Content uploaded by Lia Mara Netto Dornelles
Author content
All content in this area was uploaded by Lia Mara Netto Dornelles on May 18, 2016
Content may be subject to copyright.
1
1
TORNAR-SE PAI E MÃE NO CONTEXTO DA REPRODUÇÃO
ASSISTIDA
Lia Mara Netto Dornelles
Tese de doutorado apresentada como requisito parcial
para a obtenção do grau de Doutor em Psicologia
sob orientação da
Profª. Drª. Rita de Cássia Sobreira Lopes
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Psicologia
Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento
Agosto, 2009.
2
2
MOSAICO
Queria tanto, tanto, tanto esse bebê!
Eu não sabia se ia conseguir...
Todo processo é mais racional.
Eu imagino que quem tem filho naturalmente,
não tenha esse “valeu a pena”.
Um sabor especial...
Mas mesmo assim, eu não tava acreditando...
Imaginava que nunca ia conseguir...e ele veio.
Tu não acreditava que tinha uma pessoinha se criando ali.
Tu sabe que ele ta ali dentro...mas não conheço ele ainda...
Parecia que não era verdade.
Já tinha os pezinhos, o coraçãozinho...aquilo ali é nosso e nós conseguimos!
Carequinha... Ativo... curioso...
Crianças são imprevisíveis.
Pode ser que venha para uma coisa positiva...pode ser que não
Como é que vou viver esse processo de formar uma família...
Tem reflexos na paternidade, no sentido de cuidado, de uma série de coisas...
Eu imaginava tudo – menos isso!
Entre a vida e a morte.
Que a vida lhe seja leve...porque a vida é pesada.
O melhor possível...uma ótima mãe,
Uma mãezona, coruja, leoa...tigre.
As pessoas fazem o melhor, de acordo com o momento...
Um bom pai...um não tão ótimo pai...ainda!
O nascimento veio coroar esse trabalho.
Dentro da barriga é uma coisa...
Depois que tu tens ele nas mãos é uma coisa bem diferente.
Entre mortos e feridos, esse é o momento que a coisa engrenou.
Ele tomou a frente das nossas decisões
...é uma experiência única...só a gente vivenciando.
Se tem algum aspecto negativo...? Eu fico me perguntando...
É o dia só ter 24 horas!
Foi o fim de uma jornada...estão aí, visíveis!
Fragmentos do medo, da angústia, da dor, da alegria, das recompensas, das
realizações, da trajetória desses casais ao longo do inquietante processo de tornar-
se pai e mãe, são registrados acima. Tal qual um mosaico, a partir de diversas
justaposições, cada uma com colorido e dimensão diferente, este texto tenta captar
e apresentar ao leitor, um pouco da experiência desses casais na busca de realizar
o projeto de tornar-se pai e mãe.
3
3
Dedico este trabalho ao meu amor, Guto, pelo incansável apoio, incentivo e
amor incondicional; pela paciência e compreensão nos diversos momentos em
foi preciso estar ausente, mesmo ao seu lado. Pela cumplicidade e sintonia.
4
4
AGRADECIMENTOS
Neste momento, eu gostaria de agradecer às pessoas que me
acompanharam e me auxiliaram nesta trajetória.
À minha orientadora, Dra. Rita de Cássia Sobreira Lopes, pelos preciosos
momentos de reflexão e questionamento, imprescindíveis nesta construção, pelo
interesse no tema, paciência e incentivo à minha autonomia.
Aos professores membros da banca, Dra. Maria Yolanda Makuch, por ter
se disposto, mais uma vez, a contribuir com sua experiência e olhar crítico; ao Dr.
Eduardo Pandolfi Passos, por sua sensibilidade e espontaneidade, e por ter
acolhido o projeto do qual este estudo faz parte; ao Dr. Cesar Augusto Piccinini,
pelo incentivo e desafio de transformar meu projeto de tese em um projeto de
pesquisa do NUDIF.
Aos casais participantes deste estudo, pela disponibilidade afetiva com que
nos receberam em suas casas e em seus corações; por terem compartilhado
conosco, pesquisadoras, suas histórias e por terem contribuídopara o meu
crescimento profissional.
À equipe do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas
de Porto Alegre, por ter viabilizado a realização deste projeto.
Ao CNPq, pelo apoio financeiro ao projeto.
Aos colegas do Núcleo de Infância e Família - NUDIF, pelas
contribuições.
À colega Isabela Machado da Silva, também pesquisadora deste projeto,
com quem compartilhei idas e vindas, às vezes verdadeiros desafios, angústias e
alegrias durante a realização deste estudo.
À bolsista de graduação Paloma Kohlman Amato, por sua dedicação na
transcrição dos dados.
À amiga Daniela Levandowski, com quem compartilhei histórias e
“saladas de fruta”.
Às amigas Bárbara Steffen Rech e Caroline Rossato Pereira, pelos
momentos de alegria e descontração e pelas angústias compartilhadas.
Aos colegas da Universidade de Caxias do Sul, pelo apoio.
Ao Tutty e ao Duda, à Vanessa, filhos que nunca tive, mas que sempre foram
meus, com quem vivi os amores, as dores, os rancores e os sabores da
5
5
maternidade; com quem aprendi que gens, são transmitidos, mas afeto é
conquistado a cada instante.
À minha mãe, Marina e à minha sogra Rosa, que se a vida não lhes tivesse
apagado parte da sua história, certamente estariam agora ao meu lado, como tantas
vezes estiveram, torcendo por mim.
Aos meus irmãos, Vera, Marco Aurélio, Tânia, Cláudio, Maria Alice e
João, cada um de um jeito particular, pelos fortes laços de afeto e por fazerem
parte da minha história.
À Olga, mais que cunhada, uma parceira, uma amiga, que com seu “alto-
astral”, sempre torceu por mim.
6
6
SUMÁRIO
Página
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ...........................................................10
RESUMO...............................................................................................................11
ABSTRACT ..........................................................................................................12
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO.....................................................................................................13
1.1 Apresentação ...................................................................................................13
1.2 Sobre tornar-se pai e mãe ................................................................................16
1.3 Sobre a infertilidade, as TRA e suas repercussões..........................................23
1.4 Estudos empíricos sobre infertilidade e tratamento.........................................27
1.5 Estudos empíricos sobre parentalidade no contexto da reprodução assistida..41
1.6 Justificativa e objetivos do estudo...................................................................52
CAPÍTULO II
MÉTODO.............................................................................................................. 56
2.1 Delineamento...................................................................................................56
2.2 Participantes.....................................................................................................56
2.3 Instrumentos ....................................................................................................57
Entrevista de Dados Demográficos do Casal. .......................................................57
Entrevista sobre a Gestação e as Expectativas da Gestante...................................57
Entrevista sobre a Gestação e as Expectativas do Futuro Pai................................58
Entrevista sobre a Experiência da Paternidade......................................................58
2.4 Procedimentos e Análise dos Dados................................................................58
2.5 Considerações Éticas.......................................................................................59
7
7
CAPÍTULO III
RESULTADOS .....................................................................................................60
3.1 Caso Vitória, Marcos e Nicole ........................................................................61
3.1.1. Apresentação ...............................................................................................61
3.1.2. Impressões e sentimentos da pesquisadora no contato com a família.........62
3.1.3 A experiência feminina e masculina da reprodução assistida ......................63
3.1.4 A Experiência da Gestação...........................................................................66
3.1.5. Expectativas em Relação à Maternidade e ao Bebê na Gestação................69
3.1.6 Expectativa em relação à paternidade e ao bebê na gestação.......................74
3.1.7 A experiência da maternidade no 3º mês de vida do bebê ...........................78
3.1.8 A Experiência da paternidade e o desenvolvimento do bebê no 3º mês ......88
3.2 Caso Simone, Artur, Laura, Renata e Lucas....................................................95
3.2.1. Apresentação ...............................................................................................95
3.2.2. Impressões e sentimentos da pesquisadora no contato com a família.........95
3.2.3 A experiência feminina e masculina da reprodução assistida ......................97
3.2.4 A experiência da gestação ..........................................................................101
3.2.5. Expectativas em relação à maternidade e ao bebê na gestação.................108
3.2.6. Expectativas em relação à paternidade e ao bebê na gestação ..................112
3.2.7 A experiência da maternidade e o desenvolvimento dos bebês no 3º mês.116
3.2.8 A experiência da paternidade e o desenvolvimento dos bebês no 3º mês..125
3.3 Caso Raquel, Max e Ralph ............................................................................131
3.3.1 Apresentação ..............................................................................................131
3.3.2 Impressões e sentimentos da pesquisadora no contato com a família........132
3.3.3 A experiência feminina e masculina da reprodução assistida ....................133
3.3.4 A experiência da gestação ..........................................................................135
3.3.5. Expectativas em relação à maternidade e ao bebê na gestação.................140
3.3.6 Expectativa em relação à paternidade e ao bebê na gestação.....................144
3.3.7 A experiência da paternidade e o desenvolvimento do bebê no 3º mês.....147
3.3.8 A experiência da paternidade e o desenvolvimento do bebê no 3º mês.....150
8
8
CAPÍTULO IV
DISCUSSÃO.......................................................................................................154
4.1 Eixo I: A experiência do tratamento..............................................................154
4.2 Eixo II - A experiência materna e paterna da gestação .................................160
4.3 Eixo III - A experiência materna e paterna nos três primeiros meses do
bebê.................................................................................................................173
CAPÍTULO V
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................194
REFERÊNCIAS ..................................................................................................200
ANEXOS.............................................................................................................207
ANEXO A ...........................................................................................................210
Entrevista de Dados Demográficos do Casal ......................................................210
ANEXO B............................................................................................................211
Entrevista sobre a Gestação e as Expectativas da Gestante.................................211
ANEXO C............................................................................................................213
Entrevista sobre a Gestação e as Expectativas do Futuro Pai..............................213
ANEXO D ...........................................................................................................215
Entrevista sobre a Experiência da Maternidade ..................................................215
ANEXO E............................................................................................................217
Entrevista sobre a Experiência da Paternidade....................................................217
ANEXO F............................................................................................................219
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ....................................................219
ANEXO G ...........................................................................................................221
Aprovação do Comitê de
Ética.....................................................................................................................221
9
9
LISTA DE TABELA
Tabela 1. Características Sociodemográficas dos ParticipantesErro! Indicador não definido.
10
10
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
REPASSI – Projeto “Transição para a parentalidade e a relação conjugal no
contexto da reprodução assistida: Da gestação ao primeiro ano de vida do
bebê”......................................................................................................................57
TRA Técnicas de Reprodução Assistida...............................................................23
FIV–Fertilização in
vitro.........................................................................................................................5
DG – Doação de Gametas; ovodoação..................................................................57
IA – Inseminação Artificial...................................................................................57
HCPA – Hospital de Clínicas de Porto Alegre......................................................58
11
11
RESUMO
O tornar-se pai e mãe e constituir uma família são fenômenos importantes para o
estabelecimento de uma identidade social adulta, contribuindo para a realização
pessoal do indivíduo. Quando esse projeto parental não pode ser realizado em
decorrência de infertilidade no casal, é possível recorrer às técnicas de reprodução
assistida, como uma tentativa de concretização desse projeto. Entretanto, o
desgaste físico e emocional decorrente desses procedimentos pode conferir à
gestação e à parentalidade um caráter específico, com repercussões ainda pouco
conhecidas. Por meio deste estudo longitudinal, com três casais que engravidaram
por técnicas de reprodução assistida, buscou-se conhecer o processo de tornar-se
pai e mãe no contexto da reprodução assistida, com medidas coletadas no terceiro
trimestre de gestação e aos três meses do bebê. Os resultados apontaram que a
vivência da gestação nesse contexto caracteriza-se pelo constante medo de perder
o bebê, mesmo no último trimestre gestacional, sendo que as gestantes deste
estudo apresentaram sentimentos de incapacidade de levar a gestação a termo. A
prematuridade tornou real a possibilidade de perda do bebê, tornando a vivência
dessa etapa um desafio. Superado esse período, o medo da perda do bebê
diminuiu, dando espaço para o estabelecimento da crença de que esses casais são
capazes de garantir a sobrevivência de seus bebês.
Palavras-chave: parentalidade; reprodução assistida; infertilidade.
12
12
ABSTRACT
Becoming a father or a mother and building a family are important phenomena
that contribute for the establishment of an adult identity as well as for a personal
accomplishment. When the dream of building a family can not be fulfilled couples
may be helped by assisted reproduction techniques, although the physical and
psychological stress produced by these techniques is not well-known yet. This
longitudinal and qualitative research aims at knowing how transition to
parenthood occurs in the context of assisted reproduction techniques. Three
couples who got pregnant through assisted reproduction techniques were
interviewed in two moments: during the last trimester of pregnancy and when the
baby is three months old. The results show that the participants of this research
lived pregnancy freightened by the possibility of loosing their baby. When the
baby was born these feelings turned into a possibility due to they were pre-term
babies. Afterwards, these feelings decreased while the belief of being capable of
keeping the baby alive emerged.
Keywords: parenthood; assisted reproduction; infertility.
13
13
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação
O processo reprodutivo possui implicações psicológicas, sociais e
culturais, que conferem à reprodução um significado central na vida das pessoas.
Ter um filho pode ser a expressão de um desejo inconsciente de imortalidade, bem
como a possibilidade de ressignificar a sua própria história de filho, agora sob a
perspectiva de progenitor e preencher vazios na vida pessoal e familiar
(Balmaceda et al., 2001). O indivíduo não nasce pai ou mãe, mas torna-se pai ou
mãe por meio de um longo processo de aprendizagem e de reflexão acerca de sua
descendência (Lebovici, 2004).
A parentalidade estende-se além do fator biológico, se constrói e se
transforma ao longo do ciclo vital (Lebovici, 2004). Esse processo, que se inicia
com o projeto de ter um filho, é vivido intensamente durante a gestação e ganha
uma nova dimensão a partir do nascimento do bebê. Assemelha-se à nidação do
óvulo no útero, pois assim como transformações biológicas fundamentais ocorrem
ao longo da gestação, transformações psíquicas para receber esse bebê são
igualmente necessárias. A futura mãe e o futuro pai necessitam criar um espaço
psíquico para incluir um terceiro. Esse espaço é uma co-construção, uma espécie
de placenta parental, como diz Lebovici, formada pelas vivências, expectativas e
disponibilidade afetiva de cada um dos futuros pais. Portanto, a concepção e a
gestação são biológicas e também psíquicas. É necessária, também, a gestação
psíquica desse bebê, o que se constitui num longo e desafiador processo de
construção.
Entretanto, alguns casais adiam seu projeto parental em detrimento da
realização profissional, da conquista de um melhor status socioeconômico, de
aproveitar a vida ou da busca por um relacionamento conjugal mais satisfatório.
Todos esses fatores contribuem para que o casal opte por ter filhos tardiamente,
quando a capacidade reprodutiva da mulher, uma capacidade em potencial,
somente confirmada com a gestação, declina de forma expressiva. Ao postergar a
maternidade e a paternidade, o casal pode se deparar com o diagnóstico de
infertilidade, um rótulo estigmatizante, freqüentemente associado a fracasso,
14
14
impotência, vergonha e culpa. A infertilidade é considerada também uma ferida
narcísica, que suscita sentimentos dolorosos e vivências intensas.
Portanto, se o projeto parental não pode realizar-se devido a questões de
infertilidade em um dos cônjuges ou em ambos, essa limitação adquire para cada
indivíduo um sentido próprio e requer um processo de reorganização, tanto
individual como do casal, para o manejo da nova realidade inesperada que se
apresenta (Balmaceda et al., 2001).
A infertilidade representa a perda da fantasia de estabelecer um elo entre o
passado e o futuro, instaurado pelo filho, podendo afetar a maneira como os casais
percebem o mundo ao seu redor (Burns, 2005). Considerada uma experiência
potencialmente traumática e devastadora, provoca um abalo narcísico (Ribeiro,
2004) e às vezes um luto permanente no sujeito (Melamedoff, 2005; Urdapilleta,
1998). Dessa forma, pode bloquear outras capacidades do indivíduo, enrijecer seu
funcionamento psíquico, empobrecer os seus recursos para lidar com a situação,
bem como apresentar desdobramentos incapacitantes, que tendem a se ampliar
para outros campos de realização (Balmaceda et al., 2001; Makuch, 2001;
Ribeiro, 2004).
Entretanto, o panorama da reprodução humana frente ao diagnóstico de
infertilidade, mudou drasticamente a partir do século XX. Se o projeto parental é
inviabilizado, casais inférteis podem recorrer às Técnicas de Reprodução
Assistida (TRA) em busca da realização do desejo de maternidade e paternidade,
questionando os limites impostos pela biologia. Desde o século passado, o homem
tem sido testemunha dos avanços tecnológicos no campo da reprodução assistida,
que trouxe uma mudança radical para a existência humana. A partir do
nascimento de Louise Brown, o primeiro bebê de proveta, em 1978, na Inglaterra,
mais de um milhão de crianças nasceram em decorrência das TRA. Três décadas
após o seu nascimento, Louise Brown ainda atrai a atenção sobre si, agora não
somente como o primeiro bebê de proveta, mas como a primeira mulher
concebida por reprodução assistida, que gestou um bebê de forma natural,
reforçando a atualidade e a relevância do tema.
Dentre essas técnicas, que propõem não somente um tratamento da
infertilidade, mas também uma nova forma de procriação, encontram-se a
Fertilização in vitro (FIV), a Inseminação Artificial (IA) e a Injeção
15
15
Intracitoplasmática de Espermatozóide (ICSI). Há ainda duas situações especiais
menos freqüentes no contexto brasileiro: a Doação de Gametas e a Gestação de
Substituição (Ferriani & Navarro, 2004). Atualmente, estima-se que essas
tecnologias (TRA), sejam responsáveis por mais de 5% de todos os nascimentos
(http://www.who.int/reproductive-health/hrp/progress/63/63.pdf). Como
tratamento, tendem a ocasionar um desgaste físico e psíquico e a despertar
vivências de angústia, esperança, tensão e frustração. Preocupações com questões
de ordem econômica, assim como pressões sociais e familiares podem se
caracterizar como agravantes.
Quando a gestação ocorre após uma prolongada experiência de
infertilidade, embora com características biológicas, alterações e riscos
semelhantes a outras gestações, as emoções que a acompanham podem ser mais
intensas. Nestes casos, a gestação constitui-se uma etapa de transição entre a
experiência de infertilidade, com a carga de frustração e impotência, e a
experiência da maternidade potencial, sendo que um dos aspectos mais difíceis de
enfrentar é o medo da perda do bebê (Balmaceda et al., 2001). Assim como a
gestação representa a realização de um sonho, pode também ser um evento
problemático (Repokari et al., 2005), no qual novas vivências e desafios se
impõem ao casal e cujas implicações ainda são pouco conhecidas (McMahon,
Gibson, Leslie, Cohen & Tennant, 2003).
Sentimentos intensos podem ser mobilizados nesse transcurso, tendo como
pano de fundo não só as vivências, as expectativas e a disponibilidade afetiva de
cada um em relação ao bebê e ao seu desempenho enquanto genitores, mas
também a vivência da luta para conceber e dos desafios enfrentados no decorrer
desse período.
Acredita-se que o longo percurso destes casais, desde a frustração inicial
do projeto parental, passando pelo tratamento, a gestação e o nascimento do bebê,
apresenta algumas peculiaridades e ressonâncias não encontradas nos casais que
conceberam naturalmente. Portanto, o complexo processo de tornar-se pai e mãe
nesse contexto apresenta transformações psíquicas profundas, que abarcam desde
o abandono da identidade de infértil e a aceitação da identidade de fértil, até o
exercício da parentalidade, para muitos uma trajetória difícil, sofrida e com
muitos desafios.
16
16
Uma vez que a concepção não é um evento meramente biológico, mas
também psíquico, sob o ponto de vista das teorizações psicanalíticas, se faz
necessária a compreensão desse instigante processo de tornar-se pai e mãe, já que
as interações que estabelecem entre a tríade pai-mãe-bebê, são fundamentais para
o desenvovimento emocional do bebê e para o desenvolvimento das competências
parentais.
Nesse sentido, o levantamento de estudos sobre o relacionamento mãe-
bebê no contexto da reprodução assistida, realizado por Makuch e Hardy (2002)
apontou a escassez de pesquisas sobre o tema. Ressalta-se ainda, que os estudos
encontrados sobre a parentalidade não enfocam a experiência de tornar-se pai e
mãe nesse contexto, investigando temas pontuais e isolados, tais como estresse,
coping, ansiedade, depressão e qualidade de vida, dentre outros. Além disso,
apontam a presença ou ausência de sintomas, propõem quantificações e
comparações com grandes amostras que, isoladamente, são incapazes de abarcar a
totalidade da experiência psíquica vivida por estes casais ao longo desse processo.
Considera-se, portanto, que esse processo de desenvolvimento que se dá na vida
adulta, não tem sido contemplado pelos estudos da área
Face à escassez de estudos que possibilitem a compreensão subjetiva dessa
experiência, este estudo propõe investigar o processo de tornar-se pai e mãe em
casais que conceberam por meio de TRA. Dessa forma, pretende fornecer
subsídios à reflexão sobre esse processo e contribuir para que casais possam ser
auxiliados nessa construção.
Para tal, são examinadas algumas questões teóricas e achados de estudos
empíricos relacionados ao tema. Inicialmente, propõe-se uma revisão teórica
sobre o processo de tornar-se pai e mãe, abrangendo o desejo de ter um filho, a
gestação e o nascimento do bebê. Na seqüência, são apresentados e discutidos
estudos empíricos que investigaram a parentalidade no contexto da reprodução
assistida. Posteriormente, são apresentadas algumas idéias sobre o impacto da
infertilidade e a vivência do tratamento com as TRA, as quais serão seguidas por
uma revisão de estudos empíricos que investigaram essas questões.
1.2 Sobre tornar-se pai e mãe
Tornar-se: mudar de estado, forma; transformar-se (Houaiss, 2008). Assim
ocorre com a parentalidade – o indivíduo não nasce pai ou mãe, mas torna-se pai
17
17
ou mãe. Esse é um longo processo de aprendizagem, de transformação e de
reflexão acerca de sua descendência, que estende-se além do vínculo biológico
(Solis-Ponton, 2004). Tornar-se pai e mãe, depende, inicialmente, do
entrelaçamento de três desejos: do homem, da mulher e do desejo de vida desse
filho. Sem estes três desejos, não há nascimento (Szejer & Stewart, 1997).
Esse filho do desejo é investido de um destino que deverá ser cumprido,
perseguindo um ideal que os próprios pais não puderam seguir (Solis-Ponton,
2004). O desejo de conceber tende a apresentar, assim, significados históricos e
atuais para o casal, carregados de significados inconscientes importantes para o
senso de identidade do indivíduo (Ribeiro, 2004). Portanto, esse desejo é expresso
num contexto formado pelo somatório de diversas histórias: a de cada membro do
casal, a de seus genitores, avós, irmãos, amigos, tornando cada contexto singular
(Solis-Ponton, 2004). Traz consigo a projeção imaginária desse filho no futuro e
de como serão como genitores, tendo como modelos de referência seus próprios
genitores ou os modelos parentais de cada um (Szejer & Stewart, 1997) Essa
identificação com a mãe e o pai, assim como a tentativa de recriar velhos laços no
novo relacionamento com o bebê, são o eixo condutor desse desejo (Brazelton &
Cramer, 1992).
Tanto o homem, quanto a mulher elaboram esse desejo conforme os seus
modelos familiares, parentais e sociais (Szejer & Stewart, 1997). A mulher
imagina o bebê que vai dar ao marido e o seu nome, que pode abrigar
significados, tais como um segredo, um suicídio, ou a lembrança de um herói,
relacionando inconscientemente a criança a essa herança (Lebovici, 2004) e,
portanto, à história individual e do casal (Solis-Ponton, 2004). Enquanto isso, o
desejo masculino de ter um filho relaciona-se à necessidade de assegurar a
continuidade de sua linhagem, à oportunidade de igualar-se a seu pai, vindo a
superá-lo e a confirmação de sua potência e capacidade de engravidar a mulher
(Brazelton & Cramer, 1992).
Ingredientes complexos constroem a parentalidade. Alguns pertencem à
coletividade, à sociedade inteira, mudam com o tempo, são históricos, jurídicos,
sociais e culturais. Outros são ingredientes mais íntimos, privados, conscientes ou
inconscientes, pertencem a cada um dos pais individualmente e como futuros pais,
como casal, como história familiar do pai e da mãe. Aqui estão presentes o que é
transmitido, o que se esconde, os traumas infantis e a maneira como cada um os
18
18
enfrentou (Moro, 2006). A parentalidade, no imaginário dos pais, lhes permite
lidar com os seus próprios pais e se prepararem para serem pais (Solis-Ponton,
2004).Contribui também para a sua formação a lembrança dos pais do tempo em
que eram crianças, dos cuidados parentais, das regras, das obrigações e,
sobretudo, da forma como experienciaram esse período (Solis-Ponton, 2004).
A parentalidade pode ser descrita como uma formação mental que se
organiza por meio do tecido de representações que se formam desde a infância e
evoluem com o desenvolvimento psicológico da criança, e, mais tarde, do
adolescente (Solís-Ponton, 2006). Envolve níveis conscientes e inconscientes do
funcionamento mental, se constrói e se transforma ao longo do ciclo vital
(Lebovici, 2004) e pressupõe um trabalho interno dos pais, do qual participam
todos os membros da família, desde o recém-nascido até os seus avós (Houzel,
2004; Solís-Ponton, 2006). É um projeto compartilhado que altera os laços de
filiação, a dinâmica conjugal e constitui-se num momento de transmissão
intergeracional (Balmaceda et al., 2001), que resulta da socialização, definição e
cumprimento de papéis e lealdades invisíveis em relação a gerações passadas e
futuras (Aldape, 2006). Ao constituírem uma família, além de deixarem de ser
apenas filhos para tornarem-se genitores, o casal altera também os papéis dos
demais membros da família: seus próprios genitores tornam-se avós e, ao
assistirem às mudanças dos filhos, também se modificam (Colarusso, 1990;
Debray, 1988; Morales, 2004).
A preparação para a parentalidade tem seu início antes mesmo da gestação,
mas as disposições latentes para a parentalidade se manifestam durante a gestação
(Jessner, Weigert & Foy,1983). O projeto parental, com seus aspectos conscientes
e inconscientes confere à gestação uma pré-história singular (Brazelton & Cramer,
1992). Para algumas mulheres, a gestação é uma prova de que são realmente
mulheres (Jessner, Weigert & Foy, 1983), uma oportunidade de sentirem-se
completas, potentes, produtivas e preencherem sentimentos de vazio e
preocupações em relação à incompletude do corpo Brazelton & Cramer,1992).
Pode ser ainda, uma proteção contra o medo de ser incapaz de conceber (Jessner,
Weigert & Foy,1983) e uma oportunidade de realizar o sonho de tornar-se igual à
mãe e restaurar a imagem interna da própria mãe (Brazelton & Cramer, 1992).
Nesse período, o psiquismo da mulher encontra-se num estado particular,
um estado de transparência, em que conteúdos do pré-consciente e do consciente
19
19
acessam facilmente à consciência (Bydlowski, 2002). Três bebês podem habitar a
mente da gestante: o bebê fantasmático, o bebê imaginário e o bebê real. O bebê
fantasmático é inconsciente e fruto do desejo de maternidade da menina. É o filho
dos sonhos que a menina, identificada com a mãe, dá ao pai na sua fantasia e,
portanto, o filho da situação edípica. O bebê imaginário pertence ao nível pré-
consciente e é o desejo de um filho, da interação entre o feto e a mãe, fazendo
parte de seus devaneios (Lebovici, 1922). Pensar sobre o bebê e imaginar suas
características traz implicações para a construção da representação do bebê, da
maternidade e para a futura relação mãe-bebê (Piccinini et al., 2004a).Segundo
Freud (1914/1979), essa criança do desejo dos genitores, representa o resgate de
todas as esperanças perdidas e deve realizar todos os seus anseios, revertendo,
dessa forma, compromissos e limitações dos genitores: é a criança perfeita.
Brazelton e Cramer (1992) acrescentam que, embora tais desejos narcisistas
possam vir a interferir no desenvolvimento posterior da criança, são essenciais à
preparação do apego entre a mãe e seu bebê. Klaus, Kennel e Klaus (2000)
acrescentam ainda, que o bebê real que a mãe abraça, é ao mesmo tempo o bebê
imaginário, que vai coexistir com o bebê fantasmático.
Cada trimestre gestacional caracteriza-se por uma seqüência de
transformações que são vividas de diferentes maneiras pela mulher. O primeiro
trimestre é marcado pelas mudanças sutis que ocorrem em seu organismo e que
passam a ser o centro de suas atenções: aumento das mamas, náusea, mal-estar,
aversão ou desejo a certas comidas, fadiga, variação de humor, irritabilidade e
grande sensibilidade, dentre outras. Concomitante a essas mudanças, surge o
desejo de ser protegida e cuidada, bem como sentimentos de solidão, de
individualidade e de transcendência de si mesma, um elo entre o passado e o
futuro na cadeia de gerações O embrião é percebido como uma parte de seu corpo
(Jessner, Weigert & Foy, 1983).
No segundo trimestre, são percebidos os primeiros movimentos do bebê,
que produzem na gestante um sentimento de potência vital interior e conferem ao
bebê um status de bebê real. Esses movimentos são por vezes vividos com
ambivalência pela futura mãe, oscilando entre a bem-aventura e ressentimentos
quanto ao intruso. Sentimentos contraditórios a invadem. Seu corpo perde a forma
conhecida e é necessário usar roupas de gestante, o que a orgulha ao mesmo
tempo em que a perturba, pois teme não ser atraente para o marido. Se a carreira
20
20
profissional significa muito para essa mulher, a maternidade será vivida como um
dilema. A sensação de perda de controle em relação ao bebê que cresce em seu
ventre, se alterna com a preocupação de que tudo o que faz o afeta. Nesse
momento, começa a preparação para a chegada do bebê, embora algumas
mulheres retardem esse processo, às vezes por rechaçar o bebê inconscientemente
(Jessner, Weigert & Foy, 1983).
Com a chegada do terceiro trimestre, o corpo da gestante se torna cada
vez mais pesado, incômodo e disforme e a proximidade do parto a faz pensar mais
no futuro do que no presente. O parto é precedido por diversos sentimentos, tais
como impaciência para poder ter e ver esse bebê que a fez sentir sua presença dia
e noite e tristeza por reconhecer que em breve ele irá se separar dela. Os
movimentos do bebê reafirmam que está vivo e por serem mais vigorosos,
modificam o diálogo entre a mãe e o bebê, desaparecendo a ternura dos meses
anteriores. O apego ao marido se torna intenso, com a certeza de que um novo
vínculo comum confere outra dimensão ao casamento. Entretanto, prevalecem os
temores de ela própria ou o bebê possam morrer durante o parto, de que ele tenha
malformações ou que ocorram danos em seu corpo (Jessner, Weigert & Foy,
1983).
Ao nascer, o bebê transforma a gestante em uma mãe, alterando a
configuração familiar que necessita se organizar para responder às novas
exigências da parentalidade (Stern, 1997; Solis-Ponton, 2004). Stern (1997)
assinala que nesse período, a mãe ingressa em uma nova, única e temporária
organização psíquica, que não é universal, nem tampouco inata, a qual denomina
“constelação da maternidade”. Há um realinhamento de interesses e
preocupações, no qual volta-se mais à sua mãe e menos a seu pai; mais à sua mãe-
como-mãe e menos à sua mãe-como-mulher-ou-esposa; mais à mulheres em geral
e menos aos homens; mais ao crescimento e desenvolvimento e menos à carreira;
mais ao seu marido-como-pai-e-contexto-para-ela-e-o-bebê e menos ao marido-
como-homem-e-parceiro-sexual; mais ao bebê e menos ao entorno. Cabe ressaltar,
que essa constelação sofre influências psicobiológicas, tais como as hormonais,
que organizam essa mãe para desenvolver essa organização psíquica.
A constelação da maternidade se torna o eixo organizador dominante de
sua vida psíquica nessa época e contempla discursos, temas e suas tarefas. Há três
discursos que a mãe precisa integrar: (a) da mãe com sua própria mãe, que se
21
21
refere à vivência com sua mãe nos tempos de infância; (b) consigo mesma, isto é,
ela enquanto mãe; (c) e com o bebê. Quanto aos temas e tarefas presentes,
encontram-se vida-crescimento, relacionar-se primário, matriz de apoio e
reorganização da identidade (Stern, 1997).
O tema de vida crescimento refere-se à capacidade da mãe de manter o
bebê vivo e de propiciar o seu crescimento e desenvolvimento físico, Contempla
diversos medos, tais como de que o bebê morra, que pare de respirar, que não
coma, que definhe, que se desidrate, que caia, ou seja, que ocorra um assassinato
por profunda inadequação, ou então, que viva, mas não se desenvolva bem e isso
requeira hospitalizações ou a sua substituição por uma mãe “melhor” (Stern,
1997).
O segundo tema, do relacionar-se primário, refere-se ao envolvimento
social e emocional da mãe com o seu bebê. Surgem nessa fase, dúvidas sobre a
sua capacidade de amá-lo, sentir que é amada por ele, reconhecer que ele é
realmente o seu bebê. Ocorre ao longo do primeiro ano de vida do bebê e inclui o
estabelecimento de laços de apego, segurança e afeição, a regulação dos ritmos do
bebê, o holding do bebê e a indução e a instrução nas regras básicas do relacionar-
se humano (Stern, 1997). Winnicott (2000) também se refere a esse estado de
sensibilidade exacerbada, quase uma doença, durante o qual a mãe adapta-se de
maneira sensível e delicada às necessidades do bebê, como preocupação materna
primária. Comumente a mãe entra numa espécie de identificação sofisticada com
o bebê, uma fase em que ela é o bebê, e o bebê é ela, da qual se recupera em
semanas, uma vez que já foi um bebê, traz lembranças de ter sido um bebê e de
que alguém cuidou dela. Tais lembranças, no entanto, podem tanto ajudá-la,
quanto prejudicá-la na sua experiência como mãe. Winnicott (1999) acrescenta
ainda, que se a mãe encontra-se nesse estado de sensibilidade, evita a interrupção
do continuar a ser do bebê. Ao possibilitar um ambiente suficientemente bom, a
mãe capacita o bebê a começar a existir, a ter experiências, a constituir um ego
pessoal, a dominar os instintos e a enfrentar as dificuldades apresentadas pela
vida.
O tema seguinte, da matriz de apoio, diz respeito à necessidade da mãe de
criar, permitir, aceitar e regular uma rede de apoio protetora e boa, que a ajude a
realizar duas tarefas anteriores. O quarto e último tema, o da reorganização da
identidade, relaciona-se à necessidade da mãe de transformar e reorganizar a sua
22
22
identidade, garantindo assim, que redirecione seus investimentos emocionais, sua
distribuição de tempo e energia, e suas atividades. Dessa forma, dará espaço para
o surgimento de uma nova identidade como mãe, genitora e mãe de família, que
contará com modelos de identificação positivos ou negativos (Stern, 1997).
A vivência paterna da transição para a parentalidade difere da materna. Por
ser independente da estimulação hormonal, a relação que o homem estabelece
com o filho se apóia nas expectativas em relação a essa criança, no sentido de
posse e de responsabilidade. Os movimentos do feto são percebidos de modo
indireto, mediados pela mãe, e, portanto, diferentes da forma visceral como é
percebida pela mulher. Portanto, a qualidade dessa relação não é idêntica à da
mulher, mas complementar. A atitude emocional do pai na tríade familiar é
importante desde o momento da concepção, respondendo às necessidades de sua
esposa, que aumentam durante a gestação (Jessner, Weigert & Foy, 1983).
Nesse sentido, Coutinho e Morsch (2006) propõem que o pai também vive
uma espécie de constelação da paternidade, uma preocupação e envolvimento
com seu filho recém-nascido, semelhante à de sua mulher, evidenciando uma
mudança da postura paterna frente às demandas da parentalidade. Participam de
consultas pré-natais e muitos estão presentes na hora do parto. Estudos
corroboram essa idéia ao apontarem um significativo envolvimento dos pais na
gestação, tanto emocional, como comportamental (Piccinini et al.,2004b), além da
crença de que a sua participação na vida dos filhos é muito importante (Silva &
Piccinini,2007). Klaus, Kennel e Klaus (2000) utilizam o termo engrossment, que
significa absorção, preocupação e interesse, para descrever a resposta dada
freqüentemente pelos pais ao recém-nascido, no que se refere a aspectos do
vínculo pai-bebê em desenvolvimento. Tais aspectos contemplam a sua atração
pelo bebê, sua percepção do recém-nascido como sendo perfeito, orgulho e
aumento da auto-estima. Já Oiberman (1994), amplia esse conceito para um
potencial inato do pai em relação a seu bebê, que se desenvolve no momento de
seu nascimento. Olhar o recém-nascido encurta a distância entre ambos e dá início
à alteridade desse bebê. Ao tornar-se pai, o homem tem a necessidade de voltar-se
para seu próprio pai, quer na fantasia ou na realidade, numa tentativa de afirmar
seu papel parental (Brazelton & Cramer, 1992). Além disso, identifica-se com
seus descendentes e pode transformar esse vínculo emocional em um amor
altruísta. Por outro lado, corre o risco de voltar a ser o filho que foi, instalando-se
23
23
novamente o Édipo, ou então negar a sua paternidade (Jessner, Weigert &
Foy,1983).
A literatura aponta que tornar-se pai, tornar-se mãe é uma das mais
dramáticas transições do ciclo de vida familiar. Implica aceitar um compromisso e
reconhecer que esse bebê transformou a relação dual entre o casal em relação
triangular e que sua chegada significa transição, conciliação e renúncia (Jessner,
Weigert & Foy, 1983). Além disso, os cuidados com o bebê exigem
disponibilidade integral e provocam rápidas mudanças que podem demandar um
grande esforço emocional na adaptação de suas identidades individuais e de casal
(Morales, 2004). Portanto, tornar-se pai e mãe, é um fenômeno importante para o
estabelecimento de uma identidade social adulta e contribui para a realização
pessoal do indivíduo (Brasileiro, Jablonski & Féres-Carneiro, 2002).
Entretanto, nos casos em que a infertilidade em um dos membros do casal,
ou em ambos, impede a concepção natural e dificulta a realização do projeto
parental, o casal pode recorrer às TRA como uma possibilidade de realização de
seu desejo de tornar-se pai e mãe. Para alguns, há um longo caminho a ser
percorrido, com procedimentos e possibilidades de complicações médicas, tais
como aborto prematuro, gravidez múltipla, prematuridade e baixo peso do bebê.
Sabe-se, no entanto, que essas técnicas não garantem o sucesso em obter uma
gestação, e que, por vezes, os casais optam por submeter-se a diversas tentativas
em busca da realização de seu desejo, deparando-se com um processo
emocionalmente doloroso.
Em decorrência da luta para conceber e do comprometimento físico e
emocional exigido, tornar-se pai e mãe no contexto da reprodução assistida
apresentam características especiais, que podem surgir como desafios únicos para
os casais. Portanto, para se compreender como ocorre esse processo no contexto
das TRA, serão relatados e discutidos a seguir alguns estudos sobre o tema.
1.3 Sobre a infertilidade, as TRA e suas repercussões
A infertilidade é definida, em termos médicos, como a incapacidade de
obter uma gestação após 12 meses de relações sexuais, sem uso de qualquer
método anticonceptivo, sendo que a chance de um casal fértil engravidar é de 15 a
25% por mês (Passos, Almeida & Fagundes, 2007). Considerada uma doença,
estima-se que no Brasil cerca de dois milhões de casais venham a apresentar
24
24
algum tipo de dificuldade no decorrer de suas vidas reprodutivas (Serafini &
Motta, 2004). Suas causas podem ser classificadas em quatro grupos: (1) fatores
tubo-peritoneais, relativos a seqüelas de doença inflamatória pélvica e
endometriose; (2) fatores masculinos, que são as alterações no número, na
motilidade e na morfologia dos espermatozóides; (3) fatores hormonais, como os
distúrbios da ovulação, síndrome dos ovários policísticos, alterações nas dosagens
de prolactina e de hormônios tireoidianos e (4) fatores desconhecidos, não
identificados pela investigação (Passos et al., 2007) .
O diagnóstico da infertilidade é vivido pelos casais como um terremoto,
que abala as suas estruturas, com efeitos que se prolongam com o decorrer do
tempo (Weiss, 2006). Altera os sonhos de família, as fantasias e projeções de um
relacionamento, a confiança, a sexualidade, a auto-estima, o relacionamento com
amigos, familiares e com o mundo. É sentida como um “defeito”, provocando
sentimentos de desvalorização, que permeiam outras áreas da vida (Serafini,
White, Petracco & Motta, 1998). A infertilidade constitui-se numa experiência
potencialmente traumática e devastadora, uma desagradável e terrível surpresa,
que provoca um abalo narcísico, desperta vivências intoleráveis (Ribeiro, 2004) e
às vezes provoca um luto permanente no sujeito (Melamedoff, 2005; Urdapilleta,
1998). Pode estimular ou reativar conflitos psíquicos ligados à sexualidade, à
relação primária com a mãe, à identidade de gênero e ao conflito edípico, bem
como promover um impacto considerável no mundo psíquico dos indivíduos
inférteis, reabrindo antigas feridas (Balmaceda, Fernández, Fabres, Fernández,
Huidobro, Sepúlveda & Zegers, 2001; Makuch, 2001; Ribeiro, 2004).
Freqüentemente tem sido comparada, em intensidade, a outras perdas,
como a morte de um ser querido, um divórcio ou a perda de um emprego.
Associa-se também à perda da sexualidade espontânea, da experiência da
gravidez, do filho biológico e da continuidade genética. O casal tende a se isolar e
ser estigmatizado pelo entorno (Ribeiro, 2004). Depara-se com a tarefa de rever o
sentido de sua relação conjugal e a idéia de ser um “casal perfeito” (Serafini,
1998).
Entretanto, quando o casal opta pelo filho biológico, é possível recorrer às
TRA. Essas técnicas referem-se a todos os tratamentos ou procedimentos que
envolvem a manipulação de óvulos e espermatozóides humanos, com a finalidade
de estabelecer uma gravidez, sendo indicadas quando as intervenções clínicas e/ou
25
25
cirúrgicas não são capazes de promover a gestação por si só. Dentre elas,
encontram-se a Inseminação Intra-uterina (IUI - refere-se à introdução de
espermatozóides no interior do útero); a Fertilização in vitro (FIV- envolve a
remoção de óvulos dos ovários e a fertilização dos mesmos em laboratório) e a
Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóide (ICSI- geralmente utilizada nos
casos de infertilidade masculina, nas falhas de FIV prévia e número baixo de
oócitos). Há ainda duas situações especiais menos freqüentes no contexto
brasileiro: a Doação de Gametas (GIFT) e a Gestação de Substituição (barriga de
aluguel) (Ferriani & Navarro, 2004).
Esses procedimentos são considerados novos pelos casais que não
conseguem engravidar por outros métodos. Na maioria das vezes, a fertilização in
vitro é utilizada somente quando há falha nos procedimentos menos complexos e
menos onerosos. Entretanto,em casos em que há idade avançada ou fator
masculino severo, é indicada como a primeira escolha (Passos et al., 2007). Essa
técnica envolve várias fases: (1) estimulação ovariana para desenvolvimento dos
folículos por meio de medicação; (2) coleta dos oócitos (óvulos); (3) fecundação
do óvulo e crescimento do embrião; (4) transferência do embrião para dentro do
útero (máximo de 4 embriões). Essas fases constituem um ciclo e se a gravidez
não ocorrer após o ciclo, a mulher poderá aguardar de dois meses a vários anos
antes que outro ciclo ocorra (Seger-Jacob, 2006).
Homens e mulheres vivem de maneira distinta a experiência da
infertilidade e seu tratamento. A infertilidade passa a dominar a mente da mulher
e o desafio de ter um filho, muitas vezes a faz abrir mão de um emprego para
dedicar-se exclusivamente ao tratamento. Os procedimentos aos quais têm que se
submeter, biópsias, exames, inseminações, cirurgias e medicamentos, despertam
raiva, humilhação, depressão, ansiedade e medo. Muitas vezes, além de conviver
com esse turbilhão de emoções, têm que freqüentar festas de crianças e conviver
com outras mulheres grávidas, que remetem à sua dor e à sua dificuldade. O
homem, por sua vez, muitas vezes sofre calado, com vergonha frente ao grupo
social, abalado em sua identidade masculina por depender de um outro, o médico,
para ajudar na concepção de um filho. Muitas vezes, é acusado de não estar
envolvido com o tratamento, pois não conversa sobre o assunto (Weiss, 2006).
Como casal, sentem que a vida os trata de maneira cruel (Weiss,
2006).Durante o tratamento, problemas individuais não resolvidos podem eclodir
26
26
vindo a afetar o relacionamento do casal (Michelon et al., 2004), que deixa de ser
apenas dual, com sua intimidade compartilhada com a equipe médica (Ribeiro,
2004). A sexualidade do casal sai do âmbito privado e é regulada pela demanda
dos procedimentos, que prescrevem os momentos em que as relações sexuais
devem ocorrer ou serem evitadas, em que o sêmen deve ser coletado no
laboratório, e os óvulos devem ser aspirados, fecundados e transferidos ao útero
(Ribeiro, 2004).
Portanto, para cada indivíduo a vivência da infertilidade adquire um
sentido próprio e requer um processo de reorganização, tanto individual como do
casal, para o manejo da nova realidade inesperada que se apresenta, podendo
bloquear outras capacidades suas, enrijecer seu funcionamento psíquico e
empobrecer os seus recursos para lidar com a situação (Balmaceda et al., 2001;
Makuch, 2001; Ribeiro, 2004).
Tanto o fracasso como o sucesso do tratamento da infertilidade têm sido
referidos como uma experiência de impacto negativo, que desperta sentimentos de
ansiedade, depressão e perda, numa margem de 10 a 50% das mulheres (Klock &
Greenfeld, 2000) e que pode marcar a história do casal e a história do futuro bebê
(Laredo & Dresdner, 2003; Ribeiro, 2004). A luta pelo nascimento de um filho,
leva o indivíduo a experimentar a angústia de uma situação extrema, da qual não
tem controle. É colocado numa situação de fragilidade, pois não é responsável
pela realização de seu desejo de ser pai ou mãe (Weiss, 2006).
O impacto emocional causado por essa tecnologia nos homens, nas
mulheres e nas novas gerações ainda é pouco conhecido. Como dito
anteriormente, essas técnicas não propõem somente um tratamento da
infertilidade, mas uma nova forma de procriação, de organização familiar e de
filiação, com efeitos decorrentes desse fenômeno ainda sem uma representação
psíquica mais evidente. Além disso, possibilitam um novo olhar sobre a
capacidade de reproduzir-se, relacionar-se e dar continuidade à cadeia de gerações
(Ribeiro, 2004). Entretanto, a literatura também aponta que a experiência
traumática e desoganizadora da infertilidade e de seu tratamento pode também ser
vivida como uma oportunidade de aproximação do casal, uma vez que necessitam
conhecer-se e reconhecer em si próprios sentimentos e conflitos despertados pela
infertilidade (Borlot & Trindade, 2004).
27
27
Para a maioria dos casais inférteis, a possibilidade da gravidez e a
parentalidade auxiliam na cicatrização das feridas psicológicas produzidas pela
infertilidade, restabelecem a autoconfiança nos aspectos relacionados ao seu
próprio corpo e suas potencialidades, bem como facilitam os aspectos da relação
com a família e o entorno social (Balmaceda et al., 2001). Nesse contexto, o filho
desejado torna-se hiperinvestido, hiperlibidinizado, sendo que o angustiante
tempo de espera pela gravidez mobiliza sentimentos que podem afetar a forma
como esses genitores1 exercerão a parentalidade (Ribeiro, 2004).
Dessa forma, torna-se necessário compreender de que forma os casais
inférteis vivem o impacto da infertilidade e de seu tratamento, para que possam
ser auxiliados a enfrentar os desafios inerentes ao processo de tornar-se pai e mãe.
1.4 Estudos empíricos sobre infertilidade e tratamento
Alguns estudos vem sendo desenvolvidos nesse contexto, em diferentes
momentos: durante o tratamento (Furman, Ramos, Urmeneta, Vantman &
Fuentes, 1997; Slade, Emery & Lieberman, 1997; Boivin et al.,1998; Hjelmsted,
Andersson, Skoog-Svanberg, Bergh, Boivin & Collins, 1999; Ardenti, Campari,
Agazzi & La Sala, 1999; Edelmann & Connoly, 2000; Bittelbrunn, 2000; Kee,
Seok, Jung & Lee, 2000; Gerrity, 2001; Palácios, Jadresic, Palácios, Miranda, &
Dominguez, 2002; Farinati, 2005; Verhaak, Smeenk, Minnen, Kremer &
Kraaimaat, 2005; Moreira, Melo, Tomaz & Dantas de Azevedo, 2006; Holter et
al., 2006), na gestação (Sandelowski, Harris & Holditch-Davis, 1990;
Sandelowski, Harris & Black, 1992), após o nascimento do bebê (Hjelmstedt,
Widström, Wramsby & Collins, 2004; Redshaw, Hockley & Davidson, 2007) e no
fracasso das técnicas (Filetto, 2004; Johansson & Berg, 2005; Klerk, Macklon,
Heijnen, Eijkemans, Fauser, Passchier & Hunfeld, 2007).
Ressalta-se que esses estudos não enfocam a experiência de tornar-se pai e
mãe nesse contexto, sendo que os principais temas investigados por eles são
pontuais e isolados, tais como: ansiedade (Slade et al., 1997; Ardenti et al.,1999;
Edelmann & Connoly, 2000; Kee et al., 2000; Moreira, Melo, Tomaz & Azevedo,
2006; Gerrity, 2001; Verhaak et al., 2005; Klerk et al., 2007); depressão (Slade et
al., 1997; Kee et al., 2000; Edelmann & Connoly, 2000; Verhaak et al., 2005);
1 Os termos genitor/genitores serão utilizados para referir-se aos pais e mães, sem
preocupação com o sexo, enquanto o uso dos termos pai/pais será restrito ao genitor do sexo
masculino.
28
28
estresse (Kee et al., 2000; Hjelmstedt et al., 2004; Farinati, 2005; Moreira et al.,
2006); qualidade de vida (Farinati, 2005); coping (Hjelmsted et al., 1999; Gerrity,
2001; Farinati, 2005); humor e auto-estima (Slade et al.,1997; Edelmann &
Connoly, 2000); sentimentos e identidade de gênero (Furman et al.,1997); apoio
social (Gerrity, 2001; Verhaak et al., 2005); relacionamento sexual (Slade et al.,
1997; Verhaak et al., 2005); relacionamento social (Boivin et al., 1998);
relacionamento conjugal (Boivin et al.,1998; Hjelmsted et al., 1999; Edelmann &
Connoly, 2000; Verhaak et al., 2005; Holter et al, 2006); ajustamento conjugal
(Edelmann & Connoly, 2000), satisfação conjugal (Gerrity, 2001); percepção da
gestação (Sandelowski et al., 1990), da infertilidade (Edelmann & Connoly, 2000;
Johansson & Berg, 2005) e do tratamento (Ardenti et al., 1999; Redshaw et al.,
2007).
A seguir, estes estudos serão apresentados de acordo com o período em
que são realizados.
Ao mesmo tempo em que os tratamentos para infertilidade tem ampliado
as possibilidades de tornar-se pai e mãe biológicos, constituem-se numa
experiência emocional de grande intensidade para muitos casais, que coloca à
prova seus recursos emocionais para enfrentar os sentimentos decorrentes
(Balmaceda et al., 2001).
Nesse sentido, Furman et al. (1997) buscaram averiguar se existe diferença
quanto à resposta emocional à infertilidade em casais cujo tratamento é apenas
cirúrgico e casais que se submeteram à FIV. Participaram 107 casais, que
responderam a um questionário, contendo questões sobre infertilidade, levando
em consideração raiva, culpa, isolamento e identidade de gênero, dentre outras.
Os resultados indicaram que as mulheres se sentem mais afetadas emocionalmente
pela infertilidade do que seus companheiros, evidenciando sentimentos de raiva,
culpa e isolamento mais intensos. Observaram também, que tanto as mulheres
como os homens do grupo tratado cirurgicamente mostraram-se mais afetados
emocionalmente do que os do grupo FIV. Embora os autores não tenham
atribuído essa conclusão a algum aspecto específico, pode-se pensar que o grupo
cirúrgico se sentisse mais distante da solução concreta do problema da
infertilidade, se comparado ao outro grupo que já estava realizando a fertilização.
A reação de homens e mulheres à infertilidade no período do tratamento
foi objeto de um estudo realizado na Suécia por Hjelmsted et al. (1999), com 91
29
29
casais inférteis. Os participantes responderam a escalas e questionários, levando
em consideração a percepção do apoio social recebido, os efeitos da infertilidade
no relacionamento conjugal e as estratégias de coping utilizadas. Os resultados
apontaram melhora no relacionamento conjugal em decorrência da infertilidade,
relacionada ao fato de já terem vivido juntos períodos de problemas emocionais e
conjugais, que os fortaleceu. Além disso, verificaram que as mulheres reagiram de
forma mais intensa à infertilidade do que os homens.
Com o objetivo de descrever os aspectos emocionais associados à
infertilidade e ao seu tratamento, Palácios et al. (2002) realizaram um estudo no
Chile com 72 mulheres e 34 homens inférteis que estavam em tratamento. Os
participantes responderam a um questionário contendo questões sobre
sentimentos, emoções, atitudes e sintomatologia no âmbito individual, de casal,
familiar, de trabalho e social. Dentre as mulheres, destacaram-se instabilidade de
humor, pena, raiva, diminuição da libido e inveja frente a mulheres grávidas,
enquanto dentre os homens, os sintomas encontrados com maior freqüência foram
ansiedade, pena, instabilidade do humor, desesperança e raiva. O relacionamento
conjugal foi percebido de maneira similar tanto pelos homens, quanto pelas
mulheres, os quais sentiram-se apoiados, considerando que a infertilidade afeta
mais a vida sexual do que a relação do casal.
Buscando investigar a forma como homens e mulheres experienciam a
infertilidade, Edelmann e Connoly (2000), realizaram um estudo na Inglaterra,
contrastando 130 casais que investigavam sua infertilidade com 155 casais já em
tratamento. Foram utilizadas escalas, questionários e inventários para avaliar
personalidade, depressão, ansiedade, ajustamento conjugal, humor e auto-estima.
Os resultados evidenciaram que homens e mulheres reagem de forma semelhante
à infertilidade, levando-se em consideração a intensidade dessa experiência,
contrariando a percepção de que as mulheres são mais afetadas pela experiência
da infertilidade, conforme apontado por outros estudos (Hjelmsted et al.,1999;
Furman et al.,1997).
A influência da experiência pessoal de infertilidade sobre a percepção dos
tratamentos para infertilidade foi verificada por Bittelbrunn (2000) em estudo
realizado no Brasil, contrastando 25 casais inférteis com 25 casais férteis. Foi
utilizada uma escala, com itens sobre relacionamento conjugal, vínculo pais-bebê,
auto-estima e esperança, dentre outros. Os resultados apontaram que as TRA
30
30
foram percebidas com otimismo pelos participantes em tratamento e que essa
visão otimista, sugere que os pacientes estejam reagindo da mesma forma que os
profissionais ligados a essa área, por sentirem-se entre a pressão da aceitação e a
pressão social da comunidade em que vivem.
Outro estudo, realizado no Brasil por Moreira et al. (2006) contrastou um
grupo de 152 mulheres inférteis que estavam em tratamento, com outro
constituído por 150 mulheres sem dificuldade para conceber, com o objetivo de
avaliar a freqüência de estresse e níveis de ansiedade em mulheres inférteis. Para
tal, foram utilizadas escalas e inventários. Os autores concluíram que as mulheres
inférteis estão mais vulneráveis ao estresse, principalmente aquelas que nunca
tiveram filhos, e maior tendência a reagir a situações ameaçadoras com ansiedade
elevada.
Outro estudo, realizado por Gerrity (2001), nos Estados Unidos, avaliou
por meio de escalas e questionários, a satisfação conjugal, a ansiedade, as
estratégias de coping e os tipos de apoio recebidos em 53 homens e 123 mulheres
inférteis que se encontravam em diferentes estágios do tratamento. Os resultados
evidenciaram que a experiência da infertilidade varia de acordo com o gênero e o
estágio do tratamento em que se encontra o indivíduo. Quanto ao gênero, a busca
por apoio foi maior entre as mulheres, que apresentaram alto índice de fuga e
evitação como estratégia de coping. Em relação ao estágio do tratamento, de uma
maneira geral, houve um decréscimo na ansiedade entre os persistentes, em
função do tratamento já ser considerado uma rotina ou por uma maior aceitação
da identidade de inférteis. Quanto à satisfação conjugal, foi registrado um índice
mais elevado entre os iniciantes do que no grupo dos persistentes, atribuído à
possibilidade do desgaste emocional sofrido durante as várias tentativas.
O estudo de Kee et al. (2000), desenvolvido na Coréia, buscou investigar a
presença de estresse, comparando grupos de mulheres inférteis e férteis; mulheres
que realizaram FIV e engravidaram e aquelas que não engravidaram. Participaram
deste estudo 138 mulheres inférteis e 78 mulheres férteis, que responderam a
escala e inventário para avaliar depressão, ansiedade e estresse nos diferentes
estágios do tratamento. Os resultados mostraram níveis de ansiedade e depressão
mais elevados nas mulheres inférteis, comparadas às férteis. Já o nível de estresse
foi menor dentre as mulheres que obtiveram sucesso, bem como nos participantes
em geral, com histórico de infertilidade prolongado, atribuído pelos autores à
31
31
possível dessensibilização destes indivíduos em relação ao estresse, o que os
auxilia a enfrentar a sobrecarga emocional provocada pela infertilidade.
Em relação aos estudos apresentados acima, salienta-se que a diferença na
forma como o tratamento é vivido, relaciona-se ao gênero, sendo que as mulheres
utilizaram com mais freqüência as estratégias de coping fuga e evitação (Gerrity,
2001). Além disso, apresentaram índices elevados de estresse (Moreira et al.
(2006), ansiedade (Moreira, 2006; Kee et al., 2000) e depressão ( Kee et al., 2000)
e buscaram apoio com maior freqüência ( Quanto ao tempo de infertilidade,
verificou-se que houve redução do estresse dentre os participantes em geral, nos
casos em que o tempo de infertilidade e tratamento eram longos (Kee et al.,
2000).Em relação ao estágio do tratamento, a fase pré-diagnóstica, e o início
foram consideradas as mais ansiogênicas. Além disso, a permanência em
tratamento por um período curto também produz ansiedade, enquanto manter-se
em tratamento por um tempo longo pode facilitar a aceitação da identidade de
infértil, vindo a decrescer a ansiedade.
O estudo realizado por Holter et al.(2006) na Suécia, teve por objetivo
verificar a reação emocional e o relacionamento conjugal de 117 casais durante o
tratamento, relacionando esses achados ao sucesso ou ao fracasso do tratamento
por FIV. Os participantes foram acessados em três momentos, antes do início do
tratamento, quando foram aplicadas escalas e questionários sobre bem-estar,
desejo de ter um filho, efeitos da infertilidade e relacionamento conjugal; antes da
captação do oócito e após o tratamento, quando foram repetidas as medidas sobre
efeitos da infertilidade e relacionamento conjugal. Os casais que não obtiveram
sucesso no tratamento, referiram sentir-se emocionalmente piores naquele
momento, comparados ao início do tratamento, enquanto aqueles que
engravidaram atribuíram melhora em suas emoções naquele momento. Quanto à
intensidade das reações frente à infertilidade, não foi encontrada diferença entre
homens e mulheres. Para a maioria dos casais, o tratamento não causou um
impacto negativo no seu relacionamento, em qualquer momento do tratamento.
Ao contrário, os casais referiram uma maior aproximação entre eles.
No entanto, essa semelhança entre homens e mulheres apresentadas no
estudo acima (Holter et al.,2006) é contestada por outros autores (Farinati, 2005;
Slade et al.,1997; Verhaak et al., 2005).
32
32
Farinati (2005), ao investigar os aspectos emocionais presentes no
tratamento, identificou que a mulher é a mais afetada pela problemática da
infertilidade. Neste estudo, realizado no Brasil, 60 participantes (32 mulheres e 28
homens) responderam a escalas e questionários, que buscavam avaliar níveis de
estresse, qualidade de vida e estratégias de coping. Dentre os resultados, a autora
salientou que as mulheres apresentaram níveis mais elevados de estresse do que
seus parceiros, atribuído ao fato de os desgastantes procedimentos, em sua grande
maioria, serem realizados no corpo da mulher, o que reduziu a qualidade de vida
dessas mulheres. Em relação às estratégias de coping, os achados ressaltaram o
empenho dos participantes em geral, em buscar soluções para o seu problema de
infertilidade.
Slade et al. (1997) em estudo realizado no Reino Unido durante o
tratamento, verificaram diferenças nos resultados entre homens e mulheres. Com
o objetivo de identificar mudanças no funcionamento emocional, conjugal e
sexual, ao longo do tratamento e seis meses após o término, tendo ocorrido a
gravidez ou o encerramento do tratamento participaram desse estudo 144 casais
FIV. Foram preenchidas escalas e inventários para avaliar ansiedade, depressão,
ajustamento conjugal, satisfação sexual, humor e auto-estima. Os resultados
apontaram que dentre as mulheres, a ansiedade apresentou-se elevada no início e
no final do tratamento, enquanto a depressão apresentou índices maiores no
período compreendido entre a transferência do embrião e o resultado negativo da
gravidez. Contrastando os casais que obtiveram sucesso, com os que completaram
os ciclos sem sucesso, não foram encontradas diferenças quanto ao estado
emocional verificado no início do tratamento.
A predominância de índices elevados de ansiedade e depressão também
entre as mulheres foi apontado por Verhaak et al. (2005), em estudo realizado
com o intuito de examinar a resposta emocional de mulheres e homens aos
sucessivos ciclos de tratamento, desde a fase inicial à final, e os fatores que
contribuem para esse comportamento. Participaram desse estudo 148 mulheres e
71 homens, que responderam a escalas e inventários para avaliar ansiedade,
depressão e relacionamento conjugal e sexual, sendo que os instrumentos que
avaliam traços de personalidade, significado da infertilidade, coping e apoio social
foram aplicados apenas no grupo das mulheres. As medidas foram coletadas em
três momentos: antes do início do tratamento, imediatamente após o último ciclo e
33
33
seis meses após o último ciclo. Os resultados demonstraram aumento nos níveis
de ansiedade e depressão nas mulheres após o fracasso do tratamento e
decréscimo nos casos de sucesso, enquanto nos homens essa variação não foi
registrada. Mesmo seis meses após o término do tratamento, as participantes
mostraram-se emocionalmente abaladas, apresentando ansiedade e depressão.
Boivin et al.(1998) na Escócia, estudaram 40 casais inférteis há mais de
seis anos. Desde o primeiro dia do tratamento até a confirmação de seu resultado,
os participantes preencheram diariamente uma escala que abordava reações
emocionais e físicas, relacionamento conjugal e social. Constatou-se que nos dias
próximos à captação do oócito e transferência do embrião, coexistiram diversos
sentimentos, tais como esperança de sucesso do tratamento, conferindo ao
relacionamento alto grau de intimidade. Segundo os autores, homens e mulheres
foram igualmente afetados pelos procedimentos da FIV e a semelhança dessas
reações deve-se ao fato de que ambos vivem a incerteza do sucesso dos
procedimentos a cada etapa, o que leva à angústia, esperança e proximidade entre
os membros do casal.
Ainda durante o tratamento, abordando as fases do ciclo, Ardenti et al.
(1999) avaliaram na Itália 200 mulheres na fase final de um ciclo, isto é, na
captação do ovócito e transferência de embrião, que se encontravam
hospitalizadas para a realização do procedimento. O estudo buscou avaliar o
impacto emocional causado pela FIV e possíveis influências do tipo de
diagnóstico, duração da infertilidade, número de ciclos realizados e tipo de
resposta ao tratamento. Para isso, foram utilizadas escala e inventários com itens
que abordavam ansiedade, percepção de si própria e dos outros. Os resultados
indicaram que não houve variação significativa da ansiedade durante os 3 dias de
hospitalização para realização do procedimento, embora a ansiedade em relação
ao período de captação do oócito tenha sido maior do que a verificada em relação
à transferência do embrião.
Avaliar estresse e ansiedade foi o objetivo de um estudo realizado por
Seger-Jacob (2001), realizado no Brasil, com 30 casais. Dentre os resultados,
coletados por meio de escalas, aguardar a o resultado do tratamento, a gravidez,
foi considerado o momento de maior tensão entre os participantes. Foi verificado
também, que as mulheres apresentaram grau de estresse significativamente maior
do que o encontrado nos homens.
34
34
Em relação aos principais temas dos estudos acima, que abordaram as
diferentes fases de um ciclo de tratamento, destacam-se ansiedade, depressão,
estresse, coping e relacionamento conjugal. Embora os estudos tenham
apresentado variação entre os níveis de ansiedade presentes ao longo do ciclo,
verifica-se que em cada uma dessas fases a ansiedade se faz presente, juntamente
com sentimentos de esperança. A fase da captação do oócito, em que são
aspirados e levados ao laboratório para serem fertilizados (Ardenti et al., 1999),
juntamente com a transferência de embriões (Slade et al., 1997), foram apontadas
como geradoras de muita ansiedade, o que é corroborado por Seger-Jacob
(2006),que acrescenta ainda que estes são momentos de tensão. Esses estudos
também reforçam a idéia de que o processo de engravidar nos casais inférteis é
segmentado, vivido em etapas, diferentemente da concepção natural (Seger-Jacob,
2006). Cada fase apresenta peculiaridades e demandas específicas, que precisam
ser transpostas para que os casais ingressem na fase seguinte, o que pode ter sido
um fator de aproximação e aumento de intimidade verificada entre o casal (Boivin
et al., 1998).
Nos casos em que houve fracasso foram referidas piora na qualidade das
emoções, sem no entanto haver prejuízo no relacionamento conjugal (Holter et al.,
2006), além de aumento no índice de estresse (Ardenti et al., 1999). Entretanto,
outros estudos revelaram que o insucesso das TRA acarretou dificuldades no
relacionamento conjugal (Slade et al., 1997; Verhaak et al., 2005), que persistiram
por um período após o encerramento do tratamento (Verhaak et al., 2005).
Embora diversos estudos tenham sido realizados com casais (Boivin et al.,
1998; Holter et al., 2006; Farinati, 2005; Slade et al.,1997; Verhaak et al.,2005),
um foi realizado apenas com mulheres (Ardenti et al., 1999), o que vai ao
encontro da idéia de que a infertilidade, seja ela de causa masculina ou feminina, é
sempre um problema do casal (Balmaceda et. al, 2001), uma crise do par (Ribeiro,
2004). Outro aspecto importante a ressaltar, é que os índices de ansiedade mais
altos foram registrados nas mulheres (Farinati, 2005; Slade et al., 1997; Verhaak
et al., 2005), com declínio na qualidade de vida (Farinati, 2005), o que se justifica
por serem os procedimentos, na grande maioria, realizados no corpo da mulher:
cirurgias, estimulação com hormônios, ultrassonografias, injeções, exames
laboratoriais, captação de oócitos, transferência de embriões. Entretanto, foi
apontado por outro estudo (Holter et al., 2006) que a intensidade das reações de
35
35
homens e mulheres ao tratamento são semelhantes. Portanto, a experiência do
tratamento da infertilidade é devastadora, provoca desgaste físico e psíquico, pode
interferir no relacionamento conjugal, reativar ou intensificar conflitos, além de
trazer novos desafios ao casal.
Alguns estudos citados acima (Hjelmsted et al.,1999 ; Furman et al.,
1997), revelaram que as mulheres sofreram um impacto emocional mais intenso,
além de apresentarem maior preocupação com as questões relativas à infertilidade
(Furman et al., 1997), que se tornou a questão central de suas vidas. Quanto à
identidade, demonstraram estar mais abaladas que os homens (Furman et al.,
1997), apresentando dificuldade em abandonar a identidade de infértil, mesmo
gestando um bebê (Sandelowski et al., 1992).
Entretanto, é interessante salientar que no estudo de Edelmann e Connoly
(2000) essa diferença entre homens e mulheres não foi encontrada, talvez em
decorrência dos diferentes instrumentos utilizados e temas investigados por cada
um dos estudos. O relacionamento conjugal também se apresenta como um tema
importante a ser considerado. Assim como verificado em outro estudo (Borlot &
Trindade, 2004), a vivência da infertilidade foi percebida como uma oportunidade
para o casal compartilhar angústias e fortalecer o relacionamento (Hjelmsted et
al,1999), contrariando estudos anteriores (Slade et al., 1997; Verhaak et al.,2005).
Quando o processo leva ao sucesso, à gestação, pode-se pensar que
algumas ressonâncias desse período infértil possam estar presentes na gestação
desse bebê, assim como nas primeiras relações que se estabelecem entre pai-mãe-
bebê. Alguns estudos dedicaram-se a investigar esse contexto, tais como o de
Sandelowski et al (1990) e Redshaw et al. (2007), descritos a seguir.
O estudo de Sandelowski et al. (1990) desenvolvido nos Estados Unidos,
abordou de forma retrospectiva o processo de concepção em mulheres que
engravidaram por TRA. Participaram deste estudo 24 casais com história de
infertilidade, contrastados com seis casais férteis. Os casais foram entrevistados
em três momentos: 12ª, 22ª e 36ª semanas de gestação, sendo que no primeiro
momento, foi solicitado que contassem sua história de infertilidade e/ou de sua
iminente parentalidade. Nos momentos seguintes, essa questão foi aprofundada
pelos entrevistadores com cada casal, a partir de tópicos importantes destacados
da entrevista anterior. Os autores concluíram que durante o processo de
concepção, os casais com histórico de infertilidade apresentaram dificuldade em
36
36
assumir a identidade de fértil, ou seja, em realizar a passagem do status de mulher
não-grávida para grávida. Dessa forma, a concepção por TRA foi percebida pelos
casais como uma série de momentos biológicos e fenomenológicos, nos quais as
mulheres perceberam seus corpos como objetos de manipulação médica, fontes de
dor e deficiência.
Em outro estudo, o mesmo autor (Sandelowski et al., 1992) buscou
investigar como a infertilidade afeta a experiência da gestação, comparando 41
casais com histórico de infertilidade prévia com 19 casais sem problema de
infertilidade. As entrevistas abertas, com questões sobre a história da infertilidade
do casal e a iminente parentalidade, foram realizadas na 12ª. 22ª. e 36 semanas de
gestação. Os autores apontaram que a diferença central entre os grupos refere-se
ao esforço despendido pelo grupo FIV na tentativa de abandonar aspectos de sua
identidade de infértil, sendo que para alguns, obter sucesso no tratamento não
representa o término do sentimento de infertilidade.
Com o intuito de averiguar o impacto da infertilidade, presente mesmo
após o nascimento de um bebê por FIV, Hjelmsted et al. (2004) realizaram um
estudo na Suécia, com 55 mães e 53 pais de bebês concebidos por meio da FIV e
40 mães e 36 pais de bebês nascidos sem auxílio dessa técnica. Foram realizadas
entrevistas, sobre a sua percepção acerca da infertilidade e aplicadas escalas de
estresse parental e relacionamento conjugal, repetidas em três momentos: início
da gestação, segundo e sexto mês após o nascimento do bebê. Os achados
demonstraram que os níveis de estresse parental foram semelhantes entre os
grupos e que ambos apresentaram diminuição da satisfação conjugal. Em relação
à parentalidade, a maioria dos casais FIV referiu viver a sua experiência de
transição para a parentalidade diferentemente dos casais que conceberam
naturalmente, percebendo-se mais tolerantes e com sentimentos mais intensos,
com nível de expectativa em relação à parentalidade elevado. Quanto ao impacto
da infertilidade, presente mesmo após o nascimento do bebê, a maioria dos casais
FIV o considerou de baixa intensidade, tendo desenvolvido estratégias de coping
para superá-lo.
Outro estudo que abordou o mesmo período, após o nascimento de um
bebê, foi realizado nos Estados Unidos por Redshaw et al. (2007), com o objetivo
de investigar o impacto do tratamento ainda presente. As 230 participantes, que
haviam realizado tratamento para infertilidade e dado à luz a um bebê,
37
37
responderam a um questionário semi-estruturado. Para algumas mulheres, a sorte,
presente durante todo tratamento, e o sucesso, relacionado à força de caráter e
persistência, foram aspectos que as tornaram merecedoras de “um prêmio”,
enquanto para outras, o tratamento, a espera e o desgaste foram percebidos como
um preço a ser pago, mas que valeu a pena. Ter que realizar o tratamento as fez
sentir “azaradas” e “incapazes” de ter um filho, gerando sentimentos de perda de
controle da própria condição de gestar. O tratamento foi percebido também, como
uma montanha russa e como uma série de eventos “mecânicos” prescritos e
repetitivos.
Tanto os estudos sobre o período gestacional (Sandelowski et al, 1990;
1992), quanto o que abrange o período após o nascimento de um bebê (Redshaw
et al., 2007), descritos acima, corroboram a idéia de Verhaak et al. (2005), de que
o sucesso no tratamento não apaga as marcas deixadas por este período. A
metáfora da montanha russa (Redshaw et al., 2007), remete à imagem de perda de
controle, de um turbilhão de emoções que surgem em altos e baixos: esperança de
sucesso, seguida por frustração, substituída por alegria, apagada pela depressão. A
sorte e o sucesso, questões que de alguma maneira fogem ao controle do
indivíduo, também reforçam a idéia de perda de controle. Portanto, mesmo
quando os casais inférteis obtêm sucesso concebendo um filho por meio das TRA,
o processo pode desencadear sofrimento psíquico e marcar a história do casal e do
futuro bebê (Ribeiro, 2004), o que demonstra que sentimentos negativos
relacionados à infertilidade não são facilmente superados (Hjelmsted, 2003).
Ambos os estudos de Sandelowski et al. (1990; 1992), destacam a
dificuldade dos casais com história de infertilidade em assumir a nova identidade
de férteis. Além disso, os achados de um dos estudos de Sandelowski et al.,
(1990) corroboram os do estudo de Seger-Jacob (2006), quanto à percepção da
concepção como um processo fragmentado em momentos. A necessidade de
submeter-se ao tratamento, percebida como um “preço a ser pago” (Redshaw et
al., 2007), remete à idéia da maternidade como sofrimento, encontrada ao longo
da história. Por outro lado, o tratamento percebido como “simples” (Redshaw et
al., 2007), concorda com a visão otimista encontrada no estudo de Bittelbrunn
(2000), mas contraria outros achados (Verhaak et al.,2005; Seger-Jacob, 2006;
Ardenti et al.,1999; Farinati ,2005; Kee et al., 2000; Gerrity, 2001).
38
38
Outros estudos focalizaram apenas o fracasso das TRA, sendo que dentre
eles destacam-se os de Klerk et al. (2007) e Filetto (2004).
O estudo de Klerk et al. (2007), abordou o impacto do tratamento sem
sucesso, em dois grupos de mulheres inférteis que se submeteram a diferentes
tipos de estimulação ovariana (moderada, com maior número de ciclos, e padrão,
com menor número de ciclos) e que realizaram transferência de embriões, sem
obter sucesso. Antes do início do tratamento e após o resultado do ciclo, as
participantes preencheram uma escala para avaliar ansiedade e depressão. Os
resultados apontaram níveis mais baixos de sintomas de depressão entre as
pacientes que realizaram a estimulação moderada do que entre as pacientes que
realizaram a estimulação padrão. Segundo os autores, houve associação entre a
estratégia de tratamento utilizada, com número maior ou menor de ciclos
realizados, sem obter sucesso, e depressão.
O mesmo tema foi abordado por Filetto (2004), em um estudo
desenvolvido no Brasil, com 92 casais inférteis que haviam realizado tentativas de
fertilização in vitro por cerca de mais de quatro anos, sem obter sucesso, e que
continuavam em tratamento. Para tal, foram realizadas entrevistas telefônicas,
utilizando um questionário semi-estruturado, que abordou a continuidade do
tratamento em outros serviços e seus resultados em termos de ocorrência da
gravidez espontânea ou novo fracasso, a possibilidade de adoção, o desejo e o
motivo de continuarem ou não em tratamento. Segundo a pesquisadora, os casais
experenciaram mudanças significativas frente ao fracasso dos procedimentos, tais
como problemas psicológicos e perda da esperança, esta última identificada
principalmente nas mulheres. No entanto, os sentimentos de fracasso e
desesperança, assim como o abandono do tratamento, parecem não ser aspectos
capazes de abalar o relacionamento conjugal (Filetto, 2004).
Os resultados do estudo de Filetto (2004), indicam que o desgastante
tratamento pode ser também uma oportunidade de mudanças significativas, o que
é reforçado pelo estudo de Holter et al. (2006). Na mesma linha, pode-se lembrar
os estudos de Hjelmsted et al. (1999) e Boivin et al. (1998), quando afirmam que
a vivência da infertilidade pode afetar positivamente o relacionamento conjugal.
Já o estudo de Klerk et al. (2007), ao referir que a estimulação hormonal
moderada, que utiliza número maior de ciclos, apresenta sintomas de depressão
menos intensos, sugere que a possibilidade de realizar um número maior de
39
39
tentativas, tenha sido percebida pelas participantes como um aumento na chance
de engravidar, o que talvez possa justificar esse achado.
Ainda sobre o impacto do fracasso das técnicas, mas após a decisão de
encerrar o tratamento, Johansson e Berg (2005), na Suécia, realizaram em estudo
com intuito de compreender a experiência da infertilidade. Participaram deste
estudo, oito mulheres inférteis há mais de sete anos e que haviam encerrado o
tratamento há dois anos. Para tal, foram realizadas entrevistas sobre a experiência
da infertilidade, cujos resultados mostraram que a infertilidade ocupou um lugar
central na vida dessas mulheres e que a tristeza pela ausência de filhos, pela
incapacidade de formar uma família e por não poder confirmar o seu
relacionamento por meio da parentalidade, foram temáticas predominante nas
entrevistas.
É interessante destacar, que o estudo de Johansson e Berg (2005)
corrobora os achados de Furman et al., (1997), quanto à dimensão ocupada pela
infertilidade na vida dos casais inférteis.
A partir dos resultados encontrados nos estudos sobre o impacto da
infertilidade e a experiência do tratamento, é possível elaborar algumas reflexões.
A impossibilidade de realizar o projeto parental em decorrência da
infertilidade pode reativar diversos sentimentos e vivências, trazendo mudanças
profundas na vida dos casais inférteis. Entretanto, as TRA têm ampliado as
chances desses casais de tornarem-se pai e mãe, desafiando os limites impostos
pela biologia. Esses tratamentos, ao mesmo tempo em que acenam com a
possibilidade de maternidade e paternidade, constituem-se numa experiência
emocional intensa, que põe à prova os recursos emocionais desses casais.
Os estudos realizados em diferentes fases de um ciclo de tratamento
apontam para a especificidade de cada um desses ciclos, bem como para as
diferentes necessidades emocionais por eles despertadas, conforme também
afirmam Balmaceda et al. (2001). Além disso, assinalam que seqüelas da vivência
da infertilidade e de seu tratamento, podem estar presentes mesmo após obtida a
gestação.
Durante o tratamento, as mulheres enfrentam não só desafios psicológicos,
mas também físicos, já que os procedimentos são em sua grande maioria,
realizados no seu corpo. Acredita-se que em decorrência disso e do significado da
40
40
maternidade, que é construído ao longo de sua vida, as mulheres dos estudos
acima apresentaram níveis altos de ansiedade. Entretanto, essa diferença entre os
gêneros não foi verificada por alguns estudos.
Quanto aos principais temas de interesse, observa-se que alguns
investigados durante o tratamento, tais como ansiedade (Moreira et al., 2006;
Ardenti et al., 1999; Kee et al., 2000; Slade et al., 1997; Verhaak et al., 2005;
Edelmann & Connoly, 2000) e depressão (Kee et al., 2000; Slade et al., 1997;
Verhaak et al., 2005; Edelmann & Connoly, 2000) também foram investigados em
casos em que houve fracasso das TRA (Klerk et al., 2007). Esse dado pode
reforçar a idéia de que a infertilidade tem um potencial traumático importante,
promove uma devastação emocional na vida dos casais (Ribeiro, 2004), afeta a
forma como percebem o mundo e a si próprios, sendo uma crise multidimensional
que abala o indivíduo, o casamento e a família (Burns, 2005). Como resultado, é
esperado que sintomas de depressão e ansiedade estejam presentes nesse
momento, em que a resolução psicológica da infertilidade, ter um filho biológico,
adotar um bebê ou continuar a vida sem filhos, não ocorreu (Balmaceda et al.,
2001).
Destaca-se que o método empregado pelos estudos é predominante
quantitativo, com uso de escalas, questionários e inventários e de análises
quantitativas. Embora importantes para identificar e apontar a intensidade de
determinados construtos, não permitem a compreensão da experiência subjetiva
da infertilidade. Por outro lado, os estudos de Sandelowski et al. (1992) e
Johansson e Berg (2005), utilizaram entrevistas que foram analisadas
qualitativamente, vindo a contribuir para a compreensão do impacto causado pela
infertilidade em situação de sucesso (gestação) ou fracasso das TRA
(encerramento do tratamento).
Deve-se atentar ao fato de que foram utilizados diferentes instrumentos
para mensurar constructos diversos, o que pode ter contribuído para algumas das
divergências observadas. Nesse sentido, os estudos, em sua maioria de caráter
quantitativo, utilizaram grandes amostras, gerando dados importantes para a
identificação de questões presentes nesse momento, mas insuficientes para
compreender a experiência desses casais.
Dada a relevância desse momento na vida dos casais, considera-se
necessária a realização de outros estudos de caráter qualitativo, que explorem a
41
41
vivência desses casais com maior profundidade, possibilitando a sua expressão e,
dessa forma, possam ser auxiliados a compreender e lidar com seus sentimentos.
1.5 Estudos empíricos sobre parentalidade no contexto da reprodução
assistida
Com a gravidez e o nascimento de um bebê após o tratamento por TRA,
novos sentimentos, vivências e desafios se impõem ao casal, cujas implicações
ainda são pouco conhecidas (McMahon, Gibson, Leslie, Cohen, & Tennant,
2003), embora o tema tenha sido objeto de diversas investigações nos últimos
anos.
Pode ser observada uma diversidade entre os estudos em relação ao
período de realização da investigação. Nesse sentido, enquanto alguns estudos
sobre o tema da parentalidade no contexto da reprodução assistida foram
realizados durante a gestação (Sandelowski, Harris & Holditch-Davis, 1990;
Klock & Greenfeld, 2000; Hjelmstedt, Widström, Wramsby & Collins, 2003a,
Hjelmstedt, Widström, Wramsby, Mattiesen & Collins, 2003b; Hammarberg,
Fisher, Gordon & Baker, 2008; Colpin, De Munter, Nys & Vandemeulebroecke,
1998; Stanton & Golombok, 1993), outros se estenderam desde período até o
nascimento do bebê e seus primeiros meses de vida (Cox, Glazebrook, Sheard,
Ndukwe & Oates, 2006; Repokari et al., 2005; Ulrich, Gagel, Hemmerling, Pastor
& Kentenich, 2004; Sydsjö, Wabdsby, Kjellberg & Sydsjö, 2002). De outro
modo, algumas pesquisas focalizaram o período do nascimento, sem considerar a
gestação (McMahon, Ungerer, Tennant & Saunders, 1997; Greenfeld & Klock,
2001), ao passo que outras investigaram exclusivamente a partir do primeiro ano
de vida do bebê (Gibson, Ungerer, Tennant & Saunders, 2000; Serra & Algarvio,
2006).
O foco das investigações já realizadas sobre essa temática apresentou-se
bastante diversificado. Enquanto alguns estudos investigaram ansiedade (Klock &
Greenfeld, 2000; Cox et al., 2006; Repokari et al., 2005; Stanton & Golombok,
1993), depressão (Klock & Greenfeld, 2000; Cox et al., 2006), saúde mental
(Fisher et al., 2008), eventos estressores (Repokari et al., 2005), competência
parental (Cox et al., 2006), relacionamento conjugal (Sydjö et al., 2002; Ulrich et
al., 2004), ajustamento conjugal (Klock & Greenfeld, 2000), saúde mental
(Repokari et al., 2005), infertilidade e desejo de filhos (Ulrich et al., 2004); outros
42
42
abordaram auto-estima (Klock & Greenfeld, 2000), recompensas e preocupações
trazidas pela maternidade (Klock & Greenfeld, 2000; Serra & Algarvio, 2006),
resposta emocional à gravidez (Hjelmstedt et al., 2003a; 2003b), atitudes em
relação à gestação (Stanton & Golombok, 1993), expectativas e atitudes em
relação ao bebê e à parentalidade (Hjelmstedt et al., 2003a), ajustamento
emocional à maternidade (McMahon et al.,1997; Greenfeld & Klock, 2001),
ajustamento psicossocial e à parentalidade, atitudes em relação à parentalidade
(Gibson et al., 2000) traços de personalidade (Hjelmsted et al., 2003b), reações à
infertilidade (Hjelmsted et al., 2003b) e apego pré-natal (Colpin et al., 1998;
Stanton & Golombok, 1993).
Os estudos realizados na gestação iniciaram em diferentes períodos e,
portanto, serão apresentados cronologicamente, tendo em vista o desenvolvimento
da gravidez. A seguir, serão apresentados os estudos iniciados na gestação, mas
que também consideraram períodos posteriores, como o nascimento e o
desenvolvimento do bebê e, por fim, aqueles cujo foco de investigação foi apenas
o nascimento ou períodos posteriores do desenvolvimento do bebê.
Dentre os estudos que focalizaram especificamente a etapa da gestação,
destaca-se uma investigação realizada nos Estados Unidos por Klock e Greenfeld
(2000), com o intuito de avaliar eventuais diferenças em relação a diversos
aspectos emocionais (ajustamento conjugal, depressão, ansiedade, auto-estima,
recompensas e preocupações trazidas pela maternidade) entre 74 mulheres que
conceberam por FIV e 40 mulheres que conceberam sem o auxílio da técnica. As
participantes foram avaliadas na 12ª e 28ª. semanas de gestação por meio de
questionários, escalas e inventários. Os autores encontraram semelhanças nos dois
grupos em relação à auto-estima, depressão e ansiedade, ressaltando que o grupo
FIV apresentou aumento da auto-estima e redução da ansiedade ao longo da
gestação. Na 28ª. semana, as mães desse grupo demonstraram ainda maior
satisfação em ter sido capaz de engravidar do que as mulheres do grupo controle,
o que pode explicar parcialmente esses achados.
Outra investigação foi realizada por Hjelmstedt et al. (2003a) na Suécia,
com 57 gestantes e seus companheiros (55) que se submeteram à FIV, em
comparação a 43 mulheres que engravidaram naturalmente e seus companheiros
(39), buscando averiguar a resposta emocional à experiência da gravidez,
expectativas e atitudes em relação ao bebê e à parentalidade, bem como eventuais
43
43
associações entre sentimentos relativos à infertilidade prévia e resposta emocional
à gravidez. Esses aspectos foram avaliados a partir do emprego de escalas em três
estágios diferentes da gestação - 13ª, 26ª e 36ª semanas. Além disso, foi realizada
uma entrevista contendo uma questão sobre a experiência da gravidez no contexto
da reprodução assistida. Diferentemente do estudo anteriormente citado, nesse
caso a análise dos dados apontou nível de ansiedade e medo acerca da
possibilidade de perder o bebê mais elevados no grupo FIV nos três momentos de
coleta de dados. Segundo os autores, as mulheres desse grupo vivenciaram os
desconfortos da gestação de forma mais otimista, mostrando-se mais preparadas
para aceitar e enfrentar problemas durante a gestação. Este achado foi atribuído ao
fato de terem passado pela experiência da infertilidade e desejado ter filhos por
um longo período ou, talvez, por idealizarem a gestação e negarem os problemas
dela decorrentes. Já entre os homens do grupo FIV, a preocupação maior referiu-
se à possibilidade de o bebê sofrer algum tipo de lesão durante o nascimento.
Tendo como participantes o mesmo grupo do estudo anterior, Hjelmstedt
et al. (2003b) compararam traços de personalidade, resposta emocional à gravidez
e reações à infertilidade a partir do uso de escalas, na 13ª. semana gestacional.
Concordando com os achados do estudo acima citado, os resultados apontaram
maior incidência de tensão muscular e ansiedade em relação à perda do bebê nas
mulheres FIV. Mais especificamente, nas mulheres com níveis de angústia
elevado em relação à infertilidade prévia, o medo da perda do bebê foi mais
intenso e os sentimentos de ambivalência, menos freqüentes. Os homens do grupo
FIV apresentaram queixas somáticas, sentimento de culpa, agressão, desinteresse
e ansiedade em relação à perda do bebê e medo de que este fosse portador de
alguma patologia. Desse modo, os autores concluíram que o grupo FIV apresenta
aspectos de personalidade e resposta emocional à gestação diferenciada do grupo
que concebeu naturalmente. Cabe destacar que esse estudo apresentou um avanço
em relação aos demais, pela investigação de aspectos da personalidade dos
participantes, que podem repercutir na sua vivência da gravidez,
independentemente da forma como esta foi concebida.
Destaca-se, ainda, um estudo recente realizado na Austrália por Fisher et
al. (2008), com o intuito de determinar a prevalência e os fatores determinantes de
transtorno de humor durante a gestação, bem como fatores de risco para
dificuldades no exercício da parentalidade em 181 gestantes que conceberam por
44
44
TRA. No primeiro e terceiro trimestres da gestação foram realizadas entrevistas
por telefone e enviados pelo correio questionários estruturados, investigando
aspectos relativos ao tratamento, à saúde física e emocional na gestação, ao pré-
natal e às crenças e preocupações sobre a proximidade do parto. Além disso,
foram utilizados instrumentos de avaliação psicométrica, tais como escalas e
questionários, para mensurar humor, apego ao feto, qualidade do relacionamento
com o parceiro e alguns traços de personalidade. Os resultados apontaram baixo
índice de sintomas de ansiedade, depressão e distúrbio de humor no início e no
final da gestação, melhores níveis de saúde mental, de qualidade no
relacionamento com o parceiro e de apego materno-fetal durante a gestação entre
as gestantes FIV, em comparação aos índices encontrados na população em geral.
Os autores consideraram que tais resultados decorrem de duas possibilidades: (1)
do alto nível de educação e socioeconômico, estabilidade no emprego, casa
própria e o fato de a gravidez ter sido muito desejada pelas participantes; (2) do
baixo nível de angústia vivenciado durante a gestação, em função da angústia
sentida antes da gestação, durante a realização de procedimentos invasivos,
conferindo um status idealizado a esse acontecimento, pela possibilidade de
formar uma família. Portanto, os autores apontam que a gravidez e a maternidade
podem ter sido idealizadas por estas pacientes, o que pode comprometer a
preparação para lidar com as demandas reais de cuidado e educação do bebê.
Ainda na gestação, Colpin et al. (1998) realizaram um estudo na Bélgica
com 61 mulheres com gestação gemelar e 58 companheiros, com o intuito de
avaliar o apego pré-natal na 27ª. semana gestacional. Foram aplicados
questionários e escalas contendo itens relativos à qualidade e intensidade do
apego aos fetos, assim como bem-estar psicossocial e qualidade do
relacionamento conjugal. Os resultados apontaram que, para os homens, a
qualidade do apego pré-natal relacionou-se à qualidade da relação conjugal.
Segundo os autores, uma possível explicação para esse achado seria o fato de,
durante a gestação, os homens ainda não estarem pessoalmente envolvidos com o
feto, pois não haveria ainda a presença da criança real, diferentemente das
mulheres. Para elas, por sua vez, a qualidade do apego pré-natal foi influenciada
tanto pela qualidade do relacionamento conjugal como pelo bem-estar
psicossocial.
45
45
Já no terceiro trimestre gestacional, Stanton e Golombok (1993) realizaram
na Inglaterra um estudo comparativo entre 15 gestantes que engravidaram por FIV
e que estavam em média na 31ª. semana de gestação, e um grupo controle de 20
gestantes que engravidaram naturalmente. Foram utilizadas escalas, inventários e
questionários com o objetivo de examinar o grau de ansiedade apresentado pelas
gestantes FIV, suas atitudes em relação à gestação e a intensidade do apego em
relação ao feto. Ambos os grupos apresentaram níveis de ansiedade dentro da
normalidade, havendo inclusive um decréscimo nas gestantes FIV ao longo da
gestação. As atitudes em relação à gestação e o apego ao feto também não
diferiram entre os grupos.
Em relação aos principais resultados obtidos nos estudos acima, destaca-se
que o medo de perder o bebê encontra-se elevado no grupo de participantes que
concebeu por FIV (Hjelmstedt et al. 2003a, 2003b), talvez pelo investimento
físico, financeiro e emocional necessário para a concretização da gestação. Outro
aspecto freqüentemente investigado foi a ansiedade. Enquanto alguns estudos
apontaram redução da ansiedade no grupo FIV ao longo da gestação (Klock &
Greenfeld, 2000; Stanton & Golombok,1993), em outros, os níveis de ansiedade
mantiveram-se iguais tanto no grupo FIV, quanto no que concebeu naturalmente
(Stanton & Golombok,1993).
A resposta emocional à gestação também diferiu nos dois grupos
(Hjelmstedt et al. 2003b), sendo que, no grupo FIV, esta por vezes mostra-se
idealizada, assim como as expectativas da futura mãe em relação à parentalidade
(Fisher et al., 2008; Hjelmstedt et al., 2003a). Já o apego materno-fetal, um
construto importante da parentalidade, surgiu atrelado à qualidade da relação
conjugal (Colpin et al., 1998) não diferindo entre os grupos (Stanton &
Golombok,1993).
Quanto aos aspectos metodológicos, observou-se a predominância de
estudos quantitativos, com o emprego de instrumentos padronizados (escalas e
questionários) e comparação entre grupos (FIV x concepção natural; homens x
mulheres).
Outros estudos revisados sobre o tema da parentalidade no contexto da
reprodução assistida estenderam-se desde a gestação (iniciando em diferentes
momentos) até o nascimento do bebê e seus primeiros meses de vida. Por
exemplo, estudo realizado por Cox et al. (2006) no Reino Unido, visou avaliar a
46
46
auto-estima, o nível de ansiedade e depressão e a auto-eficácia no exercício da
parentalidade em 70 mulheres com histórico de infertilidade prévia e que
engravidaram por TRA e 111 mulheres que conceberam naturalmente. Elas foram
avaliadas na 18ª e 28ª. semanas de gestação e seis semanas após o nascimento do
bebê, a partir da aplicação de escalas. Concordando com o panorama positivo
encontrado em estudos anteriormente expostos, não foram encontradas diferenças
em relação à auto-estima e ansiedade entre as mulheres de ambos os grupos
durante a gestação e no pós-parto. À medida que a gestação avançou, houve
inclusive um acréscimo da auto-estima e conseqüente decréscimo da ansiedade no
grupo de mulheres FIV, sendo esses fatores considerados preditores da
competência parental.
Nessa mesma perspectiva e em período de tempo semelhante, Repokari et
al. (2005) realizaram uma pesquisa na Finlândia com 367 casais que se
submeteram à FIV ou à ICSI e 379 casais que conceberam naturalmente, com
objetivo de avaliar a sua saúde mental durante a transição para a parentalidade. As
medidas foram coletadas ao longo da gestação, entre a 18ª. e a 20ª. semana
gestacional, aos dois e aos 12 meses do bebê. Foram utilizados inventários,
checklists e questionários auto-aplicáveis com intenção de avaliar o nível de
ansiedade, eventos estressores, presença de distúrbios psiquiátricos nos pais e
saúde do bebê. Seguindo os achados dos estudos já mencionados, entre os homens
do grupo FIV/ICSI, foi verificada menor incidência de sintomas de depressão e
ansiedade, grau reduzido de dificuldade para dormir e menor desadaptação social
do que entre os homens do grupo controle. As mulheres do grupo FIV/ICSI
apresentaram baixo nível de sintomas depressivos durante a gravidez, embora
tenha sido registrado aumento na dificuldade para dormir, o que foi entendido
pelos pesquisadores como uma preocupação com o bebê e a necessidade de
adaptar-se a essa nova situação de vida. O bom nível de saúde mental encontrado
nessas mulheres, conforme os autores, pode ser reflexo de seu grau de satisfação
com o sucesso do tratamento e a realização do desejo de ter um filho. Os autores
sugeriram, ainda, que o alto grau de motivação desses participantes para ter um
filho os torna pais mais resilientes em relação aos eventos estressores e que a
experiência da infertilidade e a resolução do trauma decorrente dessa vivência
pode trazer conseqüências positivas à vida do casal, alterando a maneira como os
pais respondem ao estresse, a desapontamentos e preocupações. Assim, os autores
47
47
apontam que os novos desafios da parentalidade podem ser mais importantes e
evidentes do que as possíveis experiências negativas acerca da infertilidade e de
seu tratamento.
Ulrich et al. (2004) realizaram na Alemanha um estudo com 90 casais e 2
gestantes sem companheiros, dentre os quais, 47 gestações ocorreram com o
auxílio de FIV e 45 ocorreram naturalmente, com objetivo de examinar eventuais
diferenças entre genitores em relação à qualidade e dinâmica do funcionamento
conjugal, percepção do nível de estresse nas famílias de origem e peculiaridades
da gravidez e do parto. Foram utilizadas entrevistas semi-dirigidas, escalas,
questionários e registros sobre a gestação e sobre o bebê. Coletas de dados foram
realizadas no terceiro trimestre de gestação, aos 3 e aos 12 meses do bebê. Os
resultados não apontaram diferenças entre os grupos em relação à gestação e à
qualidade das fantasias em relação a esse evento e ao bebê. Ambos os grupos
descreveram a experiência da gestação e o nascimento do bebê como satisfatórias,
apesar das intercorrências registradas no grupo FIV, que exigiram hospitalizações
longas. Constatou-se aumento no nível de satisfação com a vida nas mulheres FIV
desde o período gestacional até o primeiro ano do bebê. De modo geral, os
resultados apontaram para a dificuldade de estabelecer critérios de identificação
de risco para o desenvolvimento de problemas conjugais e na criação do filho
entre os casais FIV.
Por sua vez, estudo desenvolvido por Sydsjö et al. (2002) na Suécia com
110 casais FIV e 108 casais que engravidaram de forma natural visou avaliar a
dinâmica conjugal, o temperamento e o comportamento do bebê. Foram utilizados
como instrumentos questionários e entrevistas semi-estruturadas realizadas por
telefone entre a 15a. e a 20a. semana gestacional e aos 12 meses do bebê, bem
como consultas ao prontuário médico enfocando a história gestacional das
pacientes. Os resultados indicaram uma visão mais otimista da parentalidade entre
os casais FIV. Os casais desse grupo, ao contrário daqueles do grupo controle,
também apresentaram uma visão mais positiva de seu relacionamento, atribuída
ao fato de terem enfrentado juntos o desgastante tratamento da infertilidade. Seus
filhos foram percebidos como mais sensíveis, organizados, de fácil convivência e
delicados, diferentemente da percepção dos pais do grupo controle. Os autores
apontam que possivelmente esses casais discutiram por mais tempo questões
48
48
relativas à parentalidade e ao seu relacionamento, tornando-se mais preparados
para enfrentar as dificuldades inerentes à criação e ao cuidado do bebê.
Assim como verificado nos estudos que focalizaram especificamente a
gestação, os estudos aqui revisados, que se estenderam da gestação aos primeiros
meses do bebê, utilizaram predominantemente metodologia quantitativa.
Dentre os resultados, encontrou-se aumento da auto-estima nos casais FIV
durante a gestação e no pós-parto (Cox et al., 2006), sintomas depressivos leves e
maior resiliência para enfrentar eventos estressores (Repokari et al., 2005). A
experiência da infertilidade, segundo os autores, parece contribuir para uma visão
mais otimista do relacionamento conjugal, da parentalidade e do próprio bebê
(Sydjö et al., 2002).
Nesse sentido, cabe destacar que, embora os estudos tenham avançado aos
primeiros meses do bebê, observou-se que este raramente apareceu como objeto
de investigação (Sydjö et al., 2002; Repokari et al., 2005). O foco tem sido
direcionado à percepção dos genitores sobre o seu comportamento e
temperamento.
De modo geral, percebeu-se entre esses estudos, uma preocupação em
apontar sintomas e dificuldades apresentadas pelos participantes nesse contexto,
valendo-se de comparações de resultados obtidos por meio de escalas e
inventários, sem no entanto, buscar a compreensão da vivência subjetiva desses
momentos (gestação e transição para a parentalidade).
Um terceiro grupo de estudos, apresentado a seguir, focalizou a transição
para a parentalidade no contexto da reprodução assistida no período do
nascimento e dos primeiros meses do bebê, desconsiderando qualquer avaliação
do período gestacional. Dentre eles, destaca-se a investigação conduzida na
Austrália por McMahon et al. (1997), com o objetivo de examinar o ajustamento
emocional à maternidade durante os quatro meses de vida do bebê em 65
primíparas que engravidaram por FIV e 62 primíparas sem histórico de
infertilidade. Foram utilizadas escalas, entrevistas e filmagens. Não foram
encontradas diferenças entre os grupos nas medidas de ansiedade, depressão e
ajustamento conjugal e qualidade do comportamento materno durante a interação
com o bebê. Entretanto, os bebês das mães FIV apresentaram comportamentos
negativos nos momentos em que suas mães foram solicitadas a não interagir
(durante a filmagem). Além disso, as mães FIV demonstraram auto-estima baixa e
49
49
competência parental diminuída em relação aos cuidados com o bebê, em
comparação ao outro grupo, bem como estes foram percebidos como tendo
temperamento difícil. Diante desses achados, os autores apontaram que as mães
FIV poderiam se beneficiar de um suporte emocional no período pós-parto, para
que pudessem lidar com as dificuldades presentes nesse período inicial de
ajustamento à maternidade.
Também Greenfeld e Klock (2001), nos Estados Unidos, compararam dois
grupos de mulheres primíparas (um composto por 56 mulheres que engravidaram
por FIV e outro por 32 mulheres que engravidaram de forma natural) com o
objetivo de investigar o ajustamento emocional à maternidade aos dois e aos nove
meses do bebê. As participantes receberam, pelo correio, questionários auto-
aplicáveis que avaliavam estresse parental, ajustamento conjugal, depressão,
ansiedade, auto-estima, temperamento do bebê e recompensas e preocupações
acerca da maternidade. A análise dos dados não revelou diferenças significativas
entre os grupos nas medidas de ajustamento conjugal, depressão e ansiedade aos
dois meses do bebê. Aos nove meses, embora essa situação tenha se repetido, as
mulheres de ambos os grupos revelaram preocupação quanto às mudanças
irreversíveis na sua atratividade física e restrição de sua independência face às
demandas do bebê. Segundo os autores, tais achados indicam que as mães dos
dois grupos enfrentam os mesmos tipos de problemas e lidam adequadamente
com eles. Nesse sentido, as mães FIV inclusive apresentaram redução de estresse
parental ao longo do tempo.
Os estudos apresentados acima enfatizaram temas recorrentemente
investigados nos estudos citados anteriormente, tais como auto-estima,
ajustamento conjugal, percepção do bebê, ajustamento emocional à maternidade
(McMahon et al., 1997) e sentimentos em relação ao bebê (McMahon et al.,
1997). Os resultados acima revelaram que não foi encontrada diferença entre os
grupos (FIV e concepção natural) no que se refere às medidas de ansiedade,
depressão e ajustamento conjugal nos primeiros meses do bebê, concordando com
os resultados de um estudo que investigou somente o período gestacional (Klock
& Greenfeld, 2000). Além disso, alguns resultados dos estudos acima realizados
nos primeiros meses do bebê contrariaram achados apresentados anteriormente
também na gestação, especialmente no que se refere à baixa auto-estima (Cox et
al., 2006) e percepção dos bebês como “difíceis” (Sydjö et al, 2002).
50
50
Percebe-se novamente o predomínio de estudos quantitativos, com o
emprego de escalas e comparação entre grupos. Em apenas um deles (McMahon
et al., 1997) foi realizada também uma entrevista semi-estruturada, reforçando a
percepção de que ainda são escassas as investigações que buscam compreender
qualitativamente a vivência da transição para a parentalidade no contexto da
reprodução assistida.
Por fim, outros estudos revisados sobre a transição para a parentalidade no
contexto da reprodução assistida investigaram diversos aspectos a partir do
primeiro ano do bebê.
O estudo de Gibson et al. (2000) na Austrália comparou 65 casais que
realizaram FIV e 61 casais que engravidaram naturalmente de seu primeiro bebê
em relação ao ajustamento psicossocial e à parentalidade, além das atitudes em
relação à parentalidade em casais FIV, aos 12 meses do bebê. Para tanto, foi
utilizado um questionário de dados demográficos e consulta ao prontuário durante
a gestação e pós-parto, bem como escalas que avaliavam estresse parental,
atitudes em relação ao bebê, percepção sobre o bebê, e questionários auto-
aplicáveis, com questões relativas ao ajustamento conjugal, humor, suporte
familiar e social, depressão e ajustamento da díade mãe-bebê. Contrariando
parcialmente achados de estudos anteriores, as mães FIV apresentaram baixa
auto-estima, preocupações no exercício da maternidade, sentimentos de
competência nos cuidados com o bebê diminuídos, ao mesmo tempo em que seus
filhos foram percebidos como bebês mais vulneráveis e especiais do que os do
grupo controle. Os homens desse mesmo grupo apresentaram baixo índice de
satisfação em relação ao casamento. Entretanto, no que tange ao ajustamento
psicossocial e a questões específicas da parentalidade, tais como apego e atitudes
em relação ao bebê, não foram verificadas diferenças entre os grupos. Os autores
concluíram, então, que o ajustamento dos casais FIV à parentalidade seria similar
ao dos casais que conceberam naturalmente.
Outro estudo transversal realizado por Serra e Algarvio (2006) em
Portugal, buscou identificar as preocupações parentais de 19 genitores de crianças
nascidas por FIV, de um a 11 anos de idade. Os autores empregaram escalas para
avaliar medos e atitudes da criança, o desenvolvimento infantil, problemas
familiares e preocupações escolares, assim como preparação da criança para o
enfrentamento de situações difíceis, tais como mudança de casa e morte. As
51
51
crianças foram percebidas pelos genitores como vulneráveis, preciosas, especiais,
muito desejadas, um “milagre”. Paradoxalmente, poderiam estar sujeitas a maus
tratos em função dessas características. Observou-se também grande preocupação
dos pais em relação ao desenvolvimento de seus filhos. No entanto, em função da
grande variação de idade das crianças e das diferentes características e demandas
da parentalidade em cada um desses momentos, os resultados devem ser
considerados com cautela.
Os estudos referidos acima, que contemplaram apenas o primeiro ano de
vida do bebê, novamente caracterizam-se pelo caráter quantitativo e a utilização
de escalas e questionários. Os temas mais freqüentes referiram-se às preocupações
parentais (Serra & Algarvio, 2006) e ao ajustamento psicossocial e à parentalidade
(Gibson et al., 2000), presentes em outros estudos que contemplam os primeiros
meses do bebê (McMahon et al., 1997; Greenfeld & Klock, 2001). Alguns
achados corroboraram os de estudos anteriores, ao concluírem que as mulheres
FIV apresentaram baixa auto-estima nesse período (McMahon et al., 1997),
preocupação no exercício da maternidade, com sentimentos de competência
diminuídos em relação aos cuidados do bebê. Esses, por sua vez, assim como no
estudo de Sydjö et al. (2002), foram também considerados especiais nos estudos
acima detalhados.
O exame global dos estudos empíricos sobre a parentalidade no contexto
das TRA, descritos acima, permite tecer algumas considerações. Em geral, pelo
caráter quantitativo, são utilizadas grandes amostras, avaliadas por meio de
instrumentos fechados e padronizados, que detectam aspectos isolados, mas não
acessam o tornar-se pai e mãe nesse contexto. Os dados originados a partir desses
instrumentos, embora relevantes para identificar questões de pesquisa e
intervenção, constituem apenas fragmentos do complexo processo de transição
para a parentalidade e possibilitam uma compreensão parcial e fragmentada sobre
o mesmo.
Quanto aos principais temas de interesse, destacam-se ansiedade (Klock &
Greenfeld, 2000; Cox et al., 2006; Repokari et al., 2005; Stanton & Golombok,
1993), depressão (Klock & Greenfeld, 2000; Cox et al., 2006), relacionamento
conjugal (Sydjö et al., 2002; Ulrich et al., 2004), também presentes nos estudos
sobre a infertilidade. Além desses, encontram-se ajustamento emocional à
maternidade (McMahon et al.,1997; Greenfeld & Klock, 2001) e recompensas e
52
52
preocupações trazidas pela maternidade (Klock & Greenfeld, 2000; Serra &
Algarvio, 2006).
Concluindo, considera-se que o complexo processo de tornar-se pai e
tornar-se mãe nesse contexto estende-se para além do que é mensurável. Presença
versus ausência, maior intensidade versus menor intensidade, são binômios
incapazes de abarcar a totalidade da experiência psíquica vivida por estes casais
ao longo desse processo, experiência essa que se inicia com dor psíquica e coloca
o sujeito frente à frente com a sua história de vida. Além disso, envolve
transformações psíquicas profundas, passando pela aceitação de uma nova
identidade (de fértil) e estendendo-se até o exercício da parentalidade, caminho
percorrido com muitos conflitos, desafios e impasses. Como já foi demonstrado
pelas teorizações psicanalíticas que a concepção não é meramente biológica, mas
também psíquica, é preciso compreender com profundidade como se desenrola o
processo de tornar-se pai e mãe, pois as interações que se estabelecerão na tríade
pai-mãe-bebê são essenciais para o desenvolvimento de emocional do bebê, bem
como para o desenvolvimento das competências parentais. Considera-se, portanto,
que esse processo de desenvolvimento que se dá na vida adulta, não tem sido
contemplado pelos estudos da área.
1.6 Justificativa e objetivos do estudo
Tornar-se pai e mãe resulta de uma longa trajetória. É preciso tornar-se pai
e mãe, um processo que se constrói e se transforma ao longo do ciclo vital do
indivíduo e que transcende a biologia (Lebovici, 2004). O desejo de tornar-se pai
e mãe pode ser a expressão de um desejo inconsciente de imortalidade, que
possibilita ao indivíduo um lugar na cadeia de gerações (Ribeiro, 2004) e dessa
forma, revela o seu pertencimento a uma história, a uma família, a uma geração, a
um lugar no mundo.
Além da gestação biológica, é necessária a gestação psíquica deste bebê.
É preciso que se crie uma espécie de ninho no psiquismo do futuro pai e da futura
mãe, uma tessitura formada por desejos, expectativas, sonhos e vivências, que
acolherão o bebê. Assim como é fundamental que o óvulo fecundado nide na
parede do útero e por ela seja acolhido, é fundamental que os futuros genitores
criem um espaço psíquico que possa também acolher esse bebê e dar conta das
demandas que surgirão. Parafraseando Winnicott, é preciso que se criem espaços
53
53
psíquicos “suficientemente bons” para aconchegar esse bebê e apresentar o mundo
a ele. Esse processo envolve aspectos conscientes e inconscientes da
personalidade dos futuros genitores, valores pertinentes à sociedade e mandatos
transgeracionais, dentre outros. A gravidez e o nascimento desse bebê despertarão
angústias, conflitos e serão uma oportunidade de realizações pessoais, além de
colocarem à prova a capacidade desses pais de serem tão bons ou melhores que
seus pais. Ao longo dessa tessitura, revivem, reeditam e ressignificam vivências
importantes de sua vida.
Entretanto, quando a concepção de um filho não é possível, devido a
questões de infertilidade no casal, há um rompimento na cadeia de gerações, uma
ruptura acompanhada de um intenso sofrimento, vivido pela impossibilidade de
realizar o mais comum dos desejos - ter um filho (Ribeiro, 2004). Assim como
ocorre na parentalidade, a infertilidade nãe é somente uma condição biológica, na
medida em que se torna um obstáculo para a realização de desejos que são
centrais no desenvolvimento do projeto de vida pessoal e de casal. Provoca
reações psicológicas diversas, que se relacionam com a personalidade do
indivíduo, com sua história pessoal, com sua relação conjugal e com o significado
particular que tem para cada pessoa.
No entanto, se a concretização do projeto parental é impedido pela
infertilidade, as TRA surgem como uma possibilidade de reverter essa frustração e
realizar esse desejo, conferindo à gestação e ao processo de tornar-se mãe e pai
um caráter específico, uma vez que o processo iniciado com a constatação da
infertilidade nem sempre tem fim com o sucesso da gestação, podendo seguir
influenciando as relações familiares. Dessa forma, a vivência do tratamento tende
a afetar esse processo, pois além de ocasionar desgaste físico e psíquico, pode
suscitar vivências de angústia, esperança, tensão e frustração. A maneira como os
casais lidam com o impacto dessas técnicas, bem como a parentalidade que se
constrói nesse cenário ainda são pouco conhecidas.
A revisão das pesquisas na área mostra o distanciamento entre questões
teóricas relevantes do ponto de vista emocional para a construção do processo de
tornar-se pai e mãe no contexto da reprodução assistida e as temáticas e
abordagens metodológicas propostas pelos estudos. A literatura ressalta que o
desgastante tratamento com as TRA possibilita aos indivíduos se depararem com
sua história pessoal, permeada por sonhos, desejos, frustrações e angústias,
54
54
podendo desencadear perturbações emocionais, quer na esfera da sexualidade, na
qualidade de vida do casal ou no processo de tornar-se mãe e pai, ou então, ser
uma oportunidade de aproximação do casal. Dada a importância do momento de
tornar-se pai e mãe no ciclo de vida do indivíduo, bem como da experiência de
submeter-se às TRA, percebe-se uma lacuna entre o que é respaldado pela
literatura e o método utilizado nos estudos.
Cabe ressaltar que a maioria desses estudos é quantitativa, com grandes
amostras e utiliza questionários auto-aplicáveis, escalas e inventários, que buscam
identificar ansiedades, medos, depressão, estresse, sentimentos, comportamentos,
temperamento, auto-estima, apoio social, atitudes e preocupações dos pais,
reações à infertilidade e a conflitos, dificuldades, estado de saúde física do pai, da
mãe e do bebê, comportamento das crianças e de seus genitores, bem-estar
psicológico, funcionamento familiar, comunicação do casal, qualidade do
relacionamento conjugal e qualidade da parentalidade, dentre outros aspectos.
Salienta-se, no entanto, que embora importantes para a identificação de
determinados aspectos que compõem esse processo, tais instrumentos não
permitem a expressão da experiência subjetiva desses indivíduos.
Alguns estudos destacam as implicações dos fracassos das técnicas e das
marcas deixadas pela infertilidade, enquanto outros, detectam e apontam de
maneira fragmentada algumas questões que estão presentes no processo de tornar-
se pai e mãe, sem no entanto explicar de que forma contribuem para a sua
construção. Observa-se também, que os estudos encontrados apresentam-se
metodologicamente diferentes, o que de certa forma, dificulta a comparação entre
eles. Raros são os estudos que se dedicam a averiguar aspectos subjetivos
envolvidos na transição para a parentalidade nesse contexto, sendo que alguns
investigam apenas as diferenças entre a experiência da gravidez por concepção
natural e a gravidez no contexto da reprodução assistida (Hjelmsted et al., 2003).
De uma forma geral, os estudos encontrados ignoram a forma como homens
e mulheres que passaram pela experiência da infertilidade se tornam pais e mães,
priorizando a identificação dos fatores que dificultam ou favorecem esse
momento. Portanto, o complexo processo de tornar-se pai e mãe nesse contexto
não é abordado pelos estudos.
Embora as TRA tendam a exigir mais da mulher, em termos físicos e de
tempo, acredita-se que a decisão de submeter-se a esses procedimentos e a
55
55
gestação e a parentalidade daí decorrentes devem ser consideradas questões
relativas ao casal, já que ambos são afetados emocionalmente pelas exigências
dessa fase de suas vidas.
Grande parte dos estudos citados ao longo deste artigo são internacionais e
parecem encarar com otimismo os desafios ao longo do processo de tornar-se pai
e mãe no contexto da reprodução assistida. Apontam que a infertilidade pode
trazer conseqüências positivas à vida do casal e que suas marcas desaparecem
com o tempo (Repokari et al., 2005).Além disso, referem que o envolvimento
emocional dos pais com os filhos apresenta-se maior no grupo de genitores que
conceberam por meio de TRA (Hjelmsted, 2004) e que esses genitores enfrentam
os mesmos tipos de problemas que os demais (Gibson, 2000), apresentando
redução de estresse com o passar do tempo (Greenfeld & Klock, 2001). Outro
aspecto importante encontrado refere-se ao alto grau de resiliência desses pais o
que é compreendido pelos autores como um fator capaz de minimizar as
dificuldades inerentes ao tratamento por reprodução assistida e ao exercício da
parentalidade (Repokari, 2005). Entretanto, alguns estudos apontam também, que
os desafios da parentalidade podem ser uma oportunidade de desenvolvimento,
em que as adversidades e dificuldades são percebidas como momentos propícios
ao crescimento pessoal (Borlot & Trindade, 2004).
Quanto à literatura brasileira, verifica-se também que existe uma escassez
de estudos sob enfoque qualitativo que abordem a interface entre a reprodução
assistida e a parentalidade em casais que se submetem às TRA. Portanto, os
estudos encontrados não auxiliam esses casais a tornar-se pai e mãe nesse
contexto particular, que pode mobilizar sentimentos intensos que necessitam ser
compreendidos e significados. Ressalta-se, então, a necessidade de estudos
qualitativos no contexto da reprodução assistida, que privilegiem o processo de
tornar-se pai e tornar-se mãe, isto é, que abram espaço ao relato espontâneo dos
casais nesse importante momento do ciclo vital. Considera-se, portanto, que esse
processo de desenvolvimento que se dá na vida adulta, não tem sido contemplado
pelos estudos da área.
De acordo com o exposto acima, o presente estudo, de caráter longitudinal,
tem por objetivo geral investigar o processo de tornar-se pai e mãe em casais que
conceberam por TRA, em dois momentos: na gestação e aos três meses de vida do
bebê. Dessa forma, visa contribuir para a realização de um trabalho
56
56
interdisciplinar, envolvendo demais profissionais da área, além de contribuir para
o desenvolvimento de estratégias de apoio aos casais.
57
57
CAPÍTULO II
MÉTODO
2.1 Delineamento
Realizou-se um estudo de caso coletivo (Stake, 1995), de caráter
longitudinal, com o objetivo de investigar o processo de tornar-se pai e mãe em
casais que engravidaram com o auxílio das TRA. Buscou-se examinar as
particularidades de cada caso, assim como as semelhanças existentes entre eles.
O estudo envolveu duas fases de coleta de dados: fase I, no terceiro
trimestre de gestação; fase II, aos três meses de vida do bebê.
2.2 Participantes
Participaram deste estudo três casais oriundos de um estudo maior
intitulado Transição para a parentalidade e relacionamento conjugal no contexto
da reprodução assistida: da gestação ao primeiro ano do bebê, desenvolvido pelo
Núcleo de Infância e Família (NUDIF) da UFRGS, que conceberam a partir do
uso das TRA e que sencontravam no terceiro trimestre da gestação do primeiro
filho do casal. A escolha por este número de participantes se adequou ao critério
de saturação para estudos qualitativos com instrumentos abrangentes (Barker,
Pistrang, Elliot, 1994).
Os nomes dos participantes, assim como quaisquer nomes próprios
apresentados neste estudo, são fictícios para preservar a identidade dos mesmos.
Os dados sociodemográficos serão apresentados na Tabela 1 a seguir:
58
58
Tabela 1. Características Sociodemográficas dos Participantes
Participantes Idade Escolaridade Causa infertilidade Tentativas TRA
Marcos 39 superior sim 1 IA
Vitória 37 superior não
__________________________________________________________________
Artur 43 superior não 2 DG
Simone 44 superior sim
Max 43 médio sim 2 FIV
Raquel 25 médio sim
__________________________________________________________________
2.3 Instrumentos
Os instrumentos empregados para a coleta de dados utilizados neste estudo
fazem parte da primeira etapa do REPASSI. A descrição de cada um deles será
apresentada a seguir, levando-se em consideração as fases em que foram
realizados.
Na Fase 1, realizada durante o terceiro trimestre de gestação, foram
utilizados os seguintes instrumentos:
Entrevista de Dados Demográficos do Casal (NUDIF, 1998a): esse instrumento
visa à obtenção de informações sociodemográficas a respeito dos participantes. É
composto por questões que enfocam duração da gestação, estado civil, pessoas
que vivem na mesma residência, ocupação, escolaridade, religião e etnia, além de
informações para contato. Cópia no Anexo A.
Entrevista sobre a Gestação e as Expectativas da Gestante(NUDIF, 1998b):
essa entrevista estruturada investiga como a gestante vem vivenciando esse
período desde que soube da notícia da gravidez e quais são suas expectativas em
relação ao futuro. A entrevista é composta por diversos blocos de questões. Os
primeiros abrangem suas percepções e sentimentos quanto à gestação e ao feto.
Os blocos seguintes abordam a relação com o cônjuge e com outros familiares,
assim como as expectativas da gestante sobre diferentes aspectos da vida familiar.
Nas entrevistas realizadas com participantes que utilizaram as TRA, foi incluído
um bloco de perguntas sobre como eles percebem o impacto dessas técnicas sobre
a vivência da gestação. Cópia no Anexo B.
59
59
Entrevista sobre a Gestação e as Expectativas do Futuro Pai:(NUDIF,
1998c): esse instrumento é uma versão da entrevista utilizada com a mãe
elaborada para o pai. Busca investigar como o pai vem vivenciando a gravidez da
esposa e suas expectativas em relação ao futuro. Cópia no Anexo C.
Na Fase 2, realizada aos 3 meses de vida do bebê, foram utilizados os
seguintes instrumentos:
Entrevista sobre a Experiência da Maternidade (NUDIF, 1999a): esse
instrumento busca investigar a experiência da maternidade durante os três
primeiros meses de vida do bebê. É uma entrevista estruturada, composta por
blocos de questões que enfocam como a mãe vê o desenvolvimento do bebê, as
percepções e sentimentos quanto à maternidade, as mudanças percebidas, a visão
do cônjuge como pai, a rotina após o nascimento do bebê, o apoio recebido e a ida
da criança para a creche. Cópia no Anexo D.
Entrevista sobre a Experiência da Paternidade (NUDIF, 1999b): esse
instrumento é uma versão da entrevista utilizada com a mãe, elaborada para o pai
e busca investigar a experiência da paternidade durante os três primeiros meses de
vida do bebê. Cópia no Anexo E.
2.4 Procedimentos e Análise dos Dados
A partir de um levantamento realizado pela equipe do Serviço de
Ginecologia e Obstetrícia do HCPA, com intuito de verificar quais de suas
pacientes haviam obtido sucesso no tratamento, foi encaminhada às pesquisadoras
uma listagem contendo nomes e telefones dessas pacientes para posterior contato.
Os casais foram contatados por telefone para a explicação dos objetivos e da
forma de realização do estudo. Com aqueles que demonstraram interesse, foi
marcado um encontro, em que se apresentou o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Anexo F). Em caso de concordância, iniciava-se, nessa mesma
oportunidade, a realização da coleta de dados. As entrevistas de cada fase foram
realizadas por duas pesquisadoras, simultaneamente, com cada membro do casal.
Durante a gestação, os cônjuges responderam individualmente às entrevistas que
fazem parte da fase I deste estudo, sendo que aos três meses do bebê, um novo
contato foi realizado e agendadas as entrevistas da fase II.
60
60
Esse material foi transcrito e revisado por pesquisadoras que fazem parte
desse projeto.Os dados obtidos a partir das entrevistas foram submetidos a uma
análise qualitativa de conteúdo (Bardin, 2004, Laville & Dione, 1999) e
agrupados em oito eixos, que abarcam questões relevantes para a compreensão do
processo de tornar-se pai e mãe no contexto da reprodução assistida. Dessa forma,
cada um dos casos será apresentado levando-se em consideração os seguintes
eixos: 1) Apresentação, 2) Impressões e Sentimentos da Pesquisadora no Contato
com a Família, 3) A Experiência da Reprodução Assistida, 4) A Experiência da
Gestação, 5) Expectativas em Relação à Maternidade e ao Bebê na Gestação, 6)
Expectativas em Relação à Paternidade e ao Bebê na Gestação, 7) A Experiência
da Maternidade e o Desenvolvimento do Bebê no 3º mês e 8) A Experiência da
Paternidade e o Desenvolvimento do Bebê no 3º mês.
2.5 Considerações Éticas
O REPASSI segue as diretrizes definidas na resolução da Comissão
Nacional de Pesquisa (MS, 1996) e pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP,
2000). Sua aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA deu-se em 06 de
julho de 2007, sob o número 07/153. Cópia no Anexo F.
61
61
CAPÍTULO III
RESULTADOS
Em respeito à privacidade dos participantes, a seção de resultados será
omitida.
62
62
CAPÍTULO IV
DISCUSSÃO
Através dos três casos estudados, buscou-se investigar o processo de
tornar-se pai e mãe em casais que engravidaram por meio de TRA, levando-se em
consideração o conteúdo das entrevistas realizadas no terceiro trimestre
gestacional e aos três meses de vida do bebê. Para fins de discussão, esse
conteúdo será agrupado e apresentado em três eixos temáticos, que abarcam o
processo de tornar-se pai e mãe em diferentes momentos: Eixo I, que pretende
discutir a experiência do tratamento; Eixo II, que aborda a experiência da
maternidade e da paternidade durante a gestação; e Eixo III, que abrange a
experiência da maternidade e da paternidade aos três meses de vida do bebê. Os
resultados obtidos serão discutidos a partir da literatura, tendo como principais
eixos interpretativos a constelação da maternidade, proposta por Stern (1997),
com os temas: (1) vida-crescimento; (2) relacionar-se primário; (3) matriz de
apoio e (4) reorganização da identidade e a constelação da paternidade, uma
ampliação da constelação da maternidade para a vivência paterna, proposta por
Coutinho e Morsch (2006). Além disso, serão identificadas algumas semelhanças
e particularidades entre os três casais.
4.1 Eixo I: A experiência do tratamento
Diversos autores apontam que a infertilidade, um fenômeno universal tão
antigo como a humanidade, tem sido vivida como ódio divino, maldição, ferida
narcísica, expressão de incompletude ou antecipação da morte (Rodríguez, 1996),
uma experiência potencialmente traumática (Ribeiro, 2004) e devastadora (Seger-
Jacob, 2000). É vivida também, como a perda de uma importante capacidade, a de
procriação, podendo ter alguns desdobramentos incapacitantes e promover uma
devastação emocional na vida dos sujeitos. (Ribeiro, 2004). Seu diagnóstico tende
a causar impacto negativo no bem-estar emocional do casal, contrapondo-se ao
desejo de ter filhos. De um lado, há um movimento no sentido de saciar o desejo
63
63
explícito de engravidar, e do outro, as limitações dessa satisfação imediata
(Melamed, 2006). Outros campos de realização do sujeito podem ser
“contaminados” pela infertilidade, com risco de que o sujeito permaneça
“aprisionado” nessa situação de infertilidade (Ribeiro, 2004). É uma crise
multidimensional, de proporções físicas e psicológicas, que atinge o próprio
sujeito, a forma como vê o mundo, seu casamento, sua família. Afeta o corpo, o
“self” e o relacionamento do sujeito com os outros, com possibilidade de
desencadear sentimentos de perda de controle, baixa auto-estima, raiva, vergonha
e culpa (Burns, 2005), sendo que situações de violência, isolamento social, perda
de status social, alienação e medo são freqüentes (Souza, 2008).
Assim como o diagnóstico da infertilidade, o seu tratamento por meio das
TRA, com procedimentos invasivos e dolorosos, aos quais a mulher necessita
submeter-se, expõe ainda mais os casais ao sofrimento psíquico da infertilidade
(Ribeiro, 2004), além de colocá-los numa posição de fragilidade, pois a realização
do seu projeto parental não está mais em suas mãos (Weiss, 2006). Portanto, esse
momento pode ser vivido pelos casais inférteis como uma experiência traumática,
que reabre antigas feridas narcísicas e abala a sua autoestima (Ribeiro, 2004).
Os casais que se submetem às TRA são também afetados pelo
estresse decorrente dos procedimentos médicos. Sua intimidade é exposta a uma
equipe médica, que determina quando deverão ou não ocorrer as relações sexuais,
podendo essa experiência desencadear sofrimento psíquico (Ribeiro, 2000).
Entretanto, dados da literatura reforçam a afirmação de que, para alguns casais, as
TRA, embora despertem ansiedade, constituem-se numa ferramenta eficiente,
capaz de otimizar as possibilidades de obter a gestação (Balmaceda et al., 2001).
A idéia acima é corroborada pelo relato dos participantes entrevistados, ao
afirmarem que, mediante a confirmação da gravidez, o tratamento passa a ser
referido como uma oportunidade de realizar o projeto parental:
A reprodução assistida é uma chance... sem filhos tu fica perdido, perde amigos, te
afasta (...) Assistida ou não assistida...o importante é ter a chance de ter filhos
(Marcos); Foi a saída que a gente encontrou para realizar o desejo (Max); A
experiência que afetou foi a primeira, que não deu certo...vai afetar a vida inteira
(Artur); Era o que era possível fazer para se ter um filho...o resto é normal; teve a
dificuldade inicial, mas foi recompensado (Vitória); Os exames invasivos...nada
disso incomodou; Condição para poder estar no lugar de mãe (Simone).
Esses achados são também compartilhados por um estudo de revisão com
pesquisas conduzidas nos últimos 25 anos sobre o ajustamento emocional das
64
64
mulheres à Fertilização in vitro, realizado por Verhaak et al. (2007). Os autores
concluíram que a maioria das mulheres ajusta-se bem ao tratamento em si, mas se
o mesmo fracassa e há ameaça de permanecer sem filhos, reações emocionais
negativas decorrem, demonstrando que a infertilidade permanente e a
impossibilidade de ter filhos constitui-se no estressor de maior importância. Dessa
forma, entende-se que no trinômio infertilidade-tratamento-gestação, embora o
período de tratamento seja vivido com angústia e descrença, ele passa a ser
secundário, uma vez que o objetivo, a gravidez, tenha sido alcançada.
Além disso, pode-se pensar que o tratamento para a infertilidade constitui-
se numa experiência nem sempre possível de ser compartilhada, devastadora, que
afeta a sexualidade espontânea. Possui um caráter robotizado, que prima pela
concretude, em que tudo passa a ser planejado, pensado e controlado com um
único objetivo: possibilitar a fecundação e o desenvolvimento da gestação,
conforme se observa no relato dos participantes:
Essa concretude é, no início, meio assustadora... Eles selecionam assim o melhor
óvulo, o melhor espermatozóide...daí faz a seleção dos melhores embriões; Ah, essa
concretude dele lá recolher sêmen também, não é qualquer coisa (Simone); ..tu cria
tudo muito mecânico (...) o ato em si é muito mecânico (...) o Marcos foi fazer
espermograma no banheiro e viu um vomitando! Aí tu imagina...olha o esforço (...)
acho que claro, o barato da descoberta, acho que é legal, não precisar ter que
passar por nada disso e daqui a pouco acordar grávida e ia ser aquela surpresa;
(...) é aquela coisa muito robotizada, que tu vai no hospital, toma remédio e volta...;
“ a emoção não corre junto com a razão” (Vitória); (...) se tivesse uma outra
experiência [sem a utilização da reprodução assistida] imagino que teria sido mais
natural (Artur).
Nesse sentido, o relato dos participantes ilustra os achados da pesquisa
realizada por Sandelowski et al. (1990), na qual propõem que a concepção para os
casais inférteis é um processo longo, no qual os casais passam do estágio de
“obter uma gravidez” ao de “estar grávido”. Esse processo engloba 3 aspectos:
“forçar” a concepção (através dos procedimentos), resolver a dicotomia da
concepção (estar ou não estar grávida) e conciliar a percepção da concepção como
uma idéia e como um evento (acreditar que a gravidez existe).
O primeiro aspecto refere-se à fase do tratamento e contempla a idéia de
concretude apontada por Marcos, Simone e Vitória, contrapondo-se à idéia de
Raquel, que considera o planejamento da reprodução assistida um aspecto
positivo, conforme refere: “Ah, eu acho que é o planejamento, de saber, tudo, o
65
65
tempo certo de fazer as coisas, ao tomar aquele susto, assim, de...ah, estou
grávida, e agora?Planejar tudo certinho....” .
É sabido que o encargo físico maior com o procedimento é naturalmente
da mulher: estimulação, punção, transferência dos óvulos, exames laboratoriais e
de imagem, dentre outros aspectos. Destaca-se que nos três casos a procura pelo
tratamento, bem como a determinação de levá-lo até o final foi da mulher. Esse
fato nos leva a pensar sobre a importância da maternidade para as mulheres, que
pode ser uma grande conquista emocional na sua vida, uma vez que implica na
elaboração de conflitos psíquicos, principalmente os relacionados à identidade
feminina (Ribeiro, 2004). Sendo assim, as mulheres que não engravidam sentem-
se ocupando um status social inferior àquelas que são mães, o que leva a crer que
a reprodução assistida assume a função de resgatar a condição natural feminina
perdida, tornando possível ser mãe e ter filhos (Costa, 2008).
Outra questão relativa ao tema, diz respeito à percepção das características
de personalidade de Vitória, Raquel, Marcos e Max. As mulheres mostram-se
ativas, decididas, determinadas a alcançar a gravidez, tomando para si a
responsabilidade de engajar o marido no processo e levar adiante o projeto
parental, conforme aponta Marcos: “ (...) mas quem foi tomar a decisão, quem foi
lá, quem marcou hora e procurou o doutor, não sei o quê...tudo ela...ela é a parte
que vai à frente do casal” . Raquel conta que alguns meses após o insucesso da 1ª.
tentativa, pensou: “Ah, então vamos tentar de novo, né”?, exemplificando a sua
determinação. Já em relação à Simone e Artur, essa determinação não foi
evidenciada de forma clara.
Quanto à especificidade do tratamento para os pais, Tamanini (2003)
aponta que os homens sentem-se expostos publicamente no que diz respeito a sua
vida reprodutiva e que o primeiro espermograma revela a necessidade de assumir
o fato de que se quiser ter filhos, será preciso buscá-los fora de si e fora da relação
conjugal, além de deixar claro ao homem que a procriação será um ato médico,
não mais fruto do acaso. Essa trajetória é “transtornante”, pois torna público, pelo
menos no laboratório e na sala de espera, que há uma impossibilidade. Tal idéia é
corroborada por Marcos ao afirmar que “essa parte prá mim foi...eu segurei muito
sozinho, mas foi muito angustiante (...) a gente foi várias vezes no hospital...vai
lá, toma injeção, vai e volta” e por Artur, quando afirma que “não tem
anonimato” no procedimento.
66
66
Outros fatores devem também ser considerados na compreensão da
experiência do tratamento dos participantes desta pesquisa, tais como o número de
tentativas, o tempo decorrente entre o início do tratamento e a gravidez, o nível
cultural e econômico e quem é diagnosticado como infértil, se o homem ou a
mulher.
Em relação ao número de tentativas, Vitória e Marcos realizaram apenas
uma, enquanto os demais casais submeteram-se a duas. Dessa forma, Marcos e
Vitória necessitaram enfrentar as angústias e o medo de não engravidar por menos
tempo, sem ter que revivê-las ainda com mais desesperança. Entretanto, Max e
Raquel, assim como Simone e Artur, necessitaram de certo tempo após o fracasso
da primeira tentativa para que pudessem então recuperar as forças e retomar as
tentativas para a concretização do projeto parental. A segunda tentativa ocorreu
em meio a sentimentos de fracasso, desesperança e ameaça de permanecer sem
filhos, caso a adoção não viesse a ser a escolha do casal.
Embora possa parecer irrelevante considerar o nível de escolaridade e
econômico do casal, esse dado pode contribuir para a compreensão da maneira
com que o tratamento foi vivido, sem no entanto assumir postura preconceituosa.
Vitória e Marcos, assim como Simone e Artur, possuem nível de instrução
superior, o que facilita a compreensão dos aspectos médicos do tratamento,
possibilitando reflexões e questionamentos dirigidos à equipe médica, bem como
maior facilidade para expressar seus sentimentos. A renda dos casais era
compatível com o pagamento dos custos, não comprometendo o orçamento, sendo
esse, um aspecto estressor atenuado. Por outro lado, Raquel e Max possuem
escolaridade média incompleta com certa limitação no que se refere à abstração e
conexão com seus sentimentos. Percebe-se, então, que frente ao tratamento e suas
implicações ocorrem poucos questionamentos.
Do ponto de vista do diagnóstico da infertilidade, deve-se ressaltar que no
casal Vitória e Marcos a causa foi masculina, enquanto que em Raquel e Max não
foi identificada a causa da infertilidade. Apesar dessa diferença na etiologia do
diagnóstico, não é possível afirmar que a maneira como esses casais viveram o
tratamento tenha sido diferente. Essa percepção corrobora a idéia de que a
infertilidade é sempre do casal (Balmaceda et al., 2001), isto é, vivida pelo casal
como sua, independente de quem seja o portador do diagnóstico de infértil. Já a
ovodoação, tratamento realizado por Simone e Artur, será discutida a seguir.
67
67
A ovodoação apresenta algumas particularidades que se fazem presentes
neste estudo e merecem destaque. Conforme Seibel (2006), a ovodoção significa a
ajuda e a esperança para realizar o projeto parental e, paradoxalmente, a tristeza, a
frustração e a necessidade de renúncia ao filho genético. Intensos sentimentos de
ambivalência são despertados na receptora e necessitam encontrar espaço de
elaboração, antes mesmo da opção pelo tratamento, pois principalmente a mulher
se vê diante do dilema de seguir esse caminho.
Aceitar a possibilidade da ovodoação foi um percurso difícil para Simone,
que por fim a aceitou como se fosse uma adoção:
Nós dois achávamos estranhíssimo isso e fomos nos acostumando...foi um processo.
(...) Daí foi amadurecendo, aquilo que me parecia muito estranho inicialmente... eu
fui pensando "Mas é, é uma adoção" com a vantagem de que eu vou poder vivenciar
uma gestação e eu vou ter mais controle sobre uma série de fatores...
Seibel (2006) acrescenta que esse procedimento pode suscitar
questionamentos sobre os sentimentos do marido, em função de não terem sido
capazes de ter um filho genético, ciúmes da doadora, receio de rejeitar o bebê,
medo de serem castigadas pela ousadia e o peso do segredo. Ainda sobre essa
temática, cabe retomar a percepção de Simone de que a ovodoação foi a condição
para poder estar no lugar de mãe. Segundo o dicionário Houaiss (2008), o verbo
“estar” significa ter ou apresentar provisoriamente certa condição física ou
emocional, material, profissional, etc; encontrar-se em certa posição
momentânea; encontrar-se transitoriamente em certo momento ou lugar.
Portanto, pode-se pensar que Simone ainda sente a sua condição de mãe
ameaçada, talvez pelo constante medo de que não consiga levar adiante a
gestação. Refere estar na condição de mãe, vivido talvez como algo transitório,
momentâneo, que pode ser interrompido. Verifica-se novamente a descrença na
sua capacidade de ter “coisas boas” dentro de si, de ser capaz de oferecer a esses
bebês um desenvolvimento saudável. Outra associação que chama a atenção é a
referência à maternidade como um “lugar”, talvez algo fora dela, que não pode
ainda ser vivido como seu.
Dessa forma, pode-se supor que o tratamento por ovodoação, ao
possibilitar o vínculo biológico com o bebê por meio da gestação, confira à
Simone a experiência de sentir os bebês como “produtos” seus minimizando o
sentimento de exclusão decorrente da ausência do vínculo genético. Sentir os
movimentos dos bebês, o ventre crescendo, talvez fosse necessário para Simone
68
68
sentir-se mãe, pois afirma que a ovodoação foi “a condição para estar nesse lugar
de mãe nesse momento”. Acrescenta ainda, que a ovodoação “é uma adoção, com
a vantagem de poder vivenciar uma gestação e ter mais controle sobre uma série
de fatores...”. Cabe relacionar aqui essa associação feita por Simone entre a idéia
de ovodoação e adoção como similares. Contrapondo-se a essa percepção,
MacCallum (2008) afirma que a ovodoação pode ser “esquecida” pelos genitores,
isto é, pode não fazer parte do cotidiano dessa família, diferentemente da adoção,
que faz parte da história familiar. A ovodoação é considerada um componente
essencial na busca por um filho, mas perde a sua importância durante a vida da
criança, enquanto a adoção estará sempre presente (MacCallum, 2008). Pode-se
supor que Simone esteja se referindo ao fato de ter que “adotar” a idéia de receber
óvulos de uma doadora, uma “ovoadoção”, conforme referido por ela : “...a minha
família não tem problema com adoção de óvulos”.
Nesse sentido, percebe-se em Simone a preocupação em possibilitar ao
marido que seja “pai biológico” de seus filhos, uma vez que o diagnóstico de
infertilidade é apenas dela. Afirma que esse tratamento
...propiciou ao marido, que não tem nenhum problema de fertilidade, que ele possa
então ter um filho pelas vias biológicas; ...na verdade, foi doação de óvulo, mas o
espermatozóide é dele... então, biologicamente o filho é dele.
Parece que a incógnita em relação às possíveis semelhanças dos bebês com
o marido e com a doadora, que possui características físicas semelhantes às suas,
constitui uma problemática dolorosa para Simone, verificada quando esta se
esquiva de falar sobre o assunto.
Outra questão importante na ovodoação refere-se à inclusão de uma quarta
pessoa na relação da díade (Raphael-Leff, 1997), no caso de Simone, uma
doadora desconhecida, o que desperta fantasias e questionamentos sobre a
verdadeira mãe.
4.2 Eixo II - A experiência materna e paterna da gestação
Alguns temas da constelação da maternidade, proposta por Stern (1997),
podem ser visualizados nos casais entrevistados nesta pesquisa já durante o
período gestacional, levando-se em consideração a vivência materna e paterna da
gestação, de um modo geral. O autor sugere que o nascimento de um bebê
implica o surgimento de uma nova, única e temporária organização psíquica na
mãe, a qual será o eixo organizador de sua vida durante meses ou anos. Chamada
69
69
de “constelação da maternidade”, essa organização torna-se predominante na vida
da mãe, desencadeando ações, fantasias, medos, sensibilidades e desejos, que se
farão presentes nesse novo universo da díade mãe-bebê, sendo que ao pai cabe
principalmente o desempenho de tarefas que facilitem e possibilitem à mãe
dedicar-se ao bebê.
Salienta-se que alguns temas observados na “constelação da maternidade”
também estão presentes nos relatos da experiência paterna da gestação, assim
como no estudo de Coutinho e Morsch (2006), com pais de bebês pré-termo em
uma UTI Neonatal. Portanto, será realizada a compreensão da vivência da
gravidez para a mãe e para o pai, tomando-se como eixo norteador os temas acima
propostos por Stern (1997).
Particularidades desse momento foram constatadas por meio do relato dos
participantes deste estudo, sendo o medo de perder o bebê e o medo de não gerar
uma criança saudável, temas constantes ao longo do período gestacional. A
descrença na capacidade de garantir a sobrevivência do bebê, bem como na
capacidade de ter “coisas boas” dentro de si, cicatrizes deixadas pela infertilidade,
podme constituir-se na força propulsora desse medo, que parece ser o fio condutor
da experiência da gestação dessas participantes. Sendo assim, os temas descrença
na capacidade de garantir a sobrevivência do bebê e sua consequente ameaça de
perda nortearão as discussões deste estudo, uma vez que é ao redor deles que as
vivências desses participantes se organizam.
O primeiro tema, Vida-Crescimento, apresenta a questão fundamental de a
mãe ser capaz de manter vivo o seu bebê, possibilitando que ele cresça e se
desenvolva adequadamente, bem nutrido e saudável. Os relatos dos participantes
sugerem que esse tema é vivido intensamente pelas mães e pelos pais, já no
período gestacional, sendo o medo de que o bebê não sobreviva e o constante
estado de alerta, os fios condutores da gestação nesse contexto:
... daí comecei a me estressar...tinha que ficar em repouso, deitada o tempo todo,
né? Com medo de perder...aquela coisa toda, né? (...) Foi o susto dos riscos, assim:
“será que eu consigo levar essa gestação até o fim? (Simone)
Além disso, o medo de não ser capaz de gerar coisas também esteve
presente durante esse período: “(...) medo de pegar rubéola”, de “ter uma
criança deformada” e o bebê nascer “com alguma coisa, que a gente vai ter que
administrar” (Vitória), sendo necessário “parar de trabalhar nos primeiros
meses” (Raquel). Simone e Artur encontraram uma via para externalizar e
70
70
controlar as angústias advindas desse momento: a assistência a inúmeros
programas sobre gravidez e parto nas mais diversas condições, possibilitando que
entrassem em contato com informações sobre o assunto antecipadamente. Dessa
forma, mantêm-se em estado de alerta e, talvez em sua fantasia, possam
“preparar-se” adequadamente para a chegada dos bebês com suas possíveis
surpresas, e assim, garantir da melhor forma a sobrevivência desses bebês.
Portanto, a presença do tema Vida-Crescimento já na gestação é expressa
por meio da incerteza e do medo de não ser capaz de gerar um bebê saudável e
garantir a sua sobrevivência, ainda intra-útero, vindo a mobilizar sentimentos e
fantasias nos genitores, que interferem na maneira como é vivida a gestação. Esse
parece ser o tema primordial da gestação nesse contexto e que confere a esse
período um colorido especial. Observa-se nos pais e mães entrevistados que esses
medos tornam-se o eixo central em sua vida, em torno dos quais outras áreas de
interesse gravitam. Há monitoramento de sinais que possam indicar que o bebê
está vivo e desenvolvendo-se bem, ocorrendo uma constante avaliação da
capacidade da mãe de possuir aspectos bons dentro de si.
Para uma melhor compreensão das vivências materna e paterna nesse
momento, é interessante recorrer também ao referencial proposto por Raphael-
Leff (1997), uma vez que esta se dedicou a estudar o período gestacional,
enquanto Stern (1997) ateve-se aos temas presentes após o nascimento do bebê. A
busca pelos dois autores constitui-se numa tentativa de contribuir para o
entendimento das vivências da gestação dos pais e das mães no contexto
específico da reprodução assistida.
Raphael-Leff (1997) destaca que as gestações posteriores à infertilidade
com freqüência são preciosas e se tornam supervalorizadas e acompanhadas, com
temores de que mesmo ligeiros lapsos de concentração possam causar uma perda.
Apesar da sensação de vulnerabilidade presente no primeiro trimestre de gestação,
o reconhecimento das alterações sutis em seu corpo reforçam a crença da gestante
de que ela é capaz de gerar o bebê e dar à luz. No entanto, neste estudo verifica-se
que o sentimento de vulnerabilidade das mães se estende ao longo de toda
gestação, sendo que as alterações inerentes à gestação são percebidas como uma
possível ameaça de perda do bebê. Há angústia e descrença na possibilidade de
realizar o desejo de tornar-se mãe e o medo de deparar-se com a frustração de
perder o bebê permeia os discursos, o que pode ser observado nas falas de Simone
71
71
e Raquel. Simone comenta que a “doadora é uma mulher jovem, deve ter 28, 30
anos, né? Então a chance de dar certo é muito grande, né?”, evidenciando a
dificuldade em acreditar que essa gestação “já deu certo” e que os bebês estão se
desenvolvendo bem. Raquel acrescenta que, ao acordar de manhã, “...se ele não
mexe eu já fico preocupada, já começo a conversar, a estimular ele”.
Quanto aos pais, salienta-se a fantasia de aborto mencionada por Marcos,
ainda que Vitória estivesse no sétimo mês de gestação. Essa fantasia, relaciona-se
ao constante medo de perda do bebê, vivida não só por Vitória, mas também por
Marcos. Da mesma forma, percebe-se esse medo presente também em Artur, pois
à noite, quando Simone vai ao banheiro, Artur pergunta: “Tá tudo bem?”.
Conforme Simone, “Artur tá sempre antenado querendo saber se tá tudo bem,
né? E então eu vejo uma preocupação por ai...”.
O tema Relacionar-se Primário, proposto por Stern (1997), refere-se ao
envolvimento social e emocional da mãe com o bebê, tendo como questões
centrais a dúvida em relação a sua capacidade de amá-lo e por ele ser amada, se o
reconhecerá e acreditará que ele é realmente o seu bebê, se conseguirá conectar-se
suficientemente a ele a ponto de “ler” os seus desejos e necessidades. Conforme
citado anteriormente, é possível pensarmos neste tema já durante a gestação. Essa
necessidade de conexão e sintonia com o bebê pode ser observada pela maneira
intensa com que Vitória, Raquel e Max expressam seus desejos de dedicação
exclusiva ao bebê, tais como: “parar tudo e só viver a maternidade (Vitória)”,
“parar de trabalhar e dedicar-se somente ao bebê (desejo de Max em relação à
Raquel)”, “imaginar-se vivendo só para o filho (Raquel)” e “sentir-se realizada
como mãe (Vitória)”. Outro aspecto a ressaltar sobre o envolvimento da mãe com
o bebê é o fato de Vitória “sentir-se consumida emocionalmente” pelos
preparativos que antecedem o nascimento da filha, sendo que o período de “nove
meses é curto” para dar conta de tantas incertezas e angústias despertadas durante
a gestação. O constante medo de que a gestação não fosse a termo, principalmente
nos primeiros trimestres,“consumiu” a energia psíquica dessa mãe, tornando-se
um obstáculo para que vivesse a gestação de forma plena.
A necessidade da mãe de criar, permitir, aceitar e regular uma rede de
apoio protetora, a fim de que possa dedicar-se de forma plena aos dois temas
anteriores, manter o bebê vivo e promover seu desenvolvimento psíquico e
afetivo, é o terceiro tema proposto por Stern (1997), chamado de Matriz de Apoio.
72
72
Portanto, como função primordial essa matriz de apoio deve proteger a mãe
fisicamente, prover suas necessidades vitais e distanciá-la das exigências da
realidade externa. A mãe precisa sentir-se valorizada, apoiada, acompanhada,
ajudada e instruída.
Nesse sentido, é interessante observar que os relatos de Simone, Artur,
Raquel e Max corroboram os achados da pesquisa de Repokari et al. (2007), que
apontam o fortalecimento do relacionamento do casal e aumento da coesão entre
ambos, quando viveram juntos a experiência da infertilidade, o que pode ser
percebido no relato das mães. Simone refere “ter recebido muito apoio” de Artur,
ao mesmo tempo em ele pensa ter” apoiado na medida do possível...”, preferindo
“deixar um pouco o serviço braçal, assim para Simone e para as funcionárias”.
Raquel afirma ter recebido apoio “do marido, em primeiro lugar ele que tá, que tá
sempre junto”, ao mesmo tempo em que Max diz ter “procurado estar sempre do
lado dela”.
Cabe ressaltar que as gestantes desejam compartilhar com os maridos os
cuidados com os seus bebês, embora acreditem que o envolvimento maior no dia-
a-dia será delas, uma vez que os mesmos, antes de tudo, são vistos como
provedores, aqueles que devem garantir o sustento da família.
Os casais entrevistados sentem-se apoiados também pelos familiares mais
próximos:
A minha mãe, quando eu precisei ficar em repouso ela..., ela vem do interior e fica
comigo, me acompanha, né? ...E o Artur tem uma prima... e ela inicialmente não
estava trabalhando, então ele fez umas combinações, uns acordos, com ela prá ela
ajudar (Simone); ... principalmente a minha mãe, a minha mãe ela tá, tá me dando
bastante força...; tem a minha, a sobrinha do Max (Raquel); mais é a mãe dela que
vem , ...eventualmente vem algum sobrinho (Max).
O quarto tema proposto por Stern (1997), a Reorganização da Identidade,
menciona a necessidade da mãe de transformar e reorganizar a sua identidade,
alterando o seu centro de identidade de filha para mãe, de esposa para genitora, de
profissional para mãe de família, de uma geração para a precedente (decorrente da
identificação com sua própria mãe). Já na gestação, é possível visualizar essa
reorganização da identidade da gestante, que requer um novo trabalho mental. Na
especificidade da reprodução assistida, essas gestantes necessitam lidar também
com as cicatrizes deixadas pelo diagnóstico da infertilidade, como no caso de
73
73
Simone e Raquel, havendo a transição de uma identidade de mulher infértil para
mulher fértil, “grávida” de esperanças de tornar-se mãe.
Junto à confirmação da gravidez gemelar a partir da visualização das
imagens dos fetos por Simone e Artur, a cada nova ecografia, surgiram momentos
desorganizadores e repletos de sentimentos ambivalentes e a necessidade de
absorver a idéia de que seria gravidez múltipla, com os riscos implícitos. Além
disso, a descrença na capacidade de garantir a sobrevivência dos bebês,
preocupação dominante durante a gestação nesse contexto, pode ser um obstáculo
que dificulta a transformação e a reorganização dessas identidades.
Quanto à Vitória, chama a atenção o fato de demonstrar, de maneira
consciente, o medo de perder a sua identidade, como conseqüência das mudanças
profundas provocadas pela maternidade, como pode ser verificado ao afirmar:
“...pode ser que venha para uma coisa positiva [mudanças trazidas pela
maternidade], pode ser que não, (...) perdi a minha personalidade, minha
identidade...Quem sou eu?”.
Portanto, verifica-se que no presente estudo, a gravidez é marcada por
medo e descrença, que tendem a afetar a vivência das diferentes etapas da
gestação e as temáticas da constelação da maternidade inerentes a cada uma delas.
Acredita-se que as marcas deixadas pela infertilidade, aplacadas pelo sucesso do
tratamento, foram intensamente reavivadas no período gestacional, com
implicações na maneira como esses casais vivenciaramm a gestação. Ribeiro
(2004) acrescenta que a experiência da infertilidade pode intensificar as fantasias
de que há coisas estragadas no interior do corpo da mulher, tornando-se difícil
imaginar ou fantasiar que um bebê possa desenvolver-se em um interior
danificado – interior do corpo e do psiquismo. Esse processo, segundo a autora,
corre o risco de não ser apenas momentâneo, vindo a “aprisionar” o sujeito nessa
situação de sofrimento psíquico, “contaminando” outros campos de realização do
sujeito.
Outros aspectos também merecem destaque, além da constelação da
maternidade. Ainda em relação à fantasia de fragilidade da mãe e o constante
medo de que o bebê não sobreviva, é interessante salientar que, do ponto de vista
físico, uma vez constatada a gravidez, espera-se que ela transcorra da mesma
forma que uma gravidez sem auxílio dessas técnicas, embora a prematuridade dos
bebês e a gestação gemelar sejam frequentes. Nesse sentido, cabe lembrar o
74
74
estudo de Sandelowski et al. (1990), no qual traz a idéia de que para os casais
inférteis, a concepção pode ser dividida em estágios, passando do estágio de
“obter uma gravidez” ao de “estar grávido”. Além disso, engloba 3 aspectos:
“forçar” a concepção (através dos procedimentos), mencionado no eixo anterior,
resolver a dicotomia da concepção (estar ou não estar grávida) e conciliar a
percepção da concepção como uma idéia e como um evento (acreditar que a
gravidez existe). O segundo aspecto, estar ou não estar grávida, relaciona-se ao
período gestacional e refere-se ao fato de, apesar de ter os óvulos fertilizados, a
mulher receia admitir o status de grávida, o que pode ser ilustrado pelas falas
abaixo:
Eu estava com uma expectativa e segurando um pouco a minha ansiedade. Daí,
tá... vencer aquele período de um certo repouso, cuidado, né? Porque a gente sabia
que tinha que grudar, né? [nidação] (Vitória) ; (...) a primeira coisa que eu recordo
é que a gente não conseguiu esperar [para fazer o exame no dia marcado]...aí no
domingo que antecedeu a quarta a gente foi lá fazer esses testes de farmácia
(Artur).
Já o terceiro aspecto do processo traz a dificuldade dos casais inférteis de
acreditar que a gestação está transcorrendo e que há um bebê se desenvolvendo no
útero materno, uma constante dentre os participantes, exemplificado aqui por
Raquel: “(...) eu não tava acreditando, só na hora da eco mesmo que eu acreditei,
né...que eu vi”.
Um outro aspecto importante a ser destacado refere-se ao bebê imaginário,
fruto do desejo de gravidez, da interação entre o feto e a mãe, que faz parte de
seus devaneios e é composto de impressões e desejos oriundos das experiências
anteriores da mãe (Lebovici, 1992). O ventre materno torna-se um abrigo de
esperanças, vontades, desejos e ansiedades (Raphael-Leff, 1997), constituindo-se
no receptáculo dos sonhos e das expectativas maternas (Lebovici,1987) .Mesmo
antes de nascer, são atribuídas características ao bebê, que correspondem a
representações do mundo interno de seus progenitores e que servem como pano de
fundo para a construção das características do bebê imaginário (Raphael-Leff,
1997), além de contribuir para a percepção da futura criança como um indivíduo
(Brazelton & Cramer, 1992).
Algumas características físicas e psicológicas atribuídas aos bebês
merecem atenção. Embora Simone esteja no 3o. trimestre de gestação, refere-se
aos seus bebês como “fetos”, sendo percebidos de maneira fragmentada (fêmur,
75
75
cabeça, nariz, etc.) durante as ecografias, por ela e por Artur. Percebe-se, então,
que esses bebês permanecem ainda fetos no psiquismo de Simone, passíveis de
serem “abortados” e, portanto, com poucas características de bebês. Do status de
“feto”, ainda aos 7 meses de gestação, passam a ser imaginados já como crianças
maiores, o que reforça a idéia de que só é possível construir um bebê imaginário,
com características próprias, depois que a sua sobrevivência não estiver mais
ameaçada, ainda que na fantasia da mãe e do pai.
Conforme Szejer e Stewart (1997), a visualização das imagens da
ecografia, aos poucos vai conferindo ao feto uma existência real, deixando de ser
apenas imaginária. O relato das mães deste estudo sugere que à medida que os
bebês desenvolvem-se no útero materno e as ecografias apresentam imagens mais
nítidas, surge também um correspondente psíquico nos genitores: é como se
aqueles minúsculos pontos que vão se sobrepondo na tela, formando a cada nova
ecografia uma imagem mais nítida também auxiliassem a incrementar a frágil
crença dos genitores de que o bebê está se desenvolvendo bem. Mesmo assim,
embora a realidade externa, por meio dos exames clínicos e de imagens, aponte
que a gravidez está transcorrendo bem, a dúvida em relação à capacidade de
produzir “coisas boas” e o medo de gerar um bebê com malformações persistem
nos genitores deste estudo (Vitória e Marcos, Simone e Artur, Raquel e Max).
Segundo Rodríguez (1996), a malformação fetal é uma possibilidade real, mas a
sua ocorrência se dá numa proporção ínfima de casos, sendo essa fantasia
“terrorífica” relacionada com a expressão de temores e culpas inconscientes.
É interessante observar, também, a maneira peculiar como Vitória e
Raquel referem-se aos seus bebês nesse período. Vitória considera Nicole “uma
Gisele Bündchen”, atribuindo à filha uma imagem já projetada no futuro, uma
posição de destaque, de “super” modelo, uma “super” produção que viria a
gratificar o seu narcisismo. Ela teria uma filha especial, logo, também seria
especial. Por outro lado, Raquel comenta, em relação ao seu bebê, Ralph, que
“aquilo ali [bebê], foi conseguido”, revelando que o filho é percebido como algo
que veio de fora, foi adquirido. Portanto, novamente os bebês são imaginados com
características distantes dessas mães e também como já crescidos. Nicole adulta,
com características físicas semelhantes à Gisele Bündchen, com biotipo
completamente diferente dos pais (Vitória é morena e possui baixa estatura e
Marcos tem cabelos claros, que se aproximam de ruivos, e apresenta sobrepeso) e
76
76
Ralph, um bebê fabricado, adquirido. Já Simone, aponta que “só consegue
imaginar aquilo que o médico disse”, referindo-se aos dados concretos sobre os
bebês, tais como número de bebês, sexo, peso aproximado e características físicas
da doadora, que são semelhantes às suas.
Szejer e Stewart (1997) apontam que são também atribuídas aos bebês,
ainda durante a gestação, características ditas pertinentes ao signo do período do
ano em que nascem. Portanto, a linguagem astrológica tem a função de atribuir à
criança uma primeira identidade que a marcará. Essa personificação facilita a
inserção desse bebê na teia familiar, incorporando-o na história de seus genitores.
Neste sentido, destacam-se nuances de identidade atribuídas aos bebês Nicole e
Ralph por suas mães, decorrentes do signo ao qual pertencem. A primeira
(Nicole), aquariana, herdará as características da mãe e será espoletinha e Ralph,
as do pai, do signo de escorpião, bem ativo, brabo e ansioso. Dessa forma, os
bebês são incluídos na linhagem parental, com características que apontam para o
seu pertencimento a essa família.
Aos movimentos dos bebês são atribuídos significados e algumas
características pessoais de acordo com a interpretação da mãe acerca de seus
movimentos, como uma forma de personificá-los e inserí-los no seu psiquismo. O
bebê pode ser percebido como “carinhoso” ou “delicado”, se os movimentos são
percebidos como suaves, ou agressivos, se percebidos como “socos” ou
“patadas” (Maldonado, 2002). Simone comenta que por haver pouco espaço
intra-útero, “os bebês giram em torno do próprio eixo (...) e sei onde cada um
está”; Vitória, percebe que a filha “nada bastante” em seu ventre e Raquel,
interpreta os movimentos do filho como uma maneira de lhe comunicar que não
está confortável, pois ele “é muito ativo (...) chuta até que ela vire de lado prá ele
poder... conseguir descansar”.
Aulagnier (1990) aponta a relevância da inserção do bebê imaginário no
psiquismo da mãe, como forma de existência desse bebê em separado, assim
como Brazelton e Cramer (1992), que afirmam que essa personificação permite à
mãe a percepção de que esse bebê que está em seu ventre não é completamente
estranho a ela. As características atribuidas pelas mães entrevistadas aos seus
bebês imaginários evidenciam o quanto é difícil para essas mães personificarem
seus bebês, uma vez que a proeminência de sentimentos de incapacidade e
fragilidade da mãe decorrentes da experiência da infertilidade do casal dificultam
77
77
a construção desse bebê imaginário. Sobre o mesmo tema, Ribeiro (2004) afirma
que em função da experiência da infertilidade, torna-se difícil imaginar e/ou
fantasiar que um bebê possa habitar e desenvolver-se em um interior danificado,
tanto no interior do corpo, quanto do psiquismo.
Quanto aos pais, cabe ressaltar a forma como Max e Marcos personificam
seus bebês. Max refere-se ao filho durante a gestação como um João Gasolina,
pois adora passear de carro, dessa forma atribuindo ao bebê características
similares às suas; e Marcos, refere-se à filha Nicole como sacaninha, por
exemplo, talvez pela surpresa do sucesso do primeiro procedimento, e “semente”
ao vê-la na primeira ecografia.
Outros aspectos importantes e particularidades podem ser ressaltados na
vivência do período gestacional, observados nos relatos das mães e dos pais.
Deve-se destacar algumas particularidades dos tipos de tratamento utilizados,
como por exemplo, a ovodoação, que conforme referido anteriormente, é ainda
um tema pouco pesquisado e apresenta peculiaridades e desdobramentos que
necessitam reflexão. Segundo David (2000), na ovodoação, embora não haja laço
genético da mãe com o bebê, a existência da gravidez mantém um laço biológico
forte. MacCallum (2008) acrescenta que a experiência da gravidez e o nascimento
permitem aos pais sentirem que o filho é seu. Refere estar na condição de mãe,
vivido talvez como algo transitório, momentâneo, que pode ser interrompido.
Verifica-se novamente a descrença na sua capacidade de ter “coisas” boas dentro
de si, de ser capaz de oferecer a esses bebês um desenvolvimento saudável. Outra
associação que chama a atenção é a referência à maternidade como um “lugar”,
talvez algo fora dela, que não pode ainda ser vivido como seu.
Dessa forma, pode-se supor que o vínculo biológico por meio da gestação
confira à Simone a experiência de sentir os bebês como “produtos” seus,
minimizando o sentimento de exclusão decorrente da ausência do vínculo
genético. Sentir os movimentos dos bebês, o ventre crescendo, talvez fosse
necessário para Simone sentir-se mãe, pois afirma que essa foi “a condição para
estar nesse lugar de mãe nesse momento. Acrescenta ainda, que a ovodoação “é
uma adoção, com a vantagem de poder vivenciar uma gestação e ter mais
controle sobre uma série de fatores...”. Cabe relacionar aqui essa associação feita
por Simone entre a idéia de ovodoação e adoção como similares. Contrapondo-se
a essa percepção, MacCallum (2008) afirma que a ovodoação pode ser
78
78
“esquecida” pelos genitores, isto é, pode não fazer parte do cotidiano dessa
família, diferentemente da adoção, que faz parte da história familiar. Pode-se
supor que Simone esteja se referindo à adoção da idéia de receber óvulos de uma
doadora, uma “ovoadoção”, conforme referido por ela: “ ...a minha família não
tem problema com adoção de óvulos” .
A gravidez em decorrência da doação de oócitos é especial e ocorre com
um embrião imunologicamente estranho à mãe, envolvendo um terceiro na
relação, a doadora, o que torna o tratamento ética e psicologicamente mais
complicado do que a fertilização in vitro convencional, isto é, sem doação de
oócitos (Södertröm-Anttilla, 2001). Outra questão importante é a gravidez
gemelar e suas implicações, tanto físicas quanto psicológicas, tais como risco de
parto prematuro e baixo peso do neonato (Golombok, Olivennes, Ramogida, Rust,
Freeman & The Follow-up team, 2007; Södertröm-Anttilla, 2001). Södertröm-
Anttilla (2001) acrescenta que a gravidez nesse contexto deve ser sempre
considerada de alto-risco, mesmo quando as gestantes são jovens. No caso de
Simone, já com idade avançada, esse período foi vivido com ansiedade e
apreensão, com medo da perda dos bebês, conforme pode ser verificado em seu
relato: “...teve esse momento inicial desse estresse sobre os riscos e depois os
sangramentos (...) tinha que ficar em repouso, deitada o tempo todo...com medo
de perder (...) foi muito assustador, porque eu tive sangramento mais de uma
vez”.
As similaridades observadas, independente do tipo de tratamento, se FIV
convencional ou com doação de oócitos, apontam que o sentimento de
incapacidade de garantir a sobrevivência do bebê e o conseqüente medo de perdê-
lo estiveram presentes nos três casos. Salienta-se que os participantes referem que
as dolorosas vivências do tratamento perdem a sua importância face ao sucesso
obtido com a gestação. Por outro lado, percebem-se marcas dessa identidade de
homem/mulher infértil no relato dos participantes, como referido.
Outra questão a ser destacada refere-se ao convite para que nós
pesquisadoras conhecêssemos o quarto do bebê ainda durante a gestação,
acompanhando os preparativos para o seu acolhimento (Vitória), entendido como
a expressão do desejo de que compartilhássemos com ela a preparação desse
“quarto-ninho”, um ambiente preparado para suprir as necessidades do bebê.
Nesse sentido, Raphael-Leff (1997) propõe que no último trimestre de gravidez há
79
79
um incremento das atividades preparatórias para a chegada do bebê, com aumento
da ansiedade e forte desejo de preparar um “ninho”, uma espécie de ventre
substituto externo para o bebê.
As diversas modificações que se processam no corpo da mulher podem
repercutir no marido por meio de um conjunto de sintomas semelhantes aos da
gravidez, chamados de Síndrome de Couvade, que expressam simbolicamente a
sua participação e envolvimento na gravidez da mulher (Maldonado, 2002).
Segundo a autora (Maldonado, 2002), a etiologia da síndrome relaciona-se a
fatores psicológicos, sendo considerada uma reação neurótica, com predominância
de manifestações somáticas decorrentes de um estado de ansiedade desencadeado
pela gravidez. Jessner, Weigert e Foy (1983) acrescentam, ainda, que o marido
pode apresentar sintomas somáticos que variam desde perturbações
gastrointestinais até a Síndrome de Couvade e experiências psicológicas que
refletem ou complementam os estados emocionais da esposa durante a gestação.
Em um estudo sobre as expectativas, sentimentos e presença da síndrome de
couvade realizado com futuros pais ao longo da gestação, De Martini (1999)
encontrou uma elevada incidência (53%) de sintomas físicos apresentados pelos
futuros pais no período de gestação de suas esposas. Tais sintomas são
considerados apenas indicadores da síndrome de couvade, uma vez que, em
função da subjetividade do tema, não foi possível afirmar a ocorrência desta
síndrome. A autora (De Martini, 1999) sugere que em função de pertencerem a
uma população de colonização italiana, cuja característica é a presença de um
vínculo familiar intenso, os participantes do estudo estavam muito ligados à
gestante e à gestação, o que pode ter contribuído para a sua identificação com a
esposa.
Em relação a essa temática, é interessante assinalar que Marcos faz alusão
à vivência em seu corpo, dos desconfortos físicos da gravidez. Ao invés de
atribuir à Vitória a ausência de sintomas de desconforto nesse período da
gestação, refere-se a si próprio, o que sugere a presença da Síndrome de Couvade,
conforme se observa em seu relato:
(...) mesmo os médicos dizendo que não tem problema [qualidade de seus
espermas], que foi coletado, eu fiquei com essa angústia...fora isso, não teve muitos
desejos, quase nada...não teve problema de dormir e sentir dor, aquela coisa de
virar pra um lado e pra outro...até agora não teve isso.
80
80
É possível supor que a atribuição dessas vivências como suas são
resultantes do forte sentimento de união e cumplicidade partilhado pelos casais
durante o tratamento para engravidar. Ao mesmo tempo em que compartilha com
Vitória cada momento da gravidez, talvez se sinta deixado de fora e ignorado por
amigos e profissionais da saúde, como menciona Raphael-Leff (1997). Para a
autora, ao contrário da esposa que expõe uma visível protuberância, o marido
pode sentir-se excluído e ciumento da intimidade estabelecida entre ela e o bebê,
sentimento que não é incomum. Impossibilitado de viver os desconfortos físicos
da gravidez e do parto, tem que renunciar ao prazer de experimentar a vida
interior.
Devido à dificuldade de lidar com as intensas demandas psíquicas
apresentadas no período antecedente ao parto, Marcos somatiza essas angústias e
as vive no corpo, por meio de uma crise renal aguda. Embora já apresentasse
pressão arterial elevada mesmo antes da gestação de Vitória, não é possível deixar
de registrar a coincidência da manifestação dessa crise justo nos dias que
antecederam ao parto. Da mesma forma, ao deparar-se com os possíveis riscos de
uma gravidez gemelar, Artur apresenta um episódio de hipertensão arterial,
vivendo no corpo as angústias que não puderam ser vividas pela mente. Segundo
Marty (1993), a somatização observada em Marcos e Artur, pode constituir-se
numa resposta encontrada por eles às condições de vida que enfrentam, na qual o
fluxo de excitações instintuais e pulsionais não consegue ser processado pela
mente, vindo a transbordar para o corpo. É um “salto psicossomático”, uma
passagem do conflito existente no plano simbólico mental para o plano
psicossomático.
Observa-se em Marcos e Artur a necessidade de reassegurar sua
paternidade. Em tom de brincadeira, Marcos expressa o temor de que os seus
espermatozóides tenham sido trocados no laboratório, enquanto Artur preocupa-se
demasiadamente com as características físicas dos bebês, desejando que sejam
semelhantes às suas. Nesse momento, talvez haja nesses pais a necessidade
psíquica de comprovar a paternidade, como uma forma de reassegurar a sua
descendência e, quem sabe, a sua masculinidade. Na gravidez espontânea, esse
não é um tema que se sobressaia, pois não é colocada em dúvida a procedência e a
qualidade do material genético formador dos bebês, isto é, não há interferência de
um terceiro nessa relação.
81
81
4.3 Eixo III - A experiência materna e paterna nos três primeiros meses do
bebê
Como foi referido na seção anterior, a gestação das participantes deste
estudo foi marcada pela descrença na capacidade de garantir a sobrevivência do
bebê, pela fantasia de não ter coisas boas dentro de si e pelo consequente medo de
perdê-lo. Após compreender a vivência materna e paterna da gestação neste
cenário, esta seção busca compreender como esses aspectos evoluíram ao longo
dos três primeiros meses de vida do bebê.
Assim como na seção anterior, serão utilizados os temas da constelação da
maternidade propostos por Stern (1997), como eixos norteadores para a
compreensão da vivência da maternidade e da paternidade. Com o intuito de
enriquecer a compreensão das vivências materna e paterna ao longo dos 3
primeiros meses de vida do bebê, faz-se necessário recorrer às teorizações de
outros autores. Portanto, serão utilizadas as contribuições teóricas de Raphael-
Leff (1997), cujo enfoque é o período gestacional e de Brazelton e Cramer (1992),
Winnicott (1999, 2000), Klaus, Kennel e Klaus (2000), que se dedicaram ao
estudo de temas presentes após o nascimento do bebê. Nesta seção, serão
destacados, ainda que de maneira retrospectiva, o parto, o período de internação
dos bebês e a chegada em casa.
Em primeiro lugar, chama a atenção que os três partos foram prematuros.
É como se a realidade confirmasse o que já estava anunciado como um temor
durante a gestação: a incapacidade de garantir a sobrevivência desse bebê e a
ameaça de perdê-lo, aspectos corroborados pelo estudo de Sandelowski et al.
(1990). A simbiose entre a mãe e o bebê é desfeita de forma abrupta e repentina e,
segundo Wirth (2000), os dois, mãe e bebê, estão incompletos, porque foram
separados precocemente. Portanto, é importante discutir como a constelação da
maternidade foi afetada pelo nascimento dos bebês.
O tema Vida-Crescimento (Stern, 1997), cujo ponto fundamental é a
preocupação da mãe em manter a sobrevivência de seu bebê e facilitar o seu
crescimento e desenvolvimento de forma adequada, apresenta-se neste momento
como preocupação dominante, assim como na gestação. Surge permeado pelo
medo de que esse bebê não sobreviva, o que confirmaria as fantasias dessas mães
de que não são capazes de dar conta desse bebê. Raphael-Leff (1997) afirma que a
82
82
mãe de um prematuro inevitavelmente vive um tumulto emocional decorrente da
gravidez interrompida, sentindo-se culpada por ter abandonado seu bebê aos
profissionais e ao aparato tecnológico. Além disso, apresenta um sentimento
irracional de rejeição e fracasso por ter sido incapaz de manter o bebê em seu
ventre, considerado incapaz de nutri-lo suficientemente, tendo ele preferido ou
sido forçado a deixá-lo.
Para Vitória, Simone e Raquel, que realizaram parto cesáreo aos oito
meses de gestação, os momentos antecedentes ao parto prematuro foram vividos
como assustadores e angustiantes, vindo a mobilizar intensos sentimentos de
medo, desamparo e ruptura brusca com o bebê. Nessa situação, segundo o estudo
de Frota, Campos, Pimentel e Esteche (2007) sobre as crenças e sentimentos das
mães de recém-nascidos, um parto prematuro ou complicado, ou ainda uma
cesariana não programada ou outra intercorrência, em que a mãe e o bebê sejam
afastados, contribui para o surgimento de situações de estresse, de trauma para a
família e especialmente para a mãe, que pode sentir-se culpada.
A doença e a hospitalização de Marcos contribuiram para que Vitória se
sentisse ansiosa e fragilizada, o que pode ser ilustrado quando diz que
(... ) só que eu fiquei muito angustiada (...) eu estava assim virada numa vara verde
(...) E o Marcos doente...eu fiquei bem abatida (...).Eu disse: Ah, não é a hora dela
doutora (...) Eu não quero que ela nasça agora (...) Não foi como eu imaginava...foi
uma coisa totalmente assim, inesperada (...) Eu não estava preparada para aquele
momento (...) chorei muito assim, para começar o parto.
Raquel, por sua vez, refere-se à idéia de uma separação abrupta e prematura
do filho: “(...) eu tive que tirar ele às pressas”. Tanto Vitória como Raquel foram
surpreendidas com a antecipação do parto, o que pode também ter sido vivido
como uma ameaça iminente de perda de bebê, uma possibilidade de concretização
da fantasia de não ser capaz de garantir a sobrevivência do filho. Portanto, essa
idéia pode ser respaldada por Raphael-Leff (1997), ao afirmar que o parto
inesperado pode ser alarmante caso a mulher seja apanhada de surpresa e o
percurso emocional da gravidez seja abruptamente encerrado, vindo a confirmar
temores da mãe, de não ser suficientemente boa para o bebê, que prefere
“escapar” de dentro dela.
Já o parto de Simone, também prematuro, apresentou peculiaridades por
ser trigemelar, pois demandou a presença de uma equipe numerosa, composta por
83
83
diversos profissionais. Apesar da gravidade da situação, Simone diz ter
permanecido tranquila:
Deu tudo certo na cesárea. Foi tranquilo. Eu fiquei acordada o tempo todo. (...) Foi
uma coisa bacana, assim.(...) tinha um anestesista participando (...) Ele ficou
sentado atrás de mim e me dizia a hora: “Agora vai ser feito tal e tal coisa. Oh,
agora saiu um bebê, agora saiu outro..” Foi assim uma pessoa maravilhosa, que fez
toda diferença.
Talvez essa tranqüilidade, apesar do parto prematuro, se deva ao fato de
Simone ter se sentido acompanhada, além de ter obtido muitas informações sobre
as condições da gestação e do parto trigemelar, o que pode ter sido um auxílio
para lidar com o medo da perda dos bebês.
No momento do parto, os pais também estiveram presentes, mantendo-se
ao lado das parturientes durante todo procedimento. Para Artur, a vivência deste
momento foi tranqüila, uma vez que refere ter se preparado para enfrentá-lo
através de assistência a vídeos sobre gravidez e parto. A intelectualização,
utilizada aqui por Artur e também por Simone como defesa, expressa pela
incessante busca de informação sobre as possibilidades desse momento,
possivelmente teve como resultado a manutenção da integridade do ego desses
participantes. A exposição a inúmeras situações difíceis apresentadas nos
documentários, talvez tenha ajudado Simone e Artur a terem maior controle sobre
o processo, isto é, a não serem surpreendidos com algo inusitado.
Max refere que também vivenciou este momento com tranquilidade, pois
não teve tempo para pensar sobre o assunto, em função do acúmulo de trabalho,
talvez também uma defesa contra as angústias e fantasias que poderiam surgir.
Chama a atenção que, no momento do parto, Max estava acompanhado de uma
sobrinha, também grávida, que permaneceu com ele todo tempo na sala de parto.
Marcos não deixou de assistir ao parto de Simone, apesar de estar doente e
hospitalizado, tendo sido medicado para alívio da dor e liberado da internação por
algumas horas. Observa-se que esses pais desejaram compartilhar com a esposa a
experiência do parto, empenhando-se para estar ao seu lado neste momento, o que
é visto como benéfico para o estabelecimento de uma ligação mais próxima com o
bebê. É interessante salientar que cada um encontrou uma forma peculiar para
superar suas dificuldades naquele momento e enfrentar a situação emergencial em
que o parto ocorreu. A participação do pai nesse momento, requerida pelas
84
84
esposas, talvez se deva à crença de que o pai é sinônimo de força (De Barros,
Menandro & Trindade, 2006).
O período pós-parto é um período crucial para a mulher que está numa
condição regressiva, identificada com o bebê, e a hospitalização em UTI Neonatal
é um trauma real para os genitores, sendo que a sua reação pode variar conforme
as suas características e a especificidade da situação (Wirth, 2000). Em função da
prematuridade, os bebês de Simone e Artur e de Vitória e Marcos necessitaram
permanecer internados em UTI Neonatal. Nesta seção, será destacada, também, a
vivência das mães e dos pais acerca desse período de internação, pois a
prematuridade dos bebês, e também dos casais enquanto genitores, provocou o
agravamento do medo de perder o bebê e o sentimento de incapacidade de
garantir a sua sobrevivência, aspectos presentes desde a gestação.
Diversos estudos sobre o tema apontam a necessidade de se investigar
melhor o nascimento de um bebê prematuro e suas repercussões na vida familiar
(De Barros, Menandro & Trindade, 2006; Frota et al., 2007; Gaíva & Scochi,
2005; Lamy, Gomes & Carvalho,1997; Mittaag & Wall, 2004; Wirth, 2000), a fim
de que os genitores possam ser atendidos em suas necessidades afetivas nesse
período de transição para a parentalidade. De acordo com Geara (2005), a maioria
das mães que visitam seu bebê na UTI Neonatal não está preparada física e
emocionalmente para o nascimento precoce.
No presente estudo, observou-se que a experiência da internação dos bebês
ocupou um espaço significativo no psiquismo das mães, evidenciado pela
extensão que ocupou nas entrevistas. Esse longo período de internação dos bebês
foi vivido por Vitória e Simone com medo de perdê-los e sentimento de
incapacidade exacerbados, talvez por não terem conseguido manter os bebês em
seu útero durante o tempo necessário para que o adequado desenvolvimento
gestacional se completasse. O ambiente de uma UTI Neonatal, tão familiar aos
profissionais da saúde que nela trabalham, é percebido pelos genitores como
assustador (Lamy,Gomes & Carvalho,1997) e representa um misto de esperança e
de medo: esperança, em função de ser um local adequado para atender às
necessidades de seu filho, aumentando as chances de sobrevida, e medo, por
saberem dos riscos que seu bebê está correndo (Frota et al., 2007).
Nesse sentido, Geara (2005) acrescenta que, em comparação com os
momentos eufóricos que esperavam, os genitores de bebês prematuros,
85
85
encontram-se num ambiente agitado, com enfermeiras e médicos preocupados,
sobrecarregados de trabalho, convivendo com outros pais igualmente
sobrecarregados, com seus bebês em situação de risco. Frota et al. (2007)
consideram, ainda, que a UTI Neonatal “carrega consigo um estereótipo e uma
idéia de sofrimento”, o que pode ser vivido pela mãe como um momento de
angústia. Portanto, a primeira visita dos genitores ao bebê na UTI neonatal
desperta sentimentos ambivalentes, tais como: tristeza, desespero, choque e
alegria por ver o filho vivo e bem cuidado (Mittaag & Wall, 2004).
Os dados da pesquisa realizada por Gaíva e Scochi (2005) sobre a
participação da família no cuidado ao prematuro em UTI neonatal, revelam que
enquanto o bebê está internado, a mãe vê o filho, interage com ele, toca, mas
participa pouco dos cuidados, sendo nesse momento mais espectadora do que
efetivamente participante. Esse aspecto pode também ser observado no
comportamento de Simone e Vitória, que encontraram maneiras para estabelecer
contato com os bebês e minimizar o sofrimento da separação, além de elaborarem
a situação traumática pela qual estavam passando.
Nesse sentido, é possivel destacar algumas evidências encontradas nos
relatos das mães. Simone conta que abria a estufinha, tocava e conversava com
eles, mas a partir do 4º. dia, permanecia os três turnos na UTI, mesmo após a sua
alta. Face a uma situação de risco, como a doença da filha, talvez tenha sido uma
forma encontrada por Simone para lidar com suas angústias e elaborar a situação,
assim como fazia na gestação, ao assistir diversos programas sobre gravidez
gemelar e seus riscos. Já Vitória, ao receber visitas, dava-se conta de que as
pessoas iam, mas não tinham o bebê. A partir desse momento, talvez como uma
possibilidade de estabelecer contato com a filha, abreviando a distância entre elas,
e certificar-se de que Nicole estava bem, dirigia-se com freqüência à UTI
Neonatal e tirava fotos para poder mostrá-la às visitas. Vitória e Simone
enfrentaram, com determinação e esperança, o período de internação de seus
filhos em UTI Neonatal, apesar do medo de que não sobrevivessem, criando
espaços para estarem conectadas aos filhos. Mantiveram-se próximas e
identificadas com os bebês, embora no início das visitas à UTI Neonatal não fosse
possível ter contato físico com eles.
A presença física dessas mães, bem como a sua disponibilidade emocional
para estarem próximas aos seus bebês, assumem importância fundamental para
86
86
amenizar suas possíveis fantasias e ajudá-las a lidar com o seu bebê. Esse
momento pode ser compreendido pelo estado especial de sensibilidade e de
disponibilidade emocional aumentada, de “preocupação materna primária”
(Winnicott, 1982). A mulher utiliza as suas próprias experiências como bebê, a
fim de que possa identificar-se com o filho e atender às suas necessidades. A essa
mãe, capaz de estar em sintonia com as necessidades do bebê, Winnicott (2000)
chama de “mãe devotada comum”.
Quanto aos pais, esse período de internação foi vivido por eles com
angústia e estresse. Apesar de continuar sentindo fortes dores, Marcos esteve
constantemente presente no hospital, em função de ter tirado alguns dias de
licença, dedicando-se integralmente à esposa e filha. Além disso, em um
determinado momento, Vitória foi privada de visitar a filha na UTI, pois estava
com herpes, o que exigiu maior participação de Marcos. Já Artur apresentou
dificuldade em conciliar o trabalho com as idas à UTI, além de considerar o
ambiente da UTI Neonatal traumatizante, ao mesmo tempo em que foi uma
possibilidade para aprender muito. Sentiu-se inundado e paralisado por uma
preocupação constante acerca da sobrevivência dos bebês, em especial de Laura,
que contraiu doença grave durante a internação e esteve entre a vida e a morte.
Novamente, Artur refere-se aos benefícios de ter assistido documentários e assim
ter tido acesso a algumas informações e possibilidades relativas ao nascimento de
prematuros. Em relação a Max, observa-se que, embora não tenha vivido a
angústia de ter um filho internado em UTI Neonatal, mostrou-se também
envolvido emocionalmente com seu bebê.
Tais achados corroboram o estudo de De Barros, Menandro e Trindade
(2006), que aponta as dúvidas dos pais em relação à sobrevivência do bebê e à sua
normalidade, somadas ao desconhecimento da UTI Neonatal e à imaginação deste
local, como aspectos causadores de sofrimento. Verifica-se, também, que em
ambos os casos o medo de perder os bebês, apenas parte da fantasia dos pais
durante a gestação, é atualizado nesse período de internação e é real. Sobre esse
medo, Klaus, Kennel e Klaus (2000) acreditam que o pai, assim como a mãe,
duvida da sua capacidade de gerar uma criança normal e saudável e que conhecer
o seu bebê traz alívio. Artur e Marcos revelaram-se pais sensíveis, identificados
com as necessidades dos bebês e das esposas, cientes da importância da sua
87
87
participação ativa naquele momento e dispostos a enfrentar os medos para estarem
próximos aos seus filhos, conforme observado em seus relatos:
Se eu consegui desviar [a atenção da filha que estava na UTI Neonatal], acho que
30% é pelo que eu tava sentindo de dor e angústia (Marcos); Tava preocupado com
a Simone, que tava nervosa (...) essa preocupação tomou conta (...) e agente não
conseguia pensar em outra coisa (Artur).
Dessa forma, mostraram-se pais amorosos e sensibilizados com a situação de
prematuridade dos bebês. Pais envolvidos, buscando recursos internos para
lidarem também com a sua própria prematuridade enquanto pais. Nesse sentido,
os achados deste estudo corroboram os de Coutinho e Morsch (2006) sobre a
paternidade em cuidados intensivos neonatais. As autoras apontam que os relatos
dos pais sobre o período de internação dos bebês, assim como o tom de voz, os
gestos, as expressões verbais ou faciais utilizados, são semelhantes aos relatos e
expressões utilizados pelas mães. Observaram, ainda, que desde o momento do
parto prematuro o pai demonstra medo de que o bebê morra, além de grande
preocupação com o seu desenvolvimento. Portanto, Coutinho e Morsch (2006)
propõem que os aspectos relacionados ao tema Vida-Crescimento também estão
presentes na experiência paterna.
Com o passar do tempo, os genitores sentem-se mais à vontade e
confortáveis no ambiente da UTI Neonatal, à medida que alguns aparelhos podem
ser retirados de seu filho, um sinal de progresso (Mittaag & Wall, 2004), o que é
observado na fala de Simone: “Daí, no 4º. dia já me deixaram pegar no
colo...então eles tiravam de dentro da estufa, com aquele monte de fios que tava
ligado neles e eu botava aqui no corpo e fechava. Percebe-se em Simone e Vitória
um processo de adaptação à medida que os aparelhos eram retirados, no qual o
sentimento de medo e a angústia são lentamente aplacados pela crença na
capacidade de sobrevivência de seus bebês, confirmada pelos sinais objetivos de
melhora. Prescindir desses aparelhos significou para essas mães diminuição de
risco de vida dos bebês e, dessa forma, a possibilidade de acreditar na
sobrevivência desse bebê incompleto. Esses achados corroboram os de Geara
(2005), quando afirma que à medida que os dias passam e sinais de
desenvolvimento adequado surgem no bebê, a mãe passa a acreditar que o seu
bebê irá sobreviver, bem como os de Mittaag e Wall (2004) e Gaíva e Scochi
(2005) que apontam que os genitores sentem-se mais confortados quando seu
filho apresenta-se estável e eles podem assumir alguns cuidados básicos. A partir
88
88
desse momento, a ênfase dos cuidados da equipe médica passa a ser no processo
de crescimento do bebê, o que estimula não só a mãe a cuidar do bebê, mas a
equipe a orientá-la nos cuidados com o mesmo (Gaíva & Scochi, 2005).
No momento em que os genitores se sentem familiarizados, algumas
atividades já podem ser realizadas por eles, tais como conversar com os bebês e
pegá-los no colo (Mittaag & Wall, 2004). Nessa etapa, os genitores tornam-se
mais seguros, relacionam-se melhor com o bebê e aumentam o tempo de contato
com ele (Gaíva & Scochi, 2005). Esses achados podem também ser verificados no
relato de Simone:
Então eu ficava os turnos, sempre fazendo isso. Amamentando e fazendo bebê
canguru...que eu achei importante fazer com eles; e Vitória: Eu ia lá e conversava
com ela, dava mão pra ela...ela ouvia a minha voz... (...) Daí se acalmavam [ao
ouvirem a voz da mãe].
Quanto a essa crescente interação dos genitores com seus bebês, Mittaag e
Wall (2004) referem que estes se sentem gratificados ao perceberem que seus
filhos, um pouco maiores, mas ainda na UTI, interagem e fixam o olhar,
demonstrando a percepção de sua presença. Sobre a importância da interação da
díade para a construção da maternidade, pode-se lembrar Mathelin (1999), quando
aponta a dificuldade experimentada por mães de bebês que não interagem, que
não a gratificam e, portanto, não a “fabricam” mães.
Dessa forma, acredita-se que a UTI Neonatal tem o papel de acolher,
proteger e cuidar para manter a sobrevivência do bebê, tal qual um útero materno.
No contexto da prematuridade, a UTI Neonatal funciona como um intermediário
entre a mãe e seu bebê, um útero revestido de aparelhos e equipamentos de alta
tecnologia, capacitado para lutar pela sobrevivência desse bebê, enquanto a mãe
aprende e prepara-se para os cuidados com ele. Conforme Wirth (2000), na UTI
Neonatal os bebês estão entre a vida fetal e a vida exterior. Brazelton, Cramer,
Kreisler e Shapi (1987) consideram que durante este período de tensão, os
indivíduos buscam desenvolver novos recursos para lidar com o problema, quer
recorrendo a suas reservas internas ou à ajuda de outros.
Entende-se, portanto, que o tema Vida-Crescimento foi intensamente
afetado pela prematuridade dos bebês e a internação em UTI Neonatal, uma vez
que o nascimento antes do tempo previsto e a necessidade de cuidados de um
terceiro, a UTI, corroboraram as fantasias dessas mães de serem incapazes de
garantir a sobrevivência de seu bebê intra-útero. Além disso, a fragilidade inerente
89
89
à condição de prematuro e o entorno que se faz necessário para mantê-lo vivo,
impediram que as mães desempenhassem as tarefas iniciais nos cuidados de seus
bebês, o que talvez possa ter sido a confirmação de seu temor de não ser
suficientemente boa para o bebê.
Outro aspecto importante refere-se à alta hospitalar. Raquel voltou para
casa com Ralph nos primeiros dias após o seu nascimento, pois o bebê não
necessitou internação na UTI Neonatal. Em casa, teve que se deparar
solitariamente com esse bebê real, supostamente frágil por ter nascido prematuro,
conforme relata: Mas em casa também foi difícil. Todo mundo, os que podiam
ajudar trabalhavam, daí tinha que ficar junto comigo [o bebê], daí eu não podia
me mexer [cesárea]. Talvez Raquel tenha se desestabilizado emocionalmente nos
primeiros dias com o bebê, demonstrando insegurança e angústia nos cuidados
com ele:
(...) daí tudo que eu fazia tava errado [referindo-se aos comentários de sua mãe].
Eu chorei bastante nos primeiros dias, chorei bastante...acho que foi uma semana
assim, chorando. (...) só que a gente pensa, com os outros é tão fácil [cuidados com
os sobrinhos].
Conforme Mittaag e Wall (2004), esse momento é muito esperado, mas
muito temido, pois, a partir dele, os genitores tornam-se responsáveis pelos
cuidados com o seu bebê.
Já para Vitória e Simone, a vinda para casa com os bebês foi vivida com
angústia e estresse. Vitória comenta que era bastante coisa para dar conta, pois
Nicole apresentou dificuldade para mamar no peito, cólicas e refluxo, chorando a
maior parte do tempo, sem que ela pudesse contar com o apoio de Marcos, ainda
convalescente. Simone necessitou se adaptar a uma rotina especial, com babás,
empregada doméstica, planilhas de controle dos cuidados com os bebês, sentindo-
se sobrecarregada, com sua privacidade invadida e, talvez, o exercício da
maternidade ameaçado, tanto pela doença da filha como pelo fato de ter outras
pessoas ajudando a cuidar de seus filhos. Além disso, cada um dos bebês
apresentou uma peculiaridade que a preocupou:
(...) uma intercorrência pela Renata, que tá com refluxo e alergia a leite (...)
momentos de muita dor; Foi uma situação muito estressante (...) mas foi um susto
terrível [doença da Laura]; O Lucas me preocupou um pouquinho porque teve um
período que ele demorava a olhar prá gente...ficava dormindo demais...
Dados da realidade externa, tais como as doenças e a rotina criada
provocaram momentos de estresse intensos, já que Simone estava constantemente
90
90
em estado de alerta, mostrando-se disponível, embora exausta e com sinais de
depressão, chegando a ser medicada por sua terapeuta.
Quanto aos pais, a volta para casa com os bebês foi vivido também com
estresse, angústia e medo, pois, daquele momento em diante, a responsabilidade
nos cuidados dos bebês passou a ser do casal. Max, por sua vez, não faz alusão a
esse momento.
O tema Relacionar-se Primário (Stern, 1997) contempla o envolvimento
social e emocional da mãe com o bebê. No contexto da prematuridade do bebê, e
também de seus pais, no que diz respeito a assumir os cuidados e
responsabilidades inerentes ao status de pai ou mãe, Brazelton e Cramer (1992)
consideram que uma imaturidade de duas semanas pode desencadear diferenças
comportamentais, que tendem a influenciar as reações dos pais ao seu bebê, caso
não sejam instruídos sobre algumas questões acerca da condição dos bebês. Em
relação a esse tema, convém ressaltar que, os bebês de dois casais deste estudo
haviam permanecido na UTI neonatal por, aproximadamente, 30 dias, sendo que
nesse período foi necessário se deparar com a vulnerabilidade desses bebês e a
constante ameaça de perdê-los. Essa condição mantinha as mães em estado de
alerta e, certamente, influenciou a relação que se estabeleceu entre elas e seus
bebês.
Em um levantamento de estudos sobre o relacionamento mãe-bebê no
contexto da reprodução assistida, Makuch e Hardy (2002) constataram a escassez
de pesquisas sobre o tema. Além disso, os achados das pesquisas sugerem que o
relacionamento da díade nesse contexto parece ser semelhante ao relacionamento
encontrado na díade mãe-bebê no grupo controle (gravidez espontânea). Outro
estudo, que avalia esse relacionamento aos quatro meses do bebê (McMahon et
al., 1997), aponta que as mães apresentam índice de autoconfiança reduzido em
relação aos cuidados com o bebê, sendo que dentre as mulheres que necessitaram
repetir os ciclos de tratamento, essa preocupação foi mais intensa. Esses achados
foram atribuídos à alta expectativa dessas mulheres quanto ao seu desempenho
como mãe, proveniente da dificuldade para engravidar. Por outro lado,
comparadas às mães que engravidaram normalmente, apesar de sua preocupação,
as mães FIV não relataram mais problemas no manejo com seus bebês.
91
91
No presente estudo, as dificuldades no manejo com os bebês, apontadas
pelas participantes, ocorreram no período imediato à chegada em casa, conforme
ilustram as falas abaixo:
Então agora [aos 3 meses] é um outro momento...um momento melhor. Eu diria
que agora, nesse período a gente se adaptou um pouco mais. No início foi mais difícil
porque é uma rotina nova na casa; (Simone); Mas agora passou essa fase. Agora eu acho
que ela tá na melhor fase (Vitória); No início, o primeiro mês foi complicado (...) aí depois
de um mês ele ficou mais calmo (Raquel).
Ao levarem os bebês para casa, Simone e Vitória referem algumas
dificuldades no manejo com eles, em decorrência dos problemas de saúde
apresentados, conforme comentam:
E eu cheguei a um ponto que eu não agüentava mais ouvir ela chorar. Era uma
coisa difícil assim. (...) eu tava estressada também...não tava aguentando. (...)
Houve muito estresse no início (Simone); No início assim foi um pouquinho
estressante... Assim, logo que ela veio prá casa foi um período bem difícil prá gente
(...) eu não conseguia dormir (...) daí eu não conseguia acordar (...) ... na primeira
noite tu não consegue dormir (Vitória).
Tais dificuldades foram exacerbadas, possivelmente em decorrência dos
problemas de saúde apresentados pelos bebês. Quanto à Raquel, sentir-se frágil e
sem oportunidade de observar e aprender o manejo com um bebê prematuro,
como as demais participantes, talvez tenha influenciado a sua vivência desse
momento, conforme ilustra a sua fala: “(...) no início eu até achei que eu não ia
ficar apavorada (...) não, mais no início mesmo [sentiu dificuldades]”.
Esses achados encontram apoio em Maldonado (2002), quando afirma que,
no início, a relação mãe-bebê é pouco estruturada, não-verbal e intensamente
emocional. Como a díade se conhece pouco, ainda não se estabeleceu entre eles
um padrão de comunicação, que facilite à mãe identificar as necessidades do bebê.
Apesar do medo, da insegurança, da situação estressante face à doença, das
incertezas vividas na gestação e que agora se personificam, as mães deste estudo
empenharam-se ao máximo, lutaram com todas as forças para cuidarem de seus
bebês da melhor forma possível naquele momento, garantindo, assim, a
sobrevivência dos filhos. Simone diz ter se sentido estressada e irritada,
possivelmente pela sobrecarga de tarefas e responsabilidades nos cuidados com os
bebês e pela mudança da rotina da casa, sempre com muitas pessoas circulando:
Eu me sentia exausta o tempo todo (...) Muito irritada...não com os bebês, mas
92
92
com as pessoas que estavam em volta (...) A casa cheia de gente o tempo todo.(...)
Tu não tem mais privacidade como era antes.
Os primeiros meses, embora angustiantes, foram também uma
oportunidade de provarem para si mesmas que eram capazes de cuidar de seus
bebês adequadamente e que tinham “coisas” boas dentro de si.
O medo de errar nos cuidados com os bebês e a insegurança foram temas
comuns entre as três mães participantes, conforme pode ser observado em seus
relatos:
(...) porque eu não estou ainda suficientemente segura...porque eu não consegui
impor o meu ritmo (Vitória); Eu não via o que tavam fazendo com os bebês (...)Eu
tinha muita dificuldade de confiar no pessoal que trabalhava à noite. Fiquei muito
desconfiada (Simone);...agora já estou me adaptando mais, antes eu...ficava sempre
em cima dele, que daí eu tinha medo[que o bebê vomitasse, engasgasse](Raquel).
O modo como as mães deste estudo relacionaram-se com seus bebês
nesses três meses foi inicialmente permeado pelo temor de que esses bebês não
sobrevivessem em decorrência de sua imaturidade orgânica e vulnerabilidade a
algumas doenças, conforme pode ser verificado em suas falas:
...e eu com a Nicole na UTI, eu tinha que ser forte...(...) foi um período bem difícil
assim pra gente (Vitória); A menina Laura teve... uma situação...um certo risco (...)
e corria o risco de se tu usar muito tempo [antibiótico] (Simone).
Esses dados da realidade objetiva acabaram por intensificar, nessas
participantes, os medos de perder o bebê e as fantasias já presentes durante a
gestação, uma espécie de corporificação desse sentimento de incapacidade de
manter a sobrevivência e o desenvolvimento de seu bebê. Dessa forma,
sentimentos de raiva, culpa e depressão surgiram, como no caso de Simone, e
estresse, como mencionado por Vitória e Raquel. Com o passar do tempo, a
confiança em si mesmas foi lentamente instaurando-se, pois apesar das
intercorrências iniciais, os bebês estavam vivos e desenvolvendo-se
adequadamente.
Quanto aos pais, percebem-se também preocupações em relação à saúde
do bebê e às possíveis seqüelas da prematuridade, que podem ser ilustradas pelas
suas falas. Artur menciona que “era difícil ver a menina com dificuldade de
respiração, entubada (...) claro que tamos vendo se não vai ter nenhuma seqüela
neurológica...(...) uma preocupação constante com eles... ocupa constante a tua
cabeça”.
93
93
Outra questão importante é a sensibilidade desses pais para captar as
necessidades dos bebês, através de suas diversas formas de expressão, conforme
encontrado nos relatos:
(...) ela tem uma visão...é um troço fantástico...tá sempre olhando, espiando(...)
Muito tranqüilo (...). E muito quietinha, também. (...) e aí ela se tornou muito
irritável. (...)a gente se preocupou um pouco com um olhar meio fixo que ele
tem...(...) é parecido comigo (Artur); Com o passar do tempo, Nicole tá mais
acordada (...), foi fixando mais a visão, tentando enxergar uma coisa,
balbuciando...(...) quando ela quer uma coisa, ela chora, ela berra, já desde
pequenininha. (...) Aparentemente, bem tranqüila.(...) Parece que tá dando dor de
barriga...será que não foi aquilo....(...) não imaginava que ia ser tão parecida
comigo (Marcos).
Quanto a Max, refere-se ao filho como calminho (...), e que
todo dia tem uma coisa nova que está descobrindo, que ele tá descobrindo e a gente
descobre junto (...) ele já tá interagindo mais comigo agora (...) De vez em quando
ele dá aquelas choradinhas prá mamar, prá dormir...(...) balbuciando palavras...e
dá umas risadas...Ele é parecido comigo, né?.
Esses dados são corroborados pelo estudo de Coutinho e Morsch (2006),
no qual os pais mostraram-se muito disponíveis afetivamente para os seus bebês,
capazes de identificar suas necessidades físicas e afetivas. Sobre o mesmo tema,
Oiberman (1994) resgata o termo “engrossment”, proposto por Greenberg e
Morris em 1982, para descrever aspectos específicos do vínculo em
desenvolvimento do pai com o seu bebê, que contemplam a atração pelo bebê, a
percepção de que é “perfeito”, o orgulho e aumento da auto-estima. A autora
(Oiberman, 1994) acrescenta que este é um potencial inato que o pai possui e se
desenvolve no momento do nascimento de seu bebê. Implica estar totalmente
absorvido pela presença do bebê; interessar-se e manifestar preocupação e
interesse e emocionar-se por ter se tornado pai.
Essa capacidade dos pais de apaixonar-se pelo bebê, o “engrossment”,
surge nas falas dos 3 pais:
Pai bobão (...) o mais bobalhão (...) o cara perde a noção de perigo (Marcos); se
tem algum aspecto negativo, eu fico me perguntando...É o dia ter só 24 horas
(Artur); ...é muito gratificante...te dá um gás novo (Max).
Neste momento, Marcos considera-se um excelente pai, o que é
confirmado pelo seu envolvimento com a filha. Mostra-se “bobão”, isto é, um pai
afetivamente envolvido, embora destaque que, nas tarefas do dia-a-dia, há certos
momentos em que sente preguiça, mas quando há necessidade, divide as tarefas
94
94
com Vitória. Artur descreve-se como aprendiz de pai, referindo-se à paternidade
como uma construção, com momentos emocionantes, como fazer uma criança rir
do nada. Considera que a paternidade exige um certo “desprendimento”, que teve
que ser aprendido por ele. Max aponta que, antes da gravidez de Raquel, não
conseguia imaginar como seria ter um filho e cuidá-lo. Atualmente, avalia a
experiência da paternidade como “gratificante”, pois consegue interagir com o
filho. Avalia-se como um bom pai...um não tão ótimo pai, ainda. Através dos
relatos dos pais, constata-se que passado o impacto da prematuridade dos bebês e,
em dois casos, a necessidade de internação em UTI Neonatal, começa a surgir um
sentimento de competência e confiança na sua capacidade de ser um bom pai.
Conforme pode ser verificado, o estereótipo de pai ausente, que não se envolve
com os cuidados e responsibilidades em relação ao filho, dá espaço a um novo
pai, participativo, disponível emocionalmente e envolvido com o projeto parental.
Além disso, a idéia de que não basta ser genitor, nem ser designado como pai para
assumir o papel de pai e que a parentalidade é uma construção, conforme aponta
Houzel (2004), é encontrada no relato dos pais deste estudo.
O terceiro tema proposto por Stern (1997), a Matriz de Apoio, contempla a
rede de apoio capaz de proteger a mãe e garantir que possa dedicar-se ao seu bebê.
Nesse período, a mãe necessita sentir-se cercada, apoiada, acompanhada,
valorizada, apreciada, instruída e ajudada, de acordo com suas necessidades. A
ausência dessa forma de apoio compromete a função materna.
Cada participante deste estudo se organizou de forma diversa para contar
com o apoio familiar ou profissional, a fim de que aos bebês fossem assegurados
os cuidados necessários naquele momento. Vitória contou com a ajuda da mãe na
maior parte do tempo, pois Marcos estava convalescendo da cirurgia, conforme
relata: Eu tinha, não o apoio físico [do marido]...às vezes ele não podia pegar ela
porque fez uma cirurgia...mas o apoio moral eu tinha...psicológico (...) Minha
mãe também ficou aqui comigo. Raquel teve o apoio do marido, da mãe e de
irmãs, embora considere que a mãe se atrapalhasse um pouco (...) a deixasse
nervosa e a criticasse. A situação de trigêmeos prematuros e com algumas
complicações exigiu de Simone a busca por auxílio profissional, o que a fez
contratar babás, conforme assinala: A gente tem... a de dia [babá], tem de noite,
tem plantonista. Esporadicamente contava também com o apoio de uma tia e do
95
95
marido, que necessitava trabalhar para garantir financeiramente a permanência da
estrutura preparada para os cuidados com os bebês, chamada por ele de “logística”
Destaca-se, nesse tema, a insegurança de Simone e Vitória em permitir que
outras pessoas assumissem os cuidados com os bebês, mesmo que
temporariamente, comentando que
...eu tinha muita dificuldade de confiar no pessoal que trabalhava à noite...talvez,
pelo fato que eu tinha que me retirar...(Simone); tem uma pessoa que ajuda aqui em
casa, mas eu não deixo com ela. Assim, no máximo, se eu vou tomar um banho ela
fica reparando a Nicole (Vitória).
Pode-se supor que essa insegurança seja decorrente da prematuridade dos
bebês e dos riscos de perdê-los vivenciados no período da internação. Além disso,
há também a prematuridade dessas mães, isto é, o nascimento dos filhos foi
antecipado, ocorreu numa situação emergencial, de risco e por meio de cesareana,
necessitando permanecer um tempo longo na UTI Neonatal. Esta condição, como
foi referido anteriormente, talvez tenha reforçado nessas mães sentimentos de
culpa e de ser incapaz de garantir a sobrevivência desses bebês prematuros e
incompletos, além do medo de perdê-los.
O contato dos bebês de Simone com visitas foi proibido pelo médico, em
função da sua prematuridade. A ausência de familiares e amigos, uma rede de
apoio importante nesse momento, foi vivida por ela como isolamento, pois seu
envolvimento era apenas com os trigêmeos, necessitando outros contatos e trocas
afetivas, o que é ilustrado em sua fala:
Pela prematuridade dos bebês, o pediatra proibiu visitação, até completarem em
torno de 2 meses, então a gente não teve assim essa oportunidade imediata, que nem
a maioria dos casais tem, de um retorno social, né? Das pessoas virem,
visitarem...aquela coisa que é boa também, que faz parte, né?...eu fiquei muito
ilhada...
Percebe-se que o tema Matriz de Apoio apresentou como características a
insegurança frente à possibilidade de os bebês serem cuidados por outras pessoas,
talvez vivido por Simone e Vitória como uma ameaça à sua condição de mãe, tão
difícil de ser conquistada. Cabe questionar quais temores e fantasias habitam o
interior dessas mães: não ser uma mãe “suficientemente boa”, vindo a ser
substituída; não ser suficientemente encantadora para esses bebês, a ponto de ser
trocada; ou que esses bebês não sejam bem cuidados, vindo a morrer.
Nesse momento, aos três meses do bebê, a questão de colocá-los na creche
quando retornarem às suas atividades, ainda é assunto polêmico para as
96
96
mães.Embora Simone planeje levá-los para creche quando completarem oito
meses, teme pelos riscos de doenças que podem ser adquiridas no convívio com
outros bebês, demonstrando, ainda, perceber os filhos com frágeis, uma cicatriz
deixada pela experiência da reprodução assistida e pela a prematuridade dos
bebês. Além disso, há dificuldade em delegar a outros os cuidados com os bebês,
o que já foi evidenciado nas constantes desavenças com as babás. Vitória pensa
em levar Nicole para a creche apenas meio turno, pois no outro ficará em casa
com ela. Raquel diz que preferiria deixar Ralph com sua mãe, mas por razões de
doença de sua mãe, não será possível, então talvez o deixe em uma creche,
embora acredite que a adaptação do filho será muito difícil para ela. Observa-se
nas três participantes o receio de afastar-se dos filhos, talvez intensificado em
decorrência do parto prematuro, vivido como abrupto, bem como das primeiras
experiências com um bebê prematuro e vulnerável.
Resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Bellini (2008),
que aponta que aos três meses de vida dos bebês pesquisados, as quatro mães
participantes do estudo não planejavam colocá-los na creche, manifestando
diferentes motivos para tal. Aos oito meses, a ida do bebê para a creche fazia parte
dos planos de apenas uma mãe, sendo que aos doze meses, duas mães
manifestavam desejo de colocar o bebê na creche. Segundo a autora, até o final do
primeiro ano de vida do bebê, as mães manifestaram com maior clareza seu desejo
de retomar seu espaço e ser mais independente. Essa crescente individuação do
bebê, de acordo com a autora, parece ter provocado o resgate da individualidade
da mãe.
Assim como as mães, os pais ainda não possuem uma posição definida
quanto à ida dos bebês para a creche. Artur pensa em colocar os bebês na creche
apenas por volta dos dois anos, quando a imunidade já estará mais alta. Para
Marcos, a creche no momento não seria a melhor alternativa. Sua opção seria
deixar Nicole na casa de sua mãe, junto com uma babá, com o que Vitória não
concorda. Deixar a filha sendo cuidada por uma babá em casa pode não ser
seguro, pois não teriam controle sobre o que acontece nesse período, sendo o seu
medo os maus-tratos com o bebê. Max planeja colocar Ralph na creche em torno
dos 8 meses, mas não ainda não se decidiu, pois Raquel deseja ficar em casa
cuidando do filho por bastante tempo.
97
97
Segundo Coutinho e Morsch (2006), o nascimento prematuro de um bebê
desperta no pai novos medos e emoções. Além disso, necessita assumir novas
tarefas e responsabilidades, proteger a díade mãe-bebê, continuar provendo a
família e manter seus compromissos profissionais. Nesse sentido, Artur comenta
sobre a sua necessidade de desempenhar diversas tarefas sem, no entanto,
abandonar os compromissos de trabalho, que são o sustento da família, conforme
ilustra sua fala:
Pára criança, agora trabalho. Pára trabalho, agora é criança. Senão, tu não
consegue fazer nada direito. (...) eu que tinha problema de me concentrar no
trabalho (...) então, esse aspecto de provedor, tá indo bem...que é o papel masculino
e da paternidade...e tem a parte afetiva...Eu não pretendo e nem posso fazer isso
[trocar fraldas, dar banho todos os dias], senão cai o outro lado [financeiro] eu
não conseguia ir... (...) me assustava.(...) Eu voltei prá minha terapia...(...) Tem mais
gente na minha volta, mas mais solitário.
Max mostra-se disponível, também, para garantir que a esposa possa cuidar
adequadamente do filho, ao expressar “(...) daí ela me chama e pede para eu
segurar ele, dar uma voltinha com ele...(...) Todo apoio no que eu posso. Se tiver
que largar o trabalho prá levar ela ao centro, levar ele... acompanho tudo
sempre”. Entretanto, por ser um momento em que se encontrava doente, Marcos
necessitou ser cuidado, mas procurou manter-se sempre próximo à filha: ...eu
fiquei muito perto, né?Mesmo com problema, mesmo com dreno... Era ruim
porque eu não podia pegar ela no colo.
No caso de Artur e Marcos é interessante observar que ambos
necessitaram também de uma matriz de apoio que os ajudasse a enfrentar as
dificuldades e tarefas inerentes ao momento. Artur buscou ajuda por meio de
terapia e Marcos permaneceu em casa, convalescendo e sendo cuidado também
pela esposa, o que demonstra a necessidade de se prestar mais atenção aos pais, já
que eles também se sentem fragilizados, compartilham o mesmo sofrimento e
angústias com as esposas, mas sentem que devem ser fortes para apoiá-las. Esses
achados encontram respaldo no estudo de Coutinho e Morsch (2006), quando
afirmam que os pais necessitam da existência de uma matriz de apoio a fim de que
possam enfrentar as demandas do momento. Sobre esse tema, Brazelton e Cramer
(1992) ressaltam que com a chegada do bebê, os pais têm de aceitar a transição de
uma relação dual para triangular, o que os faz sentir-se abandonado, deixado de
lado. Entretanto, essa necessidade de contar com apoio para poder então apoiar a
esposa, não foi evidenciado em relação a Max. Cabe questionar se esse fato
98
98
ocorreu em função de Max não ter passado pela dolorosa experiência de
internação em UTI Neonatal, o que o ajudou confiar mais na sua capacidade (e da
esposa) de cuidar do filho. Nos outros casos, as cicatrizes deixadas pela
reprodução assistida, prematuridade, nascimento abrupto, permanência do bebê na
UTI Neonatal e a própria doença, que por si só, causa regressão, podem ter
incrementado essa fragilidade.
O quarto tema proposto por Stern (1987) contempla a Reorganização da
Identidade, que aborda a necessidade da mãe de transformar e reorganizar a sua
identidade, passando de filha para mãe, de esposa para mãe do filho do casal e de
profissional para mãe de família. O processo de realinhamento psíquico
desencadeado pelo nascimento dos bebês, conforme propõe Stern (1997), pode ser
verificado nas mães deste estudo. O contexto em que essas mudanças de
identidade e de status aconteceram foi permeado, também, pelo impacto do
tratamento e da prematuridade, influenciando a reorganização da identidade de
filha para identidade de mãe. Vitória, Simone e Raquel viveram essa mudança de
status mantendo-se em estado de alerta, certificando-se sempre que os bebês
estavam bem. Este fato chama a atenção neste estudo, uma vez que o medo de não
conseguir garantir a sobrevivência do feto e depois do bebê e, assim, inviabilizar a
maternidade, foi uma constante desde o tratamento.
Em relação aos pais, Coutinho e Morsch (2006) apontam que o nascimento
de um filho demanda também ao homem a reorganização de sua identidade, o que
ocorre por meio de um intenso trabalho mental. O homem passa ao lugar de pai,
redirecionando seus investimentos afetivos e priorizando outras atividades. Neste
estudo, os pais também assumiram o novo papel parental dedicando-se aos
cuidados com os bebês, empenhando-se para que houvesse condições favoráveis
para o seu desenvolvimento, conforme ilustram seus relatos:
Coisa que eu faço muito bem e faço todos os dias é dar mamadeira... Aí forma
aquela ligação...um outro tipo de ligação (Artur); Mas já troquei fralda, já fiquei
sozinho com ela (Marcos);Porque é minha primeira vez de ter um filho, né? (...) A
coisa agora é que tu tens uma pessoa a mais para cuidar e tudo. Tu tens mais
responsabilidades (Max).
Pode-se supor que, em relação a esses pais, a reorganização da identidade
de filho para a de pai possa ter sido facilitada pelo “engrossment” (Oiberman,
1994), a capacidade de apaixonar-se pelo bebê, de orgulhar-se, sentir-se atraído
por ele, que são considerados aspectos importantes no desenvolvimento do
99
99
vínculo pai-bebê. Além da identidade de pai, há também que ser preservada a de
marido. Em relação a isso, Artur conta que Ainda com alguma dificuldade (...) a
gente sai prá jantar uma vez por semana. Já em relação a Marcos e Max, a
identidade de marido não se apresenta de forma evidente.
Tendo em vista a análise dos relatos dos participantes deste estudo,
constata-se que a vivência da constelação da maternidade ao longo dos três
primeiros meses de vida do bebê foi marcada pelo impacto da prematuridade,
reforçando medos relacionados ao contexto da reprodução assistida, já presentes
desde a gestação. Assim como na discussão do eixo anterior (Eixo II), o tema
Vida-Crescimento ocupou um espaço significativo na fala dos participantes e teve
como questão primordial a ameaça de concretização da fantasia de perder o bebê,
já presente no imaginário desses participantes desde a gestação.
O intenso medo de perder o bebê, expresso pelos participantes deste estudo
durante a gestação, corre o risco de ser confirmado pela realidade externa, algo
temido, mas já anunciado na gestação, o que pode ser associado à idéia trazida por
Freud (1919) sobre a presença de algo reprimido, presente no inconsciente e que
retorna, o qual vivenciamos como “estranho”. A experiência traumática da
prematuridade dos bebês impõe uma nova realidade, na qual bebês e seus
genitores são prematuros em decorrência de uma gestação interrompida
precocemente, e que afeta a maneira como esses genitores vivem a constelação da
maternidadee da paternidade com descrença na sua capacidade de produzir
“coisas boas” , de ser incapaz de garantir a sobrevivência do bebê podem ser
corroboradas pela realidade.
Além da constelação da maternidade, outras particularidades como o
encontro entre o bebê imaginário e o bebê real, podem ser destacadas. Com o
nascimento do bebê, os genitores tem que se enfrentar com diversas perdas e
incertezas, tais como a perda de uma parte de si mesmos, confronto com um vazio
súbito, nem sempre preenchido pela presença do bebê, perda do sentimento de
plenitude da gravidez, perda dos pais da infância, perda da condição de filho
(Behs, 1998), bem como necessitam elaborar a perda da criança idealizada
(Mittaag & Wall, 2004). É preciso renunciar ao bebê imaginário para dar lugar ao
que é real, cujo aspecto, impressão e, algumas vezes, sexo não são como havia
sido antecipado (Raphael-Leff, 1997; Maldonado, 1997). Segundo Behs (1998),
mesmo na situação de reprodução assistida, o bebê imaginário dará lugar ao
100
100
aparecimento do bebê real, na medida em que for aceito em sua originalidade e
individualidade como parceiro na construção desse encontro.
Em relação às participantes deste estudo, percebe-se que Vitória e Simone
necessitaram se deparar com seus bebês reais repentinamente, em função do
cenário que se estabeleceu. O bebê imaginário sonhado por cada uma delas foi
confrontado repentinamente com o bebê real, prematuro, com necessidade de
cuidados especiais em função de prematuridade e de doença, como no caso de
Laura, bebê de Simone e Artur. Quando o bebê é prematuro, esse ajuste ao bebê
real é ainda maior (Andreani, Custódio & Crepaldi, 2006). Pode-se inferir que
esse confronto ocorreu de forma adequada com as participantes deste estudo,
tomando-se como base a maneira como lidaram com aspectos da realidade
externa, tanto nos dias em que os bebês permaneceram na UTI, quanto após a sua
alta, sem permitir que a angústia, o medo e as incertezas as paralisassem ou
interferissem no estabelecimento do vínculo com seus bebês. Já Raquel, que foi
para casa com seu bebê prematuro, sem ter tido a experiência da UTI Neonatal,
parece ter enfrentado os primeiros desafios da maternidade com ansiedade,
insegurança, sentimento de incompetência e tristeza, conforme relata: “(...) daí
tudo que eu fazia tava errado [crítica de sua mãe]; (...) acho que foi assim , uma
semana chorando”.
Confrontar o bebê real, prematuro, com o bebê imaginário foi também