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518
RE
CEN
SO
ES
recorreu
a
uma
abordagem
metodológica
integrada
artística,
meteorológica e climatoló-
gica. Como informação
artística
e pictórica recolheu: o nome
do
artista,
a "escola/oficina"
de
arte
a
que
pertenceu,
a
data
da
obra, o conteúdo iconográfico e o brilho/escuridão
da
pintura.
Como informação meteorológica observável nos
quadros
registou
a cor
azul
do
céu, a visibilidade, a nebulosidade, o tipo de
nuvens
e a
presença
de edifícios
habitáveis.
Este
último
parâmetro,
embora
não
seja
directamente
uma
característica
meteorológica
permite
perceber se,
na
pintura,
há
ou
não
um
meio de providenciar
abr
igo
para
as
figuras
humanas
representadas.
Por
último, como informação climatológica
Neuberger
obteve os
dados
mais
antigos
de
temperatura,
precipitação,
nebulosidade
e
inundações
presentes
nos registos
das
estações meteorológicas
acima
referidas.
Tendo
Neuberger
estr
uturado
o artigo
em
seis
partes
temáticas
seguimos
esta
orga-
nização
para
apresentar
os
principais
resultados:
1. O
autor
confirmou a existência de diferenças climáticas
entre
as
regiões
estudadas
-Verões secos e quentes
na
região mediterrânica
contrastam
fortemente com climas
mais
moderados
de
Paris,
Londres
e Uccle-De
Bilt
["Climas Regionais", pág. 47].
2. O
estudo
revela
que
mais
de
metade
do
total
de
quadros
contém
informação
meteorológica (53%), sendo
que
o
restante
corresponde a
obras
onde o céu
está
totalmente
ausente,
como
retratos
e
cenas
de
interior
["As
Observações", pág. 48].
3. As diferenças climáticas regionais
supramencionadas
reflectiram-se nos
resultados
obtidos
para
os
aspectos meteorológicos.
Para
o
parâmetro
da visibilidade,
as
escolas
que
pintaram
atmosferas
com
maior
claridade foram
as
da
região
do
Mediterrâneo
sendo a
britânica
aquela
onde
mais
surgiram
'
ambientes
enevoados.
Para
a cor azul
do
céu, a escola
britânica
é a
que
de longe
representa
céus
pintados
mais
pálidos
e
as
espanhola
e a
italiana
com céus
mais
azu
lados.
Para
as
nuvens,
Neuberger
concluiu que
todas
as
escolas
desenhavam
preferencialmente
as
nuvens
médias
e
as
nuvens
de desenvolvimento vertical. Tendo
em
consideração
que
as
nuvens
que
originam
mau
tempo
são
as
nuvens
baixas
e
as
de desenvolvimento vertical
e
que
a combinação
destas
duas
classes
anuncia
temporal
, a escola
britânica
é
aquela
que exibe
maior
número
de
obras
com tempo tempestuoso. No
estudo
da
nebulosidade, o
autor
não
encontrou
nenhum
quadro
pertencente
à escola
inglesa
com
um
céu
limpo, opondo-se
as
escolas
alemã,
espanhola
e
italiana
com
maiores
valores
para
céus
pintados
limpos e pouco
nublado
·s.
Por
último,
as
escolas
ita-
liana
e
espanhola
são
aquelas
que
de longe
apresentam
maior
número
de
obras
com edifícios devido aos
temas
religiosos
representados,
opondo-se
as
escolas
americana
e
britânica
em
que
as
cenas
religiosas são
muito
raras
["Diferenças
Regionais", pág. 49-50
].
4.
Ao
comparar
os registos,
mais
antigos possíveis, de nebulosidade e visibilidade
das
sete
estações meteorológicas no período de 1850-1967 com os recolhidos
através
da
observação
das
pinturas
ao longo de todo o período (1400-1967) o
autor
concluiu
que
nas
escolas
espanholas
e
italianas
há
uma
maior
visibilidade
na
pintura
do
céu no período
mais
recente
dado
ter
ocorrido
uma
considerável diminuição
da
nebulosidade
durante
esta
época ["Relação entre a Visibilidade e a Nebulosidade
Observada e Pintada", pág. 53].
5.
Neuberger
(1970)
refere
a
existência
de crónicas dos séculos XVII e XVIII que
relatam
o bloqueio
por
neve
durante
várias
semanas
do
porto de
Marselha
e o
congelamento dos
canais
de Veneza
tornando-se
acessíveis ao tráfego
pedestre
e
de coches,
assim
como dos rios
Tamisa,
Tibre e
Ebro
durante
invernos
severos e
atrav
és
c:UE;T
:;;,
nebul
os
ida
r
,,"
=
associ
ad
o -
depar
tam
eG:L
pedag
ógi
ca
>C
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vindo a falece-
='
hora, os
seus
_
concei
tuado
:
-
~
e
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lon
go
p
r3.Z0-
~
o facto de
--
--
--
---
-- -
- -
-----
--
----
R ECENSÕES
519
do
Mar
Báltico, o
qual
pennjtiu
o
atravessamento
dos exércitos suecos
durante
a
Guerra
dos Trin
ta
Anos (1618-1648). O
autor
cita a
ind
a regi.stos de cheias
repenti
-
nas
que
inundaram
ár
eas
costeiras
inglesas
,
dinamarquesas,
al
emãs
e
holandesas
apagando
do
mapa
vilas
inteiras.
Neste
sent
id
o,
Neuberger
val
eu
-
se
das
pinturas
como
um
docum
ento
de va lor histórico
para
investigar
a
existência
ou
não
da
"Pequena
Idade
do Gelo"
que
afectou todo o h emisfério Norte. T
en
do
em
co
nt
a
as
significati
vas
alterações
c
lim
át
i
cas
ocorridas de 1400 a 1967 o meteorologista
dividiu o
tempo
total
em
três
períodos: 1400-1549 (
antes
da
"
Pequena
Idade
do
Gelo"
),
1550-1849 (culminação
da
"Pequena
Idade
do Gel
o",
em
que
existira
m
anos
sem
Verões) e 1850
-1
967 (depois
da
"Peq
u
ena
Id
ade
do Gelo", com
retracção
de
glaciares
e
aquecimento
atmosférico sub
stancial).
Assim,
atrav
és
da
aná
li
se
dos
parâmetros
meteorológicos
nas
pinturas
e dos
registos
te
mp
orais
de
nebulosidade
e
cheias
para
as
setes
regiões, Ne
uberger
confirma
as
fortes evidências de
um
período com
um
clima
in
vul
garme
nt
e
gela
do
através
da d
imin
ui
ção ace
ntu
ada
da
visibilidade, do a
um
ento
da
nebulosidade
e
das
nuvens
baixas
e
da
diminuição
do céu
azul
pintado.
E
stes
resultados
reflectem a escolha pelos
artistas
de cores
mais
escuras
da
pal
eta
devido à al
teração
do clima
entre
1550-1849
que
poderão
ter
influenciado os gostos e movimentos
artísticos
deste
período L"A Pequena Idade
do Gelo na Arte", p
ág
. 55-56J.
6.
O
autor
afirmou que, os
re
s
ult
ados obtidos
supo
r
tam
a sua
tese
de
que
os
artistas,
como
cronistas
consci
entes
ou subcon
sciente
do
seu
ambi
ente,
e o clima, como
agente
omnipresente
nas
act
ivid
ades
e
expressões
human
as
,
combinam-se
para
reve
l
ar
que
a expe
ri
ê
ncia
cl
imática
contemporânea
do
artista
pode
ser
ava
li
ada
como
médias
dos
elementos
climát
icos d
eriva
dos d
as
suas
pin
turas
["Conclusão",
pág. 56].
É
desta
forma sin
gular
que
Neuberger
amarra
Arte
e Clim
ato
logia d
emonstrando,
at
ravés
das
pinturas,
a
existência
de
uma
consciencialização colectiva dos
artistas
para
a
nebulosidade
e t r
ans
p
arênc
ia do céu
num
a
dad
a região
durante
um
determinado
período.
Mas
o
que
motivou
um
meteorologi
sta,
um
hom
em
d
as
Ciênci
as
da
Te
rr
a, a
trazer
a
Arte
para
esta
área
de conhec
im
ento? H
ans
Hermann
N
euberger
nasceu
na
Alemanha,
em
1910, e depois de
se
doutorar
na
Universidade
de
Hamburgo,
em
1936, emi
gra
com a
sua
família
para
os
Estados
Unidos
da
América em 1937,
para
leccionar como professor
de Geofísica
na,
act
ual, P
ennsy
l
vania
State
University.
Em
1943 é
designado
professor
associado do
Departamento
de Meteorologia
da
un
iversida
de, p
resi
dindo alguns
anos
o
departamento
até
1970,
ano
em
que
se
reforma
.
Mas
a
sua
.lon
ga
e
produtiva
actividade
pedagógica e científica prolon
ga
-
se
por
mais
a
lgun
s
anos
na
University
of
South
Florida;
vindo a falecer
em
1996.
Dur
ante
os
se
us 85 anos de vida e
quase
50
anos
de
carreira
Hans H
ermann
Neu-
berger
publicou
manuais,
livros e
artigos
sobre meteorologia e climato
lo
gia e
desenhou
instrumentos
de me
di
ção.
Cont
ud
o,
a
partir
do final
da
década
de
1960
emergem,
em
boa
ho
ra,
os seus gostos pessoais pela poesia e
pintura
. Isto aj
ud
a-nos a
co
mpr
eender
como
um
conceituado professor de Meteorologia
em
"final" de
carreira
realiza
um
projecto
inovador
e h
ercú
leo ao
analisar
mais
de
12000
quadros
numa
p
ers
pectiva do
est
udo do clima a
longo prazo. Podemos
co
n
text
u
alizar
melhor
o su
rgimento
deste
artigo
se
acrescentarmos
o facto de
ter
tido como colega de depar
ta
m
ento
H
ans
A.
Panofsky (1917-1988), filho do
-
-~
520
RE
CENSÓES
historiador
de
arte
Erwin
Panofsky, e com o
qual
partilhou,
com certeza, ao longo dos
vinte
anos
de
camaradagem
muitas
das
suas
ideias.
Garantidamente
este
artigo
teve
enorme
impacto
uma
vez
que
foi
citado, desde aí, em, pelo menos, 13
outros
artigos
científicos no
âmbito
da
climatologia,
da
óptica,
da
gestão de
base
de dados globais,
da
astronomia
e
da
poluição atmosférica, e
em
mais
de
duas
dezenas
de livros sobre climatologia, física,
matemática
e
redes
de comunicação.
Neuberger
ao
interligar
Arte
e Ciência
neste
artigo,
através
de
uma
robusta
fun-
damentação
dos
resultados
com
tratamento
estatístico
adequado,
tomou-o
um
marco
na
investigação de
interface
que
se
realiza
entre
História
da
Arte
e Ciência.
Embora
existam
alguns
reparos
a
apontar
ao estudo,
ainda
não houve
até
à
data
nenhuma
outra
investi
-
gação
que
repetisse
o feito e/ou
colmatasse
os lapsos. A
ampla
amostra
cobriu
tanto
obras
europeias
como
americanas.
Este
trabalho
faz
prova
da
enorme
capacidade de
análise
imagética
do
autor
.
Estatisticamente
os dados foram
trabalhados
de forma
apropriada
com os métodos conhecidos à época (e.g.
análises
de regressões, distribuições e médias).
Ainda,
este
estudo
reforçou
as
afirmações feitas
num
outro
artigo
de 1967 proferidas pelo
climatologista inglês
Hubert
Horace
Lamb
(1913-1997) sobre
as
mudanças
climáticas
na
Grã-Bretanha.
Lamb
concluiu,
entre
outros,
que
por volta
do
séc. XVI a
nebulosidade
r
epresenta
da
nas
pinturas
inglesas
(e
algumas
holandesas)
aumentou
substancialmente;
referia
-se à "Peq
uena
Idade
do
Gelo".
Recentemente,
um
dos
autores
que
refere
o estudo
de Neuberger, o geógrafo inglês
John
E.
Thomes
(2008),
da
University
of
Birmingham,
afirma
que
o
pintor
inglês
John
Constable
(1776-1837)
era
poderoso
na
representação
dos
céus
porque
fez
muitas
observações
da
atmosfera
e
teve
acesso a
um
documento
com a classificação
das
nuvens
proposto por
um
seu
contemporâneo meteorologista.
Este
exemplo
ajuda
a solidificar
as
conclusões de
Neuberger
quando
diz
que
os pintores,
na
sua
maioria,
representavam
conscientemente
o
que
os envolvia.
Embora
este
est
udo
seja
precursor
e
uma
referência nos
dias
de hoje,
também
lhe
são
apontados
alguns
pontos fracos.
Conceptualmente,
o
autor
teve consciência de
duas
fontes de potencial
erro
mas
não
introduziu
um
factor de correcção
para
o contexto
da
produção
artística.
Um
destes
erros, é o facto dos
artistas
nascendo
num
país
acabem
por
se deslocar
para
outro
e
representar
paisagens
diferentes
das
suas
de origem.
Outro
é a
vontade/imaginação
do
artista
em
conscientemente
alterar
o clima
representado.
Sobre
estes
pontos
interrogamo
-
nos
sobre
a possível
subestimação
do
número
de
"pintores
emigrantes"
e a necessidade de corrigir os
resultados
para
~s
correntes
artísticas
do
sur
-
realismo, cubismo e expressionismo. Que categorização
foi
atribuída
a
obras
de
artistas
portugueses
e
russos
que
terão
surgido
na
análise
dos
museus
europeus? O
levantamento
meteorológico
das
obras
de
arte
foi
realizado
presencialmente
através
da
visualização de
imagens
fotográficas?
Se
não
foi
presencial
não
terá
isto influenciado a recolha de dados
de luminosidade, brilho, claridade,
entre
outros? As cerca de 6300
pinturas
com dados de
clima
encontravam
-se
todas
em
igual e bom
estado
de conservação?
Por
último, é impor-
tante
referir
a dificuldade
em
obtermos
este
artigo,
uma
vez
que
é difícil a
sua
obtenção
para
o público
em
geral
e é
inexistente
a
sua
disponibilização
gratuita
em
motores de
pesquisa
de bibliotecas on-line
internacionais
.
Este
revolucionário
estudo
é,
ainda
hoje,
passado
mais
de 40 anos,
um
marco
na
investigação
mundial
pois combina de
forma
inteligente
Arte
e (
uma)
Ciência.
Neuberger
encarou
a
imager:;:::
científica preci
A Meteorologia CT
contendo p
equenz.:::
~_
importa
re
alçar
~J:"
ao campo
da
HE:ó:i
damental
que
ÇE-
da
uma
ab
o~co::
compreensã
o do c:: -
com
um
ho
mem
~
arte
e com
uma::-
é
uma
das
trêE-
Meteorologia
da
do
génio que foi ~
,
trabalhos
de
~
R ECENSÕES 521
encarou
a
imagem
como
uma
fonte histórica
relevante
que contém informação histórico-
científica preciosa;
tendo
tido
em
atenção a especificidade
da
materialidade
da
pintura.
A Meteorologia/Climatologia é,
neste
esão pictórica e iconográfica
representada.
Mesmo
contendo
pequenas
questões sobre a conceptualização e execução metodológica
do
estudo
importa
realçar
este
artigo porque
ultrapassa
o campo
da
Ciência
para
acrescentar
valor
ao campo
da
Histó
ria
da
Arte,
enquanto
disciplina
integradora
e ponto de encontro fun-
damental
que valoriza o
Património
artístico.
Este
artigo
salienta
também
a
utilidade
da
uma
abordagem
multidisciplinar
que contribui
para
a descodificação
das
obras
e a
compreensão
do
artista
e
do
seu
meio. Como epílogo
imaginem
uma
foto a
preto
e branco
com
um
homem
esguio de fato
,.
em
pé, ao lado de
um
quadro
exposto
numa
galeria
de
arte
e com
uma
mão a
apontar
para
umas
nuvens
cumuliformes
aí
representadas.
Esta
é
uma
das
três
fotografias
que
está
pr
ese
nte
na
página
digital
do
Departamento
de
Meteorologia
da
Pennsylvania
State
University
como que a fazer prova
para
a
História
do
génio que
foi
Neuberger
ou, então, a
iluminar
as
novas gerações
para
a produção de
traba
lhos de excelência.
Referências
Bibliográficas
LAMB, H.H. 1967. Britain's changing climate. The Geographical Joumal. 133(4): 445-466 pp.
THORNES
,
J.E.
2008.
Cu
ltur
al climatology
and
the
re
presentation
of
sky,
atmosphere
,
weather
and
climate
in
selected
art
works of Constable, Monet
and
Eliasson. G
eo
-
forum .
39
: 570
-58
0 pp.
Ana
Maria Costa
(
doutoranda
do
lHA-FLUL, bolseira FCT),
Vítor
Serrão
(IHA-FLUL)
Luís
M.
Carvalho
(C
EHFC-EU
)