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A Telemedicina no Brasil: Evolução e Perspectivas
Renato M.E. Sabbatini
Define-se como telemedicina o uso de tecnologias de telecomunicação para a realização de
ações médicas a distância. As modalidades mais comuns de telemedicina são o
telediagnóstico, a teleconsulta, a telemonitoração e a teleterapia. Também poderíamos
enquadrar, de modo geral, a teledidática (educação ou treinamento a distância) em saúde
como parte dessa grande área. O termo tele-saúde é reservado para nomear uma área ainda
mais ampla do que a telemedicina, ou seja, o armazenamento, transmissão, disponibilização
e interação de tudo que se refira à saúde e suas atividades-fim e atividades-meio. Por
exemplo, um site de educação em saúde, com serviços interativos de perguntas e respostas
para leigos, pode ser classificado como uma atividade de tele-saúde.
Desenvolvimento histórico da telemedicina
A telemedicina, em seu sentido mais estrito, é uma atividade bastante nova no Brasil. No
mundo, essa área tecnológica teve seu início com os primeiros vôos espaciais tripulados, na
década dos 60s, quando foi necessário realizar uma telemetria de rádio para a
monitorização dos sinais vitais de astronautas em órbita ou em viagem à Lua. Na década
dos 70s, diversos projetos pioneiros, utilizando ainda vídeo analógico comum e vídeo de
varredura lenta, áudio analógico e telemetria por rádio, foram implementados de forma
piloto em muitos paises pioneiros, como na Itália, Inglaterra, EUA, Canadá e Japão. Devido
às dificuldades tecnológicas e à inexistência de redes digitais de área ampla com suficiente
cobertura, esses projetos foram sendo gradualmente extintos. Somente na década dos 90s,
com o surgimento das linhas de transmissão de dados de ampla distribuição, como rede
comutada de pacotes, redes ISDN (Rede de Serviços Digitais Integrados) e a Internet (rede
TCP/IP) é que a telemedicina deslanchou novamente, partindo para sua área de maior
expansão e início do desfrute comercial das várias tecnologias desenvolvidas. Hoje, a
telemedicina é uma realidade do dia a dia de milhares de instituições de saúde em todo o
mundo, e é calcada em dois fundamentos: a videoconferência, que pode ser conduzida
através de ISDN (ainda a mais comum) e IP, e a Internet e a World Wide Web (WWW),
que se prestam principalmente para uma modalidade de telemedicina denominada de “store
& forward” (armazena e envia), que não necessita de grandes velocidades e nem de
aplicações que exijam tempo real.
Telemedicina no Brasil
Uma série de fatores retardou bastante o início e o desenvolvimento da telemedicina no
Brasil. Um deles foi a falta de cultura específica para isso por parte dos usuários médicos,
que muitas vezes não conseguem enxergar claramente seus benefícios. Outro tem sido o
alto custo dos equipamentos de videoconferência e das linhas de conexão de alta
velocidade, além de uma distribuição desigual e muito restrita no território nacional.
Finalmente, a falta de um modelo de pagamento pelos serviços telemédicos tem sido, como
no resto do mundo, um importante obstáculo para sua adoção. A barreira representada pela
falta de legislação sobre seus aspectos deontológicos (ética médica), de prática profissional
e de responsabilidade jurídica pelos atos praticados, tem sido gradativamente levantada,
principalmente por uma resolução do Conselho Federal de Medicina, de 2002, que fixa
normas de conduta para a utilização ética da telemedicina.
Ao que é do nosso conhecimento o primeiro projeto de telemedicina brasileiro a utilizar
redes digitais foi realizada por um dos autores deste trabalho (R.M.E.S.) em 1985, por
ocasião de um acidente na cidade de Goiânia, estado de Goiás, em que várias pessoas foram
contaminadas por césio radiativo liberado de um equipamento biomédico abandonado. Os
médicos encarregados de realizar o laudo médico-legal do acidente, professores da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), utilizaram um sistema montado pelo
Núcleo de Informática Biomédica da mesma Universidade, que consistia de computadores
de 8 bits (Itautec I-7000) interconectados através da RENPAC (Rede Nacional de Pacotes)
a 2.400 bits por segundo, em hospitais das cidades de Brasília, Goiânia, Rio de Janeiro e
Campinas. Utilizando correio eletrônico, os médicos recebiam relatórios diários da
evolução das vítimas do acidente, internados nesses hospitais, e dialogavam pelo mesmo
método com os médicos atendentes.
No final da década dos 90s, com a maior disponibilidade de redes ISDN no país, tiveram
início os primeiros projetos de maior envergadura e continuidade, utilizando pela primeira
vez videoconferência. Podemos citar os projetos de telemedicina em medicina cardiofetal, ,
da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife e cidades adjacentes, da rede dos
hospitais da Fundação Pioneiras Sociais (Sarah Kubitschek), do Instituto do Coração da
Universidade de São Paulo (USP), em medicina nuclear; do Instituto Materno-Infantil de
Pernambuco em cooperação com o St. Jude Children´s Research Hospital, de Memphis,
EUA, o projeto de telemedicina na Amazônia, realizado pelo Exército Brasileiro. Mais
recentemente, temos os projetos de oncologia pediátrica abrangendo três hospitais,
coordenado pela Universidade de São Paulo (USP – Instituto da Criança do Hospital das
Clinicas e Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica), e o projeto de
telepatologia e tele-autópsia, realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, em cooperação com o Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais de
Medicina dos estados do Paraná e de São Paulo.
O número e diversidade de projetos acadêmicos de telemedicina aumentou bastante com a
implementação de redes de alto desempenho (Internet 2) pela Rede Nacional de Pesquisa,
do Ministério da Ciência e Tecnologia em várias capitais e cidades brasileiras, muitos dos
quais estão ainda em desenvolvimento, no que pesem as grandes dificuldades criadas pela
não continuidade de apoio financeiro ao projeto. Vale mencionar também o projeto SIVAM
(Sistema de Vigilância Aérea da Amazônia) um complexo e gigantesco sistema baseado em
satélites, que contém um componente de telemedicina já bastante avançado, para a região,
um dois maiores espaços selvagens do planeta.
Paralelamente aos esforços acadêmicos, o setor médico-hospitalar privado começou a
descobrir as vantagens da telemedicina no início do século XXI. Hospitais de alto nível,
como o Hospital Sírio-Libanês, e o Hospital Israelita Albert Einstein, ambos em São Paulo,
equiparam-se com salas de videoconferência e começaram a utiliza-las em projetos de
segunda opinião médica com entidades estrangeiras, com bom resultado, além de
aplicações em educação continuada. O aparecimento, no Brasil, de satélites digitais capazes
de oferecer serviços interativos multimídia possibilitou também iniciativas como o da
empresa Conexão Médica, que transmite aulas e palestras, e realiza sessões interativas de
discussão de casos clínicos. Surgiram também, a partir de 1994, diversos serviços de
telemonitoramento cardíaco transtelefônico, em nível empresarial, com projetos em São
Paulo (TeleCardio), Bahia, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Amazonas, etc. Clínicas de
Medicina Diagnóstica de ponta, como Laboratório Fleury e Omni Sistemas Diagnósticos,
ambos de São Paulo, também começaram a inovar recentemente no envio de imagens
médicas digitais entre filiais e para os médicos solicitantes, utilizando Internet em banda
larga.
A evolução e o status da telemedicina nacional podem ser acompanhadas pela série de
congressos anuais coordenados por um dos autores deste trabalho (R.M.E.S) a partir de
1999, denominado TELMED. Recentemente (2002) foi criado um Conselho Brasileiro de
Telemedicina e Telesaúde, uma organização profissional que organizou em novembro de
2003 o seu primeiro congresso sobre este tema. Outras sociedades profissionais, como a
Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS), e a Sociedade Brasileira de
Engenharia Biomédica (SBEB) ostentam, em seu seio, grupos de interesse específicos para
telemedicina e telesaúde, visando fomentar seu desenvolvimento técnico e científico.
Congressos bianuais das duas sociedades, assim como outros certames isolados
organizados na área de tecnologia médica, vêm servindo de fórum para a apresentação e
discussão de trabalhos.
Finalmente, por iniciativa também de R.M.E.S, foram criadas desde 1986 revistas como a
Revista Brasileira de Informática em Saúde, Revista Informed, Revista de Informática em
Saúde e Revista Intermedic, para a publicação de artigos em informática médica e
telemedicina. Alguns sites brasileiros na WWW também foram organizados para divulgar a
telemedicina, como o do Instituto Edumed para Educação em Medicina e Saúde
(telemedicina.org.br) e do Grupo de Tecnologia de Informação em SaúdeS da Universidade
Federal de Pernambuco (telesaude.org.br).
Oportunidades
Podemos dizer, sem muitas dúvidas a respeito, de que o Brasil é um país que oferece
oportunidades ímpares para o desenvolvimento e as aplicações da telemedicina. Sua grande
extensão territorial, milhares de locais isolados e de difícil acesso, sua potente rede de
telecomunicações, a melhor da América Latina, e a distribuição extremamente desigual de
recursos médicos de qualidade, permitem prever que haverá no futuro próximo uma grande
expansão da telemedicina no país.
Como fatores de expansão podemos citar o aumento do interesse dos governos federais e
estaduais em aplicações de telemedicina, especialmente com relação ao portentoso
Programa de Saúde da Família (PSF), que conta já com mais de 12 mil equipes em cerca de
metade dos 6.500 municípios brasileiros. A implantação de uma rede informatizada nas
unidades básicas de saúde, utilizando terminais dedicados (TAS) para identificação de
pacientes com cartões magnéticos, abre caminho para uma futura rede de telemedicina. A
Universidade Federal de Pernambuco iniciou um projeto pioneiro nesta área, em
colaboração com o Ministério da Saúde.
Outra área que terá grande expansão será a relativa à educação a distância (EaD) em saúde.
Graças a uma inovadora legislação federal sobre a EaD, estão em acelerado
desenvolvimento cursos de extensão e de pós-graduação em todo o pais, sobressaindo-se
aqui a Universidade Estadual de Campinas, a Universidade Federal de São Paulo e a
Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro. Recentemente, sob a liderança de um dos
autores deste artigo (R.M.E.S.) foi formado um consórcio de instituições de ensino e
assistência em saúde, com o objetivo de implementar uma Rede Nacional de Educação a
Distância em Saúde e Telemedicina (Projeto Edumed.net), do qual participam também
empresas detentoras de tecnologia de suporte à telemedicina e EaD no mercado, tais como
TES, Embratel, CardGuard, Aethra Ameris, Metron, Diebold-Procomp e outras.
Entre os obstáculos à maior disseminação da telemedicina no Brasil está, sem dúvida, a
carência de profissionais especializados. Não existe ainda, em nível de graduação ou pós-
graduação, nenhum curso especifico sobre o tema, e o número de profissionais com
formação nessa área é ainda extremamente deficiente. Esforços, apoiados pelos órgãos de
fomento à pesquisa e ensino, devem ser iniciados com urgência para remediar essa
situação.
Quanto ao financiamento de projetos e de implementações práticas de rotina, as
oportunidades que surgem especificamente para a telemedicina estão sendo contempladas
em grandes esforços como o FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de
Telecomunicação), lastrado em uma contribuição de 1% sobre todas as contas de
telecomunicação das empresas privatizadas, o FUNTEL (Fundo de Desenvolvimento das
Telecomunicações), com 0,5% das contas de telecomunicação, e projetos como o Fundo
Verde-Amarelo, os Fundos Setoriais do Ministério de Ciência e Tecnologia, os aportes
financeiros ao desenvolvimento gerencial do Sistema Único de Saúde (SUS) pelo
Ministério da Saúde, e aportes para aplicações sociais do BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social). Podemos olhar, assim, com otimismo para o futuro
da telemedicina brasileira, que figurará certamente entre as maiores do mundo.
Referências
Chao LW, Silveira PS, Bohm GM.: Telemedicine and education in Brazil. J Telemed
Telecare. 1999;5(2):137-8.
Maceratini, R. e Sabbatini, R.M.E.: Telemedicina, a nova revolução. Informédica, 1(6): 5-
9, 1994. Disponível na Internet. URL: http://www.epub.org.br/informed/telemed.htm
Sabbatini, R.M.E.: Telemedicina: A Assistência à Distância. Médico Repórter, 2(3),
fevereiro de 1999. Disponível na Internet. URL:
http://www.nib.unicamp.br/papers/reporter-medico-03.htm
Sabbatini, R.M.E.: História da Informática Médica no Brasil. Revista Informática
Médica, 1(5), 12-16, 1998. Disponível na Internet. URL:
http://www.epub.org.br/informaticamedica/n0105/sabbatini.htm
Tachinardi, U.: Internet and healthcare in Brazil: the role of the Working Group for
Healthcare (GT Saude). Comput Biol Med. 1998 Sep;28(5):519-29.
Sites na Internet
Instituto Edumed: www.edumed.net
Núcleo de Informática Biomédica: www.nib.unicamp.br
Universidade Federal de Pernambuco: www.tis.
Universidade Federal de São Paulo: http://virtual.epm.br
Fundação Oswaldo Cruz: www.fiocruz.br
Revista Informática Médica: www.epub.org.br/informaticamedica
Revista Intermedic: www.epub.org.br/intermedic
Revista Informed: www.epub.org.br/informed
Telemedicina.org: www.telemedicina.org.br
Telesaude.org: www.telesaude.org.br
Sociedade Brasileira de Informática em Saúde: www.sbis.org.br
Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica: www.sbeb.org.br
Grupo de Tecnologia de Informação em Saúde da UFPE: http://www.lika.ufpe.br/tis/
Projeto de Telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo:
http://www.usp.br/fm/dim/