Ao publicar o livro Primeiras estórias, em 1962, Guimarães Rosa já havia se tornado uma importante referência dentro da literatura brasileira, com os contos de Sagarana (1946), Corpo de Baile (1956) e com a sua obra-prima, o romance Grande Sertão: Veredas (1956). Vários contos da coletânea Primeiras estórias contêm elementos oníricos, funcionando como uma "névoa de fantasia" que, ao ofuscar a concretude da realidade, proporciona à narrativa contornos misteriosos, e uma sedução que parece remeter aos contos lendários ou de fadas. É o que sucede, por exemplo, em "A menina de lá", que narra a estória de Nhinhinha, uma criança silenciosa, cujos pensamentos se convertiam em realidade. A mesma atmosfera de sonho aparece no conto "As margens da alegria", que descreve a viagem de um menino para um lugar onde objetos e personagens são lembranças etéreas; e também em "Sorôco, sua mãe, sua filha", onde duas mulheres loucas são levadas para o hospício, mas deixando, suspensa no ar, a cantiga "de desatino" delas (ROSA: 1981, p. 16), que o vilarejo cantarola em coro. O elemento onírico que constitui os contos citados é o mito. O mito, assim como o Anuário de Literatura 10, 2002, p. 153-161.