Em um passeio por diferentes práticas de roteiro do cinema brasileiro contemporâneo, o livro Roteiros: Da criação como experimentação detém-se sobre a experiência do roteiro cinematográfico enquanto função mais do que enquanto formato. Propõe, pelo plural do termo (Roteiros), olhar para a ferramenta como um recurso à experimentação. Por sua natureza de passagem, os roteiros oferecem um modo de pensar (e de criar) transitório e, por isso mesmo, propulsor. Algo que “é” ao mesmo tempo em que projeta e inspira “serás”.
Os roteiros, como modos de pensar e de fazer, dialogam com diferentes momentos da criação e se reconstroem nos gestos de dar a criar ao espectador. Constituem, sobretudo, um recurso à testagem de hipóteses, e lembram-nos da impermanência e do inacabamento das narrativas (tantas e diversas) que habitam o mundo e que configuram uma das tantas matérias da criação dos sujeitos e dos roteiros.
Como molas, os roteiros tencionam, incitam e projetam a criação de filmes possíveis e, por vezes, impossíveis. Em sua dinâmica móvel, ajudam o filme a manter-se vivo em meio ao processo (geralmente longo) de feitura. Recontam-se, restauram-se e reescrevem-se a cada nova leitura (versão), como um modo de reativar a experiência de imaginar e de fazer imaginar filmes.
Esse modo de olhar para o roteiro vem para este estudo, sobretudo, da observação de diferentes relatos de processo e estratégias de criação de cineastas brasileiros, como Anna Muylaert, Eliane Caffé, Leonardo Mouramateus, Marcelo Gomes, Karim Ainouz, Alê Abreu e Cao Guimarães, entre outros. O recorte do roteirista-diretor deu-se diante do desejo de acompanhar, pelos arquivos da criação desses cineastas, o desdobramento do roteiro ao longo do processo de criação – antes, durante e depois das filmagens – entretanto com enfoque prioritário para os modos de fazer do roteiro e em busca do que lhe é intrínseco.
A exemplo de Aristóteles em sua Poética, que buscou elaborar uma teoria com base na prática de artistas do seu tempo, este livro ensaia uma elaboração teórica com base na prática de importantes roteiristas do cinema brasileiro do nosso tempo. Uma “poética do roteiro” inspirada nas práticas do cinema brasileiro contemporâneo – uma entre muitas possíveis – e que busca oferecer uma visão complementar (mais do que oposta) às bibliografias de roteiro tradicionais e àqueles interessados em estudar a criação em geral, e o fazer do cinema e do roteiro em específico.
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In exploring various practices of screenplay writing in contemporary Brazilian cinema, the book Screenplays: Creation as Experimentation focuses on the screenplay as a function rather than a rigid format. By using the plural Screenplays, it aims to present this tool as an avenue for experimentation. Due to its transitional nature, the screenplay provides a way of thinking (and creating) that is both fluid and propulsive — something that "is" while simultaneously projecting and inspiring "will be".
Screenplays, as modes of thought and creation, engage with different moments of the creative process, reconstructing themselves through gestures that allow the viewer to create. Above all, they serve as a resource for hypothesis testing, reminding us of the impermanence and incompleteness of the many diverse narratives that inhabit the world, forming part of the creative material for both subjects and screenplays.
Like springs, screenplays generate tension, provoke, and project the creation of films both possible and, at times, impossible. Through their dynamic flexibility, they help a film stay alive throughout the (often lengthy) production process. They are retold, restored, and rewritten with each new reading (version), reactivating the experience of imagining and inspiring the creation of films.
This approach to screenwriting comes from observing the process accounts and creative strategies of Brazilian filmmakers such as Anna Muylaert, Eliane Caffé, Leonardo Mouramateus, Marcelo Gomes, Karim Ainouz, Alê Abreu, and Cao Guimarães, among others. The focus on writer-directors reflects a desire to follow, through these filmmakers’ creative archives, the unfolding of the screenplay throughout the creative process — before, during, and after filming — with particular emphasis on screenwriting methods and a search for the intrinsic qualities of the screenplay.
Like Aristotle in his Poetics, who sought to develop a theory based on the practices of the artists of his time, this book attempts a theoretical elaboration based on the work of significant Brazilian screenwriters today. It offers a "poetics of the screenplay" inspired by contemporary Brazilian cinema practices — a vision among many possibilities — aimed at providing a complementary (rather than opposing) perspective to traditional screenwriting literature, for those interested in studying creation in general and, specifically, the art of filmmaking and screenwriting.