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A moral importa?
Revista de Economia e Administração, v.4, n.4, 415-426p, out./dez. 2005 415
A moral importa?
Cláudio D. Shikida
Professor do Curso de Ciências Econômicas do Ibmec – MG
Rua Paraíba, 330, térreo
Cep: 30130-140 – Belo Horizonte – MG – Brasil
e-mail: claudiods@ibmecmg.br
Ari Francisco de Araujo Junior
Professor do Curso de Ciências Econômicas do Ibmec – MG
Rua Paraíba, 330, térreo
Cep: 30130-140 – Belo Horizonte – MG – Brasil
e-mail: AriFAJ@ibmecmg.br
Pery Francisco Assis Shikida
Professor do Curso de Ciências Econômicas e do Mestrado em
Desenvolvimento Regional e Agronegócio da UNIOESTE-PR
Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq
Rua da Faculdade, 645
Cep: 85.903-000 – Toledo – PR – Brasil
e-mail: pfashiki@unioeste.br
Resumo
Bruno Frey propôs, em 1997, o modelo do Homo Economicus Maturus, generalizando
o modelo microeconômico básico através da introdução de considerações morais dos
indivíduos com respeito à natureza dos incentivos. Enquanto modelos tradicionais con-
sideram que indivíduos reagem a incentivos, seu modelo incorpora a possibilidade de que
o indivíduo escolha agir ou não conforme as características dos próprios incentivos,
abrindo espaço para a endogeneização de considerações morais em modelos econômi-
cos. Neste artigo testamos, através do procedimento de Heckman, a importância da
moral - na forma de crenças religiosas – sobre a ação de criminosos. A base de dados
utilizada foi coletada através de entrevistas com detentos em presídios do Paraná (PR).
Os resultados apontam para evidências de que criminosos “violentos” – no sentido de
praticarem crimes com armas de fogo - consideram travas morais em sua prática crimi-
nosa.
Palavras-chave: Economia do crime; Economia da religião; Sociologia econômica;
Sociometria.
Abstract
Bruno Frey proposed, in 1997, the Homo Economicus Maturus model, generalizing the
standard microeconomic model. In traditional models, individuals react to incentives
and, in Frey’s model, individuals care about the incentives themselves. His model allows
the endogeneization of moral aspects in economic models. In this article, we use the
Heckman procedure to test the role of morals – defined as religious faith – in criminal
acts. We use a primary source of data, collected through questionnaires applied in public
jails of the Brazilian state of Paraná. We find evidence that violent criminals (those
who used guns in their crimes) consider morals in their criminal acts.
Keywords: Economics of crime; Economics of religion; Economic sociology;
Sociometrics.
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Cláudio D. Shikida, Ari Francisco de Araujo Junior e Pery Francisco Assis Shikida
1. Introdução
O modelo de Frey (1997) introduz a ligação da economia com a psicologia ao
chamar a atenção para a questão do efeito crowding out sobre a ação dos
indivíduos. Frey não foi o único a (re)introduzir temas correlatos de Psicologia
em Economia. Akerlof e Dickens (1982) e Caplan (2001a, 2001b) são bons exem-
plos deste tipo de estratégia na modelagem microeconômica.
Basicamente, este modelo considera que existem motivações intrínsecas ao
indivíduo que são estimuladas ou desestimuladas (respectivamente: crowding
in, crowding out) conforme algum tipo de mecanismo de intervenção externa. É
importante destacar que o tipo de intervenção externa não é representado ape-
nas pelo sistema de preços (incentivos monetários) mas também, por exemplo,
por algum tipo de mecanismo de comando como a regulação governamental.
Obviamente, a adoção de qualquer um destes incentivos, por parte do
formulador de políticas públicas, é direcionada para crowding in – ou seja, vir
de encontro às motivações intrínsecas dos indivíduos. Efeitos de crowding out
são indesejados, pois desestimulam os agentes, gerando assim reações contrá-
rias ao desejado pelo formulador de políticas públicas.
Frey parte do modelo econômico tradicional – ou seja, aquele no qual um
aumento da intervenção externa (por exemplo, um incentivo monetário ou incen-
tivo legal) gera um aumento no desempenho do indivíduo, alterando-o. Ao con-
trário do modelo neoclássico padrão, contudo, o incentivo em si pode afetar a
decisão do indivíduo.
Evidências sobre a relevância empírica de seu modelo são resumidas por Frey
(1997) e Frey e Jegen (2001) em problemas de mercado de trabalho (shirking, oferta
de trabalho voluntária, reciprocidade, team), serviços (doação de sangue, norm
adherence), bens de uso comum (dever cívico, cuidados com o meio ambiente) e
problemas de Economia Política Constitucional (trust, evasão fiscal, virtudes cívicas).
O objetivo do artigo é apresentar o modelo de Frey (1997), adaptando-o para
o contexto do comportamento criminoso violento, e testá-lo usando o procedi-
mento de Heckman (1979) para uma base de dados montada a partir de entrevis-
tas com presidiários. A próxima seção apresenta o modelo de Frey (1997). Depois
são apresentados a metodologia econométrica e os dados utilizados. Finalmen-
te, discutimos os resultados encontrados e as principais conclusões.
2. Modelo teórico
O modelo em questão pode ser resumido num sistema agente-principal. As-
sim, temos para o caso do agente:
B = B(P, E), BP > 0, BPP < 0
C = C(P, E), CP > 0, CPP > 0 (1)
L1 (P) = Max B - C
P
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onde:
B = benefícios (utilidade)
P = quantidade/intensidade de performance
C = custos
E = intervenção externa do principal
Ou seja, B e C seguem as hipóteses tradicionais em relação à performance
do agente. Maximizando (B – C) para escolher P*(L1) obtém-se a CPO (condi-
ção de primeira ordem). Tomando-se sua diferencial total e rearrumando os
termos, tem-se:
dP* = BPE - CPE
dE BPP CPP (1a)
Este é exatamente o resultado encontrado em Frey (1997). A existência do
crowding out, também chamado por Frey de hidden cost of the reward (money),
ocorre quando se tem BPE < 0 e podendo ser reforçado quando CPE = 0, o que
gera dP* ≤ 0.
dE
Se CPE < 0 e BPE = 01, o resultado obtido é exatamente aquele tradicionalmente
estudado em modelos de agente-principal: dP* ≥ 0.
dE
Um terceiro caso ocorre quando os dois efeitos estão presentes, isto
é, BPE, CPE < 0. Neste caso, o sinal de dP* fica indeterminado.
dE
O principal, por sua vez, procura maximizar seu lucro líquido. Seu problema é
resumido a seguir:
π = π(P), πP > 0, πPP < 0
K = K(E), KE > 0, KEE > 0 (2)
L2 (E) = Max
π
=
π
(P*) - K(E)
E
onde:
π = lucro
K = custos
1. Note-se que BPE = 0 é exatamente o que se supõe no modelo microeconômico tradicional.
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Cláudio D. Shikida, Ari Francisco de Araujo Junior e Pery Francisco Assis Shikida
De L2 vê-se que o principal toma P* como um dado e escolhe o nível de E*
ótimo. Assim, uma vez que o principal saiba o efeito de sua intervenção sobre a
performance do agente, ele escolhe o nível ótimo de intervenção. Resolvendo-
se a última equação de (2), obtém-se a CPO:
(3)
Dado o resultado acima, uma sugestão para a análise empírica seria através
da relação P* = P(E) que, para o principal, pode ser interpretada como:
Intrinsic motivation may (...) be inferred by analyzing the behavior of the
person or institution (…) administering the external intervention. Given the
marginal cost of intervening, a strong reliance on external intervention by a
rational actor indicates that intrinsic motivation is little or not at all affected.
There might even exist a Crowding-In Effect of intervening. On the other
hand, under the same condition, a low level of external intervention suggests
that rational principals know that intrinsic motivation is crowded out. (FREY,
1997, p. 23).
Mesmo em problemas nos quais existe apenas o agente, o modelo de Frey
(1997) faz-se relevante. Por exemplo, em termos da economia do crime, tería-
mos que o efeito-preço (punição) poderia até ser importante sobre a ação do
criminoso violento (agente), como tradicionalmente se postula, mas também
existe o caso em que este efeito seja anulado/reforçado por considerações
intrínsecas ao criminoso. Por exemplo, se o criminoso acredita que o que faz é
correto, isto o torna mais inelástico aos custos de sua ação. Da mesma forma,
a moral pode operar no sentido oposto, fazendo com que o grau de violência
investido na atividade criminosa seja variável conforme a intensidade de suas
travas morais.
3. Metodologia econométrica
A teoria econômica2 vê a participação religiosa (proxy para travas morais)
como resultado da maximização de utilidade. Criminosos que praticam religião
poderiam ter custos maiores que benefícios em apresentar comportamento vio-
lento. Ou seja, a moral/participação religiosa seria obstáculo à utilização de arma
de fogo (proxy de comportamento violento) na atividade criminosa.
Para se obter estimativas não viesadas dos parâmetros estruturais básicos,
o procedimento de estimação deve reconhecer que a amostra de indivíduos que
2. Ver, por exemplo, Iannaccone (1988).
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afirmam praticar religião não é resultado de seleção aleatória e sim da “auto-
seleção” individual, conseqüência da maximização de utilidade.
Heckman (1979) propõe um procedimento que é composto de duas equa-
ções para cada indivíduo (i = 1, … , N):
Y1i* = X1i
β
1 +
ε
1i(4)
Y2i* = X2i
β
2 +
ε
2i(5)
Nas duas equações, X1i e X2i são vetores de variáveis explicativas observa-
das, β1 e β2 são vetores de coeficientes a serem estimados, e ε1i e ε2i são os
termos de erro. As variáveis explicativas são dicotômicas, ou seja:
Y1i* = Y1i = 1, se usou arma de fogo,
Y1i = 0, caso contrário (6)
Y2i* = Y2i = 1, se praticava religião,
Y2i = 0, caso contrário (7)
Na equação (4) determina-se a probabilidade de ser violento, enquanto na
equação (5) temos a determinação da propensão individual à prática religiosa.
Supõe-se que podemos observar comportamento não violento apenas se Y2i = 1,
isto é, se o indivíduo é propenso à prática religiosa.
É esperado, portanto, que ε1i e ε2i sejam negativamente correlacionados.
Criminosos violentos, dados X1i e X2i, são menos propensos à prática religiosa.
Neste sentido, a amostra de indivíduos observados com elevada propensão à
prática religiosa não representará adequadamente a população (mesmo em uma
amostra grande). Isso produziria estimativas inconsistentes para o comporta-
mento violento.
Formalmente, a média condicional de ε1i pode ser descrita como:
E [
ε
1i | Y2i ≥ 0] = E [
ε
1i |
ε
2i > −X2i
β
2 ] (8)
Portanto:
E [Y
1i | X1i , Y2i = 1] = X
1i
β
1 + E [
ε
1i |
ε
2i ≥ −X2i
β
2] (9)
Isso significa que a regressão da equação na amostra selecionada depen-
de tanto de X1i (determinantes do comportamento violento) quanto de X2i
(determinantes das travas morais). Portanto, a omissão da média condicional
de ε1i viesaria as estimativas de β1 (a menos que ε1i e ε2i sejam não
correlacionados).
O problema é encontrar uma representação empírica da média condicional de
ε1i e incluir tal variável na equação dos determinantes do comportamento violento.
{
{
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Usando a hipótese de que ε1i e ε2i tenham distribuição normal bivariada pode-se
derivar a seguinte equação:
E [Y
1i* | X1i , Y2i = 1] = X
1i
β
1 +
ρσ
1
λ
i(10)
onde ρ é o coeficiente de correlação entre ε1i e ε2i, σ1 é o desvio padrão de ε1i e λi
é o inverso da razão de Mill:
λ
i =
φ
(X2i
β
2 /
σ
2) (11)
Φ
(X2i
β
2 /
σ
2)
onde φ e Φ são, respectivamente, a função densidade e a distribuição funcional
da normal padronizada e σ2 é o desvio padrão de ε2i.
A solução proposta por Heckman (1979) (e por Van de Ven e Van Pragg (1981)
para probit bivariado com censura) é uma estimativa de (10) em duas etapas. Na
primeira, estimam-se os parâmetros de (5) pelo método probit usando a amostra
completa. Tais estimativas são usadas para computar λi para cada indivíduo. Uma
vez computados os λi podemos estimar (10) na amostra de indivíduos religiosos
por meio de outro probit tratando ρσ1 como o coeficiente de λi da regressão.
Vale ressaltar que o sinal do viés de seleção depende da correlação (ρ) entre
os erros das equações do comportamento violento e da participação religiosa.
Esperamos que, sendo válido o modelo de Frey (1997), o sinal de ρ será negati-
vo, ou seja, a moral (participação religiosa) seria um obstáculo ao comportamen-
to violento (utilização de arma de fogo) na atividade criminosa.
4. Fontes e dados
Uma característica deste trabalho relaciona-se com o fato de se procurar
contribuir para o entendimento dos determinantes do crime a partir de uma
investigação no interior das Penitenciárias Central (PCP), Estadual (PEP) e Femi-
nina de Piraquara (PFP), todas no Estado do Paraná, por meio de dados primári-
os obtidos graças à aplicação de questionários/entrevistas (em 2004) a réus já
julgados e condenados por crimes econômicos. Cumpre dizer que o estudo de
caso caracteriza-se pela identificação dos fatores que determinam ou que contri-
buem para a ocorrência dos fenômenos analisados.
Com as informações fornecidas pela PCP, PEP e PFP, foi feito minucioso
estudo dos detentos aí residentes, via prontuários (em que se separou o crime
econômico do não econômico), e por meio de uma avaliação da condição penal
(ou seja, foram separados, dentre os crimes econômicos, aqueles de penas con-
sideradas elevadas e/ou pela tipicidade de suas ações, procurando caracterizar
nesta amostra perfis de “grandes” assaltantes, seqüestradores, traficantes, etc.;
como exemplo, se há um “comando” do tráfico, preferiu-se entrevistar o seu
“comandante” ante ao “comandado”). Por questões de segurança e devido ao
tempo gasto com cada pesquisado (em média 30 minutos), além daqueles
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respondentes não dispostos a colaborar sob qualquer argumento, o número
total de questionários aplicados foi de 2623. Isto significa, em termos gerais,
aproximadamente 32,5% do universo disponível para a pesquisa, o que é aceitá-
vel para este tipo de técnica de pesquisa (GIL, 2000).
A amostra foi composta por 80% dos indivíduos do sexo masculino (o uni-
verso masculino é bem maior no ambiente carcerário), e 30% eram muito jovens
(18 anos). Do total de condenados entrevistados, 55% tinham arma de fogo, mas
48% utilizaram a arma na atividade criminosa, 72% tinham parceiro e apenas 23%
acreditavam na eficiência do judiciário. Quanto às variáveis relacionadas ao que
denominamos “travas morais”, 95% dos entrevistados afirmavam acreditar em
Deus, 70% se diziam católicos, 14% evangélicos. Além disso, 25% dos detentos
da nossa amostra afirmavam ter mudado de religião.
Com o modelo de Frey (1997) em mente, buscamos verificar a existência de
motivações intrínsecas e extrínsecas no comportamento de criminosos, dentro
de uma amostra de dados primários. As variáveis extrínsecas podem ser altera-
das via intervenção do principal (governo/sociedade). Travas morais podem
levar um criminoso a ser menos violento em seu comportamento.
Em outras palavras, queremos encontrar os determinantes de uma variável
dependente binária construída para capturar o que definimos como “comporta-
mento criminoso violento”, ou especificamente, a utilização ou não de arma de
fogo na atividade ilegal de entrevistados já julgados e condenados por crimes
de natureza econômica. A variável dependente binária (arma_uso) foi construída
da seguinte forma:
arma_uso = 1, caso o indivíduo tenha feito uso de arma de fogo na atividade
que o levou a ser preso;
arma_uso = 0, caso contrário (sem violência).
Os determinantes da probabilidade de ser violento (equação primária) foram
escolhidos como em Shikida et al. (2005). São eles: dummies de gênero (masc),
jovens de 18 anos (id18), crença no judiciário (jud), posse de arma (arma), exis-
tência de parceiro no crime (parc_crime), que é uma proxy para interação social.
Na equação de comportamento estamos supondo que indivíduos católicos
(rel_cat), ou evangélicos (rel_evan), ou, de forma geral, aqueles que acreditam
em Deus (deus) tendem a cometer menos crimes violentos por possuírem “restri-
ções/travas” morais melhor definidas. Portanto, as variáveis dependentes na
equação de comportamento também são dicotômicas. As variáveis explicativas
(todas dummies) escolhidas para a equação de comportamento são: possuir
pais casados (casp), pais trabalhando (trabp) e acreditar em Deus (deus)4. Nova-
3. Estatísticas descritivas e correlações bivariadas encontram-se nos Quadros 1 e 2 do Anexo.
4. Quando a variável “acreditar em Deus” foi usada como variável dependente da equação de comportamento,
ela deixa de aparecer como variável explicativa.
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mente, para que os resultados corroborem o modelo de Frey (1997), os resíduos
da equação primária devem ser estatisticamente correlacionados (negativamen-
te, no nosso caso) com os resíduos da equação comportamental (ρ ≠ 0), o que
indica que existe viés de seleção. Ou seja, o teste do modelo teórico deveria
gerar como resultado que a regra de decisão dos condenados por crimes violen-
tos (com utilização de armas de fogo) é distinta dos demais e “restrições morais”
realmente atenuam a violência.
5. Resultados
Os resultados das estimativas econométricas dos determinantes do uso da
violência na atividade criminosa são reproduzidos no Quadro 3 (Anexo). Foram
usadas 262 observações.
Os resultados para as equações primárias são, grosso modo, como espera-
dos. São mais propensos ao uso da violência na atividade criminosa os jovens
do sexo masculino, que não acreditam na justiça, que possuíam arma de fogo e
parceiro para o crime. Ou seja, são basicamente variáveis pessoais e
socioeconômicas e fatores catalisadores. Os resultados são mais confiáveis
estatisticamente quando a proxy de travas morais é ser católico e acreditar em
Deus.
O que mais nos interessa aqui são os resultados da correlação entre os
resíduos das duas equações. Como pode ser observado no Quadro 3, apesar da
significância estatística não ser adequada em todos os modelos, os resíduos da
equação primária são correlacionados com os resíduos da equação
comportamental (ρ ≠ 0), o que indica que existe viés de seleção (principalmente
quando a proxy para trava moral é ser católico5). De qualquer forma, como era de
se esperar teoricamente, os resultados encontrados indicam que a regra de deci-
são dos condenados por crimes violentos (com utilização de armas de fogo) é
distinta dos demais. Pode-se observar, também, que o sinal do coeficiente de
correlação (ρ) é negativo, tal como mencionado anteriormente. Os resultados
sugerem que indivíduos que são, de alguma forma, religiosos, têm menos ten-
dência a se envolver em crimes violentos, ou seja, “restrições” morais fazem
alguma diferença.
6. Conclusões
A violência empregada por criminosos é um problema social e econômico
que pode ser analisado mediante o modelo do homo economicus maturus. Em
outras palavras, além dos incentivos tradicionais, travas morais podem alterar
ou não a ação de criminosos.
5. Com nível de significância de 15%, isso também é válido para o caso em que a proxy de travas morais é
“acreditar em Deus”.
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Neste artigo, analisamos a existência destas travas nas ações de criminosos
em uma amostra de dados primários coletados por meio da aplicação de questi-
onários a réus encarcerados em penitenciárias paranaenses. Analisando
econometricamente os questionários aplicados, percebe-se que não apenas os
condicionantes tradicionais (restrições impostas pelo Estado) afetam a ação
dos mesmos: há indícios de que as travas morais, identificadas pela religião
católica, também influenciam no grau de violência usado pelo criminoso.
7. Referências
AKERLOF, G.; DICKENS, W. The economic consequences of cognitive dissonance. American
Economic Review, Nashville, v. 72, n. 3, p. 307-319, June 1982.
CAPLAN, B. Rational ignorance versus rational irrationality. Kyklos, Basel, v. 54, n. 1,
p. 3-26, 2001a.
________. Stigler-Becker versus Myers-Briggs: why preference-based explanations are
scientifically meaningful and empirically important. 2001b. (Mimeografado).
FREY, B.S. Not just for the money: an economic theory of personal motivation. Cheltenham,
Edward Elgar Publishing, 1997.
FREY, B.S.; JEGEN, R. Motivation crowding theory: a survey of empirical evidence. Journal
of Economic Surveys, v. 15, n. 5, Dec. 2001.
GIL, A.C. Técnicas de pesquisa em economia e elaboração de monografias. São Paulo:
Atlas, 2000. 217p.
HECKMAN, J. Sample selection bias as a specification error. Econometrica, Evanston, v. 47,
n. 1, Jan. 1979.
IANNACCONE, L.R.A formal model of church and sect. American Journal of Sociology,
v. 94, 1988.
SHIKIDA, P.F.A. et al. Determinantes do comportamento criminoso: um estudo econométrico
nas penitenciárias central, estadual e feminina de Piraquara (Paraná). Revista Pesquisa e
Debate, São Paulo, v. 16, n.27, 2005. Quadrimestral.
VAN DE VEN, W.P.M.M.; VAN PRAGG, B.M.S. The demand for deductibles in private
health insurance: a probit model with sample selection. Journal of Econometrics, v. 17,
n.2, p. 229-252, 1981.
Submetido em 7 de novembro de 2005
Aprovado em 12 de dezembro de 2005
Revista de Economia e Administração, v.4, n.4, 415-426p, out./dez. 2005 424
Cláudio D. Shikida, Ari Francisco de Araujo Junior e Pery Francisco Assis Shikida
Anexo
Quadro 1.- Estatísticas descritivas das variáveis utilizadas.
Variável Média Desvio-padrão Mínimo Máximo
arma_uso 0,4809160 0,5005919 0 1
masc 0,7977099 0,4024762 0 1
id18 0,3091603 0,4630319 0 1
casp 0,4961832 0,5009423 0 1
jud 0,2290076 0,4209984 0 1
arma 0,5572519 0,4976620 0 1
parc_crime 0,7251908 0,4472725 0 1
deus 0,9503817 0,2175707 0 1
rel_cat 0,6984733 0,4597992 0 1
trabp 0,7366412 0,4412983 0 1
rel_evan 0,1374046 0,3449329 0 1
A amostra é formada por 262 observações.
A moral importa?
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Quadro 2.- Correlações bivariadas entre as variáveis utilizadas.
arma_uso masc id18 casp jud arma parc_crime deus rel_cat trabp rel_evan
arma_uso 1,0000
masc 0,3326 1,0000
id18 0,1826 0,1107 1,0000
casp 0,1754 0,1577 -0,1353 1,0000
jud -0,1610 -0,0421 0,0089 -0,0867 1,0000
arma 0,7657 0,3354 0,1474 0,1315 -0,0811 1,0000
parc_crime 0,1989 0,0305 0,0048 0,0808 -0,0714 0,1398 1,0000
deus 0,0089 -0,0276 -0,0373 0,0510 0,0409 0,0086 0,0168 1,0000
rel_cat 0,0165 0,1453 -0,0824 0,1364 -0,0180 -0,0331 0,0427 0,2329 1,0000
trabp 0,1766 0,1519 0,1562 0,1428 -0,1072 0,1474 0,0007 0,1028 0,0414 1,0000
rel_evan -0,0735 -0,2130 0,0209 -0,0191 0,0727 0,0210 -0,0027 0,0912 -0,6074 0,0624 1,0000
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Cláudio D. Shikida, Ari Francisco de Araujo Junior e Pery Francisco Assis Shikida
Quadro 3.- Resultados de estimação do modelo (Heckman Robust Estimation).
(*) significativo ao nível de 1%, (**) 5% e (***) 10%.