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[T]
Sentidos da morte segundo A Igreja de
Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias
[I]
Meanings of death by The Church of Jesus Christ of the Latter-day Saints
[A]
Ariana Peressute[a], Adriano Furtado Holanda[b]
[a] Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em Logoterapia, psicólo-
ga clínica na Associação Víktor Emil Frankl, Curitiba, PR - Brasil, e-mail: arianaperessute@hotmail.com
[b] Doutor em Psicologia, professor adjunto da graduação e mestrado em Psicologia da Universidade
Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR - Brasil, e-mail: aholanda@yahoo.com
Resumo
O objetivo deste trabalho é descrever aspectos dos fundamentos doutrinários de A Igreja
de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, no que concerne principalmente ao tema
da morte. Espera-se encontrar contribuições acerca da seguinte questão: a proposta
doutrinária da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias é capaz de servir como
recurso para o enfrentamento do luto? Realizou-se análise documental, a m de colher
dados básicos sobre sua doutrina, no que concerne à questão da morte, para vericar a
hipótese de que a adesão a uma religião pode estar vinculada às respostas existenciais
que o ser humano tanto busca e que pode servir de apoio para amenizar o sofrimento
causado pela morte de alguém próximo. Foi realizada uma seleção de artigos na revis-
ta mensal da Igreja, bem como nos livros ociais, nos capítulos que enunciavam algo
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ISSN 1984-3755
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relacionado à morte ou à adversidade, e descreveu-se o que a Igreja pensa a respeito.
Conclui-se, pela análise de depoimentos, que a Igreja é uma fonte de conhecimento e
consolo para seus membros, nos momentos de perda e enfrentamento da morte, e que
o estudo do tema é pertinente para o desenvolvimento de todo e qualquer ser humano.
Palavras-chave: Morte. Consolo. Enfrentamento. Religiosidade.
Abstract
The purpose of this assignment is to describe aspects of the doctrinal foundations of
The Church of Jesus Christ of Latter-day Saints, especially regarding the death subject.
Is expected to nd contributions concerning the following matter: Is the proposed doc-
trine of The Church of Jesus Christ of Latter-day Saints capable of serving as a resource
to cope with the grief of mourning? Documented analysis was conducted in order to
gather basic data about its doctrine, regarding the matter of death, to verify the hypoth-
esis that adherence to a religion may be linked existential answers that humans can
both search and provide support to ease the suffering caused by the death of someone
close. I was performed a selection of articles in the monthly magazine of the Church
as well as in the ofcial books, chapters that enunciated something related to death
or adversity and described what the Church thinks about. I was conclude by analyzing
evidences that the Church is a source of knowledge and comfort to its members in
times of loss and coping with death and that the study of the topic is relevant to the
development of any human being.
[K]
Keywords: Death. Comfort. Coping. Religiousness.]
Introdução
“E se algum de Vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos
dá liberalmente, e não o lança em rosto, e ser-lhe-á dada”. Essa passagem do
Novo Testamento, de Tiago 1,5, serviu, segundo o próprio relato de Joseph
Smith Jr. — o precursor d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos
Dias, com 14 anos na época, lho de fazendeiros americanos —, de moti-
vação para que ele, em um momento de dúvida, dirigisse-se a um bosque
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perto de sua residência, no estado de Nova York, para interrogar Deus. Suas
perguntas, feitas por meio de oração, eram sobre a qual religião deveria se
liar, visto que seus pais eram de duas denominações religiosas diferen-
tes, e ele encontrava-se confuso. De acordo com seu relato, ele recebeu uma
resposta, através de uma visão, e teria ouvido a voz de dois personagens
celestiais, que lhe teriam dito que não se liasse a nenhuma igreja local, e
que restaurasse a igreja primitiva de Jesus Cristo (AIJCSUD, 1991, p. 4).
Os dez anos passados desde essa primeira visão até o estabeleci-
mento da Igreja teriam sido repletos de instruções e revelações. Dentre
elas, a orientação de que ele organizaria a Igreja de Jesus Cristo novamen-
te e que traduziria um registro sagrado.
A primeira reunião ocial da Igreja aconteceu no dia 6 de abril de
1930, em Fayette, Nova York. Estavam presentes seis homens responsáveis
pela organização da reunião, dentre eles Joseph Smith Jr. e Oliver Cowdery
e mais 56 pessoas (AIJCSUD, 1991, p. 30). Nessa primeira reunião, foi pedi-
do o apoio dos presentes para que Joseph Smith Jr. — então com 24 anos —
e Oliver Cowdery fossem seus líderes espirituais; essa prática, a de apoio
aos líderes da Igreja, acontece periodicamente até hoje em todas as capelas
da Igreja, bem como em conferências gerais semestrais transmitidas via sa-
télite. Desde essa época, a Igreja reúne registros, constrói monumentos em
lugares históricos e mantém bibliotecas dedicadas a registrar sua história.
A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (AIJCSUD)
é uma associação cristã que tem como propósito principal o estabeleci-
mento da organização primitiva da Igreja de Cristo em todo o mundo,
sendo aqui entendida por “primitiva” — a mesma forma como a Igreja
era organizada em Jerusalém nos tempos antigos, como descrito no Novo
Testamento, em Efésios 5,23, onde é dito que Cristo é o cabeça da Igreja.
Sendo assim, a Igreja mantém uma organização de um Profeta e doze
apóstolos, bem como um trabalho missionário mundial. A obra missio-
nária é um dos pilares da Igreja, que divulga três missões principais —
proclamar o evangelho, aperfeiçoar os santos e redimir os mortos —, que
serão especicadas mais adiante.
A Igreja possui características restauracionistas presentes no nome
ocial da Igreja, bem como em outros aspectos. Em uma passagem do
Livro de Mórmon — uma das obras principais que serve de alicerce para a
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Igreja —, Cristo teria ordenado que sua Igreja tivesse seu nome: “E como
será a minha igreja se não tiver o meu nome? [...] Se for chamada pelo
meu nome, então será a minha igreja, desde que estejam edicados sobre
o meu evangelho” (AIJCSUD, 2006, p. 534). O nome da Igreja faz refe-
rência a Jesus Cristo, como seu líder, e a denominação de seus membros,
como santos também é algo presente na antiguidade, de onde surge a re-
ferência aos últimos dias. O termo santos é a mesma denominação usada
para se referir aos membros da Igreja na época de Cristo.
Sua fundamentação doutrinária está no evangelho de Jesus Cristo, ou
seja, que Jesus Cristo era o lho de Deus que nasceu de mãe mortal para que
pudesse viver de modo pleno a mortalidade e então morrer e ressurgir para
evidenciar ao povo que isso vai acontecer a todas as pessoas que nascem na
terra. Essa é a grande missão de Cristo, conceder a imortalidade ao homem.
Porque se não fora pela redenção que fez por seu povo, a qual foi prepara-
da desde a fundação do mundo, eu vos digo que, não fora por isso, toda a
humanidade teria perecido. Mas eis que as ligaduras da morte serão rom-
pidas; e o lho reina e tem poder sobre os mortos; portanto ele efetua a
ressurreição dos mortos (AIJCSUD, 2006, p. 201).
A doutrina fundamenta-se também no poder denominado
Sacerdócio, que vem a ser algo chamado de “autoridade divina”, confor-
me explica Smith (1994, p. 81). Esse poder o homem recebe para agir em
nome de Deus, em ordenanças relacionadas à rotina da Igreja, como, por
exemplo, batismos, casamentos e selamentos e cura de enfermos.
O modelo de casamento adotado em AIJCSUD é singular, porque,
de acordo com a doutrina elegida, ele pode ser eterno. Isso quer dizer que
a união entre homem e mulher pode perdurar além da vida, bem como a
unidade familiar. Então o homem portador dessa autoridade pode agir na
Terra e suas ações terem efeito além da vida mortal.
AIJCSUD e seus membros caram conhecidos popularmente como
mórmons ou Igreja Mórmon em virtude do chamado Livro de Mórmon,
que é denominado pela Igreja como “outro testamento de Jesus Cristo”
(AIJCSUD, 2006). Esse livro seria uma tradução de registros históricos
achados no estado de Nova York em 1923, por Joseph Smith Jr., primei-
ro presidente e restaurador da igreja, e corresponde a uma coletanea de
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livros. O termo Mórmon não deve ser aplicado formalmente à Instituição,
somente a seus membros.
Joseph Fielding Smith, sexto presidente da Igreja, declarou sobre o
Livro de Mórmon: “É o livro de escrituras das Américas, é exatamente tão
sagrado e inspirado quanto a bíblia, que contém os registros sagrados do
povo hebraico no Hemisfério Oriental”. (SMITH, 1994, p. 211)
Os números atuais da Igreja são de 14.131.497 de membros dis-
tribuídos em mais de 160 países, e o número de batismos em 2010 foi de
272.814, de acordo com a revista ocial da Igreja — Aliahona (AIJCSUD,
2011, p. 29). A condição de membro da Igreja é obtida por meio da cerimô-
nia do batismo, realizada seguindo o modelo descrito na Bíblia, ou seja, a
pessoa é imersa completamente na água. As estatísticas revelam que o nú-
mero de membros cresce em um milhão a cada três anos (AIJCSUD, 2013).
Após ser batizada, por um portador do sacerdócio, a pessoa é considerada
ocialmente membro da Igreja. O site ocial da Igreja destaca que o seu
crescimento real se dá pelo comprometimento dos membros com a prática
religiosa; quanto mais o membro for el aos compromissos assumidos no
batismo, maior a Igreja será. Desta forma cumpre uma de suas missões ci-
tadas no início do texto: aperfeiçoar os santos. A porcentagem de membros
atuantes em relação ao número de batismos varia muito de local pra local.
Outro fator que contribui para o aumento do número de membros são
os nascimentos dentro das famílias, que costumam ser numerosas. De acor-
do com Rodney Stark, professor de Sociologia da Universidade de Baylor, no
Texas, “é bem possível que, daqui a 40 anos, 1 em cada 20 americanos seja
mórmon e o mundo tenha cerca de 50 milhões deles [...]. Estão muito perto
de ser a segunda religião da história a ter pelo menos uma congregação em
cada país do planeta — logo depois dos católicos” (WEINGRILL, 2007).
Um fato diretamente ligado ao crescimento da Igreja é o núme-
ro de missionários realizando proselitismo em tempo integral. A Igreja
possui hoje 52.225 missionários de tempo integral em 162 países pelos
cinco continentes, (AIJCSUD, 2011, p. 29). O trabalho missionário segue
o preceito simples registrado na Bíblia: “Ide por todo o mundo, pregai o
evangelho a toda a criatura” (Mc, 16,15). Os missionários da Igreja são
jovens com idades entre 18 e 25 anos, que realizam uma missão de tempo
integral durante dois anos, para os homens, e 18 meses para as mulheres.
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Elas podem sair em missão a partir dos 21 anos. Dessa forma, a Igreja
cumpre outra das três missões principais, a de proclamar o evangelho.
Procura-se observar, neste estudo, as formas de signicação da
morte e do luto para membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias. A partir de um levantamento da proposta doutrinária de
AIJCSUD, procura-se descrever se ela é capaz de servir como recurso para
o enfrentamento da morte e luto, e como isso se daria. Será utilizada uma
análise documental, a partir de material ocial da Igreja como os princi-
pais livros e sua revista mensal, Aliahona.
Pretende-se descrever os conceitos básicos doutrinários relacionados
ao tema “sentido da vida e morte”, bem como analisar alguns depoimentos
de membros da Igreja publicados na revista, de janeiro de 2000 até outubro
de 2011, com a nalidade de levantar estratégias de enfrentamento do luto.
Foram selecionados os depoimentos que relatam experiências pessoais com
a morte de pessoas próximas da família, como pais, lhos ou irmãos.
Essas fontes de pesquisa foram selecionadas por serem publicadas
e distribuídas regularmente pela igreja, fazendo parte, portanto, do acer-
vo pessoal dos membros, inclusive do acervo da pesquisadora, além de ser
material ocial da igreja. O envio de relato de experiências pessoais é uma
prática entre os membros, que recebem mensalmente a revista, na qual
os relatos são publicados, e reete como os éis encaram a relação com a
morte a partir da doutrina da Igreja.
Princípios doutrinários sobre a vida e a morte
Se o trabalho missionário está diretamente relacionado com o cres-
cimento da Igreja, o que é ensinado por esses jovens que faz com que mi-
lhares de pessoas aceitem, no mundo todo, tal compromisso religioso?
O que se percebe ao ler os depoimentos de tais pessoas é que a mensagem
da Igreja vai ao encontro de questões existenciais presentes na história da
humanidade desde seus primórdios. De onde vim? Para onde vou? Qual
o propósito da vida? Será a morte o m da existência humana? Por exem-
plo, que casal de noivos apaixonados não gostaria de realizar uma cerimô-
nia que perpetue tal união para além desta vida, e fazer valer a expressão
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de “amor eterno”? Ou então ao nascimento do primeiro lho, saber que
ele pode ser seu para sempre?
De acordo com Victor Cabrera, membro da Igreja no México, os
missionários trouxeram-lhe algumas respostas: “Quando segurei mi-
nha lha nos braços pela primeira vez, tive a sensação de que Deus
de fato existia. Na maior parte do tempo, contudo, minha alma esta-
va mergulhada numa angústia inexplicável” (CABRERA, 2001, p. 43).
Depois de conhecer dois missionários nas ruas de Monterrey, e ouvir
algumas palestras por duas semanas, aceitou o batismo e posterior-
mente sua família também. Ele descreve seus sentimentos depois
disso: “agora, como família, desfrutamos harmonia, paz e felicidade.
Sabemos a quem adoramos. Sabemos de onde viemos e para onde va-
mos” (CABRERA 2001, p. 43).
Ensina-se na IJCSUD que a vida do homem é imortal; ele existia an-
tes de habitar a Terra e continua a crescer espiritualmente depois de sua
morte. Que o homem é um ser espiritual vivendo uma experiência mor-
tal. Sua vida, portanto, é só um meio de progresso que não seria possível
em um plano pré-mortal, e que na mortalidade é possível por causa das
situações adversas nas quais vivemos. Isso é ensinado por meio de uma
doutrina chamada de “plano de salvação” ou “plano de felicidade”. Para o
atual presidente da Igreja, omas S. Monson, qualquer ser humano, em
algum momento de sua vida, pergunta-se sobre o propósito e o sentido da
vida. “Se há um plano que rege o mundo em que vivemos, é preciso haver
um autor. Quem pode contemplar as muitas maravilhas do universo sem
acreditar que existe um plano para toda a humanidade? Quem pode duvi-
dar que exista um autor?” (MONSON, 2010, p. 87-88).
O plano de salvação diz que vir habitar a Terra foi uma escolha in-
dividual, que Deus criou o homem espiritualmente, bem como todas as
coisas da Terra, e esse espírito habita o corpo mortal. Young (1954), se-
gundo presidente da Igreja, declarou que a criação de Deus é eterna. Ele
explica que a matéria da qual se origina tudo que já existiu e que ainda
existirá é eterna. Ele diz ainda que jamais houve uma ocasião em que não
existiu essa matéria da qual fomos criados, e que não existirá uma época em
que ela deixará de existir; a criação diz respeito à organização da matéria.
“A vida que está dentro de nós faz parte de uma eternidade de vida, e é espírito
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organizado, revestido de um tabernáculo, o que constitui o nosso presente
ser, o qual foi criado para alcançar maior inteligência” (YOUNG, 1954, p. 48).
O homem seria então essencialmente bom, apesar desse espírito que
habita o corpo não ser perfeito; ele vem à terra ansioso pelas coisas boas
e justas, vem em busca de conhecimento (SMITH, 1997). De acordo com
Smith, o homem recebe, desde a sua criação — registrada em Gênesis e por
meio das leis e ordenanças do antigo testamento —, conhecimento a respei-
to deste plano. O homem tem essas respostas desde o princípio, e sabia do
objetivo da existência humana antes de nascer na Terra. O fato de não ter
lembranças dessa pré-existência é parte do plano (SMITH, 1998, p. 148).
Para que isso seja possível, alcançar maior desenvolvimento espi-
ritual, o homem precisa conhecer Deus, bem como reconhecer o papel
de Jesus como Cristo e provedor do meio pelo qual o homem vai um dia
receber um corpo imortal. De acordo com Ballard (2001, p. 30), o homem
pode receber ajuda de Deus por meios espirituais, por inuências espiri-
tuais, já que temos um espírito habitando em nosso corpo. Segundo ele,
o maior conito que enfrentamos na mortalidade é contra nós mesmos.
Em virtude da natureza carnal do homem, ele cede facilmente aos desejos
e às ambições. Novamente, entende-se o livre arbítrio como essencial à
salvação, algo concedido ao homem para que ele possa agir por si e viver
pela fé — de outro modo não haveria crescimento espiritual. Ao passo
que o homem escolhe o caminho do bem, torna-se suscetível à inuência
e à ajuda divina. Com essa possibilidade de receber revelações, o homem
pode entender, não só de forma racional, mas também espiritual, o papel
de Jesus Cristo como salvador da alma humana.
Johann Wondra, membro da igreja, relata que o conhecimento e o
entendimento sobre o evangelho de Jesus Cristo, sua morte e ressurrei-
ção deram força e esperança para ele e sua esposa por ocasião da morte de
seu lho, Georg. Ele conta que é graças a sua fé que eles conseguem seguir
em frente com esperança e otimismo. Que acredita verdadeiramente que,
assim como Cristo ressuscitou, ele e sua família terão o mesmo destino.
Em suas palavras, “As ordenanças e os convênios sagrados dos templos
santos permitem que as pessoas retornem à presença de Deus e que as
famílias sejam unidas pra sempre. [...] Isso também se aplica ao nosso
relacionamento com nosso amado lho Georg” (WONDRA, 2002, p. 18).
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Johann, nesta última citação, faz referência a um lugar chamado
templo. Para os membros da Igreja, o templo é um local sagrado, onde são
realizadas ordenanças para vivos e mortos. Uma ordenança é uma cerimô-
nia, ou ritual sagrado, ou seja, consistem em ações de signicado espiri-
tual (AIJCSUD, 1996, p. 241). Nos templos, são realizados os casamentos
entre vivos e também para pessoas que já faleceram, bem como batismos
para pessoas falecidas. Casamento no templo é sinônimo de casamento
eterno, e o selamento pode ser feito entre pais e lhos, vivos ou mortos.
Essa doutrina se baseia em algumas passagens bíblicas que fazem
referência a um poder selador, capaz de perpetuar estas ordenanças para
além vida: “Porque por isto foi pregado o evangelho também aos mortos,
para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens na carne, mas
vivessem segundo Deus em espírito” (1Pe 4,6); “Doutra maneira, que farão
os que se batizam pelos mortos, se absolutamente os mortos não ressusci-
tam? Porque se batizam eles então pelos mortos?” (1Cor 15,29); “Dar-te-ei
as chaves do reino dos céus; e o que ligares na terra será ligado nos céus; e o
que desligares na terra terá sido desligado nos céus” (Mt 16,19). A terceira
missão da Igreja, de redimir os mortos, cumpre-se dessa maneira.
Dessa forma, tanto os casamentos entre vivos quanto ordenan-
ças pelos mortos podem ser realizadas. A ordenança mais importante
dentro da igreja é o chamado casamento celestial. Ele proporciona para
as famílias uma perspectiva de união eterna, condicionada a uma vida
estabelecida dentro dos princípios do evangelho. As ordenanças reali-
zadas pelos mortos tomam por princípio que a pessoa falecida nunca
tenha tido a oportunidade de receber tais ordenanças em vida e que terá
a liberdade de aceitar ou não a ordenança. É com esse propósito que a
Igreja mantém o que é considerado o maior acervo genealógico do mun-
do, disponíveis a membros e não membros a partir de um programa
obtido pela internet. Os nomes submetidos ao templo precisam estar
vinculados às famílias dos membros da Igreja. Não é permitida a reali-
zação de ordenanças vicárias por pessoas que não pertençam a famílias
de membros.
A morte, então, para AIJCSUD é a separação entre corpo e espírito,
é a passagem desta vida para uma dimensão pós-mortalidade. Segundo os
princípios da Igreja, o “mundo espiritual é um lugar de espera, trabalho,
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aprendizado e de descanso dos cuidados e tristezas” (AIJCSUD, 1996,
p. 289). A doutrina arma que o corpo morto permanece na terra e o espírito
imortal viverá nesse local, nessa nova dimensão, à espera da ressurreição.
Outro ponto importante da doutrina para signicar a vida terre-
na é que os espíritos levam da terra as mesmas atitudes de devoção ou
antagonismo às coisas espirituais que experienciaram em vida. Eles pos-
suem os mesmos desejos e inclinações que tinham quando vivos. E o que
se pode efetivamente levar dessa vida é, portanto, nossa experiência de
vida e o conhecimento aqui adquirido. Isso poderá ressurgir com o corpo,
entendendo-se como ressurreição a reunião do corpo com o espírito. Esse
novo corpo será vivicado pelo espírito de Deus, não mais pelo sangue, e
essa união resultará em imortalidade.
Testemunhos nos momentos de luto
A tríade — vida, morte e ressurreição — está presente nos depoi-
mentos e comentários a seguir. Segundo o atual Presidente da Igreja,
omas Monson, para compreendermos o signicado da morte é preciso
entender e valorizar o propósito da vida. A morte é somente mais um
capítulo da vida, do qual ninguém escapará. Mas a fé na ressurreição é
capaz de proporcionar consolo, esperança e uma despedida temporária
(MONSON, 2007, p. 23).
Depois da morte de seus três lhos adolescentes, Louis, Travis e
Jason, a Sra. Keller escreveu uma carta onde relata que a rotina de sua
casa nunca mais fora a mesma sem metade dos seus lhos, mortos em
casa por monóxido de carbono. Em um trecho de sua carta citada por
Monson em seu artigo “Ele Ressuscitou”, lemos:
Temos passado noites que nos parecem insuportáveis. A mudança em
nossa vida doméstica foi tão drástica. [...] O domingo é tão silencioso.
[...] Agora ponderamos: nada de missões, casamentos, netos. Não pedi-
mos que voltem, mas não podemos dizer que teríamos renunciado a eles
voluntariamente. Retornamos aos nossos deveres na Igreja e às nossas
responsabilidades familiares. Nosso desejo é o de viver de maneira a que
os Kellers sejam uma família eterna (MONSON, 2003, p. 6).
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O consolo, neste momento, para a família Kellers é a esperança
de estarem juntos novamente, de ser uma família eterna, o que, para os
membros de AIJCSUD, é possível por estarem selados, de acordo com os
princípios, pra toda a eternidade. A dor é evidente no depoimento, mas
a volta à rotina e ao trabalho é possível pela esperança do reencontro.
Percebe-se que não é declarado nada no sentido de revolta ou na recusa de
continuarem a servir na igreja, eles declaram voltar às atividades.
Monson também relata uma experiência pessoal que teve com um
jovem pai que pairava entre a vida e a morte em um leito de hospital.
O homem o olhou nos olhos e perguntou o que aconteceria com seu es-
pírito depois de sua morte. Monson então respondeu usando passagem
do Livro de Mórmon que declara que após a morte o estado da alma, logo
que deixa este corpo mortal, é levado de volta para aquele Deus que lhe
deu a vida. “E será recebido num estado de felicidade que é chamado paraíso,
um estado de descanso, um estado de paz, onde descansará de todas as suas
aições e de todos os seus cuidados e tristezas” (AIJCSUD, 2006, p. 356).
Gonzáles, outro membro da Igreja, também declara que quando se
entende que a morte é um passo necessário em direção à ressurreição e a
vida eterna, é possível encontrar consolo e lidar melhor com a dor do luto
e sentir alegria de novo (GONZÁLEZ, 2003, p. 19). Para Cláudia Ortiz
Herrera, membro da Igreja na Guatemala, os últimos dias de vida de seu
pai foram momentos de angústia e prova de sua fé. Ele sofreu um gra-
ve acidente de carro e passou nove dias no hospital antes de falecer. Ela
descreve que via a vida esvair-se do corpo de seu pai e preocupava-se ao
pensar se o que ia acontecer não abalaria sua fé. Mas ela relata que isso
não aconteceu, porque o plano da qual havia sabido fazia sentido agora.
Em suas palavras, “Pude sentir uma paz que amenizou minhas emoções.
Ela ampliou minhas perspectivas e permitiu-me ver até um certo ponto, a
grandeza, glória e majestade da vida e a importância deste breve período
sobre a terra” (HERRERA, 2004, p. 46).
A morte de um membro da família pode ser algo insuperável, como
para Luiz Maykot, que perdeu o pai com 7 anos, algo que tornou sua
vida muito infeliz. “Perdi a autoconança e comecei a desconar de to-
dos. Minha vida era tão infeliz que um dia, quando tinha dezoito anos,
vi-me lutando contra o desespero, implorando a Deus que me mostrasse
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o caminho para uma vida feliz” (MAYKOT, 2010, p. 48). Ao conhecer
AIJCSUD, foi desaado a orar por respostas. Depois de relutar por algum
tempo, ele orou e jejuou, e, de acordo com suas palavras, orou com fé, sin-
ceridade e força. Ele diz ter recebido as respostas de que precisava e relata
seus sentimentos: “pareceu-me que o mundo havia parado. Por onze lon-
gos anos eu havia ansiado por aquilo e, nalmente, estava sendo de novo
abraçado por um pai — um pai Celestial. Finalmente tinha encontrado
alguém em quem conar” (MAYKOT, 2010, p. 48). A religião parece ter
sido fundamental para que esse jovem conseguisse retomar a conança
nas pessoas e na vida e superar seu luto. Ela proporcionou a experiência
pessoal e espiritual necessária para que isso acontecesse.
Para Elaine Dalton, que perdera seu pai quando ainda era uma ado-
lescente, não fazia sentido car sem o patriarca da família quando preci-
savam tanto dele. Ela disse que orou por respostas e tinha a impressão
de que os céus haviam se fechado pra ela. Não entendia por que seu pai
não se curara depois de tantas orações. Um ano depois da morte dele, ao
escutar um discurso em uma reunião semanal da Igreja, onde foi lida uma
determinada escritura da bíblia, ela relata que sentia que precisava con-
ar em Deus, e que demorou muito para receber uma resposta. Segundo
suas palavras, “não era a resposta que eu tanto desejara, [...] Não era para
eu saber o motivo daquele acontecimento. Quando você cona no Senhor,
torna-se capaz de fazer qualquer coisa, [...]. Ele caminhará a seu lado. Esse
é meu testemunho” (DALTON, 2011, p. 60).
Jerey Hill é membro da Igreja em Orem, Utah. Ele conta que sua
esposa, Juanita, mãe de seus cinco lhos, sofreu de câncer por duas vezes
em quatro anos. Primeiramente, ela desenvolveu um câncer de mama, e
os médicos não lhe davam mais que cinco anos de vida. Entretanto, de-
pois de muita quimioterapia, cirurgia e radiação, juntamente com orações
e jejuns, ela cou milagrosamente curada. Três anos depois, ela foi nova-
mente acometida de câncer no pulmão. Dessa vez, os médicos disseram
que não havia cura possível, somente medidas paliativas. Jerey relata
que se sentiu traído e sem esperança diante de tal prognóstico. Por seis
meses eles viveram intensamente suas vidas, tentando signicar da me-
lhor maneira possível o papel de mãe que Juanita tanto desejava cumprir.
Com o passar do tempo, Jerey entendeu que um milagre de cura não
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aconteceria novamente, entretanto ele sentia-se consolado ao lembrar-
-se das seguintes palavras proferidas por Hinckley (apud HILL, 2006,
p. 27): “As ordenanças e os convênios sagrados dos templos santos permi-
tem que as pessoas retornem à presença de Deus e que as famílias sejam
unidas para sempre”.
Ele relata que a família mudou de foco. Em vez de se concentrarem
na busca por um milagre, deveriam buscar aprender com Juanita o máximo
que pudessem no pouco tempo que tinham ainda juntos. Juanita então es-
creveu longas cartas para cada um dos lhos, dando conselhos e incentivo.
Gravaram tas com sua voz cantando canções de ninar e hinos, fazendo
cópias para os lhos e netos que ainda viriam. A família passou o tempo
concentrada nas atividades planejadas. Por m, todos os lhos estavam ao
lado de Juanita quando ela faleceu, e tiveram a chance de expressar carinho
e amor. Nas palavras de Jerey: “Ela estava consciente e falou conosco até
cerca de dez minutos antes de seu falecimento. Foi quando eu lhe disse:
Eu a amo, e ela respondeu em espanhol, ‘Lo mismo’ [...] suas últimas pala-
vras. Seu falecimento foi tranquilo” (HILL, 2006, p. 28).
Religião e a busca de entendimento sobre sofrimento e morte
Rituais que servem de garantia para o “além-vida” existem há mui-
tos séculos. Kóvacs (2003, p. 41), em seu estudo sobre a proposta de uma
educação para a morte, relembra alguns. A autora cita que, por volta do
século IX, era essencial, antes da morte, que fossem prestadas as honras e
a absolvição representadas em duas ações: a da benção e a da puricação
do corpo. Foi nessa época também que se instituíram, nas Igrejas Cristãs,
as missas para os mortos. Outra garantia para o além é o surgimento dos
testamentos, por volta do séc. XII, que, além das transmissões de bens,
era um ato religioso. Aquele que não testava não podia ser enterrado nos
cemitérios nem nas igrejas. Esses estudos demonstram que há tempos a
humanidade preocupa-se em assegurar, de alguma forma, um pós-morte
para os homens ou possibilidades de uma eternidade feliz para as almas.
Nesse estudo, a autora incentiva uma mudança em nosso modo
de lidar com o tema da morte, uma mudança cultural, de modo que nos
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preocupemos mais em entender melhor a morte, e não simplesmente
evitá-la ou fugir dela, como se ela nunca fosse um dia bater a nossa porta.
Nesse sentido, buscaram-se, neste trabalho, algumas reexões quanto ao
tema, apresentando alguns conceitos doutrinários cristãos, meios muito
utilizados para enfrentar momentos de sofrimento e de morte. Da mesma
maneira, elegeu-se uma religião cristã para ilustrar a busca do homem por
consolo e respostas diante da nitude da vida.
Segundo Kubler-Ross, com o objetivo de evitar a dor, a ciência, ape-
sar de todos os avanços, ainda não permite que o paciente “morra em
paz”, ou seja, ainda não são trabalhados aspectos importantes como a pre-
paração da família e do paciente terminal para a morte. A autora lamenta
o fato de que o paciente é tratado como alguém sem direito à opinião,
que é sempre uma outra pessoa que decide o que lhe vai acontecer, para
onde vai ou quando ser hospitalizado, por exemplo. Ela faz a pergunta:
“Quanto mais avanços na ciência, mais parece que tememos e negamos a
realidade. Como é possível?” (KUBLER-ROSS, 1992, p. 20). Dessa forma,
não é possível assistir aos aitos de maneira a contemplar a plenitude de
seu sofrimento; enquanto não abordarmos de forma clara as dores e a
morte como algo intrínseco à vida, não é possível amenizar as angústias.
Em contraposição, considerando um dos relatos descritos aqui (o de
Juanita), observa-se que havia uma aceitação quanto ao m da vida e um
signicado para o sofrimento e que lhe foi oportunizado escolher onde que-
ria estar no momento da despedida de seus familiares. A família se abriu
às possibilidades de preparação para o que era inevitável, acompanhou os
últimos desejos da enferma, preparou-se para a despedida eminente, e a au-
xiliou no momento difícil e m de sua vida terrena (HILL, 2006, p. 28). Essa
atitude diante da morte, segundo o relato de Jerey, veio inspirada pela fé,
por acreditar que a separação imposta pela morte seria algo temporário, já
que, de acordo com as promessas feitas por ocasião de seu casamento no
templo, esse é realizado para perdurar além desta vida.
Kubler-Ross, em seu estudo sobre a morte e o morrer, observa que
antigamente havia um número maior de pessoas que acreditavam em
Deus, que consideravam uma vida futura na qual as dores e sofrimentos
seriam aliviados. Dessa maneira, havia um sentido para o sofrimento e,
por isso, as pessoas suportavam melhor as adversidades da vida. Hoje, o
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sofrimento é aliviado a todo custo, seja na hora de nascer ou na hora de
morrer. A dor é sempre evitada, talvez por reexo da negação de nossa
própria mortalidade. “Há muito sumiu a crença de que o sofrimento aqui
na terra será recompensado no céu. O sofrimento perdeu sua razão de
ser” (KUBLER-ROSS, 1992, p. 27). Segundo a autora, a Igreja tem a nali-
dade de transmitir esperança, dar sentido às tragédias e aos acontecimen-
tos dolorosos da vida, que de outra forma são inaceitáveis.
Em outras épocas, as práticas religiosas eram facilmente considera-
das de ordem patológica, entretanto, de acordo com investigações e estudos
recentes, relacionando saúde mental com a religiosidade, e considerando
vários aspectos de envolvimento religioso, observam-se resultados desejá-
veis de saúde física e mental (FARIA; SEIDL, 2005; PAIVA, 2007; SANCHEZ;
NAPPO, 2007; PANZINI; BANDEIRA, 2007; KÓVACS, 2008; FORNAZARI;
FERREIRA, 2010). Segundo Paiva, a explicação para esses acontecimentos
pode ser encontrada, do ponto de vista psicológico, na eciência da religião
em promover comportamentos saudáveis e restringir comportamentos no-
civos. Tais fatos interferem diretamente nos estilos de vida privada, na in-
tegração e no apoio, encontrados nos grupos religiosos, e ainda no aumento
dos sentimentos de autoestima e de autoecácia, que, de acordo com Paiva
(2007, p. 101), são promovidos pela religião.
Sobre a questão da psiconeuroimunologia, Kóvacs (2008) aponta
dados que ligam os efeitos do luto sobre o sistema imunológico. Ela cita
dados epidemiológicos que apontam muitas mortes após a viuvez, e sin-
tomas recorrentes em pessoas enlutadas, tais como depressão, abuso de
substâncias, insônia e anorexia, já são associados ao luto, e não mais con-
siderados automaticamente doenças físicas. Nesse aspecto, pode-se pen-
sar que pessoas que conseguem lidar com o sofrimento e a morte estão
menos sujeitas a problemas de saúde.
Para Kóvacs (2003), são tantas as perguntas que assombram a
humanidade com relação ao maior mistério da existência, a morte, que
as respostas oriundas da religião, por mais incompletas que sejam, não
impedem que, para uma pessoa, num dado tempo, sirvam e sejam sig-
nicativas, oferecendo um sentimento de totalidade. O que se observa
pelos relatos é que, no contexto da religião apresentada, e para os mem-
bros cujos relatos foram selecionados, as respostas dadas pela doutrina da
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igreja parecem ter sido importantes para dar sentido à vida e ao sofrimen-
to causado pela morte.
O que se levantou pelos depoimentos de membros de AIJCSUD é
que o ritual realizado nos templos dá um sentimento de conforto e segu-
rança nos momentos de luto. As cerimônias — bem como a doutrina —
garantem que as famílias não serão separadas com a morte. Isso é viven-
ciado de forma atuante, com o trabalho realizado por elas e pelos antepas-
sados nos templos. Isso parece dar aos membros algum sentimento de po-
der diante da morte, já que podem realizar algo por alguém que já faleceu.
Percebe-se que tais recursos estão ligados à doutrina da Igreja, que,
além de ensinar a respeito da possibilidade de vida após a morte, também
mobiliza seus membros a praticarem a religião de forma a se assegurarem
disso. As pessoas, portanto, além de acreditarem que existe vida após a mor-
te, agem por meio de participação em cerimônias religiosas, a m de concre-
tizar a reunião de famílias em um mundo vindouro, o que pode contribuir
mais efetivamente para o bem-estar dos envolvidos. Conhecer a possibilida-
de de uma existência eterna em família é, provavelmente, o motivo que mais
impulsiona os membros a serem éis à Igreja e seus preceitos, podendo ser
um excelente fator de enfrentamento de situações de morte. Diante dessas
ideias, pensar na morte como algo que acaba com vínculos afetivos tão forte-
mente construídos nesta vida é simplicar muito a existência humana.
Na obra Em Busca de Sentido, de Viktor Frankl, considera-se a ideia
de que a maneira como uma pessoa assume seu destino inevitável e todo
sofrimento imposto por ele revela as maiores possibilidades de dar sen-
tido à existência. Vemos claramente um exemplo das ideias de Frankl na
declaração de Cláudia O. Herrena, descrita aqui, pois foi em um momen-
to de grande sofrimento que ela signicou toda sua vida. Frankl (1999,
p. 67) defende que a liberdade espiritual é algo que ninguém pode roubar,
e ela permite a percepção do sentido: “Se é que a vida tem sentido, tam-
bém o sofrimento necessariamente o terá. Anal de contas o sofrimento
faz parte da vida, de alguma forma do mesmo modo que o destino e a
morte. Aição e morte fazem parte da existência como um todo”.
O autor coloca como liberdade espiritual algo que ele viu emergir
em algumas pessoas no campo de concentração, algo que diferenciava es-
tas pessoas, porque não sucumbiam ao meio externo. Elas tomavam uma
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decisão interior, primando por sua liberdade e dignidade, demonstrando
heroicamente que era possível ser um ser humano de atitude livre e alter-
nativa ante um meio absolutamente coercitivo. Se isso é possível em situ-
ações extremas de coerção, como era o campo de concentração, também
pode ser possível hoje, diante de situações de sofrimento extremo, porque
hoje somos livres pra reetir e agir, e de alguma forma reverter em nosso
benecio tanta adversidade.
Enfrentamento religioso na IJCSUD
Analisando-se depoimentos de membros de AIJCSUD, relaciona-
dos especicamente ao contexto de morte, encontra-se a relação direta
entre palavras e expressões como oração, busca por respostas, alívio e paz,
evidenciando a busca dessas pessoas por sentimentos de consolo e alívio
do sofrimento. Pode-se concluir, portanto, que a religião em questão pro-
porciona meios para que as pessoas sintam-se, de certa forma, aliviadas
no momento de perda de entes queridos, por acreditarem que esse afasta-
mento é temporário, permitindo-lhes enfrentar tanto as perdas de entes
queridos quanto a própria morte.
Considerando que falar de sentimentos cienticamente é algo mui-
to difícil, e usando o conceito de espiritualidade de Kubler-Ross (1991,
p. 55) — “Espiritualidade é a consciência da existência de algo maior do
que nós, de um Ser que criou este universo, criou a vida e a consciên-
cia de que somos uma autêntica, importante e signicativa parte dele e
que podemos contribuir para a própria evolução”. Defende-se a ideia de
que, em vez de nos abstermos do assunto, possamos considerar as ques-
tões espirituais como elementos importantes para compreender a morte.
Pode ser também um ponto de partida para planejarmos e signicarmos
a vida como algo a ser considerado como um primeiro degrau para algo
muito maior, algo que nossa mente limitada só entende por meio da fé.
Assim, a fé se congura — em consonância com grande parte da literatura
cientíca — como um excelente meio de enfrentamento do contexto da
morte (FARIA; SEIDL, 2005; PAIVA, 2007; PANZINI; BANDEIRA, 2007;
KÓVACS, 2008; FORNAZARI; FERREIRA, 2010).
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Não podemos deixar de observar que, quando falamos em padrões
morais e prática religiosa, tocamos em algo sensível. É fácil relacionar es-
ses termos a fanatismo religioso e a problemas que também podem ser
causados pela rigidez na aplicação de certos princípios, a falta de liberda-
de e a restrição que determinadas normas produzem, por exemplo. Esses
aspectos não foram abordados neste trabalho, porque não era o objetivo;
entretanto, acreditamos ser um tema interessante para trabalhos futuros.
Para os membros da igreja em questão, a possibilidade de perpetuar o
núcleo familiar mobiliza uma vida estruturada em padrões morais, a prática
intensa de atividades religiosas, além do estudo contínuo e aprofundado da
doutrina disponível. Isso é transmitido de geração em geração.
A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias proclama toda
a existência como algo que partiu de uma criação espiritual e não tem m.
Segundo sua doutrina, as leis que governam toda essa criação são imutáveis
e o homem pode conhecer tudo que é realmente necessário para viver de
modo a magnicar esta oportunidade que chamamos de vida terrena. Para os
membros da Igreja, morrer é uma etapa necessária para um desenvolvimen-
to espiritual e progresso eterno, e se apegam a essa doutrina para garantir
a união familiar. Tragédias, pecado e dor são condições inerentes à vida ter-
rena, necessárias para uma aproximação de um Ser supremo, porque é nes-
ses momentos que se busca Deus mais fervorosamente, mais até do que nos
momentos alegres. AIJCSUD realiza seu papel de proporcionar meios para
que seus membros tenham experiências espirituais, mesmo em momentos
de luto, por meio de conhecimento, prática religiosa e fé.
No que diz respeito à tríade vida, morte e ressurreição, duas dessas
pontas sabemos ser muito reais: vida e morte, nós as presenciamos todos
os dias. A questão é: de que forma isso nos afeta? Quanto à ressurreição,
entende-se que dá signicado tanto à vida quanto à morte; quando se
acredita em ressurreição, sabe-se que a vida é sua grande chance de reali-
zar sonhos, de construir uma existência que faça sentido, porque, se fosse
diferente, qual seria o propósito da vida?
São questões dessa natureza que fazem da religião um importante
contexto de crescimento humano e de enfrentamento das situações com-
plexas da vida, bem como recursos para lidar com os mistérios com os
quais a humanidade continuamente se defronta.
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