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ESTUDOS
ARQUEOLÓGICOS
DE OEIRAS
Volume 20 • 2013
CÂMARA MUNICIPAL DE OEIRAS
2013
Editor Científico: João Luís Cardoso
CARLOS RIBEIRO (1813-1882)
GEÓLOGO E ARQUEÓLOGO
Homenagem da Câmara Municipal de Oeiras
e da Academia das Ciências de Lisboa
nos 200 anos do seu nascimento
4
ESTUDOS ARQUEOLÓGICOS DE OEIRAS
Volume 20 • 2013 ISSN:
O
872-6
O
86
Editor ciEntífico – João Luís Cardoso
dEsEnho E fotografia – Autores ou fontes assinaladas
Produção – Gabinete de Comunicação / CMO
corrEsPondência – Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras
Fábrica da Pólvora de Barcarena
Estrada das Fontainhas
2745-615 BARCARENA
Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos Autores.
Aceita-se permuta
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Estudos Arqueológicos de Oeiras é uma revista de periodicidade anual, publicada em continuidade desde 1991, que privilegia,
exceptuando números temáticos de abrangência nacional e internacional, a publicação de estudos de arqueologia da Estremadura
em geral e do concelho de Oeiras em particular.
Possui um Conselho Assessor do Editor Científico, assim constituído:
– Dr. Luís Raposo (Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa)
– Professor Doutor João Zilhão (Universidade de Barcelona e ICREA)
– Doutora Laure Salanova (CNRS, Paris)
– Professor Doutor Martín Almagro Gorbea (Universidade Complutense de Madrid)
– Professor Doutor Rui Morais (Universidade do Minho)
221
Rui Mataloto1
Trails of troubles,
Roads of battles,
Paths of victory,
We shall walk
Bob Dylan, Paths of Victor y, 1964
1 – A PAISAGEM E A ESTRUTURAÇÃO DO TERRITÓRIO
O Alentejo Central é o território genericamente associável ao distrito de Évora de aquém Guadiana, sendo este
conceito geográfico conhecido, pelo menos, desde o início do século XX (Vasconcelos, 1941), onde desde logo se
assinala a heterogeneidade de paisagens que contempla. Como J. L. de Vasconcelos refere, este conceito aplicava-
se, essencialmente, a uma região centrada em Évora, fortemente marcada por uma paisagem aplanada que dis-
corre entre as serras de Portel, a Sul, e a serra d’Ossa a Norte, geologicamente integrada no Maciço Antigo, com
solos graníticos e xistosos. Mais recentemente Manuel Calado (1995, 2001) redefiniu este conceito geográfico,
integrando o Maciço Calcário de Estremoz/Vila Viçosa, o qual acaba por emergir como um verdadeiro território
de fronteira face às planuras alto alentejanas que antecedem a serra de São Mamede, as quais detêm marcada
individualidade face ao Alentejo Central. Assim, o território aqui em análise enquadra-se nesta vertente mais
alargada do conceito primitivamente utilizado por J. L. Vasconcelos, sendo caracterizado por paisagens abertas,
apenas levemente onduladas, de onde emergem, a espaços largos, destacadas elevações e serranias (Fig. 1).
Não se pretende aplicar o conceito de forma restritiva, fechada ou culturalmente significante, mas antes de
modo aberto, geográfico, como espaço de vivência e passagem, diverso em si, mas distinto da envolvente.
As grandes linhas de cumeada, como a Serra d’Ossa, o Maciço Calcário de Estremoz/Vila Viçosa e a Serra de
Portel, dispõem-se em sentido aproximadamente Este-Oeste marcando fortemente a paisagem e favorecendo a
criação de grandes eixos naturais de circulação (Fig. 3).
Esta é uma área igualmente marcada pela centralidade do festo entre as três grandes bacias hidrográficas do
Sul do território português, reforçando as suas características de grande corredor natural entre o curso superior
descendente do Guadiana e o tramo final do Tejo e Sado.
As principais linhas de água, sempre com cariz marcadamente sazonal, e raras vezes de caudal permanente,
seriam em geral facilmente vadeáveis, sem gerar grandes entraves à circulação, que se desenvolveria aproveitan-
1 Município de Redondo. Praça da República, 7170-011 Redondo. rmataloto@gmail.com
Do vale à Montanha, Da Montanha ao Monte: A OCUPAÇÃO DO FINAL DA IDADE
DO BRONZE NO ALENTEJO CENTRAL
Estudos Arqueológicos de Oeiras,
20, Oeiras, Câmara Municipal, 2013, p. 221-272
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do os festos que cruzam a região. Cremos, então, que o território seria principalmente vertebrado pelas elevações
emergentes da planície, que marcariam os caminhos e estruturariam a ocupação.
Fig. 1 – Perspectiva geral da envolvente da Serra d’Ossa e planície a Sul, exemplo da estrutura paisagística em que se organiza o
povoamento centro alentejano do final da Idade do Bronze.
Os escassos dados paleoecológicos, baseados em limitadas análises polínicas, parecem determinar que, para o
momento que aqui nos ocupa, o território em questão teria conhecido ainda uma importante cobertura vegetal
com abundante vegetação ripária e frequentes espécies caducifólias, apontando para um momento de maior den-
sidade arbórea que os imediatamente posteriores (HERNÁNDEZ, 2005; 2010, p. 359). Estes dados parecem
acompanhar uma tendência geral verificada no Sudoeste peninsular, confirmada igualmente na bacia do Médio
Guadiana (LÓPEZ GARCÍA, et al., 2005; HERNÁNDEZ CARRETERO, 2010, p. 359).
2 – OS TRABALHOS E O TEMPO… BREVE RETROSPECTIVA
Em trabalho recente (MATALOTO, 2012) tivemos o ensejo de efectuar um balanço sobre o estado da investigação
do final da Idade do Bronze no Alentejo Central, pelo que em larga medida este artigo será baseado na perspectiva
aí apresentada. Contudo, desde 2008, data de redacção daquele original, novos dados vieram alargar a informação
disponível permitindo hoje novas leituras e a melhor sustentação de outras, então apenas equacionadas.
No referido trabalho assinalámos a escassez de dados disponíveis e de como a investigação se encontrava em
larga medida “refém” de dados antigos, recolhas pontuais ou de leituras baseadas em recolhas de superfície.
Actualmente, se o panorama não se alterou por completo, certo é que melhorou bastante através da realização de
223
novas intervenções, algumas
com os primeiros resultados
já dados à estampa (SANTOS,
et, 2008; ANTUNES et al.,
2012) e outras que noticiare-
mos aqui.
No entanto, como tentámos
evidenciar no trabalho ante-
rior (MATALOTO, 2012)
alguns dos achados fortui-
tos continuam a ser absolu-
tamente estruturantes para o
conhecimento do final da
Idade do Bronze no Alentejo
Central, nunca sendo demais
recordar que são daqui pro-
venientes algumas das mais
impressionantes jóias deste
período registadas no terri-
tório actualmente português,
como o bracelete de Estre-
moz, o colar de Portel, o
bracelete do Redondo e os
de Arraiolos, de entre os que
chegaram aos nossos dias, e
os braceletes de Évora e o
colar de Monsaraz, por entre
os desaparecidos (COFFYN,
1985; PINGEL, 1992; ARM-
BRUSTER, 2000; ARMBRUS-
TER & PARREIRA, 1993;
CORREIA, 1993) (Fig. 2). Por
outro lado, é relevante assi-
nalar a sua integração nos
dois grandes “âmbitos tecno-
lógicos” deste momento, o
grupo Sagrajas/Berzocana e
o Grupo Villena-Estremoz
(PEREA, 1995; PEREA, 2005),
eventualmente indiciadores
de demarcações identitárias
grupais, como se propôs
anteriormente (MATALOTO,
2012).
Fig. 2 – Jóias e armas do final da Idade do Bronze do Alentejo Central. 1 – Braceletes de Évora;
2 – Bracelete de Estremoz; 3 – Colar de Portel; 4 – Espadas do Museu de Évora; 5 – Ponta de
lança de Veiros; 6 – Ponta de lança do Museu de Évora; 7 – Punhal de Arraiolos; 8 – Espada
do Castelo do Giraldo; 9 – Espada e punhais da Coroa do Frade; 10 – “Depósito” de Alqueva; 11
– Ponta de lança de Évora; 12 – Machado de argolas de Veiros; 13 – Machado de alvado de Évo-
ra; 14 – Machado de alvado do Alandroal; (1, 8, 11 – Seg. SCHUBART, 1975; 2 – Seg. ARMBRUS-
TER, 2000; 3, 4, 5 e 6 – Seg. COFFYN, 1985; 7 – Seg. CORREIA, 1988; 9 – ARNAUD, 1979;
10 – Seg. CARDOSO, GUERRA & GIL, 1992; 12, 13, 14 – Seg. MONTEAGUDO, 1977)
224
No Alentejo Central, tal como em todo o Sul do território actualmente português, os achados de conjuntos
metálicos do final da Idade do Bronze são pouco frequentes, destacando-se pequenos conjuntos ou peças isoladas
como as espadas do Museu de Évora, as pontas de lança de Évora e Veiros (SCHUBART, 1975; COFFYN, 1985)
ou o “depósito” de Alqueva (CARDOSO, GUERRA & GIL, 1992) e o punhal tipo “Porto de Mós” de Arraiolos
(CORREIA, 1988) (v. Fig. 2). Todavia, e ainda que possam corresponder a momentos anteriores aos que aqui
tratamos, não deixamos de mencionar o importante conjunto de punhais/alabardas do Cano (CARREIRA, 1996),
recolhido nas imediações do grande povoado do final da Idade do Bronze de São Bartolomeu (CALADO & ROCHA,
1996-1997), ou os inúmeros machados planos mencionados por L. Monteagudo (1977) que claramente se conti-
nuam a produzir em momentos bastante avançados do II Milénio a.C.
Apenas no final da década de 70 do séc. XX o panorama dominado pelos achados se começou a transformar e
contextualizar.
Os trabalhos pioneiros, nos anos 60, de Mário Ventura e Afonso do Paço no Castelo Giraldo (PAÇO, 1961), com
respectiva valorização de H. Schubart (1975) (Fig. 14), e principalmente a acção de J. Arnaud, com a escavação
e publicação da intervenção na Coroa do Frade (ARNAUD, 1979), permitiram um primeiro esboço sobre a Idade
do Bronze no Alentejo Central.
O quadro geral traçado por J. Arnaud relativamente à Coroa do Frade mantém-se, em grande medida, actual e
operante, como se terá a oportunidade de ver.
A partir do final da década de 80 extensos programas de prospecção, orientados por Manuel Calado, permitiram
identificar importantes malhas de povoamento, aparentemente hierarquizadas, organizadas no território centro
alentejano (CALADO, 1993a; CALADO & ROCHA, 1996/1997).
Foram ainda realizadas, nos inícios dos anos 90, pequenas intervenções que permitiram constatar outras ocupa-
ções deste momento subjacentes a povoados fortificados da Idade do Ferro no Alto do Castelinho da Serra (GIB-
SON, et al., 1998) (v. Fig. 13) e no Castelo Velho do Lucefécit (CALADO, 1993, p. 63) (Fig. 14). No entanto, tal
como os trabalhos anteriores, não tiveram sequência, tendo sido os resultados apenas parcialmente publicados.
O desenvolvimento da Arqueologia Preventiva na última década do século passado e na primeira do actual tem
vindo a traduzir-se no claro e diversificado incremento da informação, permitindo documentar ocupações virtual-
mente invisíveis até então, como se verá.
As intervenções do grande Plano de Minimização de Impactes do regolfo de Alqueva, desenvolvidas durante
este período, traduziram-se na escavação de um conjunto limitado de sítios desta cronologia, entretanto já parcial-
mente apresentados (CALADO, MATALOTO & ROCHA, 2007; CALADO & MATALOTO, 2008; MATALOTO, 2009;
MATALOTO, 2012). As acções subsequentes, relativas à implementação dos subsistemas de Alqueva e rede de
rega permitiram a intervenção de um número mais alargado de ocupações, favorecendo, igualmente, a identifica-
ção de extensas ocupações em planície que antes eram apenas intuídas a partir de escassos materiais de super-
fície, em áreas pontuais (CALADO & ROCHA, 1996/1997; SANTOS et al., 2008; SOARES et al., 2009; ANTUNES
et al., 2012).
É ainda bastante complexo propor qualquer balizamento cronológico para este período mas, os últimos anos
têm-se traduzido numa clara ampliação do conjunto de dados disponíveis, incluindo do ponto de vista radiométri-
co. Na realidade, e como pensamos ficar patente noutro trabalho (v. Mataloto, et al., neste volume), a cronologia
do final da Idade do Bronze apresenta-se em claro processo de consolidação, devido em boa medida à exponencial
ampliação das datações 14C disponíveis para este período. Contudo, estamos conscientes que continuam a faltar,
ainda, contextos e estudos circunstanciados que permitam melhor caracterizar e compreender os contextos cul-
turais datados.
As propostas disponíveis, de publicações mais ou menos recentes, estabelecem o arranque do final da Idade do
Bronze algures pelos meados/finais do séc. XIII a.C. (v. JORGE, 1990, p. 231; RUIZ-GÁLVEZ, 1995, p. 83; PAR-
225
REIRA, 1995, p. 132; SOARES & SILVA, 1998, p. 241; CARDOSO, 2002, p. 349) seguindo genericamente propostas
avançadas para territórios mais alargados, mesmo à escala europeia (VILAÇA, 1995, p. 36; COFFYN, 1985, p. 188).
Todavia, como ficou bem patente na revisão alargada de Alfredo Mederos (1997) a questão é complexa e pouco
definida, resultando, por vezes, mais da tradição de investigação do que de dados arqueológicos concretos. Por
exemplo, para a área contígua da Extremadura, onde o II milénio a.C. se encontra algo melhor caracterizado,
avança-se o início do Bronze Final para os finais do século XII (PAVÓN, 1998, p. 234), o que, contudo, parece ser
contraditado pelos recentes resultados de Medellín, que favorecem o seu recuo em mais de um século (JIMÉNEZ
ÁVILA & GUERRA MILLÁN, 2012, p. 104). Não deixa de ser relevante que, num recente balanço sobre as datações
de radiocarbono para contextos do Sul peninsular se perfile uma separação em dois momentos, estabelecendo-se
a fronteira em meados do II milénio a.C. (GARCÍA SANJUÁN & ODRIOZOLA, 2012, p. 377). Como se verá, as
datações mais antigas de Evoramonte, obtidas para o início da sequência da Idade do Bronze, acompanham esta
tendência, começando a haver argumentos para problematizarmos um eventual recuo do final da Idade do Bron-
ze para meados do milénio ou, então, criarmos outras categorias intermédias, como o Bronze Tardio, tal como
proposto para outras regiões.
Se o início do Bronze Final nos surge ainda bastante incerto, e a carecer de aprofundada análise e mais ampla
documentação, também o final deste período e a sua transição para a Idade do Ferro carece de mais dados e pro-
blematização sendo impossível de resumir ao estipulado arranque do período colonial fenício, enquadrado segundo
alguns autores nos finais do século IX a.C. no Sul peninsular (TORRES, 2008, p. 140; TORRES, 2002, p. 83).
Na realidade, antes de falarmos de um tempo preciso, cremos que se deve tentar definir com clareza quais os
processos sociais e culturais que se pretende enquadrar dentro de um determinado intervalo de tempo, que não
tem que, nem pode, ser um espartilho de fenómenos longos de transição e mutação das sociedades, dados por
vezes a ritmos diversos. Neste sentido, vejamos como os dados do Castro dos Ratinhos são expressivos (BERRO-
CAL & SILVA, 2010), ao apresentarem para a Fase I a e b uma realidade fundamentalmente da Idade do Bronze
em cronologias claramente avançadas, e contemporâneas de outras já manifestamente transformadas pelas reali-
dades coloniais, como os contextos datados de Almaraz e Santarém (BARROS & SOARES, 2004).
O Tempo será, então, lido aqui como uma referência fluída, na qual se desenrolam processos lentos de trans-
formação que poderão, contudo, desembocar em rupturas e mutações bastante rápidas, ainda difíceis de aprisionar
nas malhas do radiocarbono. O Tempo deste trabalho será, então, algures entre os meados do II milénio a.C. e
os meados do segundo quartel do milénio seguinte.
3 – ENTRE A SERRA E A PLANÍCIE: AS ESTRUTURAS DO POVOAMENTO
O povoamento do final da Idade do Bronze apresenta-se diverso, quer nas estratégias de implantação, quer nas
dimensões que apresenta. Contudo, a escassez de dados seguros e sustentados em escavações arqueológicas
alargadas impõe contenção na avaliação dos modelos de povoamento, acabando-nos por basear, essencialmente,
nas opções topográficas escolhidas. As distintas ocupações podem agrupar-se, então, genericamente, em três
grupos distintos que certamente evoluirão para novas categorias, à medida que os estudos se forem aprofundan-
do. Temos, assim, instalações em cumeada, em altura e em planície.
As grandes ocupações em cumeada são a face mais visível e característica dos modelos de povoamento do final
da Idade do Bronze, instalando-se sobre as mais destacadas elevações da planície alentejana, atingindo, em geral,
uma extensão muitas vezes inusitada, que excede facilmente a dezena de hectares. Os topos das maiores serranias
alentejanas, como a serra d’Ossa (Evoramonte, São Gens e Castelo Velho) ou a serra de Portel (Serra Murada)
(Fig. 3), mas igualmente das elevações de Monsaraz, onde escavações recentes confirmaram os dados de
226
Fig. 3 – Sistema de Povoamento do final da Idade do Bronze do Alentejo Central: A- Serra d’Ossa B- Serra de Portel C- Monsaraz
227
prospecção2, ou do Maciço Calcário (São Bartolomeu, em Sousel, e os Coroados, em Vila Viçosa) conheceram
instalações de grande dimensão durante o final da Idade do Bronze. Ainda que não se encontre no território aqui
em análise, a ocupação do Castro dos Ratinhos está dele separada apenas pelo Rio Guadiana constituindo, clara-
mente, a mais bem documentada destas grandes ocupações de cumeada na envolvente imediata do Alentejo
Central.
Este processo de ocupação das mais altas cumeadas da região parece iniciar-se pelo menos desde os meados
do IIº milénio a.C., atendendo às datas que dispomos da sequência estratigráfica de Evoramonte (MATALOTO et
al., 2013, neste volume) (Fig. 19), acompanhando um processo de subida e instalação em altura que se pode
documentar desde o início do II milénio a.C., como foi passível documentar no sudoeste peninsular em sítios como
Alanje (PAVÓN, 1998) ou Trastejón (HURTADO et al., 2010).
O modo como se destacam na paisagem, ocupando locais estratégicos no controlo das transitabilidades,
quer Norte-Sul, quer Este-Oeste, torna estas grandes instalações pontos nodais na estruturação do povoamento.
Usualmente apresentam potentes taludes perimetrais, eventualmente indiciadores da presença de estruturas de
delimitação. Contudo, os dados de Evoramonte, onde a intervenção que temos levado a efeito não permitiu con-
firmar, na área intervencionada, a presença de qualquer estrutura de contenção, impõem reservas à associação
directa da presença de taludes a sistemas defensivos. Neste aspecto, cremos ser particularmente expressivo
recordar o caso do povoado de Trastejón (Huelva), onde os taludes artificiais correspondem a estruturas de
terrapleno e não a um dispositivo defensivo (HURTADO et al., 2011, p. 34). Todavia, estamos conscientes que
alguns destes indícios estarão certamente associados a dispositivos que, em vez de complexas estruturas polior-
céticas, serão antes verdadeiras “encenações” defensivas como as registadas no Castro dos Ratinhos (BERROCAL
& SILVA, 2010, p. 235) ou no Passo Alto (SOARES, ANTUNES & DEUS, 2012, p. 251). A dimensão destas grandes
instalações levanta um conjunto alargado de questões, da qual gostaríamos de destacar: qual a intensidade da
ocupação do espaço? De há muito se supõe que estes recintos teriam amplas áreas não ocupadas (ARNAUD,
1979), eventualmente relacionadas com a criação e aprisco de rebanhos. As observações levadas a efeito em
diversas destas ocupações, como Evoramonte ou o Castelo Velho da Serra d’Ossa vêm, de certo modo, ao encon-
tro destas propostas, registando-se áreas onde a presença de material arqueológico é escassa, a par de outras
onde é bem mais frequente. Contudo, e em particular no primeiro caso, onde a dispersão de materiais não sujei-
to a arrasto prolongado supera os 30ha, fica bem clara a existência de extensas áreas com uma grande intensida-
de de ocupação, patente em diversos cortes dispersos pelo cerro, e confirmada na área intervencionada, com
espessa estratigrafia desta fase. Assim, cremos que estas ocupações permitiriam reunir largas centenas, ou mes-
mo milhares, de indivíduos gerando comunidades com forte peso na estruturação do povoamento. É claro que se
pode sempre questionar a própria sazonalidade das ocupações, que a constante sobreposição de estruturas habi-
tacionais em materiais perecíveis parece favorecer. Todavia, a presença em alguns deles de extensas estruturas
de delimitação, a multiplicidade e variedade de indícios da prática de actividades produtivas, associada à abundan-
te cerâmica implica, no mínimo, a estadia prolongada no topo de serranias agrestes, distante dos mais elementa-
res suportes de vida, como a água e os campos de cultivo.
A serra d’Ossa, já anteriormente apresentada como o centro de uma intensa e complexa rede de povoamento
(CALADO, 1993a; MATALOTO, 2012), concentra em si três das mais extensas ocupações de cumeada conhecidas
no Alentejo Central. Os dados disponíveis são escassos mas permitem uma maior aproximação à diversidade das
ocupações que se podem dissimular sob este modelo de instalação.
2 Recentemente, duas intervenções dirigidas por Nuno Pedrosa permitiram confirmar os dados de superfície ao registarem materiais em
estratigrafia, especialmente na sondagem efectuada nas imediações da Torre de Menagem.
228
Fig. 4 – Vista geral de Evoramonte, a partir de Sudeste, com localização da área intervencionada. Vista geral da área escavada no
início da campanha 2012. Estruturas da Idade do Bronze: embasamento de cabana, lareira, buraco de poste não estruturado e bu-
raco de poste estruturado.
229
Fig. 5 – Cerâmica decorada de Evoramonte de influência Cogotas I: incisa e “punto y raia” (desenhos: I. Conde).
230
O cabeço de Evoramonte domina largamente a paisagem alentejana, impondo-se facilmente como um verdadei-
ro Axis Mundi, que estrutura os eixos visuais e de transitabilidade natural, evidenciando bastante bem as carac-
terísticas inerentes a este modelo de instalação (Fig. 3 e 4). Este é certamente o mais extenso povoado do final
da Idade do Bronze no Alentejo Central, dispersando-se os materiais por uma ampla área (c. 30 ha) do topo ao
sopé do cerro, verificando-se a presença de materiais pouco rolados depositados na horizontal nos muitos taludes
artificiais existentes. A ocupação estrutura-se em plataformas ao longo da encosta, por vezes em áreas bastante
íngremes, ainda que possam existir zonas vazias, em particular algumas das mais declivosas. No topo, intervenções
recentes permitiram documentar traços claros de ocupação durante este período, infelizmente remobilizadas em
estratos da ocupação Moderna do local (COSTA & LIBERATO, 2007, p. 634).
A intervenção que temos vindo a desenvolver na encosta sudeste do cabeço de Evoramonte desde 2008, em
colaboração com a Dr.ª Catarina Alves, tem permitido documentar uma longa e dinâmica estratigrafia da Idade
do Bronze, bastante marcada pela sobreposição de pisos de ocupação e de lareiras, associadas a estruturas habi-
tacionais elaboradas em materiais perecíveis (Fig. 3 e 19). Estes dados parecem documentar uma intensa ocupa-
ção do sítio durante um longo período de tempo, como a sequência radicarbónica de 6 datas obtidas sobre ossos
de fauna parece comprovar (MATALOTO et al., 2013, neste volume)3. A ocupação parece arrancar pelo menos
em meados do II milénio a.C. prolongando-se, claramente, até aos inícios do segundo quartel do milénio seguin-
te. O espólio cerâmico é abundante, mas bastante fragmentado, compondo-se em larga medida por formas fecha-
das e fundas, de perfil em “S”, usualmente com acabamentos mais toscos, a par de outras abertas, carenadas ou
não, por vezes com excelente acabamento brunido (Fig. 7). A decoração com ornatos brunidos é absolutamente
residual (v. Fig. 8), estando bem menos documentada que as cerâmicas de clara filiação mesetenha do mundo
Cogotas I, presentes em grande parte da estratigrafia e correspondentes a padrões associáveis ao seu período
clássico (ABARQUERO MORAS, 2005, p. 469) (Fig. 5). O espólio metálico encontra-se pouco documentado, con-
tando apenas com pequenos furadores e faca; no entanto, realça a presença de uma pequena placa de ouro com
decoração canelada, enrolada em duplo sentido inverso (Fig. 6), cuja presença em nada altera a visão bastante
indiferenciada que emana da área intervencio-
nada, como veremos. Esta presença de um
pequeno elemento de ouro deve fazer-nos recor-
dar que estamos numa região onde os achados
de jóias em ouro estão bastante bem documen-
tados (ARMBRUSTER & PARREIRA, 1993), a
que não deverá ser alheio o facto de existir ouro
aluvial, explorado até aos finais do séc. XVIII,
junto ao sopé de Evoramonte (FONSECA, 2003,
p. 127).
O sítio do Castelo (Calado e Mataloto, 2001)
apresenta características algo distintas do ante-
rior, mas implanta-se, igualmente, sobre uma
destacada cumeada adjacente à importante portela do Meio Mundo (Fig. 9 e 11), dominando a visibilidade prin-
cipalmente para nascente, num ângulo absolutamente complementar ao de Evoramonte, no extremo oposto da
3 Estas datações foram obtidas em colaboração com o Eng. Monge Soares, ao qual agradecemos toda a disponibilidade e comentários. As
mesmas serão objecto de apresentação aprofundada em futuros trabalhos, sendo agora integradas em outro artigo deste volume (v. Mata-
loto, Soares e Martins, 2013, neste volume). No presente trabalho apresentamos apenas datas BP, remetendo a apresentação completa das
mesmas para esta última referência.
Fig. 6 – Pequena lâmina decorada e enrolada, em ouro, de Evoramonte.
231
Fig. 7 – Conjuntos cerâmicos de estratigrafia datada de meados do II milénio a.C., da plataforma sul de Evoramonte (esquerda) e do I milénio a.C. da plataforma norte (direita).
232
Fig. 8 – Cerâmica decorada de Evoramonte: ornatos brunidos (topo) e cerâmica com decoração incisa/impressa. Pesos de tear.
Cerâmica decorada com ungulações (em baixo, à direita) (desenhos: I. Conde).
233
serrania. O Castelo Velho da Serra d’Ossa, como foi denominado por Gabriel Pereira no final do século XIX
(PEREIRA, 1889), é conhecido como local de povoamento antigo ao menos desde meados do século XVIII, onde
é referido em diversas publicações (HENRIQUE DE SANTO ANTÓNIO, 1745).
Localizado num dos topos da serra d’Ossa domina a vastidão da planície centro alentejana e controla importan-
tes caminhos de transitabilidade natural, tanto Este-Oeste como Norte-Sul.
Os vestígios de ocupação estendem-se por cerca de 14ha, ao longo de uma destacada linha de cumeada que
engloba o segundo ponto mais alto da serra d’Ossa, estando aparentemente cercada por uma estrutura de deli-
mitação, perceptível pela presença de um talude visível numa extensão aproximada de 1,5 km. Esta estrutura
encontra-se bastante afectada no lado Norte onde, a espaços, é visível em corte a sua constituição em lajes peque-
nas, dispostas na horizontal, sem que nos seja claramente perceptível a presença das faces interna e externa.
O conhecimento do local resulta, essencialmente, de intensas recolhas de superfície favorecidas pela fortíssima
afectação que o sítio conheceu na sequência do processo de eucaliptização da serra d’Ossa desde os anos 60.
Além do plantio, a abertura de corta-fogos continua a provocar a destruição dos vestígios arqueológicos, expondo
diversas realidades estruturais ou contextos de abandono, como os que geraram uma pequena intervenção de
emergência no Verão de 2005. Esta corresponde à única intervenção arqueológica levada a efeito no local, tendo
por objecto a escavação de uma possível cista e a remoção de um conjunto de cerâmicas da Idade do Bronze
fracturadas em conexão e expostas pela erosão num dos estradões. Em 2008, perante a inacção das entidades
competentes, efectuámos nova limpeza e registo de diversas realidades estruturais e materiais visíveis à superfí-
cie, que permitiram constatar, no estradão que corta longitudinalmente o cerro, a presença de diversas estruturas
de índole aparentemente habitacional, como parte do soco de pelo menos uma cabana de lajes dispostas em
cutelo, e diversos buracos de poste estruturados, a par de outras estruturas de maior porte, mas menor leitura
(Fig. 9). O conjunto cerâmico é bastante extenso, acompanhando a gama formal típica do final da Idade do Bron-
ze. Os grandes recipientes, de bordo ligeiramente exvasado são abundantes, por vezes associados a grandes
pegas mamilares, com frequência decorados com acabamentos “cepillados” externos ou em ambas superfícies
(Fig. 10). A par destes desenvolve-se toda uma gama de formas simples, hemisféricas, mais ou menos profundas,
de fundo plano. As formas de menores dimensões, frequentemente carenadas, apresentam, ao invés das anterio-
res, pastas depuradas e bons acabamentos, por vezes brunidos. A decoração de ornatos brunidos, ainda que
estando documentada, é pouco frequente, surgindo principalmente em gramáticas simples (Fig. 10). Ao longo do
povoado foram também referenciados alguns objectos metálicos, como um pequeno bracelete, a par de outros
indícios de práticas metalúrgicas, como moldes (CALADO & MATALOTO, 2001). A diacronia de ocupação é
difícil de assegurar, em particular a origem do povoado, se atendermos à longa diacronia de Evoramonte sem
clivagens artefactuais assinaláveis; o abandono do local parece acompanhar, tal como acontece com todas as
ocupações do final da Idade do Bronze do território centro alentejano, a disseminação das novas realidades pro-
dutivas difundidas a partir do litoral pelas comunidades fenícias, como a roda de oleiro ou a arquitectura de
planta ortogonal.
Ao longo do extenso topo registou-se a presença de diversos painéis com gravuras incisas filiformes e impor-
tantes painéis com covinhas, os quais carecem ainda de um trabalho aprofundado, mas que poderão estar a
indiciar espaços relevantes do ponto de vista sócio simbólico dentro da área ocupada.
O São Gens é a terceira grande ocupação do final da Idade do Bronze conhecida na Serra d’Ossa, apresentan-
do, contudo, características algo distintas dos anteriores, como se pretende evidenciar.
O alto de São Gens é o ponto cimeiro da Serra d’Ossa, localizado numa área relativamente central da mesma,
erguendo-se no entrecruzar de diversas cristas, dominando as duas mais importantes portelas da serra, a já
apontada do Meio Mundo, para Nascente, e a do Convento para Poente. Os vestígios de ocupação estendem-se
por mais de 10 ha, ocupando o topo aplanado e grande parte da encosta Norte, que desce em pendente mais
234
Fig. 10 – Conjunto cerâmico do Castelo Velho da Serra d’Ossa: grande contentor com decoração cepillada; decoração de ornatos
brunidos. (desenhos: C. Roque, C. Pereira e CALADO & MATALOTO, 2001).
235
suave até formar uma ampla rechã, que depois cai abruptamente sobre o vale do Meio Mundo, numa vertente
ponteada por destacados afloramentos rochosos, onde se detectaram diversos painéis com covinhas.
A intensa afectação resultante do plantio de eucaliptos eliminou quase por completo qualquer evidência das
estruturas de fortificação, aparentemente visíveis junto ao topo em meados do século XX (ALMEIDA, 1945), mas
que poderiam corresponder parcialmente à fortificação calcolítica documentada no local (MATALOTO, 2005).
Em 2003, em virtude da implantação de uma antena de comunicações, efectuámos uma pequena intervenção
junto ao topo, de que já se apresentou uma leitura global (MATALOTO, 2004a).
Foram escavados cerca de 150m2 que, apesar da magra estratigrafia, permitiram caracterizar a ocupação numa
área adjacente ao topo.
A intervenção permitiu documentar um conjunto cerâmico de tradição local do final da Idade do Bronze, a que
se apensou um conjunto de novas formas, de origem ou inspiração colonial, tal como ânforas 10.1.1.1 e pintadas,
além de pithoi já de produção regional.
As formas locais correspondem principalmente a recipientes de consumo individual e formas abertas, em geral
carenadas, para além de vasos de pequena e média dimensão, de perfil em “S”. Já as importações e produções a
Fig. 11 – Vista geral de Norte da crista de São Gens (à direita) separada da Crista do Castelo Velho da Serra d’Ossa (à esquerda)
pelo vale do Meio Mundo. Em baixo, conjunto cerâmico, [5], fracturado em conexão (à esquerda) e estruturas habitacionais (larei-
ra e buraco de poste) (à direita).
236
torno relacionam-se principalmente com grandes contentores de armazenagem e transporte. Cremos relevante
assinalar que a decoração de ornatos brunidos se encontra, até ao momento, ausente, ainda que se documentem
cerâmicas de superfícies intensamente brunidas.
Esta realidade foi documentada em toda a área escavada, não tendo sido registada qualquer diferenciação dia-
crónica, na magra estratigrafia. Este conjunto artefactual, digamos de transição, registou-se imediatamente sobre
o substrato rochoso.
Os escassos indícios de construções documentam a presença, junto ao topo, de estruturas em materiais pere-
cíveis, de planta indeterminada, a par de pequenas construções em pedra e uma lareira, com solo de fragmentos
cerâmicos. A intervenção permitiu verificar apenas uma fase de ocupação, à qual se deve reportar todo o conjun-
to artefactual e arquitectónico.
Assim, se atendermos essencialmente ao resultado da escavação, São Gens é um povoado bastante tardio, de
um momento já claramente de transição, devendo apresentar uma ocupação relativamente circunscrita no tempo,
decorrendo o seu abandono do mesmo processo de transformação das malhas de povoamento que conduziu ao
abandono do povoado do Castelo Velho. Todavia, intensas recolhas de superfície que temos vindo a efectuar por
toda a encosta Norte, fortemente afectada pelo plantio de eucaliptos em socalcos, ainda que não documentem um
Fig. 12 – Conjunto cerâmico recolhido na intervenção no alto de São Gens (MATALOTO, 2004 a).
237
panorama substancialmente distinto ao nível da cerâmica de tradição do final da Idade do Bronze, foram infrutí-
feras relativamente à recolha de material a torno, regional ou importado, o que poderá ter um significado crono-
lógico ou socio-económico, de mais complexa percepção.
Ao invés do registado nos grandes povoados de cumeada mencionados anteriormente, no São Gens uma análi-
se cuidada das recolhas de superfície indicia uma ocupação relativamente pouco intensa, com concentrações
cerâmicas espaçadas, muitas vezes localizadas na rechã Norte onde, todavia, há indícios de uma ocupação mais
prolongada, como poderão indiciar diversos dormentes de mó de sela. A intervenção levada a efeito no topo, que
permitiu documentar a fortificação calcolítica, verificou, igualmente, a escassez ou mesmo ausência de estratigra-
fia da Idade do Bronze, apesar de estarmos a apenas 30m da intervenção de 2004, onde se documentaram estra-
tos de ocupação do final da Idade do Bronze. Este facto parece reforçar a possibilidade de uma ocupação esparsa
e intermitente no topo. Cremos ser possível equacionar a ocupação do São Gens enquanto “meeting place”, onde
se geriam e mediavam as relações entre as comunidades que ocupavam a serra, instaladas em povoados como
Castelo Velho, Evoramonte, Espinhaço de Cão, Fonte Ferrenha ou mesmo Martes, já na sua margem, mas também
em territórios envolventes, tal como tem vindo a ser proposto para diversas realidades do Norte da Europa
(KRISTIANSEN, 2010, p. 185; THURSTON, 2010, p. 228). A presença, num momento avançado da Idade do Bron-
ze, de estruturas negativas onde se amortizavam as primeiras ânforas de vinho importadas na região e pithoi de
produção local e de importação, como aconteceu na estrutura negativa [17] do São Gens, parece indiciar, tal como
acontece nos citados contextos do Norte da Europa, a presença de festins e celebrações que impunham a estadia
temporária no topo, em momentos específicos do ano, associada a celebrações cuja essência apenas podemos
especular. Não deixa de ser relevante assinalar que, no cerro de São Gens, se realizava a festa anual de São
“Cornelho” (Cornélio) até muito recentemente, onde se efectuava a bênção dos rebanhos, principalmente de
caprinos, reunidos no topo da serra. Esta reunião foi entendida, a par das ofertas em géneros efectuadas na rocha
de “São Cornelho”, localizada a curta distância de São Gens, como resquícios de uma celebração ancestral (MOI-
TA, 1965), o que se poderá revestir de alguma veracidade.
Este facto não obsta que existisse uma reduzida ocupação permanente no local, como o indicia a presença de
elementos de tear, a par de prática de moagem e provavelmente metalurgia. Este povoado ver-se-ia reforçado
pontualmente em momentos específicos do ano, durante celebrações e reuniões junto ao topo, onde os indícios
de ocupação, para momentos anteriores à chegada das primeiras importações, são escassos. A centralidade e
conspicuidade, associadas à facilidade de acesso ao cabeço de São Gens facilitariam a sua utilização como local
de agregação e mediação entre os grupos, reforçando, então, os laços existentes entre os diversos povoados que
acabariam por funcionar como uma única comunidade, pertencente a um mesmo sistema de povoamento (MATA-
LOTO, 2012).
O modelo de instalação nas grandes cumeadas parece, então, integrar um conjunto diverso de ocupações que
deve ter desempenhado um papel fulcral na estruturação do povoamento, em moldes que discutiremos adiante,
e que pensamos ter ficado patente pela sua associação a imponentes jóias áureas, como defendemos em outro
local (MATALOTO, 2012).
Os povoados de altura, implantados em elevações destacadas, próximos a boas áreas agrícolas, são igualmente
bastante característicos deste período. Em geral, não apresentam grandes dimensões, entre um a dois hectares,
sem que sejam evidentes em muitos deles claros indícios da presença de estruturas perimetrais. Neste grupo
podem ainda integrar-se algumas ocupações de características genericamente semelhantes, mesmo que apresentem
estratégias de implantação ligeiramente distintas, aos instalarem-se em esporões ou cabeços rochosos, rodeados
por elevações de maior altura.
Este modelo de instalação engloba um conjunto diverso de ocupações, algumas das quais objecto de trabalhos
arqueológicos relativamente contidos, que nos permitem caracterizar um pouco melhor a sua variabilidade. Os
238
Fig. 13 – Conjunto cerâmico do povoado de altura do Alto do Castelinho da Serra (desenhos: C. Pereira).
239
povoados do Alto do Castelinho da Serra, Castelo do Giraldo, Coroa do Frade, Arraiolos, Castelo Velho do Luce-
fécit e Rocha do Vigio foram objecto de intervenções pontuais. Todos eles se implantam em cerros de média
altura, dotados de alguma defensabilidade natural (Fig. 14), ainda que os dois últimos se encontrem no fundo do
vale, com limitada visibilidade envolvente, controlando pontos-chave de marcada transformação paisagística, junto
de relevantes linhas de água. O Castelo do Giraldo e a Rocha do Vigio apresentam áreas relativamente restritas,
com menos de 1 ha, ao invés da Coroa do Frade que apresenta dimensões superiores a 2 ha. Este povoado, e
aparentemente também o Castelo Velho do Lucefécit, constituem os únicos casos onde foi possível confirmar a
presença de estruturas delimitadoras (ARNAUD, 1979; CALADO, 1994), no entanto, apenas para a Coroa do
Fig. 14 – Conjunto cerâmico e vista de nascente do Castelo do Giraldo (à esquerda) (adaptado MATALOTO, 1999); vista de Sul
do Castelo Velho do Lucefécit, com o Castelo Velho da Serra d’Ossa visível ao fundo à esquerda; cerâmicas decoradas com ornatos
brunidos do Castelo Velho do Lucefécit (adaptado de CALADO, 1993).
240
Frade detemos uma caracterização mínima da mesma. Esta estrutura, que se crê envolver toda a área ocupada
(ARNAUD, 1979, p. 60), foi apenas muito pontualmente registada. A muralha apresenta cerca de 2,70m de espes-
sura, sendo construída em pequenas pedras, dispostas na horizontal, argamassadas com argila.
Observações recentes no terreno impõem algumas reservas ao levantamento do circuito amuralhado apresen-
tando anteriormente, em particular no que diz respeito à designada segunda linha defensiva que, ao invés da
estrutura sondada, bastante evidente no terreno, é apenas pontualmente perceptível; contudo, as evidências de
ocupação do final da Idade do Bronze no exterior da fortificação, no lado Sul, são claras e expressivas, através
da presença de abundante cerâmica e acumulações pétreas, eventualmente indiciadoras da presença de estruturas.
A robusta estrutura defensiva documentada por Afonso do Paço no Castelo do Giraldo (PAÇO & VENTURA,
1961) parece, no entanto, pertencer à ocupação medieval (ARNAUD, 1979, p. 60), o que não obsta a ter existido
uma outra.
A presença de estruturas de delimitação, quer sejam defensivas ou meramente de aterro, podem ser facilmen-
te vislumbradas em outras ocupações aparentemente coevas, integráveis neste modelo de ocupação, caso dos
povoados do Pero Lobo (Alandroal), Carapeto (Alandroal/Elvas) ou São Gens (Reguengos de Monsaraz).
Na Rocha do Vigio, implantado sobre pequeno esporão rochoso, situado a escassos quilómetros a Sul de Mon-
saraz, próximo da foz da Ribeira do Álamo, e hoje submerso pela barragem de Alqueva, eram visíveis potentes
taludes artificiais que rodeavam a pequena área ocupada. Sobre o talude do lado Poente foi aberta uma pequena
sondagem4 que permitiu constatar que correspondia a um socalco construído em grandes blocos, dispostos em
cutelo e na subhorizontal, que permitia ampliar a escassa área habitável disponível, aproveitando, parcialmente,
uma clara descontinuidade topográfica natural já existente.
O Castelo de Arraiolos constitui outra destas ocupações em cerro destacado durante o Bronze Final. Esta ocu-
pação foi inicialmente identificada por Afonso do Paço, tendo vindo a ser confirmada por recolhas de superfície
e sondagens efectuadas por Gustavo Marques (materiais em depósito no MNA) (Fig. 16), reforçadas pelos resul-
tados obtidos em trabalhos recentes (ALMEIDA et al., 2012). Tal como acontece em povoados como as Martes
(Redondo), Outeirão (Portel), Padrão (Estremoz), entre outros, em Arraiolos nunca foram detectadas ou obser-
vadas quaisquer estruturas de delimitação. A área de dispersão dos materiais da Idade do Bronze não é muito
alargada, cingindo-se em grande medida à área da cerca medieval, superando ligeiramente 1 ha.
Nos últimos anos tem vindo a documentar-se uma importante rede de pequenas instalações localizadas em
áreas aplanadas ou pequenas lombas, adjacentes a linhas de água e solos aptos para a agricultura. Deverão, em
geral, corresponder a ocupações de cariz rural que poderão oscilar entre as pequenas instalações agrícolas de
cariz familiar e pequenos aldeamentos dispersos, sem que possamos, contudo, excluir ocupações de grande exten-
são, para as quais não dispomos de dados. Este modelo de instalação já havia sido identificado anteriormente em
diversos trabalhos de prospecção (CALADO E ROCHA, 1996-1997; CALADO, BARRADAS & MATALOTO, 1999),
mostrando em certas áreas até alguma intensidade, contudo, os dados recolhidos eram usualmente bastante
lacónicos. Nos últimos anos, os trabalhos arqueológicos desenvolvidos no âmbito do plano de rega de Alqueva no
Alentejo Central permitiu registar, de modo bastante mais sustentado, diversas destas ocupações de cariz aparen-
temente agrícola. Os diversos casos conhecidos situam-se no vale da Ribeira do Albardão, a sudeste de Évora,
onde a implantação de tubagens lineares permitiu a identificação de quatro destas ocupações, em ambas as mar-
gens da Ribeira (Fig. 17). Os sítios do Casarão da Mesquita 3, o mais extensamente escavado e publicado (SAN-
TOS et al., 2008), o Casarão da Mesquita 4 (NUNES et al., n.p.), o Monte da Cabida 3 (SOARES et al., 2009) e
4 Este local foi sujeito a três curtas campanhas de escavação realizadas no âmbito do PMI de Alqueva, tendo a primeira sido efectuada
por uma equipa liderada por Jorge Vilhena, e as restantes por uma equipa dirigida pelo Dr. Manuel Calado, na qual participei como arqueó-
logo.
241
Fig. 15 – Planta e conjunto artefactual da Rocha do Vigio 2 (adaptado de CALADO, MATALOTO & ROCHA, 2007)
242
a Horta do Albardão 3 (SANTOS et al., 2009) são ocupações caracterizadas pela sua implantação em ligei-
ras lombas, junto de bons terrenos agrícolas, com um número variável de estruturas negativas de tipo silo.
Apesar das intervenções se terem desenrolado apenas em estritos corredores de cerca de 6m de largura, foi
possível registar a presença de várias dezenas destas estruturas negativas de tipo silo nos dois primeiros que, na
realidade, poderão corresponder apenas a uma ocupação (NUNES, et al., n.p.). Estas estruturas, usualmente com
mais de um metro de profundidade e perfil troncocónico, surgem, nos casos conhecidos, em interessantes con-
centrações de cerca de duas dezenas, separadas entre si dezenas de metros. Este facto permite levantar a hipó-
tese destas aglomerações resultarem da sua associação a putativos espaços habitacionais existentes nas áreas
vazias entre aquelas, tal como tem vindo a ser proposto para diversos sítios da Meseta (BLASCO BOSQUED,
2004, p. 364).
Fig. 17 – Povoamento da Idade do Bronze junto da Ribeira do Albardão: CMQ4 – Casarão da Mesquita 4; CMQ3 – Casarão da
Mesquita 3; HALB3 – Horta do Albardão 3; MCAB3- Monte da Cabida 3. Fotos Casarão da Mesquita 3 em fase de escavação; vista
para norte sobre o vale do Albardão.
243
Em geral, estas estruturas estão preenchidas por sequências estratigráficas pouco complexas, resultantes de
enchimentos de cariz natural, a par da adução ocasional de alguma fauna e cerâmica, eventualmente decorrentes
da rejeição de subprodutos das actividades domésticas. Entendemos estas estruturas negativas como verdadeiros
silos, destinados à armazenagem, sazonal ou prolongada, dos produtos das colheitas, eventualmente cereais, que
estariam na base da economia destes aglomerados. A existência, muito comum em território alentejano, das
conhecidas “covas de pão” pelo menos até ao século XVII, altura em que foram substituídas pelos “Celeiros
Comuns” (MARQUES, 1978, p. 111), atesta com clareza o uso regional de estruturas semelhantes às aqui docu-
mentadas, por vezes de dimensões bem superiores, para fins de armazenagem de cereais, sem necessidade de
socorrer-nos de paralelos mais distantes. Esta forma de armazenagem teria sido bastante utilizada, permitindo
usualmente uma conservação adequada dos cereais que, em alguns casos, podia atingir as dezenas de anos, como
nos informa a documentação medieval onde se afirma ter Elvas “o milhor coval que há no mundo pera teer pam,
porque se tem em elle vinte e trinta anos sem nunca se dana por gorgulho nem per água …” (MARQUES, 1978,
p. 118). Por outro lado, não deixa de ser relevante que, em sítios como o Casarão da Mesquita 3, os conjuntos
cerâmicos sejam marcados por uma evidente escassez de grandes formas de armazenagem, como as documenta-
das no povoado da Rocha do Vigio (CALADO, MATALOTO & ROCHA, 2007, p. 137; MATALOTO, 2012, p. 205),
o que poderá reforçar a função de armazenagem associada a estas estruturas. Este facto não obsta que outros
usos, primários ou secundários, possam ser propostos para as mesmas.
As presenças funerárias são usuais, sem que possamos falar com propriedade da presença de necrópoles, à
excepção, talvez, do Monte da Cabida 3, e por motivos que cremos de base cronológica. Efectivamente, é usual
a presença de deposições funerárias dentro destas estruturas negativas, as quais comentaremos mais adiante.
Estas ocupações abertas são entendidas, usualmente, como de cariz sazonal, associadas a comunidades agríco-
las móveis. Todavia, esta leitura surge-nos excessivamente linear, podendo deduzir-se uma realidade bastante mais
complexa a partir dos conjuntos materiais. Por um lado, e a partir dos dados de radiocarbono, principalmente do
Casarão da Mesquita 3, pode entender-se uma notável continuidade ou recorrência na ocupação deste sítio, aliada
a uma efectiva organização do espaço, deduzida pela distribuição das estruturas que, como se menciona igual-
mente para o Casarão da Mesquita 4, raras vezes se seccionam, apesar de abertas numa área relativamente res-
trita. Este facto, mesmo que as análises cronológicas apontem para uma amortização efectiva das estruturas ao
longo de um intervalo de tempo bastante longo, demonstra um conhecimento efectivo do espaço e da sua orga-
nização, muito para além da “memória” do mesmo. Por outro lado, desenvolvem-se actividades de cariz domésti-
co que não teriam lugar em ocupações de marcada sazonalidade, por serem justamente épocas de maior intensi-
dade laboral, como nas sementeiras ou colheitas. Actividades que requerem mais tempo, como a tecelagem, não
teriam grande propósito, por se enquadrarem melhor em períodos de menor intensidade agrícola, como após as
colheitas. Já a metalurgia, bem atestada no Casarão da Mesquita 3 e 4 (Santos et al., 2008; Nunes et al., n.p.),
ainda que requeira tempo e conhecimentos, é uma actividade que poderá associar-se por complementaridade à
prática agrícola, principalmente na produção e reparação de artefactos, como os documentados machados planos,
importantes eventualmente no abate de árvores para a ampliação das áreas de cultivo.
Ainda que, de modo algum, acreditemos que a presença de enterramentos dentro das estruturas negativas
corresponda à constituição de verdadeiros espaços sepulcrais, é certa a deposição dos mortos, o que poderá
demonstrar enraizamento e fixação ao local, através da tumulação dos antepassados, os quais são revisitados e
reacondicionados, por vezes com a substração e remobilização propositada de partes do indivíduo, quando as
partes moles ainda se não haviam deteriorado por completo (SANTOS et al., 2009; NUNES et al., n.p.).
Perante estes dados, cremos que estas ocupações acabarão por acolher comunidades permanentes, dedicadas
à gestão agrícola do território, o que não inviabiliza, de modo algum, dois aspectos: mobilidade logística, acom-
panhando a rotação das colheitas em ciclos alargados de tempo; movimentos pendulares de gentes, que aqui
244
afluiriam em períodos curtos de maior intensidade de trabalho, como as colheitas, vindo reforçar os habitantes
locais, tal como aconteceu em território alentejano até mecanização daquelas, já nos anos 60 do século XX.
A aglomeração pontual de fossas em áreas relativamente restritas, separadas dezenas, ou mesmo centenas, de
metros como acontece no Casarão da Mesquita 3 e 4, poderá indicar que estamos perante uma verdadeira ocu-
pação de fundo rural, a modo de aldeamento disperso, tal como se tem vindo a documentar para os inícios da
Idade do Ferro na região (MATALOTO, 2004), dando a entender que a estruturação do território, e a emergência
do campo, teria arrancado durante esta fase.
As malhas de povoamento que integram os diversos modelos de instalação aqui apresentados surgem-nos, nas
áreas melhor caracterizadas, bastante intrincadas, no entanto, o factor Tempo é, ainda, bastante complexo de gerir,
sem dispormos de bons contextos e de melhores e maiores sequências de radiocarbono.
O conjunto de datas disponível para os diversos modelos de instalação permite-nos constatar que, ao menos
parcialmente, estes terão sido contemporâneos.
Neste momento dispomos de datas para as ocupações de Evoramonte (MATALOTO, et al., 2013, neste volume),
Casarão da Mesquita 3 (SANTOS et al., 2008), Monte da Cabida 3 (SOARES et al., 2009), Casarão da Mesquita
4 (NUNES et al., np), Horta do Albardão 3 (SANTOS et al., 2009) e Rocha do Vigio (MATALOTO, 2012, p. 202)5.
Estes sítios integram-se, como se viu, nos diversos modelos de povoamento comentados acima, ficando patente,
cremos, a possível contemporaneidade entre os vários modelos de instalação, na justa medida em que sítios de
cumeada, como Evoramonte, ou de planície, como Casarão da Mesquita 3 e Monte da Cabida 3, abarcam toda a
diacronia do final da Idade do Bronze.
O sítio da Rocha do Vigio deverá ter acompanhado o final da diacronia destas instalações, atendendo que as
datas obtidas se centram no final do período, o que fica igualmente patente no conjunto artefactual, com rasgos
de transição para o momento seguinte (MATALOTO, 2012) (Fig. 15).
O conjunto de dados cronológicos disponível, ainda que limitado, parece vir ao encontro de propostas anteriores,
onde se propunha uma estruturação do povoamento do Bronze Final centro alentejano em redes organizadas
(CALADO, 1993a; PARREIRA, 1995).
Recentemente defendemos que “o Alentejo Central parece, então, ser marcado, ao menos desde os finais do
segundo milénio a.C., por redes complexas de povoamento estruturadas em torno de grandes aglomerações popula-
cionais que, organizadas em parcerias solidárias e interdependentes, coordenariam amplos territórios na envolvente
das principais serranias.” (MATALOTO, 2012, p. 207).
Os dados entretanto obtidos vieram, essencialmente, ao encontro desta possibilidade, especialmente do ponto
de vista cronológico, ainda que seja conveniente alguma prudência, dada a escassez de datas, que poderá emas-
carar flutuações e oscilações nas dinâmicas ocupacionais impossíveis de detectar actualmente.
4 – ARQUITECTURA DOMÉSTICA E SUBSISTÊNCIA: ASPECTOS DO QUOTIDIANO
Se a estruturação interna dos povoados do final da Idade do Bronze no Alentejo Central nos escapa totalmente,
os contextos domésticos das ocupações são também bastante mal conhecidos, atendendo à ausência de interven-
ções em extensão que entreguem restos preservados. Uma vez mais apelamos aos dados obtidos nas intervenções
levadas a efeito no Castro do Ratinhos, situado junto ao Guadiana, na margem oposta ao Alentejo Central, mas
perfeitamente integrado nas dinâmicas regionais do final da Idade do Bronze (BERROCAL & SILVA, 2010, p. 244).
5 Ver datas e respectivas calibrações em Mataloto et al., 2013, neste volume.
245
Fig. 18 – Vista geral e planta das cabanas da Rocha do Vigio 2.
246
Neste povoado foi documentada, no topo da elevação, na designada “acrópole”, uma sequência de amplas cabanas
de planta circular e elipsoidal construídas em materiais perecíveis ou terra, que se substituem no tempo. A cons-
trução destas cabanas recorre a duas técnicas distintas, uma com muro de lajes de xisto na horizontal, argamas-
sada com argila, desenvolvendo-se em altura provavelmente em terra; a outra utiliza alicerces abertos no substra-
to rochoso, com lajes de xisto dispostas em cutelo, que se desenvolvem em altura em materiais perecíveis,
eventualmente recobertos por barro. As estruturas mais recentes apresentam áreas amplas, com cerca de 80m2,
deixando entre si espaços abertos, que poderiam indiciar a presença de espaços públicos de circulação, ainda que
na área intervencionada a sua natureza não seja absolutamente clara. As cabanas mais antigas surgem menos
robustas e, em geral, de menores dimensões, com 70 a 30 m2.
O modo como estas estruturas se vão substituindo no tempo, entrecortando-se sucessivamente através da
abertura dos alicerces, sem permitir uma forte acumulação estratigráfica, indica a parca durabilidade das estru-
turas e a sua construção em materiais perecíveis, principalmente das mais antigas, que deixariam pouco rasto e
volume (BERROCAL & SILVA, 2010, p. 244). Todavia, estas cabanas representam, sem dúvida, o que deveria ser
a norma do espaço doméstico durante a Idade do Bronze no Sul peninsular (v. os múltiplos exemplos citados por
estes autores, BERROCAL & SILVA, 2010, p. 252 e ss). Mesmo atendendo à dimensão não cremos que indiciem,
ao invés do proposto por estes investigadores, com clareza, qualquer tipo de diferenciação de cariz hierárquico,
o que não obsta, como os próprios autores apontam, que possam ter desempenhado funções sociais de índole
gregário, atendendo à sua dimensão, e à proximidade do designado templo, aparentemente contemporâneo (BER-
ROCAL & SILVA, 2010, p. 252). O único argumento que se pode esgrimir neste sentido, além da sua localização
no topo, é a dimensão, já que a técnica de construção dificilmente poderia ser usada nesse sentido, dada a sua
utilização em povoados menores da região, de comprovada cronologia semelhante, caso da Rocha do Vigio, como
veremos. Para o final da Idade do Bronze têm vindo a ser dadas a conhecer, um pouco por toda a realidade
peninsular, grandes cabanas, em geral construídas em materiais perecíveis, é certo, mas que atingem dimensões
semelhantes, ou largamente superiores, estreitando ligações com contextos extra-peninsulares (AGUSTÍ et al.,
2012, p. 128). Deste modo, e ainda que reconheçamos que a média da superfície das cabanas conhecidas é, em
geral, inferior (10-40m2) (AGUSTÍ et al., 2012, p. 128), cremos bastante complexo assegurar a diferenciação social
destes espaços apenas tendo por base a sua dimensão.
Ou seja, até prova em contrário, no Castro dos Ratinhos, e ao invés do que eventualmente poderá ter sucedido
em momentos imediatamente posteriores, para um momento final da Idade do Bronze não se conhece uma arqui-
tectura diferenciada, de foro doméstico ou mesmo outro, emanando uma imagem de grande proximidade entre
os diversos contextos conhecidos.
No território centro alentejano, apenas o sítio da Rocha do Vigio 2 proporcionou um conjunto de dados signi-
ficativo, documentando um momento imediatamente anterior às grandes transformações que se fizeram sentir
após a interacção e presença do mundo colonial fenício (CALADO, MATALOTO & ROCHA, 2007; MATALOTO,
2009) (Fig.15).
A Rocha do Vigio implanta-se, como se mencionou acima, num pequeno esporão rochoso, de vertentes decli-
vosas, dispersando-se a ocupação por pequenas plataformas em torno de uma área central, de maiores dimensões.
A intervenção levada a efeito permitiu registar uma única ocupação associada a diversas estruturas de planta
ovalada sobrepostas, para além de um edifício complexo, de planta quadrangular que, por se enquadrar, provavel-
mente, em momentos posteriores ao período aqui em debate, não comentaremos.
Para a última ocupação, associada ao abandono de uma cabana de planta subcircular, obteve-se uma datação de
14C (Wk 18496 : 2645 ± 33 BP) já mencionada, que a situa entre o final do séc. X e o início do século VIII a.C.
As estruturas de planta ovalada aqui identificadas correspondem a três cabanas sobrepostas (Fig. 18), registadas
aproximadamente em metade da sua extensão, encontrando-se associadas a uma estratigrafia pouco espessa,
247
indiciadora, mais uma vez, da utilização preferencial de materiais perecíveis, ainda que, como veremos, a própria
técnica construtiva se tenha transformado ao longo da sucessão das ocupações. Estas encontravam-se na margem
Poente da plataforma central, parcialmente sobre o talude artificial que rodeava a área ocupada. Na margem
oposta da plataforma efectuou-se uma pequena vala de sondagem que apenas documentou a presença de ocupação,
eventualmente de cariz habitacional, atendendo à presença de um solo de lareira em barro cozido. A sobreposição
destas cabanas, associada a uma área reduzida, ampliada artificialmente, poderá estar a indicar um elevado índice
de ocupação do solo.
A primeira cabana, a menos bem documentada, encontrava-se marcada por uma linha de pequenas lajes de
xisto, dispostas em cutelo, reforçando, aparentemente, o embasamento de uma possível componente aérea em
materiais perecíveis. Atendendo ao índice de curvatura da estrutura registada esta deveria corresponder à maior
de todas as cabanas documentadas, com uma área interna que se deveria aproximar, com algumas reservas, aos
25 m2. No interior, em posição aproximadamente central, detectou-se uma grande lareira de placa de argila. Não
foi documentado qualquer buraco de poste em posição central, ou não, indicando provavelmente a existência de
uma cobertura autoportante, sustentada apenas nas paredes, atendendo à reduzida dimensão do vão a cobrir, tal
como deve ter sucedido nas cabanas seguintes, onde a mesma ausência foi notada (Fig. 18).
Sobre a cabana anterior, que deixou uma expressão estratigráfica mínima, edificou-se uma nova cabana, seguin-
do uma técnica de construção totalmente distinta, apresentando um muro de embasamento, com cerca de 0,45m
de espessura e cerca de 0,25 m de altura conservada, de planta aproximadamente ovalada, realizado em pedras
de xisto, dispostas na horizontal, constando de uma área sensivelmente menor que aquela, agora em torno dos
13 m2. Tal como na cabana anterior, foi detectada uma lareira sobre leito de fragmentos cerâmicos, mas agora,
atendendo à reconstituição proposta, localizada não no centro do espaço habitado, mas junto de uma área lateral.
A presença de uma grande laje de xisto, que claramente extravasava os limites dos muros da cabana, poderá estar
a indicar-nos a presença de um vão aberto a Sul (Fig. 18). Esta cabana assemelha-se, em termos construtivos, às
duas estruturas de planta circular documentadas na “acrópole” do Castro dos Ratinhos, apesar de apresentar uma
dimensão bastante menor (BERROCAL & SILVA, 2010, p. 247).
A última estrutura edificada vem aproveitar parte da anterior como reforço do embasamento, adossando-lhe
grandes lajes dispostas em cutelo, que deveriam suster uma estrutura de materiais perecíveis (postes e ramagens
entrelaçadas) que se desenvolveria em altura, e se encontraria, ao menos pelo interior, revestida a barro, de que
se documentaram os derrubes ruborescidos. Estes apresentavam as marcas em negativo da estrutura em materiais
perecíveis, que utilizava uma diversidade de ramagens e troncos, de espessuras diversas, associados a tabuões,
com cerca de 5 a 7 cm de largura (Fig. 15, 1), os quais surgiam, por vezes, dispostos perpendicularmente entre
si, demonstrando uma intrincada estrutura em madeira (BRUNO, 2010, p. 170). O barro revestia posteriormente
estas estruturas, sendo toscamente alisado, como ficou patente em diversos fragmentos nos quais se notavam as
marcas digitais deixadas por esta acção. A cabana apresentava uma planta subcircular, de dimensões semelhantes
à anterior, encontrando-se segmentada por um murete linear, que deveria corresponder a um poial de arrumação,
atendendo a que, de um e outro lado, se encontraram grandes vasos de armazenagem tombados sobre o chão
(Fig. 18).
Este detalhe pode, eventualmente, articular-se com uma necessidade de compartimentação da área coberta,
denunciando o arranque do processo de segmentação do espaço habitado que se tornará patente no momento
imediatamente posterior. Apresentava igualmente uma grande lareira sobre leito de fragmentos cerâmicos, deslo-
cada possivelmente para junto da parede da cabana.
A técnica de construção do próprio murete, de lajes na horizontal, é ela mesmo uma novidade, seguindo uma
técnica ausente na primeira cabana, mas desenvolvida na segunda, curiosamente a de menores dimensões, eventu-
almente derivado de dificuldades técnicas, que impuseram o abandono da cabana e da própria técnica construtiva.
248
Esta cabana apresentava, ao invés das anteriores, uma planta aparentemente circular com cerca de 16m2, acom-
panhando a tendência para a edificação de plantas circulares em momentos avançados da Idade do Bronze regis-
tada no Castro do Ratinhos (BERROCAL & SILVA, 2010, p. 249).
A cabana mais recente da Rocha do Vigio 2 representa, então, o que deveria ser um contexto doméstico típico
do final da Idade do Bronze na região, com a presença de uma área de armazenagem de produtos variados,
atendendo à existência de diferentes grandes contentores, com uma lareira no espaço mais interior, oposto ao
putativo vão de entrada. Na cabana guardavam-se, também, elementos relacionados com a metalurgia, uma das
actividades documentadas no povoado, atendendo à presença de uma das partes de um molde bivalve para esco-
pros, dos quais se registou também um exemplar em ferro (Fig. 15, 7 e 8). A reduzida dimensão destas unidades
habitacionais aponta para o seu uso por grupos de pequena dimensão, de base familiar ou não, afastando-se cla-
ramente das longue houses que têm vindo a ser documentadas no interior da península em cronologias afins
(AGUSTÍ et al., 2012). Este facto poderá estar a indiciar o início de um processo de segmentação dos grupos e
do espaço habitado que se tornará bastante mais notório na arquitectura rural dos inícios da Idade do Ferro da
região, virada essencialmente para a criação de núcleos produtivos de base familiar restrita (MATALOTO, 2004).
A sequência de abandono e sobreposição destas cabanas indicia a debilidade construtiva destas edificações,
podendo igualmente indicar a presença temporária de comunidades dedicadas a actividades específicas, neste caso
possivelmente a metalurgia. Todavia, é certo que o investimento inicial de alargamento da área habitável através
da construção de plataformas artificiais implica uma visão de uso a largo prazo, que não é incompatível com a
sua utilização temporária em períodos sazonais. Por outro lado, esta sequência construtiva documenta, igualmen-
te, a evolução das técnicas construtivas que lentamente, no início do segundo quartel do Iº milénio aC, irão
desembocar numa total revolução da concepção e uso do espaço habitacional no Sul do território actualmente
português, como se pode documentar em diversos sítios rurais da região centro alentejana (MATALOTO, 2004,
2009).
Os dados disponíveis para outros locais, como Evoramonte, são, infelizmente, bem menos expressivos sobre as
realidades habitacionais da Idade do Bronze. Todavia, e para momentos relativamente recuados do Bronze Final,
em torno do século XV – inícios do século XIII a.C., datados pelo radiocarbono (Fig. 19), foi possível verificar a
presença de técnicas construtivas relativamente elementares, baseadas na edificação de estruturas em postes de
madeira fincados no solo, em buracos de poste estruturados ou simplesmente abertos no substrato, em conjuga-
Fig. 19 – Perfil estratigráfico da ocupação da Idade do Bronze de Evoramonte com indicação da origem das datações radiocarbo-
no obtidas.
249
ção com paredes erguidas em terra, ou materiais perecíveis (Fig. 4). Numa fase igualmente recuada foi documen-
tada uma pequena estrutura de lajes na horizontal, cuja funcionalidade desconhecemos. Não deixa de ser bastan-
te elucidativo da diversidade construtiva destas técnicas elementares o facto de, ao invés do que acontece na
Rocha do Vigio, um potente derrube de barro cozido, [173], não apresentar marcas evidentes dos suportes vege-
tais em negativo, podendo indiciar que estamos perante estruturas erguidas principalmente em terra. Em momen-
tos aparentemente posteriores documentou-se o embasamento de outra estrutura com planta subcircular, [438],
composta por lajes de xisto dispostas em cutelo, e dois fragmentos de mó em granito, sobre alicerce parcialmen-
te aberto no substrato rochoso (Fig. 4). Em estratos posteriores a esta, aos quais se pode associar uma cronolo-
gia já dentro do primeiro quartel do I milénio a.C. ([340]-Sac-2763-2720±60 BP; [326]-Sac-2784-2810±45 BP), foi
possível registar a proliferação de buracos de poste estruturados, a par de diversos solos de lareira, amortizados
em diferentes momentos (Fig. 4). Os processos de abandono e reconstrução destas estruturas são ainda difíceis
de caracterizar, contudo, fica claro que em nenhuma situação se verificou um incêndio que implicasse o derrube
de barro cozido como o verificado em momentos anteriores da estratigrafia. O elevado ritmo de abandono ou
reconstrução estrutural indicado pela adição e subtracção de buracos de poste ao longo da estratigrafia pode estar
a alertar-nos, uma vez mais, para a fragilidade construtiva, eventualmente derivada da mobilidade, mesmo que
temporária, dos grupos que ocupavam o cabeço de Evoramonte, o qual mostra, todavia, uma sequência aparente-
mente contínua de ocupação, como de viu, pelo menos desde meados do II milénio a.C. até ao final do primeiro
quartel do I milénio a.C..
Esta arquitectura em materiais perecíveis, baseada na construção sustentada em elementos verticais de madei-
ra, parece ser bastante usual e transversal a este período, tendo-se documentado também a sua presença no sítio
de Cocos 12, onde se registou mais de uma dezena de buracos de poste estruturados e alinhados (CALADO,
MATALOTO & ROCHA, 2007, p. 140). No povoado de São Gens, claramente de transição para a Idade do
Ferro, onde se documentam as mais antigas importações de cerâmica a torno da região, algures em meados do
século VII a.C., a realidade edificada parece ser ainda dominada por estas estruturas em materiais perecíveis,
surgindo os primeiros e frustes muretes, tal como na Rocha do Vigio (Fig. 11). Todavia, pouco depois, algures
pelos finais desse século, ou inícios do século VI a.C., dá-se uma profunda revolução dos métodos de construção
e de estruturação do espaço, como fica bem patente na complexidade atingida pela primeira fase do conjunto
edificado do Espinhaço de Cão, junto ao Guadiana (MATALOTO, 2009, p. 286).
Os dados disponíveis para a estrutura produtiva do Alentejo Central durante o final da Idade do Bronze são
escassos, para não dizer nulos. Efectivamente há um enorme desconhecimento sobre a base económica da socie-
dade, todavia, cremos que deverá ser, como não poderia deixar de acontecer em sociedades pré-industriais,
baseada na produção agrícola e ganadeira, aproveitando igualmente os diversos recursos naturais, como a caça e
recolecção, ou a própria produção metalúrgica, como se verá. É provável que a estrutura produtiva tivesse uma
base organizativa em grande medida familiar alargada, coordenada depois ao nível da comunidade em que se
inseriam. Como se viu no Casarão da Mesquita 3 (SANTOS et al., 2008), a estruturação do espaço de armazena-
gem indiciada pela concentração de silos em pequenos grupos espaçados pode estar a apontar justamente nesse
sentido, como foi proposto para ocupações semelhantes na Meseta (BLASCO BOSQUED, 2004, p. 364).
Por outro lado, os recentes dados de Huelva parecem apontar para uma grande complexidade estrutural e
organizativa do campo em momentos recuados do I milénio a.C. (VERA, 2012).
Para além dos grupos de silos, que associamos essencialmente à armazenagem da produção cerealífera, estão
completamente ausentes do nosso território, até ao momento, as grandes estruturas de armazenagem, conhecidas
no Sul peninsular desde momentos recuados da Idade do Bronze, caso dos silos aéreos circulares de Fuente
Álamo (SCHUBART, PINGEL & ARTEAGA, 2000, p. 71) ou o bem mais próximo celeiro de Alange, enquadra-
do pelos finais da primeira metade do II milénio aC (DUQUE ESPINO et al., 2009, p. 288; PAVÓN et al., 2010,
250
Fig. 20 – Conjunto de elementos de foice denticulados da unidade [173] de Evoramonte. Proposta de reconstituição de 2 foices
com o total de elementos recolhidos em conjunto (desenhos: C. Roque).
251
p. 446). Estas estruturas de armazenagem, de sentido comunitário, podendo estar presentes nos grandes povoados
de altura da região, estariam de certo modo destinadas a conservar e redistribuir a produção pela comunidade,
que acumularia a sua parte em grandes vasos como os documentados na cabana mais recente da Rocha do Vigio.
A interligação entre estes putativos armazéns situados nos grandes povoados de altura e as produções armazena-
das nos silos das ocupações de planície é mais complexa de averiguar, não tendo que ser absolutamente depen-
dente ou tributária, podendo tratar-se das mesmas populações, que deslocavam sazonalmente uma parte do grupo
para as colheitas, como mencionámos acima.
As evidências de cereais são escassas, contudo, estão claramente documentadas em território centro alentejano
no povoado do Alto do Castelinho da Serra em níveis do final da Idade do Bronze (GIBSON et al., 1998, p. 222).
Neste período são igualmente frequentes na região os elementos denticulados de foice em quartzito, os quais estão
presentes tanto em povoados de altura, caso de Evoramonte, como de planície, caso do Casarão da Mesquita 3
(SANTOS et al., 2008, p. 74) ou Monte do Outeiro (MATALOTO, 2012, 207); cremos ser de enfatizar a ausência de
foices metálicas em território centro alentejano. Neste particular parece-nos de realçar a presença de um conjunto
de 26 denticulados em quartzito documentados em Evoramonte, na unidade [173] (Fig. 20), correspondente ao
derrube de barro de uma cabana, da qual se obteve a data Sac-2667 (3150±50 BP), situada entre finais do século
XVI e finais do século XIV a.C. (MATALOTO et al., 2013, neste volume). Este conjunto poderá corresponder à
presença de, eventualmente, duas foices ou mesmo uma gadanha, que poderíamos de algum modo associar às
colheitas de cereal, ainda que nos faltem estudos traceológicos. Os múltiplos moventes e grandes dormentes de tipo
sela estão presentes em quase todos estes povoados, podendo apontar igualmente para uma agricultura fortemente
virada para a produção e consumo de cereais, ainda que não seja absolutamente obrigatório.
A produção têxtil parece ter desempenhado um papel relevante na economia e comércio como bens de pres-
tígio no contexto centro e norte europeu da Idade do Bronze, o que pode indiciar a especialização produtiva de
algumas regiões (EARLE & KRISTIANSEN, 2010, p. 225). Todavia, os escassos indícios, essencialmente indi-
rectos, da produção têxtil no território centro alentejano, mas igualmente do sudoeste peninsular, deixam escas-
sa margem a considerandos que vão além da sua existência, a qual, mesmo sem indícios, poderia ser intuída.
Assim, cremos que a produção têxtil seria, tal como as restantes actividades produtivas, dominada por um fabri-
co doméstico essencialmente para autoconsumo, sem que se possa documentar qualquer forma de especialização,
o que não obsta a uma produção excedentária pontual, para trocas. A análise das séries faunísticas para a Idade
do Bronze são praticamente inexistentes, não permitindo entrever uma exploração dos rebanhos orientada para
a produção de lã. Por outro lado, os poucos tecidos conhecidos até hoje para a Idade do Bronze, mesmo a nível
peninsular, apontam essencialmente para a tecelagem de fibras vegetais, principalmente linho (HARDING, 2000,
p. 265), mais que de fibras animais. No território centro alentejano os pesos de tear, que deveriam funcionar
como tal em teares verticais, atendendo à sua grande dimensão, são essencialmente de dois tipos: circulares
com perfuração central, como os documentados em Evoramonte (Fig. 8) e no Casarão da Mesquita 3 (SANTOS
et al., 2008, p. 73), que se integram em tipologias conhecidas no Sul peninsular, apesar de na área argárica
surgirem essencialmente com dupla perfuração descentrada (CONTRERAS CORTÉS & CAMARA SERRANO,
2000, p. 129; LÓPEZ MIRA, 2009, p. 145), ou mesmo no contexto europeu (HARDING, 2000, p. 259); o outro
tipo é em lúnula, com perfuração em cada topo, estando documentados no Castelo Velho da Serra d’Ossa (CALA-
DO & ROCHA, 1996, p. 53), Martes (CALADO & ROCHA, 1996, p. 49) ou São Gens (MATOLOTO, 2004,
p. 150) (v. Fig. 21), parecendo este tipo concentrar-se essencialmente na região da serra d’Ossa. A diferença
entre ambos poderá associar-se a distintas tradições e técnicas de tecelagem ou, eventualmente, à obtenção de
distintos produtos finais. No entanto, ambos os tipos, apesar das diferenças fulcrais, nomeadamente a presença
de uma e duas perfurações, respectivamente, deverão apresentar pesos semelhantes, indiciando funções simila-
res de tensão dos fios.
252
A actividade metalúrgica terá sido outra componente da estrutura produtiva destas comunidades, encontrando-
-se associada, cremos, a um modo de produção essencialmente doméstico e pouco especializado, que se docu-
menta numa diversidade de ocupações, sem preocupação de concentração e controlo produtivo. Esta produ-
ção estaria vocacionada essencialmente para um consumo local, bem longe, portanto, da emergência de uma
“metal-based economy” proposta para amplas regiões do centro e norte europeu (EARLE & KRISTIANSEN, 2010,
p. 219). Este modelo de produção atomizado parece acompanhar o documentado na Beira Baixa, o que não invia-
biliza, tal como se verificou nessa região, que existam pequenas diferenças produtivas entre as diversas ocupações
(VILAÇA, 1995, p. 415).
Os artefactos metálicos em bronze são muito mal conhecidos no território centro alentejano resultando, essen-
cialmente, de achados fortuitos, descontextualizados, muitas vezes de origem desconhecida e estando aparente-
mente dominados por formas simples, como os machados planos (MONTEAGUDO, 1977). Contudo, os vestígios
de práticas metalúrgicas têm vindo a surgir com frequência nas diversas intervenções e prospecções levadas a
efeito em povoados da Idade do Bronze da região, com particular destaque para o povoado aberto do Casarão
da Mesquita 3, onde todas as fases do processo produtivo foram documentadas (SANTOS et al., 2008, p. 75),
tendo-se registado a presença de um molde para produção de machados planos. Os dados deste sítio, a par dos
recolhidos em ocupações certamente temporárias, como no sítio de Entre Águas 5 (REBELO et al., 2009),
no Baixo Alentejo, em plena margem esquerda do Guadiana, deixam entrever uma produção metalúrgica disper-
sa inclusivamente pelas ocupações mais modestas, de base aparentemente produtiva, e associadas a pequenos
grupos humanos vocacionados para a exploração agrícola, sendo a actividade metalúrgica certamente complemen-
tar a esta.
A produção metalúrgica encontra-se documentada na região também em outras pequenas ocupações de carac-
terísticas distintas das anteriores, como a Rocha do Vigio, onde se terão produzido escopros (Fig. 17, 7), aten-
dendo à presença de um molde bivalve, numa altura em que já dispunham de um destes artefactos em ferro (Fig.
15, 2), também documentado na cabana mais recente do sítio. A presença de um ventilador de secção quadran-
gular evidencia a rápida chegada, dentro do século IX a.C., de novas tecnologias metalúrgicas, e eventualmente
do ferro, mesmo a sítios de pequena dimensão, na justa medida em que este modelo de ventiladores se dissemi-
na, no contexto peninsular, após o contacto com o Mundo colonial fenício (RENZI, 2007, p. 175).
Nos povoados de maior dimensão, de cumeada e altura, a metalurgia encontra-se atestada de modo indirecto,
através da presença de moldes, como acontece no povoado do Castelo Velho da Serra d’Ossa e nas Martes. Nes-
te último, além de um molde múltiplo, triplo ou quádruplo (Fig. 21, 6), provavelmente associado à produção de
machados planos e outras peças alongadas, uma delas com estrias convergentes, documentaram-se também três
asas de cadinho de fundição, com pega de alvado de secção quadrangular (Fig. 21, 7 e 8), semelhantes às reco-
lhidas no povoado do Bronze Final de Entre Águas (Serpa) (REBELO et al., 2010, p. 467), ou em realidades
contemporâneas mais distantes, como o povoado de Camas (Madrid) (URBINA et al., 2007, p. 74). No povoado
da Coroa do Frade foi igualmente identificado um molde múltiplo, para fundir uma gama variada de artefactos,
entre os quais uma espada (ARNAUD, 1979, p. 67), tendo-se documentado recentemente um outro molde de
espada no Castro do Ratinhos (BERROCAL & SILVA, 2010, p. 311).
A presença destes moldes indicia uma produção metalúrgica mais diversa e difundida do que os achados metá-
licos deixavam entrever, dada a sua escassez na região, assegurando uma produção essencialmente local e de
autoconsumo que, todavia, não inviabilizava a produção de artefactos de maior exigência técnica, como as espadas.
Este facto não implica que as mesmas fossem produzidas em todos os sítios, estando provavelmente associada a
áreas e ocupações de maior complexidade social, como os dois povoados mencionados da Coroa do Frade e
Ratinhos. Nestes casos não seria inviável existir um artesão de maior habilidade e conhecimentos, integrado em
redes de trocas por onde circulavam a larga distância os modelos desses artefactos, como se documenta na
253
Fig. 21 – Conjunto de Pesos de tear de Martes (1-3), Castelo Velho da Serra d’Ossa (4) e São Gens (5): molde triplo e cadinhos de pega
lateral de alvado de Martes (6-8) (seg. CALADO & ROCHA, 1996/1997)
254
“cabana metalúrgica” de Peña Negra, na região de Alicante (GONZÁLEZ PRATS, 1992). Todavia, já vemos com
mais dificuldade a existência de artífices especializados dedicados a uma produção intensa e contínua na nossa
região, para a qual faltam por completo indícios.
Neste sentido, e num território onde o minério de cobre é relativamente frequente, é relevante assinalar a
ausência de verdadeiros povoados metalúrgicos, o que se coaduna bem com uma produção atomizada e dispersa,
como se mencionou acima. No entanto, tal não significa que não existam ocupações claramente associadas a
áreas de exploração mineira. Neste caso, resta lembrar a Mina de Mocissos (Alandroal), onde uma equipa dirigi-
da por Gert Goldenberg6, no âmbito do projecto do DAI-Madrid “Prähistorische Kupfermetallurgie in Zambujal
(Portugal): von der Erzlagerstätte zum Fertigprodukt” efectuou uma sondagem onde, aparentemente, se documen-
tou a actividade de extracção mineira entre o período calcolítico e o início da Idade do Ferro. A formação de
escombreiras durante a Idade do Bronze foi comprovada na sequência estratigráfica por várias datas, que integram
a formação da mesma ao longo de todo o segundo milénio aC (GOLDENBERG & HANNING, n.p.). Todavia, não
foram documentados quaisquer indícios de práticas metalúrgicas, nem em escavação, nem nas recolhas de super-
fície efectuadas no local, o que uma vez mais se coaduna com os dados disponíveis, por exemplo no Casarão da
Mesquita 3 onde se registou a presença de minério. Este facto parece contrastar com o que se passa pelo menos
em parte da região extremenha, onde se documentou a presença do povoado mineiro e metalúrgico de Logrosán
(RODRÍGUEZ DÍAZ et al., 2001). Resta apenas mencionar a presença de um malho de mineração associado ao
povoado de Pero Lobo (CALADO, 1993, p. 35) que nos poderá estar a indiciar a proximidade de uma zona de
exploração de minério.
Numa perspectiva geral importa reter um nível doméstico de produção, evidenciando uma organização social
que deverá estar ainda bastante centrada nos grupos familiares.
5 – A MORTE OU A FALTA DELA…
Se há algo em que possamos ter a certeza é que se morria durante a Idade do Bronze do Alentejo Central…
todavia, para além disso, todos os procedimentos decorrentes do facto são-nos particularmente desconhecidos,
carecendo quase por completo de dados. Na realidade, até 2008 não era conhecido qualquer enterramento atri-
buível, com segurança, ao final da Idade do Bronze no território aqui em questão. Actualmente, a realidade
começou a transformar-se mas, são conhecidos menos de uma dezena de enterramentos com segurança integra-
dos entre os meados do IIº milénio e o final do primeiro quartel do milénio seguinte. Todos, à excepção de um,
são provenientes destas ocupações situadas nas margens do Albardão, nomeadamente Casarão da Mesquita 3 (2)
(SANTOS et al., 2008, p. 79), Casarão da Mesquita 4 (1) (NUNES et al., n.p.), Monte da Cabida 3 (1) (SOARES
et al., 2009, p. 442) e Horta do Albardão 3 (1) (SANTOS et al., 2009, p. 67). Têm em comum a presença de
enterramentos individuais em estrutura negativa de perfil em U, de tipo fossa ou silo, com deposição geralmente
em decúbito lateral, em posição fetal, por vezes bastante flectida, na base do enchimento do mesmo, ou a meio.
Atendendo à gama de idades apresentam grande diversidade, entre o indivíduo juvenil, como no Casarão da
Mesquita 4, ao indivíduo de idade já certamente avançada da Horta do Albardão 3. A escassez de dados não
permite maiores considerandos, contudo, é certo que não haveria lugar à formação de necrópoles, fazendo-se
provavelmente um uso oportunista das estruturas negativas existentes. No entanto, e apesar de não se detectarem
oferendas de qualquer espécie, estamos perante verdadeiros lugares de sepultamento, com a deposição do corpo
6 A quem agradecemos todas as informações disponibilizadas.
255
a respeitar preceitos claramente cuidados, recebendo mesmo nalguns casos revisitação e rearranjo em momentos
posteriores à perda das partes moles. No caso da Horta do Albardão 3, o crânio foi removido do corpo e poste-
riormente posicionado sobre as pedras que se depuseram entretanto sobre os restos mortais, acompanhando
rituais de há muito conhecidos no Sul do país durante este período (VEIGA, 1891, Estampa XIII). Este facto, a
par da informação disponível de outros locais próximos, indicia que os corpos se decomporiam em ambiente vazio,
sendo posteriormente cobertos, de modo natural ou não, por sedimentos, em geral indiferenciados. Outro aspec-
to a reter, como linha de análise futura, é a escolha de estruturas negativas situadas na periferia da agregação a
que se encontram associadas, nomeadamente as sepulturas 27 e 28 do Casarão da Mesquita 3, o que poderá estar
a indiciar não só a sua estreita ligação a um espaço ainda em uso, e que se queria preservar, mas também a um
putativo grupo familiar que utilizaria e manteria aquele espaço tecnómico. Os dados são, contudo, manifestamen-
te escassos, permitindo apenas assegurar a utilização do ritual de inumação por estas populações sem que possa-
mos, sequer, extrapolar a nível regional, na justa medida em que, para cronologias semelhantes já se encontrava
documentado o ritual de cremação numa região adjacente, como foi possível verificar na necrópole ribatejana do
Tanchoal dos Patudos (VILAÇA et al., 1999).
A 4.ª Anta do Zambujeiro, em Montemor o Novo, terá sido um pequeno sepulcro sem corredor, que foi inter-
vencionado por Manuel Heleno, desconhecendo-se por completo o contexto exacto dos restos humanos exumados.
O estudo antropológico dos mesmos identificou a presença de pelo menos dois indivíduos, um robusto e outro
grácil, pretensamente provenientes deste monumento, tendo um deles sido datado (Beta 196093 – 3040+40 BP)
dentro de um momento avançado da Idade do Bronze (ROCHA & DUARTE, 2009, p. 765). Nas antas 2 e 3 de
Vale Rodrigo documentou-se a presença de cerâmica do final da Idade do Bronze, sem que se tenha registado
qualquer enterramento associado (KALB, 1994, p. 424).
A utilização de monumentos megalíticos para enterramentos durante a Idade do Bronze tem vindo a ser docu-
mentada um pouco por todo o Sul peninsular (KALB, 1994; CARDOSO, 2004; LORRIO & MONTERO, 2004;
LORRIO, 2008; GARCÍA SANJUÁN, 2005; MATALOTO, 2005a; MATALOTO, 2007a), estando localizados em ter-
ritório actualmente português dois dos casos mais emblemáticos, a Roça do Casal do Meio (Sesimbra) (SPINDLER
et al., 1973-74) e a Nora Velha, Ourique, (VIANA, 1959; SCHUBART, 1975). Em geral, nos casos conhecidos,
trata-se essencialmente de usos restritos, individuais, sem que se conheça a formação de necrópoles, indiciando,
talvez, a presença de gestos únicos relacionados com momentos e práticas muito precisas no contexto da comu-
nidade. Contudo, a escassez de dados disponíveis para o caso do Alentejo Central impede maiores considerandos,
dificultando a devida valorização do reuso dos antigos monumentos no contexto socioeconómico das comunidades
do final da Idade do Bronze. Em diversas situações a presença de elementos de claro prestígio e destaque social,
em particular no caso da Nora Velha, ou mesmo do próximo Cerro das Antas (VIANA, FERREIRA & ANDRADE,
1957), onde se registaram 3 braceletes de ouro do final da Idade do Bronze, para além do próprio monumento
da Roça do Casal do Meio, podem estar a indiciar a presença de actos de legitimação de personagens e linhagens,
enquanto gestos de “constrution of time” englobados em estratégias de “keep while giving” (KRISTIANSEN, 2008),
através da sua associação a monumentos ancestrais. Contudo, como em outro local já assinalámos (MATALOTO,
2007a, p. 133), o Bronze Final no Alentejo Central parece ser caracterizado pela transferência dos principais vec-
tores simbólicos para o espaço dos vivos, que ganha agora notória visibilidade ao instalar-se nas mais altas ser-
ranias, muitas vezes dotadas de evidentes conjuntos cénicos de marcada individualidade e aparato, similares aos
documentados no Castro dos Ratinhos (BERROCAL & SILVA, 2010) ou Passo Alto (SOARES et al., 2012), na
margem esquerda do Guadiana. Ao mesmo tempo os espaços sepulcrais revestem-se de manifesta invisibilidade.
Neste mesmo sentido têm vindo a ser entendidas as transformações dos gestos fúnebres sofridas durante o final
da Idade do Bronze no noroeste peninsular onde, uma vez mais, a morte ganha invisibilidade, por contraponto à
maior visibilidade do espaço dos vivos (BETTENCOURT, 2010, p. 164). Todavia, este facto não obsta a que pon-
256
tualmente o reuso de monumentos megalíticos possa, realmente, ser conjugado com todo um discurso de cons-
trução e consolidação do poder de certas linhagens através da apropriação, pessoal ou comunitária, destes rasgos
de ancestralidade. Todavia, como bem nos recorda J. Whitley (2002), e R. Bradley corrobora (2003, p. 225), nem
sempre o reuso destes antigos monumentos representa actos de comemoração ou associação com os antepassados,
podendo revestir-se de inúmeras conotações, ou até de nenhuma. Neste contexto, o reuso de monumentos mega-
líticos como espaços de tumulação durante o Bronze Final pode derivar apenas de meras opções oportunistas, ao
invés de resultar de estratégias claras de formação de Identidades e territorialidades, em particular nestes casos
onde nenhum espólio pode ser claramente associado.
Esta invisibilidade da morte pode estar relacionada com a emergência progressiva de novos ritos funerários, os
quais não estimulavam a formação de necrópoles complexas, sem termos que recorrer à proposta extrema de
abandono dos cadáveres nas águas (BELÉN & ESCACENA, 1995, p. 110). Como já se referiu, atendendo aos
dados das necrópoles de cremação de Alpiarça, nomeadamente do Tanchoal dos Patudos, de onde dispomos de
cronologia absoluta (VILAÇA et al., 1999), é claro que pelo menos algures entre os finais do séc. XI e inícios do
século IX a.C. coexistiam a Sul do Tejo dois rituais de tratamento e deposição do corpo, sem que possamos
entrever, se quer, qual estaria mais difundido. No entanto, só durante o século VI a.C. no Alentejo Central a cre-
mação parece tornar-se ritual único, desaparecendo as inumações que, todavia, claramente se mantiveram até mais
tarde a Sul da Serra de Portel/Mendro, como fica patente nas necrópoles da área de Pedrógão do Alentejo, esca-
vadas por Margarida Figueiredo7. Este facto pode ser relevante para entendermos uma difusão da incineração no
sentido Norte-Sul, num processo longo, certamente anterior à chegada do Mundo colonial fenício, mas que pode-
rá ter sido influenciado e estimulado pelo contacto com estas comunidades forâneas.
Efectivamente, no Ocidente peninsular, parece haver cada vez mais indícios de uma progressiva difusão Norte-
-Sul do ritual incinerador durante o final da Idade do Bronze constituindo, de momento, a região de Alpiarça o
exemplo indubitável mais a sudoeste. O caso da Nora Velha (Ourique) – onde se documentaram duas urnas
provavelmente cinerárias (LORRIO, 2008, p. 455), a par de outro espólio menor e uma “caldeireta” em bronze
(JIMÉNEZ ÁVILA, 2002, p. 152) – não contradiz, cremos, esta leitura, na medida em que o seu uso cinerário não
é claro, atendendo que o seu escavador não menciona qualquer vestígio osteológico (VIANA, 1959), e a sua cro-
nologia, se aceitarmos a convivência entre os elementos mencionados, terá sido contemporânea da presença de
populações orientais junto à costa, em particular se nos ativermos na cronologia proposta para a caldeireta (sécu-
lo VIII a.C.) (JIMÉNEZ ÁVILA 2002, p. 152). Assim, dada a sua cronologia, ainda que se trate de uma cremação,
poderá resultar já da disseminação de novas influências introduzidas pelas populações mediterrâneas.
Resulta igualmente importante valorizar, neste contexto, os indícios, mal conhecidos é certo, detectados na Anta
das Castelhanas (Marvão) onde foram documentados ossos carbonizados, aparentemente recolhidos no interior do
monumento, datados de meados do II milénio a.C. (OLIVEIRA, 1998, p. 231). Este poderá ser mais um indício da
progressiva introdução do ritual incinerador na região que tem, aliás, um conjunto crescente de vestígios de rituais
de fogo associados a ossos humanos em período pré-histórico, sem que possamos assegurar que se trata da inci-
neração de corpos, como no caso da Anta da Bola da Cera, no nordeste alentejano (OLIVEIRA, 1998, p. 231), ou
no caso mais expressivo dos Perdigões, em pleno Alentejo Central (VALERA & SILVA, 2011, p. 13).
Os dados da região Centro e Norte de Portugal, mais em concreto da região de Viseu, assinalam a utilização
da cremação em momentos antigos da Idade do Bronze, pelo que se pode supor uma expansão deste ritual sem
que tenhamos que recorrer a deslocações de povos, nem a um sentido unívoco da expansão europeia dos campos
de urnas. As ligações com o Mundo Mesetenho, bem patentes na estratigrafia de Evoramonte através da presen-
7 Necrópoles de Poço Novo e Fareleira, em estudo por Margarida Figueiredo e o autor.
257
ça de cerâmicas integráveis no período clássico de Cogotas I (ABARQUERO MORAS, 2005, p. 469), podem estar
também a documentar outras vias de expansão do mesmo ritual através do interior peninsular, atendendo que,
nos últimos anos, têm vindo a surgir indícios crescentes do ritual incinerador nesta região durante a Idade do
Bronze (BLANCO GONZÁLEZ & FABIÁN GARCÍA, 2010, p. 205). Contudo, e de momento, os poucos mortos do
final da Idade do Bronze detectados no Alentejo Central foram inumados, sem espólio associado, na adjacência
do que deveriam ser os campos de cultivo, sendo por vezes revisitados e sujeitos a rituais de tratamento do cor-
po e da sepultura que impunham respeito e veneração pelos finados. Este facto deve alertar-nos também para a
imensa ruptura cultural que representa a introdução do rito incinerador que, cremos, apenas se deverá difundir
já no início da Idade do Ferro. Este é o momento preciso em que se dá a total desestruturação das redes de
povoamento do Final da Idade do Bronze, e a provável ruptura social e cultural de que emergirá a sociedade rural
centro-alentejana do segundo quartel do I milénio a.C.. Esta ruptura estrutural das comunidades deverá, então,
ser acompanhada pela difusão de novos ritos funerários, que terão contribuído para a consolidação de novas
identidades e territorialidades, onde a construção de necrópoles desempenhará um papel fulcral na sua legitima-
ção, recorrendo, por vezes, a linguagens ancestrais, como acontece na necrópole megalítica da Tera ou no enter-
ramento da Hortinha (MATALOTO, 2010-11).
6 – A SOCIEDADE DO BRONZE FINAL: OS SENHORES DAS SERRAS
O Alentejo Central parece ser marcado desde meados do segundo milénio a.C., como se enunciou acima, e
defendemos em outro local (MATALOTO, 2012), por redes complexas de povoamento estruturadas em torno de
grandes aglomerações populacionais que, organizadas em parcerias solidárias e interdependentes, coordenariam
amplos territórios na envolvente das principais serranias.
A implantação dos maiores povoados em destacadas cumeadas, onde se viam e se davam a ver, permitia-lhes
assumir um papel fundamental na gestão das transitabilidades, ao localizarem-se sempre, ou quase sempre, em
relevantes pontos nodais de caminhos naturais. Este facto possibilitou a ascensão de determinados grupos que
assentariam o seu poder no controlo e gestão da circulação de bens e pessoas, de origem regional e supra regio-
nal, como foi proposto para outras realidades do Ocidente peninsular (VILAÇA, 1998, p. 348), ou mesmo europeias
(Kristiansen, 2007). Esta realidade acabaria por desembocar no reforço das sinergias regionais e inter-regionais,
estimulando o aparecimento de alianças intergrupais que controlariam os fluxos de circulação. Deste modo, aca-
bariam por sair reforçados os laços de uma comunidade com um território e uma identidade, dando origem a
processos de territorialização e consolidação dos elementos sociais nelas envolvidos (VILAÇA, 1998; PAVÓN,
1998). Efectivamente, como propôs V. Correia (1997, p. 70), o reforço do povoamento concentrado estreitaria as
ligações de vizinhança, favorecendo a territorialidade intergrupal. Os sistemas de povoamento desenvolvidos em
torno das principais serranias alentejanas apenas seriam sustentáveis num quadro de estreita colaboração e soli-
dariedade entre povoados vizinhos, ajudando a diluir uma eventual conflitualidade latente, dada a pressão sobre
os recursos. A gestão social e identitária dos territórios deveria ser negociada entre as principais linhagens locais,
de onde emergiriam elementos socialmente destacados, de forte cunho guerreiro. Estas realidades sociais, cen-
tradas nas serranias, deveriam estar integradas em redes de solidariedade regionais unidas por laços identitários
e familiares que lhes permitiam integrar redes de trocas e circulação, fortalecendo a sua posição face às realida-
des populacionais mais próximas.
Esta leitura, que nos levou a considerar a emergência de verdadeiros Senhores das Serras (MATALOTO, 2012),
acabou por se sustentar essencialmente numa visão estruturada do povoamento e da sociedade que lhe estaria
subjacente. No entanto, estamos certos de que dificilmente poderíamos entender estes grupos sociais como for-
258
temente estratificados, ou com uma mobilidade social reduzida, que se aproximasse de contornos proto-estatais,
ou de estarem organizados em torno de complexos habitacionais de cariz proto-urbano. Assim, sem negarmos a
existência de diferenciação social e de povoamento, concebemos uma sociedade do final da Idade do Bronze
ainda largamente baseada nas estruturas familiares de parentesco e num nível de produção familiar, virado essen-
cialmente para a autosubsistência, na qual, todavia, começariam a emergir em determinadas linhagens elementos
socialmente destacados.
Este modelo social estaria, segundo cremos, longe do que se tem vindo a propor largamente para a Idade do
Bronze europeia onde, contudo, se reconhece a escassez de realidades de tipo estado (EARLE & KRISTIANSEN,
2010, p. 248). Para além do contexto peninsular, em particular para as realidades centro e norte europeias, têm
vindo a propor-se, com frequência, modelos socio-políticos que implicam uma estruturação que dificilmente vis-
lumbramos na nossa região. Usualmente, estes modelos são baseados em estruturas de chefados, entendidos
como “decentralised archaic state” onde, apesar das dificuldades de centralização dos sistemas produtivos, se
documentaria uma clara hierarquização social e do território, com a presença de indivíduos destacados da estru-
tura produtiva, que controlariam, a partir de povoados centrais, o tributo da população camponesa, para manter
grupos de guerreiros e artesãos especializados (KRISTIANSEN, 1998, p. 48; KRISTIANSEN, 2007, p. 61;
KRISTIANSEN, 2010, p. 169).
Se atendermos apenas aos diferentes modelos de ocupação, com dimensões e estratégias de implantação bem
distintas, seria possível ler as malhas de povoamento documentadas no Alentejo Central desde esta perspectiva,
contudo, a total ausência de conhecimento da estrutura interna dos povoados e das estruturas habitacionais, a
ausência de indícios de controlo da produção, nomeadamente metalúrgica ou agrícola, a inexistência, ao menos
atestada, de sítios especializados impõe grande prudência e a procura de modelos alternativos, que se afastem
dos rígidos paradigmas sociais apresentados por Service (CRUMLEY, 1995, p. 3; HARDING, 2000, p. 389). Toda-
via, estamos conscientes da enorme capacidade adaptativa aparentemente subjacente ao modelo de chefado,
característica-chave para o seu suposto sucesso no contexto europeu da Idade do Bronze (EARLE & KRISTIAN-
SEN, 2010, p. 246). Contudo, questionamo-nos se a plasticidade do modelo não será antes decorrente dos precon-
ceitos e flexibilidade das leituras impostas pelos diversos arqueólogos à realidade material. Assim, como foi
proposto para uma das raras áreas estudadas de modo aprofundado no Centro-Sul de Portugal, a Beira Baixa, é
bastante provável que estejamos perante sociedades com chefes, mas não chefados, onde a diferenciação existe,
mas não uma estruturação social hierarquizada rígida (VILAÇA, 1995, p. 418).
Nos últimos anos têm vindo a multiplicar-se os estudos que avançam leituras menos rígidas da estruturação das
comunidades, buscando alternativas que procurem melhor enquadrar a realidade existente, fugindo a esquemas
rígidos de hierarquização de tipo piramidal (KIENLIN & ZIMMERMAN, 2012; THURSTON, 2010). É justamente
neste contexto que têm vindo a surgir as propostas de fundo heterárquico (CRUMLEY, 1995), que permitem um
mais profundo entrosamento entre as diversas realidades, sem os preconceitos inerentes aos modelos disponibi-
lizados anteriormente (HARDING, 2000, p. 391). Efectivamente, mesmo nas regiões melhor estudadas onde,
segundo alguns, parece documentar-se uma estrutura social de fundo estatal, fortemente hierarquizada (LULL, et
al., 2009), leituras mais recentes vêm contrariar largamente esta perspectiva, demonstrando que a diferenciação,
apesar de ineludível, não teria a expressão que se supõe, não permitindo, se quer, o afastamento de elementos
sociais aparentemente destacados das actividades produtivas (BARTELHEIM, 2012).
Regressando ao Alentejo Central devemos, então, entender as redes de povoamento identificadas em torno das
mais elevadas serranias como resultantes da agregação solidária e voluntária das diferentes comunidades em
redes de fundo igualitário, promovendo sistemas de povoamento heterárquicos, compostos por homens livres,
onde emergiriam indivíduos ou linhagens escolhidas pelas suas características intrínsecas para coordenarem os
esforços comunitários, especialmente em conjunturas específicas. Estas redes funcionariam, então, sob um con-
259
ceito de “Power to”, onde o poder seria essencialmente delegado e não obtido por coersão (THURSTON, 2010,
p. 202), invertendo o mais usualmente aceite “Power over” associado a estruturas de tipo chefado ou proto-estatal,
que se utilizam frequentemente para explicar a estruturação social e política das comunidades da Idade do Bron-
ze peninsular. Estas redes, como se viu, seriam essencialmente compostas por povoados independentes do ponto
de vista económico, ao documentar-se uma produção verdadeiramente atomizada quer do ponto de vista agrícola,
quer do ponto de vista metalúrgico ou mesmo têxtil, que se desenvolvia em contexto essencialmente doméstico.
No entanto, é plausível que alguns destes povoados conseguissem atrair a si funções de controlo sobre o fluxo
de materiais exóticos e de luxo, e mesmo da transitabilidade, ao controlarem pontos nodais de circulação, o que
autorizaria a emergência de elementos socialmente destacados capazes de obter mais-valias desta posição, tal
como se propôs para outras regiões do Ocidente peninsular (VILAÇA, 1995, p. 419) ou da Europa (KRISTIANSEN,
2007, p. 71). No entanto, não temos evidências efectivas que esta função se encontrasse concentrada nos centros
de maior dimensão, ainda que a sua posição adjacente a importantes portelas naturais, caso do Castelo Velho da
Serra d’Ossa ou Evoramonte, o torne plausível. Nalguns casos, poderiam inclusivamente controlar o acesso a
algumas matérias-primas de prestígio, como se pode propor para Evoramonte onde o ouro aluvial, existente nas
imediações, poderia ter sido explorado.
Numa sociedade onde a capacidade produtiva era gerida no contexto familiar, as fortes limitações técnicas
impediam uma ampla acumulação de excedente o que conduziria, como bem nos lembra J. Barceló (1995), a um
reduzido desequilíbrio entre as diversas unidades produtivas domésticas, estando a exploração do trabalho vincu-
lada essencialmente ao seio familiar. A acumulação direccionava-se, então, para a capacidade de gerar e manter
vínculos e alianças, interacções como as designa o autor, com outros grupos domésticos, quer com comunidades
imediatas, dentro do mesmo sistema de povoamento, quer com outras. A acumulação estaria então focada na
obtenção de poder político e social para o grupo familiar, e de um indivíduo no seu seio, que lhes permitisse a
gestão de actividades não produtivas, essencialmente cerimoniais – como os ritos, a guerra ou mesmo as trocas
com o exterior – dos quais acabariam por gerar e acumular novos laços externos. O desequilíbrio e acumulação
eram então gerados a partir das ligações com o exterior da comunidade, favorecendo a fluidez dos contactos que
se estruturariam de modo progressivo em âmbitos cada vez mais alargados, favorecendo graus diferenciados de
interacção com as comunidades envolventes. Entendo assim, que as comunidades que integravam um sistema de
povoamento do tipo que identificámos em torno das serranias alentejanas estariam fortemente unidas entre si por
estas ligações familiares, gerando conceitos de identidade grupal que estimulariam a interacção social com comu-
nidades distantes, após a saturação das ligações internas, onde a troca de mulheres deveria desempenhar um
papel relevante. Ao mesmo tempo, a interacção com outros sistemas de povoamento mais próximos poderiam
derivar na gestão de tensões sociais e territoriais através da guerra, ritualizada ou efectiva, que permitisse o
reforço das ligações internas dos grupos, através de actos heróicos, ou mesmo externas, com a aceitação da
vitória e a selagem de novos pactos familiares inter-grupais.
Estamos uma vez mais com J. Barceló ao cremos que “Durante el Bronce Final no hay ni ricos ni pobres, ni
trabajadores ni no-trabajadores, sino patriarcas, mujeres y bandoleros” (BARCELÓ, 1995, p. 585).
Por toda a Europa, o final da Idade do Bronze é marcado pela disseminação de importantes panóplias de fundo
guerreiro, associadas, segundo alguns, a verdadeiros senhores da guerra (KRISTIANSEN, 1999, p. 181; OSGOOD
& MONKS, 2000). O território centro alentejano parece acompanhar esta tendência, se tivermos em consideração
o registo de diversas espadas e pontas de lança na região, as quais poderiam em boa medida ter sido produzidas
localmente, se atenderemos à existência de moldes no Castro do Ratinhos (BERROCAL & SILVA, 2010, p. 311)
e na Coroa do Frade (ARNAUD, 1979, p. 69). Estas poderão apontar igualmente para a emergência da condição
guerreira no nosso território, em particular se associarmos à fundação de amplos povoados de cumeada e altura
dotados de estruturas perimetrais, por vezes com claro sentido ostentatório, mais propriamente que coercivo,
260
como fica patente no Castro dos Ratinhos (BERROCAL & SILVA, 2010) ou no Passo Alto (SOARES et al., 2012).
Quer aceitemos uma guerra efectiva, ou simplesmente simbólica (VILAÇA, 1995, p. 419; DELGADO, 2001, p. 376),
cremos que a noção de “guerra” ou de conflito e tensão terá jogado um papel relevante na estruturação e conso-
lidação destas redes de povoamento do final da Idade do Bronze, e das redes de interacção inter-familiares que
as compunham. A necessidade de reunir amplos grupos humanos em locais estratégicos e de elevada defensabi-
lidade natural, eventualmente ocasionada por contextos de elevada tensão territorial, poderá ter fomentado um
maior sentido grupal que, incapaz de uma mobilização coerciva, como se apontou acima, acabaria por gerar a
unidade solidária de uma comunidade em torno de um território, ocupado e explorado em coordenação. Neste
contexto, é provável que certas famílias e, dentro destas, os seus patriarcas, tenham assumido funções de coor-
denação de acções de grupo, desenvolvendo ou integrando importantes linguagens identitárias transregionais,
que fomentariam e reforçariam o sentido gregário. Estes seriam, então, os Senhores das Serras, determinantes
para a coesão do grupo, assumindo a sua condição através de relevantes panóplias guerreiras e impressionantes
conjuntos áureos, provavelmente ostentados pelas suas mulheres, que partilhariam uma linguagem simbólico-
-identitária que os integraria em amplas redes de comunidades solidárias, como defendemos anteriormente
(MATALOTO, 2012).
O desenvolvimento destas linguagens identitárias e simbólicas seria fulcral para a estruturação dos grupos,
ainda muito dependentes de organizações primárias, assentes em laços de união familiar. Deste modo, a associa-
ção frequente de impressionantes conjuntos áureos (bracelete de Estremoz, Arraiolos ou Redondo, colares de
Évora, Portel ou Monsaraz) aos distintos sistemas de povoamento registados nas serranias alentejanas deverá
corresponder à formação de territórios estruturados em torno de redes de interacção familiares, das quais ema-
nariam unidades socialmente destacadas, com os quais o grupo se identificava, e que provavelmente ajudaria a
eleger. Esta seria uma forma de manter o grupo coeso sem recurso a coerção político-militar. A coesão do grupo
deveria ser consolidada em assembleias, realizadas sazonalmente, que mediavam a transmissão e distribuição de
poder entre as diversas unidades familiares, centralizadas nos designados patriarcas (BARCELÓ, 1995, p. 585).
Estas assembleias deveriam ter decorrido em locais com forte simbolismo identitário, que fomentassem o sentido
gregário dos grupos, como deveria ser o São Gens, ponto mais elevado da serra d’Ossa. Nelas, os patriarcas, que
corporizariam as redes de interacção familiares, escolheriam um “primus inter pares” sobre o qual recairia a
função de coordenar as distintas comunidades representadas, fazendo-se acompanhar de importantes panóplias
guerreiras e ostentando a sua mulher, provavelmente, as jóias identitárias das comunidades e redes de interacção
que representavam. Em determinadas regiões chegaram-nos indícios de celebrações e assembleias eventualmen-
te semelhantes a estas como as Fanum Voltumnae etruscas ou as ting/thing conhecidas no Norte da Europa até
época medieval (THURSTON 2010, p. 209 e 228). Estas assembleias, apesar de terem por base sociedades mar-
cadamente distintas, acabavam por representar um propósito semelhante: a entrega e mediação do poder, delega-
do nas mãos de um indivíduo através de uma assembleia, que deveria ter por base uma realidade de povoamento
heterárquica e uma sociedade hierarquizada ou não. É provável que os diversos artefactos relacionados com
festins e banquetes conhecidos no ocidente peninsular (caldeiros, espetos, fúrculas) pudessem estar relacionados
com assembleias e celebrações deste género, não deixando de ser relevante o recente achado de parte de dois
ganchos de fúrcula, junto de grandes cabanas circulares do final da Idade do Bronze, no Cabeço das Fráguas
(Guarda) (SANTOS, 2010, p. 135), sítio justamente conhecido pelo seu destaque na paisagem (OSÓRIO, 2009,
p. 97), a que não deverá ser alheia a realização da célebre inscrição rupestre aí documentada.
Todavia, este modelo social haveria de entrar em profunda desagregação provavelmente a partir dos finais do
século VIII a.C., coincidindo com a chegada dos primeiros influxos gerados pela presença fenícia na costa atlân-
tica. A relativa escassez destes últimos, por vezes apenas meramente indiciados, deixa escassa margem para uma
relação directa de causa/efeito entre os dois fenómenos. O exemplo do Castro do Ratinhos, com a presença de
261
construções de planta rectangular em área destacada, de presumível função sagrada, associada aos botões de ouro
com elementos em filigrana (BERROCAL et al., 2012), parece demonstrar que os novos elementos de fundo
colonial foram ainda integrados numa tentativa de reforçar as velhas identidades com as novas linguagens, que
se começavam a difundir. Contudo, e tal como fica patente no abandono deste povoado num momento imediata-
mente subsequente aos primeiros contactos coloniais, cremos que as novidades não terão sido suficientes para
manter o sentido identitário que garantia a coesão do grupo, levando à sua desagregação e à desestruturação das
redes solidárias de base familiar. As tensões internas geradas pelo modelo social e de povoamento do final da
Idade do Bronze deverão estar, então, na base da sua desagregação, na viragem para a Idade do Ferro.
A centralidade das redes de solidariedade entre unidades familiares localizadas em grandes povoados de
cumeada requeria uma forte motivação e sentido gregário, quer por razões puramente defensivas, quer por razões
simbólico-identitárias. Todavia, a dificuldade em manter grupos humanos alargados em tão agrestes condições de
existência, onde todos os requisitos mínimos de subsistência se encontram distantes, acaba por condicionar a
rápida desagregação dos mesmos assim que se alterem as condições que conduziram à sua formação. Efectiva-
mente, a estruturação social competitiva em torno de unidades familiares unidas por laços de interacção social
deveria ter atingido um limite de intensidade e acumulação que perderia a sua base essencialmente igualitária,
conduzindo ao intensificar das tensões internas das comunidades que não seriam passíveis de dirimir através de
mediação das assembleias. Assim, provavelmente, o destaque e acumulação de poder social passou para um nível
de riqueza e acumulação de base económica, fragilizando as ligações de base igualitária, o que acabaria por se
traduzir em insanáveis contradições internas, que exigiriam a transformação da coesão identitária em coersão,
com repercussões na base económico-produtiva que, limitada pelas dificuldades técnicas inerentes a esquemas
produtivos bastante primitivos impediria a apropriação dos bens e meios de produção por uma elite em formação.
Esta desestruturação acabaria por romper os laços de solidariedade intra e inter comunitários, gerando a total
desagregação das comunidades que, em alguns casos, se tentou manter reunidas através da disseminação de
novos elementos integradores, como a nova religião, visível no caso dos Ratinhos, ou na introdução de novos
produtos, como o vinho, nas celebrações, como o parece indiciar a amortização de ânforas importadas em São
Gens. Contudo, estes intentos foram incapazes de impedir a desagregação dos grupos e a amortização dos con-
juntos áureos que representavam a coesão e identidade da comunidade. Este facto ditou o regresso a um nível
familiar restrito, após a quebra das solidariedades locais, gerando durante o séc. VII aC a emergência de uma
sociedade rural estruturada em torno de pequenas unidades de exploração do tipo “monte”, nas quais cremos ver
rasgos de relativa isonomia (MATALOTO, 2007, p. 157; 2009, p. 281). Este processo foi, todavia, acompanhado
de profundas transformações, certamente resultado de um processo longo que vimos emergir ainda durante o
final da Idade do Bronze, particularmente notório na evolução da estruturação do espaço doméstico, que nos
surge bastante mais segmentado, após a integração das novidades de fundo arquitectónico disseminadas pelo
contacto com as comunidades coloniais.
Deste modo, ao invés de outras regiões onde, por razões económicas, sociais ou mesmo simbólicas, as gran-
des redes de povoamento do final da Idade do Bronze parecem ter gerado comunidades de fundo proto-esta-
tal e urbano na viragem para a Idade do Ferro, caso da Andaluzia (TORRES, 2002; FERRER & BANDERA,
2005), no Alentejo Central encontramos pura e simplesmente o colapso total das redes de povoamento do Bron-
ze Final.
Após o colapso das realidades sociais do final da Idade do Bronze dá-se início a um novo paradigma humano,
assente na exploração rural do território por pequenos grupos de raiz familiar, sem que até ao momento possamos
ter encontrado grandes unidades populacionais geradoras de novas centralidades (MATALOTO, 2004). O início
da Idade do Ferro no Alentejo Central terá, então, sido marcado pela descida da montanha para arrancar um
verdadeiro Mundo Novo, centrado nos montes, enquanto unidades base de exploração, de raiz familiar. Exemplo
262
taxativo deste Novo Mundo é o facto de, até hoje, nenhuma destas instalações rurais da Idade do Ferro apresen-
tar claros indícios de continuidade face a uma ocupação decorrida durante a Idade do Bronze.
Redondo, Inverno de 2012/2013
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