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Comunicação & Saúde: interfaces e diálogos possíveis
Graciela Natansohn
i
Se bem a partir da década de 20 percebem-se, no Brasil, as vantagens da propaganda e
da educação sanitária - das quais Getúlio Vargas saberia tirar partido - não será senão até a
década de 60 que a aliança entre a Comunicação e a Saúde será planejada, executada e
avaliada seriamente. Até essa época, o Brasil, política e intelectualmente influenciado pela
intelligentzia norte-americana, era um país basicamente agrário e só a partir da Revolução de
1930 o país recebe estímulos para o crescimento industrial que iria estimular a produção de
bens e formar uma ‘massa’ de consumidores/receptores. Em 1920 o prestigioso sanitarista
Carlos Chagas criava o Departamento Nacional de Saúde Pública com o intuito de associar
técnicas de propaganda à educação sanitária, de acordo com as premissas propostas por
Harold Lasswell para o estudo da comunicação
ii
(RODRIGUES TEXEIRA, 1997). Antes
disso, não se pode afirmar que tenha existido alguma percepção de qualquer vínculo entre o
setor médico-sanitário e estratégias e/ou meios de comunicação.
Após a revolução de 1930 Getúlio Vargas soube se utilizar do rádio na construção da
sua imagem pública e na construção da própria idéia do Brasil como nação. Controlando de
perto os meios, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) cassava concessões de
emissoras de rádio, fechava jornais, censurava todo conteúdo. Mas Vargas não só se ocupava
do conteúdo dos meios, como teve ainda consciência do papel que esses aparelhos poderiam
jogar associados a outras áreas do Estado.
Além de uma prática coercitiva e repressiva sobre a mídia, o Estado Novo começou a
ver nos meios a possibilidade de uma ação contínua e permanente de inculcação, seja política,
i Graciela Natansohn nasceu na Argentina e reside em Salvador desde 1996. É jornalista e doutora em
Comunicação pela Universidade Federal da Bahia. Realiza pesquisa sobre recepção de televisão, saúde e gênero
na Faculdade de Comunicação da UFBA. Leciona no curso de Comunicação da Faculdade de Tecnologia e
Ciências-FTC. E-mails: graci71@terra.com.br; natansohn@hotmail.com.
ii Para Lasswell, “uma maneira conveniente para descrever um ato de comunicação consiste em responder as
seguintes perguntas: Quem diz o quê, em que canal, para quem, com que efeito? O estudo científico do processo
da comunicação tende a se concentrar em uma ou em outra dessas questões (...) Quando o principal problema diz
respeito às pessoas atingidas pelos meios de comunicação, falamos de análise de audiência. Se for o caso do
impacto sobre as audiências, o problema será de análise de efeitos” (LASSWELL, 1987, p. 105). Para Lasswell,
uma das tarefas de uma “sociedade racionalmente organizada consiste em descobrir e controlar quaisquer fatores
que intervenham na eficiência da comunicação”, já que a comunicação desempenha, dentre outras, a função de
vigilância do meio ambiente, “revelando ameaças e oportunidades que afetam a posição da comunidade e de suas
partes componentes” (op. cit. p. 117).
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seja sanitária, mediante campanhas fortemente centralizadas, a partir das novas percepções
higienistas que começam a associar a conduta individual ao desenvolvimento de doenças (as
chamadas ‘doenças da pobreza’), noções que sobreviveram até hoje.
As campanhas de saúde através dos meios de comunicação de massa estavam
sustentados em modelos provenientes das teorias da propaganda política, das teorias da
persuasão, modelos que visavam a efeitos de ordem comportamental mediante o
convencimento. Por não levar em conta os complexos processos de atribuição de sentido aos
problemas de saúde, as campanhas se defrontaram (e continuam a se defrontar) com barreiras
situacionais, cognitivas e culturais às vezes intransponíveis.
N
ASCIMENTO E LIMITES DA
C
OMUNICAÇÃO PARA A SAÚDE
Depois da Segunda Guerra Mundial e com o auge da Guerra Fria começam a ser
considerados, nos Estados Unidos da América, os desafios da comunicação internacional no
marco da Mass Communication Research, bem como o papel dos meios de comunicação nas
chamadas “políticas de desenvolvimento” de diferentes países. Propostas para a
‘modernização’ e o ‘desenvolvimento’ (capitalista) do Terceiro Mundo são visualizadas e
gerenciadas pelos norte-americanos como as alternativas adequadas às aspirações latinas de
autonomia via revolução.
Como resposta à Revolução Cubana de 1959, Kennedy promove a Aliança para o
Progresso (ALPRO) e, com ela, inicia uma série de mudanças apoiadas em inovações
tecnológicas e educativas para fomentar o desenvolvimento planejado em áreas como a
agricultura, a saúde, habitação, reforma agrária, dentre outras. A melhora dos ‘recursos
humanos’ via planejamento e capacitação é percebida como pré-condição para o
desenvolvimento capitalista. Nesse contexto, a comunicação e a saúde, junto à educação,
passam a ter um vínculo estreito: tratava-se de superar a ‘ignorância’ do povo, a resistência às
inovações – especialmente, da população rural – mediante a educação e o planejamento
descentralizado e regionalizado.
Neste período começa a tomar força o tema das altas taxas de natalidade no Brasil, que
redundarão posteriormente no desenho de políticas de saúde, que terão na mulher o seu
principal alvo. Para Rodrigues:
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É necessário então que o Plano Nacional de Saúde seja um
dos elementos do Plano Nacional de Desenvolvimento para permitir
o necessário equilíbrio geral, passível de ser rompido se outra for a
orientação, o que acarretaria antes prejuízos que vantagens. Neste
caso estaria o aumento explosivo da população do país, como
resultado positivo do programa de saúde, sem que fossem
concomitantemente atendidos, no Plano Nacional de
Desenvolvimento os programas alimentares, educacionais e de
habitação, para citar apenas alguns exemplos (RODRIGUES, 1967
apud PITTA, 1994, p. 19).
Estabelecer relações entre o plano de desenvolvimento nacional e o de saúde é um dos
princípios deste período, e para isso, a comunicação social será vista como um instrumento de
grande utilidade. A obra de Wilbur Schramm, Mass Media and National Development passa a
ser um claro exemplo de enfoque desenvolvimentista e instrumental de comunicação utilizado
na América Latina. Editado em 1954 e traduzido em 1964 para o espanhol, esse texto apoiará
o investimento da Mass Communication Research em apoio ao aparato estatal e empresarial
americano em prol da legitimação progressiva do credo liberal e anti-comunista junto aos
países subdesenvolvidos.
Schramm apoia-se nas considerações de Hovland e Lazarsfeld em torno dos limites
dos meios de comunicação para produzir efeitos a curto prazo, previsíveis e observáveis.
Entendendo que o poder dos meios passa por complexas mediações, são introduzidas
inúmeras variáveis de intervenção entre os meios e os receptores: características psicológicas
e relações sociais. Hábitos e costumes sobre o tratamento do corpo e da saúde, dos alimentos
e do ambiente, precisavam ser flexibilizados para poderem integrar-se ao projeto
‘modernizador’ do Estado. O setor agrícola, junto ao de saúde e educação, foi o que mais
investiu no desenvolvimento de formas de interação entre técnicos e populações, tanto para
capacitação, quanto para transferência de tecnologias e execução de políticas agrícolas
(FAUSTO NETO, 1995, p. 270). Schramm descreve claramente, no seguinte parágrafo,
escrito com Daniel Lerner, os interesses comunicacionais da ideologia do desenvolvimento:
Em que, precisamente, a comunicação contribui ao tipo de
mudança que deve ocorrer no desenvolvimento econômico e social?
Talvez a resposta mais comum é dizer que ela estabelece o clima
em que o desenvolvimento pode realizar-se... Pouco depois de ter
entrado no caminho do desenvolvimento, o país descobre que pode
usar a comunicação para implantar e ampliar a idéia de mudança,
para aumentar as expectativas de seu povo de maneira que ele possa
desejar uma economia maior e uma sociedade modernizada... o
processo de modernização começa quando alguma coisa estimula o
camponês a querer ser um fazendeiro ou agricultor proprietário, o
filho do camponês a querer aprender a ler, de modo que possa
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trabalhar na cidade, a mulher do camponês a não mais procriar, a
filha deles a querer usar um vestido e a fazer penteado... Uma vez
implantada a idéia de mudança é necessário ensinar inúmeras novas
capacidades... desde a alfabetização ao conserto do motor do
automóvel, passando pela agricultura e pela higiene. Torna-se
também necessário mobilizar a população para obter uma
participação no grande esforço: persuadir as pessoas a serem ativas
no programa; a tomarem parte no planejamento e no governo; a
apertarem seus cintos, a fortalecerem seus músculos, a trabalharem
mais e a esperarem por suas recompensas... ensinar nacionalidade,
despertar e aumentar aspirações, ensinar novas capacidades,
incentivar a participação (grifo nosso) (LERNER; SCHRAMM,
1973, p. 30).
O controle sobre o corpo feminino e a ideologia patriarcal e autoritária explícitos nesta
passagem serão os pivôs contra os quais a crítica feminista se voltará a partir da década de 60.
Se mediante os avanços técnico-científicos promovidos pelas políticas públicas as mulheres
podiam começar a controlar autonomamente sua fertilidade, a construção masculina de um
‘ideal feminino’, em paralelo à exclusão das mulheres das atividades públicas tenderia a
limitar e regulamentar essa autonomia e essas ‘novas aspirações e capacidades’, modelizadas,
sempre, desde o coração do Estado.
Como se pode apreciar, o comportamento da população continua a ser o alvo das
novas políticas, visto que a ‘resistência à mudança’ oferecida pela ‘comunidade’ devia ser
vencida mediante um sofisticado aparelho de convencimento e persuasão, de educação e
comunicação, convencidos como estavam os técnicos governamentais de que, sem a adesão, a
colaboração e a mobilização das pessoas (as mais pobres), não haveria êxito nos objetivos
fixados. O aparelho médico teria, dessa forma, além das funções coercitivas e de controle
social, uma função educativa, assegurada mediante alguns instrumentos, dentre os quais a
comunicação seria o principal.
Aqui entra em cena um conceito caro aos desenvolvimentistas e que será o centro da
prática teórica e política dos principais críticos dessa etapa (e até os dias de hoje): a
participação comunitária e a educação e comunicação para a saúde. Rodrigues afirma que
A educação em saúde, bem planejada, orientada e executada
será um dos elementos mais importantes do êxito a ser alcançado
em qualquer programa de saúde pública a ser implementado, com a
participação indispensável da comunidade a que se destina e
fundamentada nas técnicas educacionais e de comunicação social
(grifo nosso) (RODRIGUES, 1979 apud PITTA, 1994, p. 27).
A abordagem instrumental que vincula a comunicação e a educação ao
desenvolvimento da saúde foi tão forte que persiste até hoje em nomes de áreas e setores das
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estruturas organizativas estatais, tais como Educação para a Saúde ou Comunicação para a
Saúde. O que deixa em evidência este imperativo de ‘participação ativa’, mas modelada e
utilitária, é a crise na relação entre o modelo de estado autoritário e a sociedade. Participar
ativamente é, segundo essa concepção, incorporar-se consensualmente a um modelo de estado
moderno, cujo autoritarismo se dilui sob as fórmulas burocráticas e cientificistas de
planejamento e gestão.
Nos anos 70 começa a ser utilizado o conceito de população alvo, isto é, começam a
ser fragmentadas tanto a oferta comunicacional quanto a oferta de serviços de saúde. É
quando se legitima o modelo duplo e seletivamente diferenciado de serviço estatal e privado
de atenção à saúde, estendendo-se assim a ideologia do consumo para o âmbito da saúde.
Ainda nesta época passa-se a incorporar temas tais como a preocupação com a linguagem, de
acordo com o ‘público alvo’, como forma de garantir maior eficácia nos procedimentos
educativos e comunicativos. Assim, as ciências da comunicação tomam a cargo o relevamento
de comportamentos e hábitos, tomados como matéria prima para a definição das linguagens
utilizadas nas mensagens massivas e no trabalho educativo (PITTA, 1994).
A partir da Conferência de Alma Ata, auspiciada pela OMS em 1979, legitima-se no
Brasil e em todo o Terceiro Mundo a doutrina dos cuidados primários ou Atenção Primária da
Saúde -APS. A intenção da Conferência era atender a pressões e demandas dos países
‘subdesenvolvidos’, reconhecendo-se pela primeira vez que a maioria das doenças do
Terceiro Mundo tinha a ver mais com a pobreza e as condições de vida do que com a
disponibilidade de alta tecnologia, e que os setores mais vulneráveis eram principalmente
mulheres e crianças. Acreditavam que com a prevenção (mediante recursos da comunicação
comunitária, alternativa e massiva) e os cuidados simples, acessíveis para a população, uma
grande parcela dos problemas que causam as altas taxas de mortalidade infantil e materna
teriam resolução. A proposta da APS, enquanto racionalidade política, foi de encontro com a
lógica industrial da medicina e do Estado liberal. Afinal, como afirma Mario Testa,
Nos países onde se tem conseguido conformar um sistema de
atenção à saúde, a atenção primária (APS) é o elo inicial da rede de
atendimento, onde se resolvem os problemas de menor dificuldade
técnica – diagnóstica e terapêutica - e se orientam os restantes aos
níveis sucessivos da rede. Isto implica uma rede de
estabelecimentos interconectados por procedimentos claros de
referência e transmissão da informação, que ordenam a circulação
interna dos pacientes no sistema; também implica um ordenamento
territorial regionalizado e um comportamento social que segue,
mais ou menos disciplinadamente, as normas de ingresso e
circulação (...) Em países que não têm conseguido estabelecer um
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sistema dessas características, (...) a atenção primária da saúde se
transforma em atenção primitiva da saúde, num serviço de segunda
categoria para população de ‘segunda categoria’ (TESTA, 1993, p.
162-163).
A Atenção Primária da Saúde virou uma ideologia abraçada principalmente pelos
setores profissionais comprometidos com a saúde pública e os direitos humanos. Enquanto
isso, o sistema público, sem financiamento suficiente por causa das políticas de ajuste fiscal,
oferece, sob o nome da APS, um sistema de baixa complexidade, uma ‘medicina pobre para
os mais pobres’, como a definiu Testa, e continua a solicitar da população mudanças de
comportamento para o ‘autocuidado’ da saúde, promovidas através de meios de comunicação
locais ou alternativos, “o mercado se encarrega de oferecer, através dos meios de
comunicação de massa, a cura individual através dos serviços privados de maior
complexidade e produtos” (PITTA, 1994, p. 29) tais como tecnologias cada vez mais
sofisticadas, alimentos industrializados e medicamentos.
Assim, concomitante ao modelo desenvolvimentista e em conflito com as novas
interpretações colocadas por Alma Ata, consolida-se, a partir dos 70, uma concepção
tecnocrática do saber médico, baseado num saber técnico ‘superior’ e, portanto, autoritário em
relação a quem ‘não sabe’; um enfoque cientificista, que nega outro saber que não seja o
‘científico’ e se mostra como saber politicamente neutro; uma tendência medicalizante, pois
cada vez mais áreas da vida caem sob o controle da medicina, com a conseqüente reprodução
ampliada das relações de poder que ela veicula. Além disso, consolida-se um enfoque
mercantilista, pois a saúde passa a ser uma atividade lucrativa, uma mercadoria,
estabelecendo-se uma relação de mercado entre o médico e o doente.
Os meios massivos de comunicação serão os grandes aliados na difusão dessa
ideologia. Considere-se que já em 1950 Francisco de Assis Chateaubriand, proprietário do
maior império de comunicação do país na época, fez do Brasil o quarto país em todo o mundo
e o primeiro da América Latina a possuir uma emissora de televisão
iii
, e que na década de 60
se deu início à utilização da televisão como instrumento de educação, na qual o alvo principal
foram as mulheres e sua educação doméstica e higiênica.
A
CRÍTICA AO MODELO DESENVOLVIMENTISTA ATRAVÉS DO
iii Trata-se da TV Tupi Difusora de São Paulo, que foi ao ar em 18 de setembro de 1950 (JAMBEIRO et al,
1999).
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‘
ALTERNATIVISMO
’
E DA
‘
EDUCAÇÃO PARA A RECEPÇÃO CRÍTICA
’
.
Se desde o centro do poder estatal se pensava a comunicação como um instrumento de
incorporação ao projeto central, na ‘periferia’ elaboravam-se as críticas ao
desenvolvimentismo tecnocrático, através do pensamento, entre muitos outros, do brasileiro
Paulo Freire, dos defensores das estratégias comunicacionais propostas pela APS e também,
de certos usos das idéias de Louis Althusser e de seus discípulos estruturalistas franceses.
No front da crítica, a maioria dos trabalhos em comunicação da década de 60 e 70 se
voltou para as análises das mensagens dos meios, já não no sentido da Mass Communication
Research mas com os parâmetros da semiologia estruturalista, para quem os textos
(programas de TV, filmes, histórias em quadrinhos, e qualquer material produzido pelos
Aparelhos Ideológicos de Estado) teriam a capacidade de ‘interpelar’ ou posicionar as
audiências. Se o desenvolvimentismo pensava um receptor ativo só para se amoldar às
exigências e necessidades do estado, as ‘análises dos discursos’ das mídias, sanitários,
educacionais, literários, de cunho althusseriano, puseram igualmente em questão a
participação do sujeito no processo de produção de sentido, se bem que com intenções
diferentes: os ‘efeitos’ que importavam agora eram os da esfera ideológica e eram os que
deviam ser denunciados.
Martin-Barbero (1987) não poupa críticas e chama essa perspectiva de ‘convergência’
entre o modelo condutivista ou behaviorista norte-americano da comunicação e o paradigma
da semiologia estruturalista: a ênfase nos efeitos passou dos meios de comunicação para as
mensagens como veículo de dominação. Esta concepção do processo comunicativo reduzia os
meios e discursos a meras ferramentas de transmissão e reprodução de mensagens
ideológicas, obscurecendo a complexidade cultural do processo comunicativo e social.
Nessa perspectiva, Martin-Barbero argumenta que
Entre emissores-dominantes e receptores-dominados não
haveria nenhuma sedução nem resistência, só a passividade do
consumo e a alienação decifrada na imanência de uma mensagem-
texto pela qual não passavam os conflitos, nem as contradições e,
menos ainda, as lutas (MARTIN-BARBERO, 1987, p. 222).
Em conseqüência, assistir TV, ouvir rádio, ler meios impressos são pensados como
momentos de desapropriação e alienação, aos quais é preciso resistir, denunciar e
desmistificar. O reducionismo e a reificação com o qual se olhava a relação entre infra-
estrutura (como determinante) e superestrutura (como determinada) do esquema marxista é
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responsável pela concepção dos discursos sociais como pura alienação, puro estranhamento.
O discurso seria puro reflexo de condições materiais dadas, de instituições sociais que
funcionam como reprodutoras de representações sociais e de ideologias, seja de gênero/raça,
seja de ideologias políticas. O mesmo aconteceria com as mensagens (massivas e
institucionais) em torno da saúde, produzidas por instituições governamentais e com as
práticas de saúde - na relação médico-paciente, no marco do ´modelo médico hegemônico´,
como o chamou Menéndez (1978).
Analisando retrospectivamente, o contexto político justificava essa concepção que foi,
mais do que nada, expressiva da efervescência política do momento e do engajamento dos
intelectuais com os processos nacionais de luta ativa contra as formas culturais do
colonialismo e imperialismo norte-americano. Ou melhor, representaram o discurso
acadêmico atravessado e nutrido pelas tensões políticas.
A mobilização social emergente das lutas políticas e sociais das décadas de 60 e 70
caracterizou uma verdadeira crise de hegemonia que alterou as relações entre o Estado de
Bem-Estar (com características próprias, na América Latina) e as classes subalternas, e que
culminou com os golpes militares na América Latina para expulsar essas classes das posições
que tinham conquistado no sistema político e no sistema estatal. No engajamento dos
intelectuais da comunicação nesses processos políticos e na procura de um sujeito político
capaz de se opor às forças da dominação, aparece o ‘receptor’,
como conseqüência (...) de um esforço geral de afirmação
dos sujeitos –individuais, políticos, sociais, sexuais (...). Esta
concepção, no contexto político de América Latina, de luta contra
os regimes autoritários, permite assegurar o reconhecimento de
formas novas de rebeldia e resistência, gestadas no seio da cultura
popular (GOMES, 1995, p. 140).
A comunicação, entendida como uma ferramenta de luta, precisava ser adjetivada,
reorientada, qualificada com nomes como ‘alternativa’, ‘popular’, ‘comunitária’. Além da
crítica ao planejamento estatal reivindicado pelas correntes desenvolvimentistas em voga
desde a Aliança para o Progresso - por não incorporar a população no processo de tomada de
decisões e sim por envolvê-la numa pseudoparticipação, em decisões já elaboradas pelo poder
administrativo - a crítica à inculcação se estende à forma com que o Estado se estrutura para a
operacionalizar suas políticas de comunicação (em geral, financiadas por agências
internacionais de desenvolvimento que importavam técnicos e tecnologias ‘científicas’). A
proposta desses críticos, então, é fazer a comunicação ‘de base’, alternativa a uma concepção
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de ‘manipulação de consciências’ que caracteriza esse momento. Essas perspectivas se
expressam claramente nas abordagens de muitos autores que têm desenvolvido trabalhos em
educação e comunicação para a saúde e planejamento em regiões rurais, assim como nos
primeiros textos de Paulo Freire, especialmente, Extensão ou Comunicação?, de 1983, no qual
podemos ler que
Nem aos camponeses, nem a ninguém, se persuade ou se
submete à força mítica da propaganda, quando se tem uma opção
libertadora. Neste caso, aos homens se lhes problematiza sua
situação concreta, objetiva, real, para que, captando-a criticamente,
atuem também criticamente, sobre ela. Este, sim, é o trabalho
autêntico do agrônomo como educador, do agrônomo como um
especialista, que atua com outros homens sobre a realidade que os
mediatiza. Não lhe cabe, portanto, de uma perspectiva realmente
humanista, estender suas técnicas, entregá-las, prescrevê-las; não
lhe cabe persuadir nem fazer dos camponeses o papel em branco da
sua propaganda. Como educador, se recusa à “domesticação” dos
homens, sua tarefa corresponde ao conceito de comunicação, não ao
de extensão (FREIRE, 1983, p. 23-4).
Na mesma linha de pensamento, Bordenave e Carvalho, afirmam que
A informação veiculada verticalmente sempre será
domesticadora. Não necessita participação, é manipulativa e
geradora de depósitos de conteúdos, e jamais de problematizações
que encaminhem à reflexão crítica. Daí não haver verdadeira
comunicação entre opressores e oprimidos (BORDENAVE e
CARVALHO, 1979, p. 221-222).
Os projetos de Leitura crítica dos meios, de Educação para a Recepção e muitas das
experiências de Educação para a Saúde são parte deste projeto (GOMES, 1995; VASSALLO,
1996). Porém, como afirma Vassallo, pareciam voltados mais para a denúncia que para a
educação. Seus esforços se concentraram na análise do sentido ideológico das mensagens
(conteúdos que, supostamente, nada tinham a ver com aqueles da ‘cultura popular’ dos
públicos receptores). Essa perspectiva – sustentada fundamentalmente por setores religiosos –
combinava, por uma parte, a rejeição à cultura de massas como indústria cultural, reprodutora
de ideologia e, por outra, uma concepção essencialista da cultura e dos saberes populares,
como um conjunto de manifestações a ser preservado e protegido dos efeitos nocivos dos
meios.
Nesta forma de encarar o processo comunicacional - linear, vertical e bipolar, em que
haveria, de um lado, emissores dominadores; e de outro, receptores dominados - ainda
sobrevive o modelo causa-efeito, mas agora com sentido negativo (produzindo alienação e
ideologia). A efetividade do modelo se sustentaria, fundamentalmente, nas mensagens, seja
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pelas linguagens codificadas (pelos signos utilizados) seja pelos conteúdos. No tocante às
linguagens, a armadilha estaria nos códigos típicos do audiovisual, pois esses seriam os
responsáveis por criar uma ‘irrealidade’ (a da tela, revistas e meios impressos), pondo fora de
questão a relação entre realidade e signo
iv
. No tocante aos conteúdos, eles seriam veículos de
penetração ideológica e narcotizantes do sentido crítico, por isso, supunha-se que seria
possível resistir aos efeitos através do alternativismo, criando redes de comunicação
comunitária, popular ou alternativa (GOMES, 1995).
Esse modelo de valorização da cultura popular como um local de resistência e
afirmação, e do receptor como o sujeito soberano, capaz, mediante um trabalho educativo, de
liderar as forças da subversão contra a ideologia dominante plasmada na mensagem, chegou
ao seu limite a partir da emergência de forças que provêm de várias direções (direções
separadas aos efeitos analíticos, mas provenientes de um contexto único e global).
Estas direções têm sido objeto de extensos trabalhos acadêmicos: políticas, a partir das
derrotas dos modelos políticos tradicionais de emancipação e de Estado, encarnados nos
discursos marxistas e social-democratas, afundados com a hegemonia do neoliberalismo;
ideológicas, com a emergência dos debates em torno da pós-modernidade, com a extensão e
reconsideração da noção de consumo e das noções questionadas de sujeito racional e
autônomo (do sujeito ‘popular’) e econômicas, com a globalização da economia, a
internacionalização desigual dos fluxos e redes de informação e decisão, e com a proliferação
dos mídias, que, como assinalou Eco (1984), é tal que já não há um culpado, não há um
emissor, há uma circulação permanente e difusa de mensagens. A crise da aplicação dos
modelos funcionalistas na América Latina também ajudou na reconfiguração do problema,
mesmo que essa crise não diga respeito à eficácia de novos paradigmas.
C
OMUNICAÇÃO
&
S
AÚDE
:
NOVAS PERGUNTAS
,
NOVOS PROBLEMAS
Em fins da década de 80, a década perdida, como a definem os economistas,
caracterizada pela depressão e pela falta de crescimento da economia, começo do fim das
ditaduras latino-americanas e emergência de lideranças conservadoras, o campo acadêmico da
iv Essa concepção parte do pressuposto de que há uma realidade verdadeira, externa aos signos; uma realidade
positiva, cognoscível verdadeiramente só através da compreensão de como operam determinados signos. Assim,
pensa-se que os ‘signos’ (neste caso, os que compõem o código audiovisual) ofuscam a realidade, e que esta
pode ser conhecida objetivamente, ou seja, sem a intervenção do trabalho de interpretação necessário para
conhecê-la.
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comunicação na América Latina entra num processo de revisão e auto-reflexão. O
pensamento em saúde pública também não escapa às necessidades de revisão que a derrota do
campo popular impõe. Vivendo em países cujas populações foram empobrecidas, dizimadas
por doenças do século passado (cólera, dengue, febre amarela) e outras mazelas conseqüência
de uma altíssima concentração de renda e condições desiguais de acesso aos bens de saúde, os
intelectuais latino-americanos precisaram revisar esquemas teóricos conceituais arraigados,
mas que não davam conta dos novos desafios que a conjuntura exigia para ganhar algo do
terreno perdido.
O novo perfil epidemiológico dos países latino americanos e particularmente do Brasil
mostra a importância da morbi-mortalidade por doenças crônico-degenerativas e por causas
externas (acidentes e violência), que resultam do processo desenvolvimentista, ou seja, da
industrialização e urbanização, demandando novas estratégias de saúde (reorganização da
atenção, novos investimentos, etc.) e também de comunicação para as chamadas mudanças de
estilos de vida que põem em xeque toda a visão biologicista e higienista dos problemas de
saúde pública, até então mais vinculados aos problemas da pobreza e às doenças infecciosas e
parasitárias. Isto dá também um novo lugar à comunicação, que vinha sendo largamente
utilizada na oferta de bens de saúde para o consumo (medicamentos, planos de saúde,
tecnologias médicas etc.), passando a ser alvo de críticas, além do atual debate sobre a
‘promoção da saúde’ e da estratégia de ‘cidades saudáveis’, onde a comunicação passa de
instrumental a estratégica para a mudança do modelo de atenção à saúde. A irrupção do HIV-
AIDS foi outra circunstância impulsionadora de um novo pensar em saúde/comunicação, em
que identidades sexuais, relações de poder e de gênero e modos de vida são mais
determinantes, no perfil epidemiológico de um território, do que os micróbios.
Os anos 90 estão marcados pelos avanços na tentativa de uma nova articulação entre
os campos da saúde e da comunicação. Tal aproximação é observada em instituições
acadêmicas que nos últimos anos têm realizado um esforço no sentido de construir elos
teórico-metodológicos. Instituições de ambos os campos têm criado núcleos de referência,
assessorias e grupos de trabalho que vêm promovendo o debate na temática em diferentes
fóruns, realizando pesquisas, editando publicações, capacitando profissionais da saúde e da
comunicação. Observam-se essas discussões em artigos de publicações técnico-científicas
v
; na
v Por exemplo, na Revista Bahiana de Saúde Pública, Salvador/SESAB; Saúde em Debate, do CEBES, Ciência e
Saúde Coletiva da Abrasco-Associação Brasileira de Saúde Coletiva; Interface. Comunicação, Saúde, Educação,
da Fundação UNI-Botucatu (São Paulo).
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inclusão de módulos temáticos na capacitação de técnicos e Conselheiros de Saúde; na
inclusão na pauta dos Conselhos de Saúde e na inclusão, ainda tímida, nos currículos dos
cursos de graduação da área de saúde.
O que têm em comum esses âmbitos que descrevemos é que, de alguma maneira, e
não sem contradições e dificuldades, todos eles questionam os modelos behavioristas e
difusionistas da comunicação e abordam as questões do sentido e da cultura contemporânea,
tarefa facilitada pela legitimação acadêmica das ciências sociais em saúde, desenvolvidas hoje
– não sem resistências - em várias escolas e institutos de saúde coletiva e, em menor medida,
em escolas de medicina. Quando se questionam os clássicos conceitos da saúde e da
comunicação, se ampliam as possibilidades de uma cooperação interdisciplinar, ou ainda,
transdiciplinar.
No ambiente acadêmico da comunicação, frente ao inexorável, criticado e nunca bem
compreendido consumo massivo de meios, em especial, de televisão, passou a se
reconceitualizar a recepção de meios e o consumo (material e simbólico); passou a se
perceber que, para entender o funcionamento do poder da mídia é preciso rever os conceitos
com os que se analisou esse poder (e a própria noção de poder), é preciso compreender a
atividade, a criatividade e a cumplicidade das pessoas com as relações de poder em que estas
estão implicadas, as relações lúdicas delas com os meios, as relações imaginárias que se
estabelecem com os meios de comunicação, pondo em questão o racionalismo e o
intelectualismo com o qual se pensava a recepção e o consumo de bens materiais e simbólicos
e a relação entre os meios e as pessoas.
Romper com uma perspectiva reducionista e intelectualista do consumo e da recepção
de meios permitiu entender os diversos usos que diferentes grupos fazem das mensagens, dos
meios e dos produtos do mercado cultural. Começa-se, então, a deslocar-se o olhar até os
interstícios em que se encontra a microfísica do consumo para capturar como ele sustenta o
processo hegemônico. No pensamento comunicacional aparece o reconhecimento de que a
mera inversão dos pólos do tradicional esquema de comunicação ‘emissor-receptor’, (inversão
que enfatizaria o poder do receptor de resignificar tudo), sem a elaboração de um modelo
superador da velha dicotomia analítica, era insuficiente para dar conta do que ocorria entre os
meios, as mensagens e os públicos.
No marco dessas revisões, Martin-Barbero (1995) propõe a recepção como um lugar
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novo para pensar o processo da comunicação, mas não como uma etapa do processo.
Intelectuais como Canclini (1995) refletem sobre o ato de consumir, o ato de selecionar o que
se deseja comprar e utilizar, assim como o ato de assistir TV ou comprar revistas ou histórias
em quadrinhos, todos eles, consumos que contribuem para construir a inteligibilidade do
mundo, “são recursos para se pensar o próprio corpo, a instável ordem social e as interações
incertas com os demais” (CANCLINI, 1995, p. 15).
Quando o campo da saúde pública e da comunicação social decidem entrar em
diálogo, precisam enfrentar estas considerações, entender que em cada ato de comunicação de
mensagens sobre a saúde, por exemplo, há muito mais do que a absorção (ou não) de
informações; há complexos processos sociais de instituição de imaginários, de trocas de
significados, de fantasias e fantasmas, de usos, de resignificações culturais, a partir dos quais
a saúde e a doença adquirem sentido. No ato de reconhecimento da doença, do tratamento e
da cura se legitimam e se colocam em questão atores (sejam curandeiros, vovôs ou médicos),
temas, procedimentos (sejam intervenções de alta tecnologia ou remédios caseiros) e
instituições envolvidas no processo.
Para compreender esses processos de produção, circulação e recepção das
representações e mensagens em saúde nos meios massivos é preciso dar o devido peso às
teorias sobre a cultura e o discurso, para superar os limites dos enfoques informacionais e
difusionistas que, como mostramos, foram típicos dos trabalhos sobre mídia e saúde e nunca
foram suficientes para compreender, em toda sua amplitude, as conseqüências sociais de uma
cultura como a contemporânea, em que os meios não são ‘meios’ mas esferas constitutivas
dos nossos modos de ser e entender o mundo.
Acreditamos que entender a complexa implicação da cultura e da comunicação em
face à saúde significa abandonar os encontros interdisciplinares em termos de pura
instrumentalidade (à maneira como a pensou a ‘comunicação para a saúde’, por exemplo) e
estendê-los para a compreensão ampla de que o que está em jogo é a disputa por definir os
sentidos hegemônicos do que é a saúde e a doença, quem são os atores e procedimentos mais
válidos para intervir neles, quais as vozes autorizadas para falar disso e quais os temas, atores
e circuitos, visíveis e invisíveis, em que a saúde e a doença adquirem sentido (NATANSOHN,
2001).
Nossa proposta para entender a relação entre mídia e saúde deve começar por
reformular a clássica pergunta sobre os efeitos da mídia, e em vez disso, perguntar-se: como
participa a comunicação massiva no processo de geração, criação, difusão e
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transformação das condições em que o continuum saúde/doença se dá?
Ainda, diante das necessidades práticas das políticas democráticas de promoção da
saúde, propomos que a pergunta sobre como melhorar a saúde mediante a comunicação seja
substituída pela pergunta: como e o que se precisa para criar condições comunicativas que
favoreçam a promoção da saúde?
Isto implica assumir também os riscos de uma definição
complexa, histórica e socialmente determinada, não fechada, dos processos de saúde e
doença.
Os Estudos Culturais nos brindam com algumas chaves para mudar o enviesado
informacional, condutivista e difusionista que tem caracterizado esse diálogo interdisciplinar;
eles nos permitem entender os produtos da mídia massiva, já não como a mera tradução dos
acontecimentos em discursos e imagens, mas como o produto final de um processo complexo
que se inicia numa seleção, categorização, comparação e hierarquização sistemáticas de
acontecimentos (que são, eles próprios, discursos), de acordo com uma série de categorias
socialmente construídas e que são constitutivas da prática profissional do comunicador
(HALL et al., 1999).
Os Estudos Culturais nos permitem recolocar os problemas da linguagem e do sentido,
e considerar então que uma doença é, também, um efeito de sentido das diferentes falas (dos
médicos, dos jornalistas, dos religiosos, da publicidade, dos grupos culturais e étnicos, etc.) e
de suas negociações que se realizam no espaço público. Ainda, nos permitem pensar o
consumo de meios não como ponto de chegada de mensagens que terão efeitos mensuráveis
nem como o oposto à emissão, mas como ponto de partida para entender o poder cultural da
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