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Pro-Posições, Campinas, v. 20, n. 3 (60), p. 61-70, set./dez. 2009
A imagem de satélite: do técnico ao político
na construção do conhecimento geográfico
Ricardo Castillo *
Resumo: A idéia central do artigo é estabelecer uma articulação entre técnica, política e
epistemologia particular da Geografia, a partir de uma discussão sobre a imagem de satélite, em
suas dimensões sensorial, sintáxica e semântica. Nosso propósito é contribuir para o esclarecimento
do papel que a imagem de satélite desempenha não apenas como instrumento da ação informada,
mas também na construção do conhecimento geográfico.
Palavras-chave: imagem de satélite; paisagem; conhecimento geográfico
Satellite images: from technical to political issues for geographical
knowledge construction
Abstract: The central idea of this paper is to establish a link between the technique, politics and
particular epistemology of geography, concerning satellite images and their sensorial, algorithmic
and semantic dimensions. Our purpose is to contribute for the clarification of the role that the
satellite imagery plays in the construction of geographic knowledge and as an instrument for
decision taking.
Key words: satellite imagery; landscape; geographical knowledge.
Introdução
Dentre as diversas acepções, formas e significados que uma imagem pode
assumir, expressar ou veicular, propomos abordar neste artigo apenas uma de
suas vertentes: seu caráter de suporte para uma informação precisa e racional,
mediada por instrumentos tecnológicos altamente sofisticados. Na produção
do conhecimento científico, envolvendo diversas áreas, tais como a Geografia, a
Biologia, a Geologia entre tantas outras, a imagem de satélite responde exata-
mente por essa função.
Para a Geografia, a emergência das tecnologias da informação – aí incluídos
a Cartografia Digital, os Sistemas de Informação Geográfica, o Sensoriamento
* Professor do Instituto de Geociências da Unicamp, Campinas, SP e pesquisador nível 2 do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil.
castillo@ige.unicamp.br
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Remoto Orbital e o Posicionamento Global por satélite – implicou não so-
mente uma revolução dos instrumentos de produção da informação e de repre-
sentação de frações do espaço, como também conduziu a reflexões conceituais
e epistemológicas.
Como tudo na Geografia é uma combinação de técnica e política, é dessa
forma que propomos discutir as implicações da imagem de satélite como insumo
para a produção do conhecimento geográfico, procurando apontar limites e
possibilidades do uso dessa tecnologia no campo teórico e como fundamento
para a ação.
Do conhecimento empírico imediato à informação digital
Desde tempos imemoriais, o conhecimento do meio natural e, posterior-
mente, também do meio geográfico, sempre foi condição para a reprodução
material da vida em sociedade, através de experiências diretas transmitidas de
geração em geração. A própria idéia de camponês, forjada ao longo de séculos,
decorre do longo processo de construção de um conhecimento empírico local,
imediato, cujos marcos iniciais remontam às sociedades sedentárias do Neolítico
(Lévy, 1998).
A crescente complexidade das relações sociais de produção, as mudanças
nas formas políticas e a evolução técnica impuseram grandes alterações na ma-
neira como esse conhecimento passou a ser produzido e apropriado ao longo
da História.
É, principalmente, com a emergência da ciência moderna e, com ela, a
institucionalização da Geografia no século XIX (Capel, 1981; Castro, 2005),
que se consolidam uma nova forma e uma nova linguagem na produção do
conhecimento, estabelecendo aquilo que B. S. Santos (1988; 1989) chamou
de primeira ruptura epistemológica1. São largamente conhecidos os debates no
âmbito da Sociologia e da História da Ciência acerca das particularidades e da
influência do positivismo nas ciências (naturais e sociais), consagrando e legiti-
mando como científica uma visão quantitativista do mundo e, em decorrência,
do espaço natural e do espaço geográfico. A partir daí, aprofunda-se o abismo
entre o senso comum e o conhecimento científico, cujas conseqüências, virtu-
osas, mas também perversas, são sentidas , de forma contundente, ao longo do
século XX.
A evolução conjunta entre o desenvolvimento tecnológico dos meios e a
apropriação política e econômica dos resultados da produção do conhecimento
1. Ruptura entre o senso comum e o conhecimento científico, este último baseado na linguagem
matemática.
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científico desemboca naquilo que foi chamado de paradigma do cálculo (Lévy,
1987). Nesse período técnico-científico e informacional (Santos, 1996) nas-
cem os computadores e, mais tarde, os satélites artificiais. O acelerado avanço
técnico dos primeiros (velocidade de processamento, capacidade de memória e
armazenamento de dados, miniaturização de componentes, desenvolvimento
de aplicativos, etc.) e a sucessão de famílias de satélites de observação da Terra
para o uso civil a partir dos anos 1970 combinam-se para permitir a produção
de um conhecimento digital de qualquer compartimento do espaço geográfico
ou natural.
As conseqüências dessa combinação são múltiplas. A era da imagem digital
de satélite faz nascer um tipo de conhecimento detalhado e, ao mesmo tempo,
abrangente, de porções da superfície terrestre, expressando, de certa forma,
uma distinção entre escala geográfica e escala geométrica2. Ainda está para ser
feito o inventário das implicações sociais das complementaridades e também
dos confrontos entre o conhecimento empírico local, construído ao longo de
muitas gerações, e o conhecimento remoto, muitas vezes produzido em tempo
real, mediado pelas imagens digitais e por outros recursos tecnológicos imbu-
ídos de tecnologias da informação3.
É inegável o grande avanço propiciado pelas tecnologias da informação, aí
incluída a imagem de satélite, como um recurso instrumental para diversas
áreas do conhecimento, inclusive e, principalmente, para a Geografia. O pro-
blema consiste no risco de redução da disciplina aos seus meios, sob a velha
alegação de que a precisão do instrumento confere legitimidade científica ao
conhecimento produzido4.
Características da imagem de satélite
As imagens de satélite em estado bruto pouco ou nada dizem por si mes-
mas. Para chegar a uma informação utilizável, pelo menos duas etapas ainda
2. Tecnicamente, a imagem de satélite não tem escala.
3. Um bom exemplo é a Agricultura de Precisão. Sobre o assunto, ver Castillo (1999). Lévy (1987,
p. 11) faz notar que “quase não se vigiam mais os processos diretamente, mas pela intermediação
de sensores. O contato com a matéria passa por indicadores codificados, cifras, signos nas telas.
O comando e o controle das máquinas não dependem mais do movimento da mão ou do
engajamento do corpo, mas de uma exata combinação de símbolos. Com a mediação numérica,
o primado da interação sensório-motriz dá lugar àquele do sensório-simbólico; o botão (actionneur)
torna os músculos inúteis”.
4. “Daí, o filósofo da burguesia, Augusto Comte, exprimir o sentido do conhecimento com sua
conhecida fórmula: ‘science, d’où prévoyance; prévoyance, d’où action’. Isto é: o sentido do saber é
prever e o sentido do prever é fazer possível a ação. Donde resulta que a ação – entende-se
vantajosa – é quem define a verdade do conhecimento” (Ortega y Gasset, 1961, p. 53).
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são requeridas: o tratamento e a interpretação. Sem a pretensão de fazer uma
gramática da informação geográfica digital, chamaremos de dimensão sensorial
a captação da imagem pelo sensor embarcado no satélite, o envio do sinal a
estações receptoras e a gravação e o armazenamento dos dados em suporte
adequado; dimensão sintáxica, o tratamento da imagem em computador, fazen-
do uso de um ou mais algoritmos; e, finalmente, dimensão semântica, a inter-
pretação da imagem que, assim, autoriza uma ação ou decisão (Castillo, 2002).
A dimensão sensorial depende dos atributos técnicos do sensor (resolução
espacial e resolução espectral) e das características do satélite (órbita, altitude,
resolução temporal, entre outras). Trata-se da apreensão de um aspecto da pai-
sagem, que será retratada com maior ou menor precisão, detalhamento (resolu-
ção espacial), repetitividade (resolução temporal) e resposta espectral. A média
da radiação eletromagnética refletida ou emitida por uma determinada área da
superfície terrestre correspondente a um pixel (um ponto na imagem) conver-
te-se num valor numérico (valor radiométrico). Ao final dessa etapa, temos
uma imagem-em-potencial, que nada mais é do que uma justaposição de nú-
meros, geometricamente correspondente a uma fração da superfície (cena).
Essa informação digital é transmitida por sinais a uma estação receptora em
terra.
A dimensão sintáxica ou algorítmica, por sua vez, tem início com o trata-
mento da imagem em ambientes gráficos e programas especializados de com-
putador. Fazemos aqui uma analogia com aquela parte da gramática que pres-
creve as regras da correta correspondência das palavras na oração e das orações
no período. A idéia de algoritmo serve também ao mesmo propósito, isto é,
expressar “uma seqüência finita e ordenada de operações perfeitamente defini-
das sobre um conjunto circunscrito de objetos em vista de atingir um resulta-
do em um número finito de passos.” (Lévy, 1987, p. 82).
Essa dimensão da produção da imagem de satélite pressupõe um objetivo
bem definido – o que se pretende conhecer – e etapas de tratamento igual-
mente bem definidas, parcialmente resolvidas e determinadas por softwares
especialmente desenvolvidos para esse fim. Uma imagem de satélite tratada é,
portanto, uma escolha entre muitas possíveis. A imagem digital permite inú-
meras formas de tratamento, combinações e integrações, de modo a ressaltar os
aspectos desejados e atingir os objetivos propostos.
Por último, a dimensão semântica é aquela que confere significação, que dá
sentido ao conjunto de dados coletados e tratados, segundo um objetivo pré-
determinado. Dessa etapa, resulta uma informação refinada que serve de su-
porte para a tomada de decisão. A rápida evolução das técnicas orbitais de
observação da superfície terrestre torna a informação cada vez mais precisa e a
ação cada vez mais eficaz.
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Espaço geográfico: um híbrido
Para podermos prosseguir com nossa discussão sobre as implicações da ima-
gem de satélite para o conhecimento geográfico, antes é preciso explicitar al-
guns pressupostos metodológicos, sobretudo naquilo que compete aos concei-
tos de espaço e paisagem.
Na qualidade de instância da sociedade, sugerimos que o espaço geográfico
se iguala e se articula à economia, à política, ao jurídico e à cultura como
conjuntos de fatores, funções e valores que perfazem domínios ou esferas de
condicionamento da produção e da reprodução social.
Por força da divisão acadêmica do trabalho, algumas disciplinas acabam se
encarregando de cada um desses domínios – daí a necessidade permanente de
restituição dos estudos particulares ao todo ao qual pertencem, uma vez que
“uma disciplina é uma parcela autônoma, mas não independente, do saber
geral.” (Santos, 1996).
Partindo do pressuposto, ainda que contestável, de ser consenso entre os
geógrafos que o objeto de sua disciplina é o espaço geográfico, o mesmo não se
aplica ao seu conteúdo e ao seu alcance. Assim, compartilhamos da proposição
de Isnard (1982), para quem, “contrariamente às outras criações da vida, a
humanidade tentou libertar-se das coações do meio natural para organizar o
espaço onde se desenrola a sua história. É esta análise do espaço que constitui
o objeto da Geografia”.
Conceitualmente, o espaço geográfico deve ser pensado como um conjunto
de formas materiais (naturais e artificiais, articuladas ou não) que impõe resis-
tências, oferece abrigo, expõe ao perigo, separa, unifica, etc., somado a um
conjunto de permissões e proibições que regula a maneira como cada porção
pode ser apropriada, transformada e usada.
No período histórico atual, o comportamento sistêmico das formas e das
normas alcança todo o planeta, autorizando uma conceituação de espaço geo-
gráfico, tal como propõe Santos (1996, p. 51): “O espaço é formado por um
conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de obje-
tos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro
único no qual a história se dá”.
Com isso, queremos dizer que o espaço geográfico é um híbrido (Latour,
1994; Santos, 1996) constituído pela combinação de coisas materiais (natu-
rais e intencionais) entre si e com as normas (sociais, políticas, jurídicas, eco-
nômicas, culturais) que regulam o uso, o acesso e a propriedade dessas coisas.
A partir desse pressuposto, podemos discutir aquilo que mais diretamente
interessa neste artigo: a distinção e a articulação entre as noções de espaço
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geográfico e paisagem. Não nos referimos ao desenvolvimento da noção de
paisagem como um conceito-chave de diversas vertentes da Geografia, particu-
larmente no âmbito da geografia cultural, no decorrer de sua longa história.
Nossa atenção volta-se para a idéia de paisagem como expressão de um
formalismo (Santos, 1985) que toma o lugar do espaço geográfico, reduzindo-
o à sua dimensão material e destituindo-o de sua condição de totalidade. Nes-
se sentido, paisagem é compreendida como materialidade congelada e parcial
do espaço geográfico, como fração da configuração territorial (Santos, 1988).
Sua importância reside no fato de que a paisagem é a única expressão geográfica
que se apresenta diretamente aos sentidos (ou aos sensores) e, assim, sensibiliza
o geógrafo para importantes questões que devem ser enfrentadas.
A imagem de satélite como matematização da paisagem e os riscos de
uma Geografia puramente instrumental
O paradigma do cálculo oferece-se hoje para a Geografia na conjugação do
satélite com o computador, como expressão do sistema técnico atual (Santos,
1996). A gigantesca quantidade de dados a processar numa imagem numerizada5
exige equipamentos sofisticados e técnicos habilitados.
A diversidade de plataformas e sensores, dotados das mais variadas resolu-
ções espaciais, temporais e espectrais, juntamente com o acelerado desenvolvi-
mento técnico dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG) contribuem de
maneira inequívoca para um grande avanço instrumental para a Geografia (e
também para outras ciências) e, portanto, para a produção do conhecimento
geográfico como um todo. Nunca antes na História foi tão concreta a possibi-
lidade de uma cognoscibilidade do planeta e de uma convergência dos mo-
mentos (Santos, 2000).
Por outro lado, esse mesmo contexto histórico oferece os ingredientes para a
reprodução de concepções mutilantes da Geografia. Há mesmo quem argu-
mente que outros planetas se abrem ao escrutínio geográfico com o sensoriamento
remoto orbital (Pike, 1987, p. 133), levando ao extremo o reducionismo da
Geografia a suas formas instrumentais. Em outros termos: a elaboração de uma
“geo”-morfologia ou de uma “geologia” da Lua ou de Marte, por meio de sensores
remotos (ou mesmo pela coleta e análise de amostras), pode até ser condição
necessária, mas não é suficiente para a produção de um conhecimento geográ-
fico. Lacoste (1995, p. 17) parece também cair na esparrela de reduzir a Geo-
5. Uma imagem de satélite é composta por milhões de pixels, cada um expressando um valor em
termos numéricos.
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grafia às formas de sua representação gráfica, apoiadas, agora, nas tecnologias
da informação6.
Essa confusão entre meios e fins cria condições ideais para a proliferação de
concepções empobrecedoras para a Geografia, atrelando o desenvolvimento da
disciplina mais estreitamente à evolução técnica de satélites, sensores, compu-
tadores e aplicativos para o processamento de imagens do que à reflexão
epistemológica, em nome de uma suposta legitimidade científica ou, muitas
vezes, dos interesses imediatistas do mercado.
Uma outra questão, mais antiga, encontra terreno fértil no reducionismo
apontado anteriormente. Trata-se da confusão entre paisagem e espaço geográ-
fico, tal como discutimos mais acima. Nesse sentido, cumpre salientar que a
imagem de satélite é apenas capaz de retratar a paisagem, de forma estatística e
seletiva (variando em função dos atributos técnicos do sensor).
A paisagem é, assim, matematicamente retratada – mais do que isso: deter-
minados elementos da paisagem podem ser destacados em sua representação,
em função de objetivos de investigação propostos (a dimensão sintáxica a que
fizemos referência), através da utilização de filtros, composição de canais, etc.
Como a cada classe de objetos corresponde um valor radiométrico (assinatura
espectral) próprio, temos que valores iguais responderão de maneira idêntica
aos tratamentos por computador. Pode-se, desse modo, selecionar e destacar
agrupamentos de pixels que guardam características semelhantes na área
imageada. Propriedades e localização dos alvos são precisamente identificadas,
assegurando a exatidão das ações. Ainda, uma certa dinâmica da paisagem pode
ser apreendida, graças à repetitividade cíclica do imageamento da mesma área,
possibilitando a identificação das transformações da materialidade superficial
ou sub-superficial a cada instante, em intervalos regulares de tempo.
Parece, de acordo com o raciocínio até aqui exposto, que o termo paisagem
encontra todo o seu significado com o sensoriamento remoto orbital: aquilo
que se oferece aos sentidos (ou aos sensores), ponto a ponto, porção a porção da
superfície terrestre, instantes congelados de materialidade, cuja totalidade di-
ficilmente poderá ser encontrada, ainda que no conjunto completo da superfí-
cie do planeta. Alguns poderão objetar que o sensoriamento remoto orbital é
capaz de apreender aquilo que a visão humana não pode perceber, seja pela
posição privilegiada da plataforma orbital (centenas de quilômetros acima da
6. Lacoste (1995, p. 17) argumenta que aqueles que acreditam no esgotamento das potencialidades
da Geografia a partir do momento em que todas as terras foram mapeadas, não se dão conta “de
um fato estratégico importante: há três décadas se produz uma verdadeira explosão de
conhecimentos geográficos em razão dos progressos espantosos das técnicas de observação por
satélite, fotografia e sensoriamento remoto [orbital]”.
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superfície), seja pela capacidade de produzir imagens em faixas do espectro
eletromagnético além do chamado campo do visível, ou mesmo em razão de
outros atributos, como a possibilidade de retratar o subsolo. Tudo isso é verda-
de. O que é paisagem para o olho humano (e isso varia para cada indivíduo,
tanto por razões subjetivas [culturais] quanto objetivas [físicas]) não coincide
empiricamente com o que é paisagem para um sensor eletrônico embarcado
num satélite (isso também varia de sensor a sensor, em função de seus atributos
técnicos). A coincidência, no entanto, dá-se plenamente no sentido teórico-
conceitual. A paisagem pode ser compreendida como uma manifestação do
espaço geográfico; porém, suas particularidades a destituem do sentido de to-
talidade, tal como encontrado nos conceitos de território, região e lugar, “pois
a paisagem é somente um ponto de partida” (Fel, 1978, p. 1.062) para uma
análise dos compartimentos (político-institucionais, econômicos ou de outra
natureza) do espaço geográfico. A paisagem, por sua vez, caracteriza-se por ser
sempre parcela, fração. O sensoriamento remoto, então, somente é capaz de
apreender parcialmente ou matematicamente a paisagem (parte, ainda que
sistemática, da parte). Residem aí, ao mesmo tempo, as limitações dessa técni-
ca (na sua pretensão de apreender ou mesmo de explicar o espaço geográfico) e
também a sua força (a produção de uma informação precisa como fundamento
para a ação).
Para os geógrafos que reduzem sua disciplina ao estudo das formas, as técni-
cas orbitais, sobretudo o sensoriamento remoto, conferem à Geografia uma
nova juventude7 ou trazem de volta uma (suposta) legitimidade científica. Po-
rém, essa base de legitimidade é frágil, porque mais dependente da técnica e
do mercado do que da filosofia e da crítica social. Para Santos (1985),
a escola paisagística teve [...] um impacto enorme dentro da
geografia, e a paisagem, que é um momento congelado da soci-
edade, um corte em uma evolução que se está processando,
aparece como o próprio objeto de estudo, reduzindo o trabalho
do geógrafo ao estudo das formas que, na explicação do que
quer que seja, não tem autonomia.
É verdade que a cartografia resultante da detecção orbital revoluciona as
tradicionais representações da cartografia figurativa. Mas George (apud Bardinet,
1994) adverte que “o sensoriamento remoto somente assegura a visão dos efei-
tos e não as causas, e se ele é uma nova fonte de dados especificamente geográ-
ficos, trata-se de os interpretar”. Essa arguta observação é um alerta aos geógrafos
entusiastas das técnicas orbitais para que não reduzam a Geografia a uma dis-
ciplina utilitarista.
7. Tal como em Lacoste (1995).
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Conclusão
Tivemos a intenção de contribuir para o esclarecimento sobre o importante
papel que a imagem de satélite desempenha na construção do conhecimento
geográfico, ampliando possibilidades contidas em sistemas técnicos anteriores,
como a fotografia aérea, mas, sobretudo, fazendo emergir formas inéditas de
produção de dados e tratamento da informação, somente possíveis com o ad-
vento das tecnologias da informação. Cumpre ressaltar, no entanto, o caráter
instrumental dessa tecnologia. Como bem disse Câmara (2001), um especia-
lista em geoinformação, “geometrias não são geografias”.
A clara distinção entre paisagem e espaço geográfico é essencial para evitar
os reducionismos que emergiram com a difusão do sensoriamento remoto orbital
e o uso sistemático das imagens de satélite. Nesse sentido, paisagem deve ser
considerada como parcela material do espaço geográfico, de forma alguma au-
tônoma como dimensão explicativa da Geografia e desprovida do atributo de
totalidade. Isso autoriza dizer que a imagem de satélite nada mais é do que
uma matematização da paisagem. Extrapolar esse limite significa voltar a um
formalismo que já deixou sua marca na história do pensamento geográfico.
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Recebido em 31 de outubro de 2008 e aprovado em 06 de março de 2009.