Há um debate no meio académico latino-americano sobre o que realmente aconteceu no mundo a partir do século XV com o processo dito de descobrimentos e expansão europeia.
Há questões que, desde a década de noventa do século XX, incendeiam o debate e procuram respostas.
Teremos entrado no caminho da globalização ou da ocidentalização /europeização do mundo? Será este discurso unilateral, eurocêntrico a primeira etapa da globalização? A evocação dos 600 anos da globalização será o retomar de velhas questões que marcaram, a partir de meados do século XX, o debate académico, a reação violenta do mundo latino-americano, ou teremos o salto em frente no caminho da post-modernidade, da decolonialidade?
Em torno deste debate académico, perfilharam-se teorias, enriqueceu-se o vocabulário científico com novos e inusuais conceitos, ideias e discursos.
Ao longo das últimas décadas, o debate em torno do tema da globalização ganhou múltiplas dimensões e aproximou diversas áreas do conhecimento. Gerou ruturas, mas abriu novas vias para uma diferente forma e expressão dos olhares dos conhecimentos e das escritas. Enriqueceu o vocabulário da ciência, tornando familiares termos como globalidade, diversalidade, de(s)colonialidade, transmodernidade. A expressão epistemologias do sul, sistematizada em 1995 por Boaventura Sousa SANTOS (2000) teve grande repercussão junto da comunidade científica, tendo-se generalizado. Foi, de uma forma violenta que o mundo latino-americano enfrentou este paradigma cognitivo afirmando claramente a sua oposição a este processo de globalização, que considera ocidental e eurocêntrico e uma estratégia de afirmação colonial dos europeus. Desta forma, as chamadas epistemologias do sul são a denúncia da soberania epistémica da ciência moderna e o princípio para a busca de um novo padrão do conhecimento científico.
Na atualidade, o debate já não é a questão da globalização e o momento da sua afirmação. Ninguém parece querer saber quando e como começou este processo histórico, mas quando dará lugar a um novo momento de mudança, com aquilo que alguns definem como a definitiva globalização que culminará com um ideal de uma nova aldeia global, porque, como afirma Boaventura Sousa Santos a “diversidade epistemológica do mundo continua por construir”.
Partimos, assim, de questões e, ao longo da nossa exposição, pretendemos reunir as peças do puzzle que permitirão a cada um de nós encontrar a resposta. Intencionalmente não daremos as soluções, pois não queremos substituir o discurso do eurocentrismo pelo do ilhocentrismo ou madeirensecentrismo. Não queremos fazer do mundo uma madeirolândia. As nove razões que apresentamos abaixo são a fonte e justificação da nossa opção em prol da afirmação da Madeira como uma etapa fundamental deste processo de globalização de que agora se evocam os seiscentos anos.
A partir de meados do século XV, o mundo da ilha entrelaça-se com outros mundos onde se projeta e afirma. O sangue, o suor e o sémen do madeirense derramam-se, por todo o lado, em momentos de glória e tristeza, em vitórias e fracassos, fazendo . parte da nossa alma e da nossa força de viver e vencer os desafios, tanto de ontem como de hoje.
Que desafio ainda resta a quem soube construir a sua morada à beira do abismo, foi capaz de vencer a floresta e as ravinas tão adversas, traçar os poios para repouso e descanso das searas, vinhedos e canaviais, venceu os desafios do mar alteroso, para reconstruir a sua ilha paradisíaca, plena de riqueza e flores? Não terá, então, o madeirense direito à fruição do Éden dos deuses da Antiguidade ou do paraíso que todos os caminhos espirituais procuram oferecer a todos os seus adeptos e crentes?
As ilhas são um espaço aberto, sem fronteiras, que captam tudo à sua volta e que servem de trampolim para outros rumos e paradeiros. As ilhas tanto são encruzilhadas como pontes.
Há uma força telúrica insular que imprime este movimento de abertura, acionando essa força centrífuga. Queremos partir da dicotomia discursiva das epistemologias do norte e do sul e partir na busca de um território abissal, um território de fronteira que tenha as condições para esse encontro e partilha.
É esse lugar de fortuna atlântica, de que as ilhas são os pilares fundamentais, que importa construir. Daí que ocorra perguntar se não haverá espaço para uma terceira via, a das epistemologias do centro, insular, de fronteira, capaz de suplantar a ambivalência e oposição de saberes?
Perante a dominação das epistemologias do norte e o discurso de rutura e afrontamento das epistemologias do sul, é necessário abrir essa terceira via do discurso da multiculturalidade, de abertura múltiplas às frontes do conhecimento, sem dominação, que poderá ser o outro paradigma de que fala MIGNOLO (2010).
As ilhas atlânticas são um espaço de fronteira, de mediação e de interculturalidade, abraçando, sem conflito, os múltiplos caminhos da globalização. E isso não se pode esquecer, porque, na verdade, o Atlântico é um arco-íris de culturas e a atlanticidade a sua expressão.