma “roda viva, e carrega a saudade
prá lá”, como na canção de Chico Buarque. Por mais que o executivo
queira priorizar suas demandas afetivas, sua saudade, ele não se
sente com o controle sobre o seu tempo.
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3 Metodologia
Este artigo baseia-se em pesquisa de caráter descritivo, realizada
com executivos brasileiros de alto escalão. A estratégia de pesquisa
recaiu sobre o método misto qualitativo-quantitativo, como explica
Creswell (2003), onde um complementa o outro. A pesquisa
qualitativa foi a primeira a ser realizada. Dessa pesquisa, foram
selecionados os dados quantitativos e qualitativos que associam o
estresse ao tempo, como o objetivo de verificar a percepção do
tempo para o público-alvo pesquisado e a sua relação com o
estresse.
O universo da amostra constituiu-se dos executivos das quinhentas
maiores empresas situadas no Brasil. Considerando a
representatividade dos executivos dessas grandes empresas, houve a
possibilidade de se realizar uma aproximação pela amostragem
probabilística aleatória simples, que se caracteriza pelo fato de cada
componente da população ter probabilidade conhecida, diferente de
zero, e idêntica à dos outros componentes, de ser selecionado para
fazer parte da amostra (Mattar, 1999).
Os dados quantitativos foram coletados por meio de questionário
fechado via internet para executivos. O questionário utilizou algumas
questões de múltipla escolha e outras em escala tipo Likert. O uso da
escala tipo Likert de 1 a 7 possibilitou a obtenção de uma graduação
quantificada das percepções dos entrevistados, permitindo, assim, o
cálculo de índices de cada uma delas (Marconi & Lakatos, 1999).
Através de escala Likert avaliou-se o que se denominou de “Índice
Global de Satisfação” dos executivos, composto por duas grandes
dimensões que abarcaram o conjunto de 18 variáveis:
- dimensão relacionada a fatores pessoais: composta por variáveis
relativas à satisfação com filhos, familiares, parceiro amoroso,
amigos, alimentação e saúde;
- dimensão relacionada a fatores relativos à empresa: composta por
variáveis como relações com pares, chefes, subordinados, nível de
cobrança por resultados e sistema de recompensas.
Através também de escala Likert de 1 a 7 avaliou-se o que se
denominou de “Índice Global de Sensações/atitudes” dos executivos,
composto por 27 variáveis relativas à sensação em relação a fatores
relacionados ao estresse, como ansiedade, dor de cabeça, fadiga,
falta de sono, irritabilidade, desânimo, diminuição do interesse
sexual, tremores, dormência, medos, hábitos alimentares, consumo
de bebidas alcoólicas, fumo, dentre outros.
Foram recebidos 965 questionários considerados válidos dos
executivos que chegaram ao topo da hierarquia organizacional
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(presidentes, vice-presidentes/diretores e gerentes de terceiro nível)
de 344 empresas.
Dado o número extenso de variáveis e o tamanho significativo da
amostra, utilizaram-se as seguintes ferramentas estatísticas para
proceder a um rigoroso tratamento dos dados: Teste Qui-Quadrado;
ANOVA (a um fator); Análise de Regressão Linear; Análise Fatorial.
Na parte qualitativa, foram entrevistados 263 executivos(as) de 10
grandes empresas (indústria e serviços) nas mesmas posições
hierárquicas da pesquisa quantitativa descrita acima, através de
roteiros semi-estruturados, sendo 96 pessoas entrevistadas
individualmente e 167 por meio de grupos de foco.
4 Apresentação e Análise dos resultados
Foram descritos a seguir os dados da pesquisa que se relacionam
com o tempo. Com relação às horas de trabalho por dia útil, mais da
metade dos entrevistados (53,2%) diz trabalhar de 10 a 11 horas e
quase um terço (28,6%) diz trabalhar 12 horas ou mais (Tabela 1).
Tabela 1
Horas de trabalho por dia útil
Horas de trabalho
por dia útil Freqüência Porcentagem
Porcentagem
Válida Porcentagem
Acumulada
de 8 a 9h 176 18,2 18,3 18,3
de 10 a
11h 512 53,1 53,2 71,4
de 12 a
13h 233 24,1 24,2 95,6
de 14 a
15h 38 3,9 3,9 99,6
Mais de
16h 4 0,4 0,4 100,
Total 963 99,8 100,
Não
respondeu 2 0,2
Total 965 100,
Fonte: Dados da pesquisa
O depoimento de um executivo ilustra bem esta situação:
“Todo dia saio com a sensação de que deixo coisa para trás. Difícil é
gerenciar o tempo: não depende só de mim. Chego da empresa e
continuo trabalhando em casa. Quando chego meu filho está
dormindo”.
Betania Tanure, Antonio Carvalho Neto, Carolina Maria Mota Santos, Roberto Patrus
Estresse, Doença do Tempo: um estudo sobre o uso do tempo
pelos executivos brasileiros
Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 65-88, 2014. 76
Dados da pesquisa qualitativa indicaram que os respondentes não
computaram, ao responder o questionário, as horas de viagens,
almoços e jantares de negócios, coquetéis de trabalho, reuniões de
madrugada em viva voz com executivos de outros países de fuso
horário diferente e leitura de e-mails em casa. Os dados quantitativos
indicam as horas que os executivos estão na empresa, isto é, o
intervalo entre a hora que entram para trabalhar e a hora que vão
para casa. Portanto, a jornada indicada na pesquisa quantitativa
parece ser bem maior.
Tabela 2
Horas de trabalho por dia útil x cargo
Cargo
Horas de trabalho por dia
útil Total
de 8 a
9h de 10 a
11h 12 ou
mais
Presidência Freqüência 2 22 12 36
% Cargo 5,6% 61,1% 33,3% 100,0%
Vice-
presidência
/ Diretoria Freqüência 28 107 86 221
% Cargo 12,7% 48,4% 38,9% 100,0%
Gerência Freqüência 146 383 177 706
% Cargo 20,7% 54,2% 25,1% 100,0%
Total Freqüência 176 512 275 963
% Cargo 18,3% 53,2% 28,6% 100,0%
Qui-quadrado: P-valor = 0,000
Fonte: Dados da pesquisa
Ao se cruzarem as horas de trabalho com o cargo ocupado pelo
respondente, observou-se que o percentual de pessoas que
trabalham mais de 10 horas é maior na Presidência do que nos
demais cargos (94,4%). Em contrapartida, a maior porcentagem de
entrevistados que trabalham de 8 a 9 horas ocorre na gerência
(Tabela 2).
A tabela 3 a seguir apresenta a satisfação média dos entrevistados,
distribuída pelo tempo de trabalho por dia útil. Há diferença
significativa com relação a horas de trabalho por dia útil. Dentre as
questões que apresentaram diferenças significativas, as pessoas que
trabalham de 8 a 9 horas são as mais satisfeitas, já as que trabalham
12 horas ou mais são as menos satisfeitas com estes itens. Esse dado
demonstra objetivamente que, dentro dos limites de horas
pesquisados, o nível de satisfação é inversamente proporcional ao
número de horas trabalhadas por dia útil.
O depoimento de um executivo entrevistado expressa o incômodo
pelo excesso de trabalho:
Betania Tanure, Antonio Carvalho Neto, Carolina Maria Mota Santos, Roberto Patrus
Estresse, Doença do Tempo: um estudo sobre o uso do tempo
pelos executivos brasileiros
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“Ninguém exige que eu trabalhe 12 horas, mas as metas tão
desafiadoras não dão opção. O nível de auto-exigência é muito alto, e
mais ainda nos cargos mais altos. O que desagrada é fazer retrabalho
por falta de planejamento dos outros”.
Tabela 3
Satisfação x horas de trabalho por dia útil
Itens de satisfação
De 8
a
9hs
De
10 a
11hs
12hs
ou
mais
Q13.1 Satisfação com a saúde 5,21a
↑ 4,86b
↓ 4,67b↓
Q13.2 Satisfação com o número de amigos que tem 4,92
a↑ 4,76
a,b 4,56 b↓
Q13.4 Satisfação com o nível de cobranças por resultados
na empresa 4,51
a↑ 4,47
a↑ 4,27 b↓
Q13.5 Satisfação com a relação com outros familiares 5,14
a↑ 4,89b 4,62 c↓
Q13.10 Satisfação com a factibilidade das metas
estabelecidas pela empresa 4,57
a↑ 4,56
a↑ 4,28 b↓
Q13.12 Satisfação com a relação com os filhos 5,83
a↑ 5,57
b↓ 5,41 b↓
Q13.13 Satisfação em relação à carga de trabalho que tem 4,82
a↑ 4,22
b 3,55 c↓
Q13.14 Satisfação com seus hábitos alimentares 4,74
a↑ 4,27
b 3,90 c↓
Q13.18 Satisfação com a convivência com os amigos 4,86
a↑ 4,59
b 4,25 c↓
↓ Média significativamente menor que as outras categorias (p≤,05)
↑ Média significativamente maior que as outras categorias (p≤,05)
Escala de satisfação: 1 - Extremamente Insatisfeito(a)
7 - Extremamente satisfeito(a)
Valores que possuem a mesma letra sobrescrita são estatisticamente semelhantes.
Fonte: Dados da pesquisa
A análise da freqüência média de sensações dos entrevistados em
relação às horas de trabalho revelou que há diferença significativa
com relação a horas de trabalho por dia útil (ver tabela 4). As
pessoas que trabalham de 8 a 9 horas por dia útil apresentam
sintomas de estresse com menos freqüência que as demais. Em
contrapartida, os indivíduos que trabalham 12 horas ou mais
apresentam sintomas relacionados ao estresse com maior freqüência.
O depoimento de um executivo entrevistado exemplifica alguns
sintomas biológicos do estresse:
“Já fui workaholic. Caiu a ficha quando a saúde abalou: a
primeira crise de estresse foi há 8 anos. Eu estava viciado (no
trabalho). Tive hérnia de hiato, baixa resistência, colesterol
Betania Tanure, Antonio Carvalho Neto, Carolina Maria Mota Santos, Roberto Patrus
Estresse, Doença do Tempo: um estudo sobre o uso do tempo
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alto. Repensei e comecei a cuidar da alimentação, planejar o
tempo, fazer atividade física e parei de fumar.”
Tabela 4
Horas de trabalho por dia útil x Estresse
Sensações/atitudes
De 8
a
9hs
De
10 a
11hs
12hs
ou
mais
Q20.4 Fadiga. 3,23
c↓ 3,56
b 3,87 a↑
Q20.5 Se alimenta com freqüência maior ou em maior
quantidade do que o usual. 2,93
b↓ 3,30
a↑ 3,51 a↑
Q20.6 Diminuição do interesse sexual. 2,68
b↓ 2,94
a↑ 3,05 a↑
Q20.7 Sensação de fôlego curto ou de falta de ar. 2,11
c↓ 2,38
b 2,72 a↑
Q20.9 Tremores musculares (Ex.: olhos, boca, mãos). 1,90
b↓ 2,11
b↓ 2,35 a↑
Q20.11 Tomar pílulas para dormir 1,22
b↓ 1,28
a,b 1,43 a↑
Q20.12 Sensação de desânimo pela manhã, ao
levantar. 2,54
b↓ 2,91
a↑ 3,05 a↑
Q20.13 Tendência a suar em excesso ou sensação de
sentir seu coração batendo mais forte. 1,97
b↓ 2,17
a,b 2,38 a↑
Q20.14 Nervosismo. 2,98
b↓ 3,25
a↑ 3,49 a↑
Q20.15 Angústia 2,91
b↓ 3,10
a,b 3,29 a↑
Q20.16 Ansiedade 3,59
b↓ 3,87
a↑ 4,05 a↑
Q20.17 Ímpetos de raiva (no trabalho, em casa, no
trânsito). 2,99
b↓ 3,21
a,b 3,40 a↑
Q20.19 Irritabilidade fácil. 2,90
c↓ 3,15b 3,46 a↑
Q20.24 Dor discreta no peito 1,56
b↓ 1,70
a,b 1,85 a↑
Q20.27 Insatisfação com as relações afetivas 2,53
b↓ 2,70
b↓ 2,99 a↑
↓ Média significativamente menor que as outras categorias (p≤,05)
↑ Média significativamente maior que as outras categorias (p≤,05)
Escala de Freqüência: 1 - Nunca 7 - Sempre
Valores que possuem a mesma letra sobrescrita são estatisticamente
semelhantes.
Fonte: Dados da pesquisa
O relato acima oferece alguma luz sobre o estresse dos executivos. O
diretor relata que, depois de uma crise de estresse, ele foi capaz de
planejar o tempo e modificar seu comportamento diante do trabalho.
Esse dado revela que, de alguma forma, é possível administrar o
próprio tempo e trabalhar com mais saúde. A roda viva do trabalho
deixa de ser um condicionante todo poderoso a determinar o
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pelos executivos brasileiros
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comportamento dos executivos. Muitos executivos revelaram que a
vida corrida do trabalho é prazerosa. Permite-lhes ascensão
profissional no curto prazo, reconhecimento profissional e uma
atmosfera de poder, de estar participando de tudo. De algum modo,
está aí a origem do “vício” de trabalhar.
A tabela 5 mostra que os altos executivos tendem a atender telefone
celular ou responder e-mails relacionados ao trabalho, fora do horário
normal de trabalho, com mesma ou maior freqüência com que
trabalha nos fins de semana.
Conforme um executivo entrevistado:
“Coloco os e-mails em dia até 23 horas. O celular fica 24 horas
no ar. Tem gente que desliga no sábado, eu não dou conta, não
quero que alguma coisa fuja de controle, vou me culpar. Chefe
liga sábado e domingo, às vezes é rápido, liga às 21 horas, 22
horas.”
A tabela 6 (mais abaixo) apresenta a distribuição média de tempo
com a vida profissional em que há diferença significativa com relação
aos aspectos pessoais e aspectos relativos à empresa. No que diz
respeito ao sentimento em relação à distribuição de tempo, quanto
maior é o percentual gasto com a vida profissional, menos satisfeitos
estão tanto o executivo como o cônjuge (de acordo com a percepção
do executivo) com esta distribuição.
Tabela 5
Trabalhar em finais de semana x Fora do horário normal de trabalho
Atende celular ou responde e-
mails relacionados ao trabalho
Trabalha em finais de semana Total
Nunca
Raramente
Às
vezes Frequentem
ente Sempre
Nunca Freqüência 12 8 5 1 0 26
% 14,6%
2,2% 1,3% 0,8% 0,0% 2,7%
Raramente Freqüência 32 105 29 5 0 171
% 39,0
% 29,2% 7,7% 4,2% ,0% 17,9
%
Às vezes Freqüência 27 150 129 15 2 323
% 32,9
% 41,7% 34,0
% 12,7% 14,3% 33,9
%
Frequentem
ente Freqüência 8 61 129 46 2 246
% 9,8% 16,9% 34,0
% 39,0% 14,3% 25,8
%
Sempre Freqüência 3 36 87 51 10 187
% 3,7% 10,0% 23,0%
43,2% 71,4%
19,6
%
Total Freqüência 82 360 379 118 14 953
Betania Tanure, Antonio Carvalho Neto, Carolina Maria Mota Santos, Roberto Patrus
Estresse, Doença do Tempo: um estudo sobre o uso do tempo
pelos executivos brasileiros
Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 65-88, 2014. 80
% 100,0
% 100,0% 100,0
% 100,0% 100,0%
100
%
Kendall: P-valor = 0,000
Fonte: Dados da pesquisa
A entrevista com um executivo expressa isso: “Chego às 06:30 na
empresa e saiu às 22:30. Esposa chia, só ouço bronca.”
Tabela 6
Distribuição de tempo com a vida profissional em que há diferença com
relação aos aspectos pessoais e relativas à empresa
Aspectos pessoais Percentual médio de
tempo gasto com a
vida profissional
Sentimento com relação à
distribuição de tempo e
energia
Muito insatisfeito
(a) 76,63ª↑
Insatisfeito (a) 71,26b
Nem satisfeito (a),
nem insatisfeito
(a) 66,19c
Satisfeito (a) 63,11c
Muito Satisfeito 57,65d↓
Sentimento do cônjuge com
relação à distribuição de
tempo e energia
Muito insatisfeito
(a) 72,58ª↑
Insatisfeito (a) 71,30ª↑
Nem satisfeito (a),
nem insatisfeito
(a) 68,02ª↑
Satisfeito (a) 62,29 b↓
Muito Satisfeito 58,00b↓
Fonte: Dados da pesquisa
Já em relação à distribuição média de tempo com a vida profissional
versus aspectos da empresa, podemos perceber que o percentual
médio de tempo gasto com a vida profissional é maior quando a
carga de trabalho é de 12 ou mais horas. É também maior em relação
aos executivos que trabalham sempre nos fins de semana e
freqüentemente ou sempre respondem e-mails relacionados ao
trabalho fora do horário normal de trabalho.
Tabela 7
Distribuição de tempo com a vida profissional x aspectos relativos à empresa
Aspectos relativos à empresa Percentual médio de
tempo gasto com a
vida profissional
Carga de trabalho por dia
útil. de 8 a 9h 62,51c↓
de 10 a 11h 68,45b
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Estresse, Doença do Tempo: um estudo sobre o uso do tempo
pelos executivos brasileiros
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12 ou mais 72,80ª↑
Trabalha nos fins de
semana.
Nunca 65,56c↓
Raramente 66,64c↓
Às vezes 69,61b,c
Freqüentemente 72,74ª,b
Sempre 76,67ª↑
Fora do horário normal de
trabalho, atende celular ou
responde e-mails
relacionados ao trabalho.
Nunca 67,60b↓
Raramente 66,43b↓
Às vezes 67,10b↓
Freqüentemente 70,45ª↑
Sempre 70,64ª↑
Fonte: Dados da pesquisa
O sentimento da pessoa e do cônjuge (de acordo com a percepção do
primeiro) em relação à distribuição de tempo e energia estão
intimamente ligados. Na medida em que a satisfação do indivíduo
aumenta, também aumenta a percepção da satisfação do cônjuge.
Tabela 8
Sentimento do executivo e do cônjuge em relação à distribuição de tempo e
energia
Sentimento em relação
à distribuição de
tempo
e energia
Sentimento do cônjuge/companheiro em relação à
distribuição de tempo e energia Total
Muito
insatisfei
to (a) Insatisfei
to (a)
Nem
satisfeito
(a), nem
insatisfeito
(a) Satisfei
to (a)
Muito
Satisfei
to
Muito
insatisfeit
o (a)
Freqüênci
a 28 34 10 3 75
% linha 37,3% 45,3% 13,3% 4,% ,% 100,
%
Insatisfeit
o (a) Freqüênci
a 33 264 76 10 383
% linha 8,6% 68,9% 19,8% 2,6% ,% 100,
%
Nem
satisfeito
(a), nem
insatisfeit
o (a)
Freqüênci
a 4 55 65 22 146
% linha 2,7% 37,7% 44,5% 15,1% ,% 100,
%
Satisfeito
(a) Freqüênci
a 1 28 34 97 4 164
% linha ,6% 17,1% 20,7% 59,1% 2,4% 100,
%
Muito
Satisfeito Freqüênci
a 2 2 7 1 12
Betania Tanure, Antonio Carvalho Neto, Carolina Maria Mota Santos, Roberto Patrus
Estresse, Doença do Tempo: um estudo sobre o uso do tempo
pelos executivos brasileiros
Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 65-88, 2014. 82
(a)
% linha ,% 16,7% 16,7% 58,3% 8,3% 100,
%
Total Freqüênci
a 66 383 187 139 5 780
% linha 8,5% 49,1% 24,% 17,8% ,6% 100,
%
Kendall: P-valor = ,000
Fonte: Dados da pesquisa
Também verificamos a relação do sentimento de estresse versus
tempo de trabalho (carga de trabalho, trabalho nos finais de semana,
etc), como se percebe na tabela 9.
Os entrevistados que trabalham de 8 a 9 horas são os menos
estressados tanto na vida privada como na profissional e no geral. Já
os mais estressados são aqueles que têm carga de trabalho de 12
horas ou mais.
As pessoas que trabalham em empresas que estão passando por
alguma mudança radical são as mais estressadas na vida profissional
e no geral.
Tabela 9
Tempo de trabalho x Estresse
Características da empresa
Stress
Na
vida
privad
a
Na vida
profission
al No geral
Carga de trabalho
de 8 a 9h 1,99
b↓ 2,44c↓ 2,30c↓
de 10 a 11h 2,13ª
↑ 2,73b 2,52b
12 ou mais 2,20ª
↑ 2,97ª↑ 2,71ª↑
Trabalha nos fins de
semana
Nunca 1,94b↓
2,48 b↓ 2,28 c↓
Raramente 2,08
a,b 2,68 a,b 2,48 b,c
Às vezes 2,16
a,b 2,78 a,b 2,57 a,b
Freqüentemen
te 2,27ª
↑ 3,00 ª↑ 2,75 ª↑
Sempre 2,00
a,b 2,73 a,b 2,47 b,c
Atende o celular ou
responde e-mail fora do
horário normal de
trabalho
Nunca 2,00
b↓ 2,46 c↓ 2,27 c↓
Raramente 2,05a,b
2,66b,c 2,49 a,b
Às vezes 2,06a,b
2,61 c↓ 2,44 b,c
Freqüentemen
te 2,17a,b
2,85 a,b 2,60 a,b
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Estresse, Doença do Tempo: um estudo sobre o uso do tempo
pelos executivos brasileiros
Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 65-88, 2014. 83
Sempre 2,24
ª↑ 2,94 ª↑ 2,67ª↑
A empresa está vivendo
uma mudança radical
Sim 2,83↑ 2,60↑
Não 2,67↓ 2,47↓
Fonte: Dados da pesquisa
Pessoas que frequentemente trabalham nos fins de semana são mais
estressadas. Em contrapartida, as que nunca trabalham nos fins de
semana são as menos estressadas, tanto na vida privada como na
profissional e no geral.
Os indivíduos que nunca atendem o celular ou respondem e-mails
relacionados ao trabalho fora do horário normal de trabalho são
menos estressados que os demais. Já os mais estressados são os que
atendem o celular ou respondem e-mails fora do horário normal de
trabalho sempre.
Os dados da pesquisa apontam claramente que o tempo de trabalho,
quando excessivo, é um dos fatores que provoca sentimento de
estresse para os executivos participantes da pesquisa. A extrapolação
das atividades de trabalho para o ambiente familiar, seja pelo
atendimento do celular, seja pela leitura dos e-mails, também é um
fator associado aos sintomas do estresse, de forma significativa.
5 Considerações finais
Sem deixar de considerar outros fatores que podem desencadear
desordens psicossomáticas, o corte para a apresentação dos dados foi
o tema “tempo”. Diante disto, os dados da pesquisa sugerem que o
estresse está diretamente relacionado com a variável tempo ou,
melhor dizendo, com o uso do tempo que os executivos fazem. Os
executivos que se sentem estressados trabalham mais, em termos de
horas de trabalho, do que aqueles que se sentem menos estressados.
Os executivos que ocupam cargos estratégicos nas grandes empresas
operando no Brasil percebem o tempo da forma elástica, como se
coubessem mais do que as 24 horas cronológicas. O advento das
tecnologias modernas, como o e-mail e o telefone celular desfaz o
limite territorial entre o ambiente de trabalho e o ambiente privado e
catapulta esta ilusão. Certamente podemos fazer hoje muito mais
atividades do que fazíamos no passado, mas o descontrole e o
exagero são enormes, e aí o contexto propício ao aumento do
estresse está dado.
Tais recursos permitem a economia de tempo, por um lado, mas, por
outro, sobrecarregam o executivo. Ganhar um telefone corporativo,
ou um lap top, por exemplo, é amplamente considerado um
“presente de grego”, um cavalo de Tróia que aprisiona o presenteado
Betania Tanure, Antonio Carvalho Neto, Carolina Maria Mota Santos, Roberto Patrus
Estresse, Doença do Tempo: um estudo sobre o uso do tempo
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Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 65-88, 2014. 84
ao trabalho 24 horas por dia. Uma das frases mais ouvidas na
pesquisa foi “vendi minha alma ao diabo”, o que leva a uma imediata
e livre associação com o personagem Fausto da obra de Goethe:
ganhamos um presente do diabo, mas ele cobra seu preço. Da
mesma forma que beneficia, a tecnologia escraviza, rouba-nos o
sossego, nos torna acessíveis 24 horas por dia, muitas vezes quando
não temos a menor vontade de sermos encontrados. Popcorn
apontava, na década de 1990, a tendência “99 vidas” para descrever
os múltiplos papéis do homem moderno. Poderíamos acrescentar que
somos convidados a exercer esses múltiplos papéis ao mesmo tempo,
o que torna o desgaste no trabalho e na família muito mais complexo.
No fordismo, o tempo do trabalhador era determinado pela esteira
rolante à qual estava “infernalmente preso” por 8 horas. A esteira
retirou do trabalhador o controle sobre o tempo de produção,
alienado que já estava do processo de produção, dada a divisão do
trabalho. Atualmente, parece haver uma esteira rolante virtual, que
funciona on line, dia e noite. No caso dos executivos objeto desta
pesquisa, isto ficou ainda mais evidente. Curiosamente, essa esteira
virtual, a alienar do trabalhador o controle do tempo, é desejada e
almejada pelos executivos. Quando alcança o topo da hierarquia
empresarial, o executivo passa a ter o controle sobre o processo
produtivo. Em tese, poderia ter o controle sobre o tempo também.
Mas, em geral, ele não se considera dono da sua própria agenda.
O tempo se transforma em algo externo, autônomo, abstrato, a exigir
do executivo o culto ao trabalho, a valorização do sacrifício em prol
da organização. A cultura do workaholic recompensa a sua dedicação
e minimiza o seu sentimento de insegurança diante de um mundo
empresarial competitivo e selvagem. Não foram poucas as referências
que ouvimos dos executivos contando do espanto de seus pares
estrangeiros sobre a enorme jornada de trabalho dos executivos
brasileiros. Ou seja, este segmento profissional no Brasil é mais
workaholic do que os seus consortes norte-americanos, que criaram o
termo.
Presa deste excessivo controle de si pelo outro, pela organização, o
executivo, estressado, é muitas vezes vítima do fato de não se fazer
centro de si mesmo: ele quer atender a uma demanda do outro, de
um outro às vezes invisível (como uma difusa “globalização”, “as
exigências de alta competitividade”, “o atual ambiente de negócios”),
às vezes não tão invisível assim (há chefes que transmitem para
baixo da cadeia hierárquica a pressão que vem dos seus superiores
hierárquicos). Este outro invisível revela a heteronomia. A norma é
exterior, você nada pode fazer, só resta submeter-se. Metas ousadas
são perseguidas e cumpridas para atender uma demanda externa. O
reconhecimento material e simbólico é acompanhado dos efeitos
colaterais, entre eles o estresse.
Betania Tanure, Antonio Carvalho Neto, Carolina Maria Mota Santos, Roberto Patrus
Estresse, Doença do Tempo: um estudo sobre o uso do tempo
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Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 65-88, 2014. 85
Em se tratando de altos executivos, que têm o poder de ‘fazer e
acontecer’ numa organização, fica a intrigante questão sobre a
possibilidade efetiva destes imporem limites à excessiva demanda de
trabalho. De algum modo, esse limite acaba sendo imposto quando o
corpo adoece. O depoimento do executivo workaholic que, depois da
crise de estresse, reviu sua maneira de lidar com o tempo é
alvissareiro.
Tecendo um paralelo da situação do executivo com a relação do
homem antigo com o tempo natural, se os principais executivos das
grandes organizações, público-alvo de nossa pesquisa, repensassem
seu conceito de tempo, alinhando-o mais com o respeito aos limites
naturais do organismo, incluindo uma saudável maior separação
entre a esfera profissional e a esfera privada, efeitos benéficos desta
postura poderiam irradiar-se por toda a organização. Em nossa
pesquisa encontramos alguns exemplos desta sabedoria. Em um
caso, o presidente da empresa ordenou que as luzes do prédio da
matriz fossem desligadas às 20 horas, numa tentativa clara de
alinhamento à concepção de tempo natural. Curiosamente, tratou-se
também de um recurso externo, heterônimo, de fora para dentro.
A associação entre estresse e tempo aponta um interessante campo
para novas pesquisas. Em tese, um executivo autocentrado seria
capaz de impor limites às demandas empresariais, a ponto de ter
algum controle sobre o seu tempo. Por outro lado, aquele executivo
que elege o outro como seu centro seria incapaz de ter domínio sobre
o seu tempo, vítima que é da vantagem secundária que lhe traz o
reconhecimento desse outro, visível ou invisível. O estudo do estresse
aponta, assim, para a investigação da complexa relação entre os
fatores ambientais e os psicológicos, que se objetivam na
(in)capacidade de controle sobre o próprio tempo.
Contra a afirmação de Sêneca, que disse que “não é dos lugares o
mal de que sofremos, mas de nós”, um amigo retorquiu: “isso é
porque ele não trabalhou na minha empresa”! Diz o ditado antigo que
“tempo é questão de prioridade”. Mas e se a prioridade for a
empresa? Em última análise, tempo e estresse remontam à antiga e
atual questão do comportamento organizacional: como conciliar os
interesses individuais com os interesses da organização? Pensar o
tempo como um limite pode ser uma saída. Se esse limite não pode
mais ser imposto pela natureza, como no tempo do relógio de sol,
que o seja pela autodisciplina e pela construção de processos
administrativos razoáveis e humanos.
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Endereço para correspondência
Betania Tanure
PPGA – Programa de Pós Graduação em Administração da PUC Minas
Av. Itaú, nº 525, Bairro Dom Cabral, CEP 30.535-012, Belo Horizonte - MG, Brasil.
Endereço eletrônico: betaniatanure@pucminas.br
Antonio Carvalho Neto
PPGA – Programa de Pós Graduação em Administração da PUC Minas.
Av. Itaú, nº 525, Bairro Dom Cabral, CEP 30.535-012, Belo Horizonte - MG, Brasil.
Endereço eletrônico: carvalhoneto@pucminas.br
Carolina Maria Mota Santos
PPGA – Programa de Pós Graduação em Administração da PUC Minas.
Av. Itaú, nº 525, Bairro Dom Cabral, CEP 30.535-012, Belo Horizonte - MG, Brasil.
Endereço eletrônico: cmotasotnas@yahoo.com.br
Roberto Patrus
PPGA – Programa de Pós Graduação em Administração da PUC Minas.
Av. Itaú, nº 525, Bairro Dom Cabral, CEP 30.535-012, Belo Horizonte - MG, Brasil.
Endereço eletrônico: robertopatrus@pucminas.br
Recebido em: 20/08/2012
Betania Tanure, Antonio Carvalho Neto, Carolina Maria Mota Santos, Roberto Patrus
Estresse, Doença do Tempo: um estudo sobre o uso do tempo
pelos executivos brasileiros
Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 65-88, 2014. 88
Aceito para publicação em: 02/11/2013
Acompanhamento do processo editorial: Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo
Notas
* Doutora em Administração, professora permanente do PPGA – Programa de Pós-
Graduação da PUC Minas, Consultora BTA, membro do NERHURT.
** Doutor em Administração, professor permanente do PPGA da PUC Minas,
bolsista de produtividade do CNPq, coordenador do NERHURT – Núcleo de Estudos
em Recursos Humanos e Relações de Trabalho.
*** Doutora em Administração, professora da PUC Minas Campus Betim, membro
do NERHURT.
**** Doutor em Filosofia, professor permanente do PPGA da PUC Minas,
Pesquisador Mineiro pela FAPEMIG.
Agradecemos à FAPEMIG e ao CNPq pelo apoio à pesquisa.