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IMPACTOS DA GEOMETRIA URBANA NO MICROCLIMA
Flávia Osaku Minella (1); Eduardo L. Krüger (2)
(1) Arquiteta, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Universidade Tecnológica
Federal do Paraná – PPGTE-UTFPR, Av. Sete de Setembro, 3165 CEP. 80230-901 Curitiba PR,
arqui_flavia@yahoo.com.br
(2) Professor Doutor, PPGTE-UTFPR, ekruger@utfpr.edu.br
RESUMO
O desenvolvimento tecnológico permitiu o processo de verticalização das cidades,
alterando a paisagem urbana e o microclima local. Nesse sentido, esta pesquisa busca
analisar o impacto da forma urbana, representada pelo fator de visão do céu, no microclima
de ruas pedestre de Curitiba, restringindo-se a um período diurno específico. Foram
coletados dados climáticos em 13 dias de medições, entre os meses de janeiro a agosto de
2009, totalizando 15 configurações urbanas distintas. Os resultados auferidos mostram a
relação e tendência existente entre geometria urbana e microclima.
Palavras-chave: Microclima urbano. Fator de visão do céu. Ruas de pedestres.
INTRODUÇÃO
A paisagem das cidades vem sendo pontuada por mudanças no espaço construído
e no meio natural; fato justificado pelo acelerado crescimento urbano e apoiado nos
avanços da técnica e da tecnologia. Nesse sentido, Suga (2005, p. 19) observa que “a
busca constante pela exacerbação dos limites técnicos” refletiu na arquitetura, de modo que
foi possível a “construção de edificações eminentemente verticais”. O adensamento e a
expansão horizontal das cidades quando não planejadas devidamente, podem trazer
conseqüências ambientais significativas. Em geral, a configuração espacial das áreas mais
adensadas é marcada por edificações implantadas ao longo do eixo das ruas, compondo o
denominado cânion urbano (OKE, 1978). Nestas situações, as mudanças microclimáticas
decorrentes das alterações nos balanços energético/hídrico/térmico e nos fluxos
aerodinâmicos do ambiente urbano são ainda mais perceptíveis. As alterações no balanço
de radiação referem-se ao decréscimo de radiação recebida em zonas sombreadas, ao
aumento da radiação solar recebida e refletida internamente em cânions urbanos, à
captação e armazenamento de calor pelos materiais de construção e à redução da radiação
de onda longa emitida pela área urbana para a atmosfera devido às obstruções locais
(OKE, 1978). Em relação a estas obstruções, a quantidade de céu visível de um
determinado ponto, ou seja, o céu disponível para a dispersão de energia térmica pode ser
determinado pelo fator de visão do céu (FVC).
O valor do fator de visão do céu varia de 0 (zero) até 1, sendo que o valor 1
corresponde a uma área sem qualquer obstáculo que se interponha entre o ponto escolhido
e o céu. O FVC tem sido comumente utilizado em estudos de trocas de energia
(CHAPMAN; THORNES, 2004). Em relação aos resultados encontrados, nota-se uma
divergência entre pesquisas que apontam haver relação entre a geometria urbana, definida
pelo FVC, e a temperatura ambiente (UNGER, 2004; SVENSSON, 2004), e aquelas que
demonstram pouca influência deste parâmetro para a determinação da temperatura local
(ELIASSON, 1996; UPMANIS; CHEN, 1999).
Estudos em clima urbano podem e devem servir de subsídio para o planejamento
urbano. A expectativa é que, com o agravamento das condições climáticas (alagamentos,
ondas de calor, etc), estudos relacionados ao clima urbano e, mais especificamente, que
visem à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas por meio de medidas adequadas de
planejamento urbano, ganhem maior importância, tornando-se uma necessidade. Desta
forma, esta pesquisa busca analisar a relação entre a geometria urbana e o microclima em
ruas de pedestres de Curitiba.
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MATERIAIS E MÉTODOS
Para este estudo, o modo de investigação envolve observações de campo, sendo a
pesquisa classificada como correlacional. A primeira etapa consistiu na determinação de
pontos passíveis para posterior monitoramento. Procurou-se mapear pontos na extensão
que abrange desde a Praça Santos Andrade até a Praça General Osório (pontos 1 a 11),
englobando todas as quadras do calçadão da Rua XV de Novembro. Além destes,
selecionaram-se pontos no entorno do calçadão: Rua Saldanha Marinho (pontos 12 e 13),
Praça Generoso Marques (pontos 14 a 16), Travessa Oliveira Bello (ponto 17) e a Rua
Senador Alencar Guimarães (ponto 18). Posteriormente, foram obtidas fotos olho de peixe
dos pontos aptos a serem monitorados, e calculado o FVC de cada ponto. Para tanto,
utilizou-se uma lente olho de peixe FC-E8 acoplada a uma câmera digital Nikon CoolPix
4500, sendo o cálculo do FVC realizado por intermédio do programa Rayman, software
desenvolvido por Andreas Matzarakis e de domínio público (http://www.mif.uni-
freiburg.de/RayMan/). Das 18 localidades passíveis de monitoramento, que totalizaram 19
pontos, uma vez que o ponto 6 foi subdividido em dois pontos (6a e 6b), selecionaram-se 15
pontos para medição (Figura 1), havendo repetição de alguns pontos.
PONTO 2
FVC = 0,20
PONTO 3
FVC = 0,32
PONTO 4
FVC = 0,34
PONTO 5
FVC = 0,22
PONTO 6a
FVC = 0,26
PONTO 6b
FVC= 0,27
PONTO 7
FVC = 0,39
PONTO 8
FVC = 0,37
PONTO 9
FVC = 0,29
PONTO 10
FVC = 0,30
PONTO 13
FVC = 0,21
PONTO 14
FVC = 0,55
PONTO 16
FVC = 0,38
PONTO 17
FVC = 0,21
PONTO 18
FVC = 0,30
FIGURA 1 – FOTO OLHO DE PEIXE E FVC DOS PONTOS MONITORADOS
O monitoramento das variáveis microclimáticas ocorreu sempre em pares e
simultaneamente em períodos de quatro horas (inicio às 11h01 e térmico às 15h00). No
total, foram 13 dias de monitoramento ao longo dos meses de janeiro a agosto de 2009. Em
relação ao estabelecimento dos pares de medição, procurou-se comparar diferentes
situações urbanas, como, por exemplo: cânions urbanos com diferenças consideráveis no
valor de FVC, como os pares 2 e 7; pares com pouca diferença na quantidade de céu
obstruído, como os pontos 8 e 16; comparação de cruzamento de vias com cânion e com
praça seca, pares 4 e 9 e pares 4 e 14, respectivamente. As coletas de dados climáticos
foram possíveis com o uso de duas estações meteorológicas da marca HOBO modelo H21-
001 (Figura 2).
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FIGURA 2 – ESTAÇÃO HOBO (H21-001)
Cada estação estava equipada com
os seguintes instrumentos: sensor de
temperatura do ar e umidade (fixados na
altura de 110 cm), piranômetro (fixado a 160
cm) e sensor de direção e velocidade do
vento (fixado a 210 cm). As faixas de
precisão desses instrumentos satisfizeram
as recomendações da norma ISO 7726
(1998), que dispõe sobre os instrumentos
para a medição de variáveis físicas. Para se
obter a temperatura radiante média (Trm),
foram utilizados termômetros de globo de
cobre na cor cinza (fixados a 110 cm do
solo), com Ø=2”. A Trm foi calculada pela
fórmula para convecção forçada, definida
pela ISO 7726 (1998).
RESULTADOS
Medições meteorológicas oficiais são realizadas pelo Instituto Nacional de
Meteorologia (INMET) em uma estação no Centro Politécnico da UFPR, na região leste da
cidade. Para a verificação da existência de ilha de calor nas áreas de monitoramento, foram
obtidas as diferenças entre os valores médios de temperatura do ar (T) obtidos nestes
locais com as médias de T registradas pelo INMET, para todos os dias e para o período das
quatro horas correspondentes às medições. Verificaram-se, também, as diferenças dos
valores médios de Trm obtidos por meio das medições e os valores médios de T medidos
pelo INMET (∆
Trm-T
), durante o período de monitoramento correspondente. No diagrama de
dispersão entre o FVC e a ilha de calor diurna (Gráfico 1), a correlação foi baixa, quase nula
(R² = 0,10). Já em relação às diferenças de temperatura (∆
Trm-T
) e o FVC, o coeficiente de
determinação foi de 0,35, com correlação correspondente de 0,59 (Gráfico 2).
y = 3,0545x - 0,6535
R
2
= 0,10
-2,0
-1,5
-1,0
-0,5
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
0,0 0,2 0,4 0,6
FVC
Ilha (°C) - período diurno
GRÁFICO 1 – GRÁFICO DE DISPERSÃO
ENTRE FVC E ILHA DE CALOR DIURNA
y = 47,657x - 4,4341
R
2
= 0,35
-5,0
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
0,0 0,2 0,4 0,6
FVC
∆Trm-T (°C)
GRÁFICO 2 – GRÁFICO DE DISPERSÃO ENTRE
FVC E ∆TRM-T
Embora os coeficientes de determinação tenham sido baixos, percebe-se por meio
das retas ascendentes dos gráficos de dispersão, a tendência de que pontos com maior
valor de FVC apresentem temperaturas mais altas. Ainda em relação à análise de Trm e
FVC, foram agrupados dados de ∆
Trm-T
em pontos com mesmo valor de FVC, isto é, pontos
repetidos durante a campanha de medições. Desta maneira, para os pontos 2 (FVC 0,20); 3
(FVC 0,32); 4 (FVC 0,34); 7 (FVC 0,39); 10 (FVC 0,30) e 14 (FVC 0,55), foram extraídos
4
valores médios de Trm. Embora o agrupamento de dados não seja a situação ideal, o
agrupamento das diferenças de valores médios de Trm medidos in loco com as médias de T
obtidas pelo INMET se justifica por ser a configuração urbana o parâmetro central da
pesquisa, não sendo consideradas outras variáveis, como por exemplo, o albedo.
y = 52,992x - 7,088
R
2
= 0,57
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
0,0 0,2 0,4 0,6
FVC
∆Trm-T (°C)
GRÁFICO 3 – GRÁFICO DE DISPERSÃO
ENTRE FVC E ∆TRM-T (DADOS AGRUPADOS)
Nesse caso, o coeficiente de
determinação foi de 0,57 (Gráfico 3), com
correlação correspondente de 0,75.
As análises demonstram que o FVC
não é necessariamente fator determinante
do microclima urbano no período diurno em
razão da diversidade de variáveis climáticas
que influem na determinação da T e da Trm.
Todavia, quando considerado somente o
FVC, independente de outras
condicionantes, percebe-se que o R² é mais
significativo (0,57). Sabe-se que uma das
questões determinantes para os valores de
T e Trm é a quantidade de radiação
incidente no local observado, sendo
necessária a análise da acessibilidade solar
nestes pontos.
RELAÇÃO ENTRE ACESSIBILIDADE SOLAR E O FVC
Considerando a importância da quantidade de radiação solar para a determinação
dos valores de Trm, foram feitas interpretações da incidência solar em cada ponto, por meio
de cartas solares plotadas sobre as imagens olho de peixe. Tanto as fotos olho de peixe
como as cartas solares utilizadas possuem projeção eqüidistante, sendo as trajetórias
solares traçadas individualmente para cada dia de medição com auxílio do programa
Rayman. Como exemplo, cita-se o dia 25/03/2009, no qual foram monitorados os pontos 10
(FVC 0,32) e 3 (FVC 0,30). Durante todo o período de monitoramento, o ponto 3 recebe
incidência solar, enquanto o ponto 10 sofre influência do sombreamento gerado pelas
obstruções do entorno (Figura 3). Apesar dos valores de FVC serem semelhantes, em
decorrência da geometria urbana, há 65% de diferença nos valores de radiação solar
incidente nos pontos (731 W/m² no ponto 10 e 2083 W/m² no ponto 3).
PONTO 1O
PONTO 3
FIGURA 3 – FOTO OLHO DE PEIXE COM CARTA SOLAR PARA OS PONTOS 10 E 3
Fonte: Minella (2009)
Na análise da carta solar sobreposta a foto olho de peixe, é atestado que, embora
o FVC possa auxiliar na definição da forma urbana, este é um parâmetro limitado para
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descrever as irregularidades da geometria urbana, ainda que seja um avanço quando
comparado a simplificação da relação entre a altura da edificação (H) e largura da caixa de
rua (W), relação H/W. Pois a radiação solar pode atingir de maneiras distintas pontos com
valores de FVCs semelhantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento tecnológico e o domínio técnico permitiram a verticalização das
cidades, transformando a morfologia dos grandes centros urbanos. A modificação do
espaço natural altera o microclima local, sendo percebidas, de maneira geral, inadequações
climáticas. O presente estudo buscou o entendimento de impactos microclimáticos do
desenho urbano. As análises demonstram que, devido à influência de outros parâmetros
climáticos, o fator de visão do céu não é necessariamente determinante do microclima
urbano. Porém, quando considerado independente de outras condicionantes (agrupamento
de dados de ∆
Trm-T
em pontos que foram monitorados mais de uma vez), percebe-se que a
correlação é relativamente alta (R = 0,75). Na análise da carta solar, foi possível verificar
uma limitação do FVC, pois este parâmetro quantifica a área de céu disponível, não
havendo relação direta com a questão do acesso solar. Assim, verifica-se que o impacto da
geometria urbana no microclima deve ser analisado em conjunto com a questão da
acessibilidade solar. Quanto à limitação da pesquisa, cita-se a questão da amostragem.
Embora não tenha sido possível estabelecer uma caracterização climática dos pontos, foi
possível apontar tendências.
REFERÊNCIAS
CHAPMAN, L.; THORNES, J. E. Real-time sky-view factor calculation and approximation. J.
Atmos. Oceanic. Technol., v. 21, n.5, p. 730-742, 2004.
ELIASSON, Ingegärd. Urban Nocturnal Temperatures, Street Geometry and Land Use.
Atmos. Environ. , v. 30, p. 379-392, 1996.
ISO 7726 Ergonomics of the Thermal Environment: Instruments of measuring physycal
quantities. ISO, 1998.
MINELLA, Flavia O. Avaliação da influência de aspectos da geometria urbana sobre
níveis de conforto térmico em ruas de pedestres de Curitiba. 2009. 163 f. Dissertação
(Mestrado em Programa de Pós Graduação em Tecnologia) – UTFPR, 2009.
OKE, T. R. Boundary layer climates. Nova York: Methuen, 1978.
SUGA, Mauro. Avaliação do potencial de aproveitamento de luz natural em cânions
urbanos: estudo realizado nos eixos estruturais de Curitiba. 2005. 211 f. Dissertação
(Mestrado em Programa de Pós Graduação Em Tecnologia) – UTFPR. Disponível em:
<http://www.ppgte.ct.utfpr.edu.br/dissertacoes/2005/Suga.pdf> Acesso em 21 nov. 2008.
SVENSSON, M. K. Sky view factor analysis – implications for urban air temperature
differences. Meteorol. Appl., v. 11, p. 201–211, 2004.
UNGER, J. Intra-urban relationship between surface geometry and urban heat island: review
and new approach. Clim Res, v. 27, p. 253–264, 2004.
UPMANIS, H.; CHEN, D. Influence of geographical factors and meteorological variables on
nocturnal urban – park temperature - differences – A case study of summer 1995 in
Göteborg, Sweden. Clim Res, v. 13, p. 125-139, 1999.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Francine Rossi, à Cíntia Tamura e ao Francisco Rasia.
Agradecem, também, ao Prof. Dr. Fernando Oscar Ruttkay Pereira pelo empréstimo da
câmera fotográfica, ao CNPq pelo apoio financeiro (Projeto Universal 474358/2007-0,
Universal 2007, FaixaB), e a CAPES pela concessão da bolsa.