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GERMER, C.M. (2002). A irrelevância prática da agricultura ‘familiar’ para o emprego agrícola. Reforma
Agrária, v. 31, nº 1, jan/abr, pp. 47-62.
http://www.reformaagrariaemdados.org.br/biblioteca/revistas/lista-dos-sumarios-das-revistas-da-abra-1971-2007
A irrelevância prática da agricultura “familiar" para o emprego agrícola
Claus M. Germer1
cmgermer@ufpr.br
1. Introdução
Este artigo inspira-se na recente difusão, na literatura brasileira sobre a agricultura, da versão norte-
americana da noção popular de agricultura “familiar”, que substituiu a versão de origem chayanoviana,
anteriormente mais utilizada. Procura-se, em primeiro lugar, indicar a correspondência entre esta
sucessão de representações e as grandes etapas do desenvolvimento capitalista da agricultura
brasileira. Em seguida, empreende-se a crítica teórica da versão norte-americana, apontando o seu
caráter convencional e destituído de fundamento teórico, e a sua irrelevância prática como base de uma
proposta de política de desenvolvimento agrícola para o Brasil. Neste sentido, demonstra-se que
mesmo o modelo denominado “familiar” provocará, no Brasil, a expulsão da imensa maioria dos atuais
pequenos agricultores e assalariados rurais. Finalmente, apresenta-se os elementos de uma
interpretação teórica alternativa, que exige a retomada do já longo debate sobre a natureza precisa da
questão agrária no capitalismo. O caráter polêmico desta discussão é inevitável, mas o seu objeto é
extremamente relevante. Mesmo que se possa lamentar a feição aparentemente inconclusiva do debate
sobre o tema, no aspecto teórico, isto não se resolve substituindo-o por uma abordagem baseada na
mera constatação de evidências empíricas unilaterais e na descrição da sua evolução histórica, mas
destituída de sentido teórico. A recusa em discutir o caráter social definido do processo produtivo
agrícola recai sempre em explicações ad hoc do predomínio da produção “familiar”, seja dando ênfase
aos aspectos técnicos próprios da agricultura - que em nada afetam o seu caráter social -, ou na
preferência ideológica ou cultural, entre outros.
2. Sobre as origens do conceito de “agricultura familiar”
Até o início da década de 70 foi bastante influente, no pensamento crítico brasileiro, o enfoque teórico
marxista na análise da questão agrária, sendo depois substituído crescentemente por teorias calcadas na
hipótese da predominância da chamada produção “familiar”. Sinteticamente, pode-se dizer que a
agricultura “familiar” foi focalizada, teoricamente, de dois pontos de vista diferentes e em certa
sequência cronológica, no Brasil, a partir dos anos 70. Em primeiro lugar, uma linha de interpretação
na tradição de Chayanov, que tendia a encarar a agricultura como espaço de uma produção “familiar”
entendida como um tipo de organização produtiva dotada de uma lógica própria e por isto capaz de
resistir à transformação capitalista. Esta concepção desenvolveu-se basicamente nos países europeus
continentais, em particular na França e na Polônia. O protótipo do produtor familiar chayanoviano é o
camponês semi-independente na transição entre o feudalismo e o capitalismo, situação característica
da agricultura russa no fim do século XIX.
1 Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná.
A segunda linha baseia-se em uma tradição originada nos Estados Unidos, em que o produtor
“familiar” era visto como uma espécie de protótipo do pequeno capitalista arrojado, em ascenção após
a independência deste país. O chamado produtor “familiar” representava o pequeno empreendedor
ousado, o homem da fronteira, o pequeno industrial inovador e assim por diante, representado na
agricultura pelo farmer. O culto da produção “familiar” é, na realidade, um culto ao pequeno
capitalista da fase heróica do capitalismo e uma expressão do radicalismo liberal pequeno-burguês que
está presente desde o início da colonização norte-americana. Não se identifica, portanto, com as idéias
de Chayanov, e de certo modo é seu oposto: a virtude do produtor “familiar” chayanoviano consiste em
resistir à transformação inovadora do capitalismo, ao passo que a do norte-americano é de promovê-la.
Ao contrário do conceito chayanoviano, cujo contéudo se cristalizou na figura historicamente
ultrapassada do camponês semi-feudal, o conteúdo do conceito norte-americano atualizou-se, nos
EUA, acompanhando a evolução das bases tecnológicas e financeiras da produção capitalista na
agricultura. Isto é, a imagem ideológica do produtor designado pela expressão “familiar” evoluiu
tecnica e economicamente e hoje não mais corresponde à figura do pioneiro aguerrido, mas ao grande
(e pequeno) fazendeiro capitalista que, segundo se postula, utiliza principalmente o trabalho da própria
família. É essencial enfatizar a evolução sofrida pelo conceito, pois a corrente norte-americana define a
produção familiar explicitamente como uma produção capitalista, tanto que também é frequentemente
denominada “empresa familiar”. Não se atribui a sua existência a características de tipo não-
capitalista, nem é concebida como estando em choque com a expansão do capitalismo. Pelo contrário,
a sua sobrevivência e expressão econômica são atribuídas precisamente à sua capacidade de
acompanhar o desenvolvimento dos padrões técnicos e econômicos do sistema capitalista (Nikolitch,
1969). Isto é, ela existe por ser uma empresa capitalista mais eficiente que outras na agricultura, mas
com menor custo social. Esta linha de interpretação é representada pelos autores norte-americanos que,
nas últimas décadas, desenvolveram a análise da agricultura norte-americana centrada na categoria da
produção ou empresa “familiar”, entre os quais destaca-se Nikolitch.
Além destes enfoques formalizados, há uma noção popular, deles derivada, presente principalmente no
movimento sindical brasileiro vinculado aos pequenos agricultores e trabalhadores rurais,
representada pela suposição - ou esperança utópica - segundo a qual os atuais pequenos agricultores
tradicionais poderiam ser preservados no interior do capitalismo, desde que apoiados por uma política
agrícola adequada. De certa maneira esta noção acolhe, de modo assistemático, aspectos dos dois
enfoques mencionados acima, pois ingenuamente associa os pequenos agricultores brasileiros à
imagem chayanoviana do produtor familiar tradicional - com o qual eles se parecem no aspecto
exterior -, e a ela sobrepõe a imagem do moderno farmer norte-americano - que eles sonham ser.
Embora não tenha expressão teórica nem prática relevante, é provavelmente este “modelo” - melhor
seria dizer “mito”- que tem em mente grande parte dos sindicalistas rurais quando pensam e falam em
“agricultura familiar”, e é com base neste mito que assessores bem (outros talvez mal) intencionados
exploram a boa-fé deste público. Os pequenos agricultores brasileiros, ao adotarem tal enfoque, são
induzidos a lutar por um objetivo ilusório e impossível de ser alcançado, pois implica que todos os
pequenos agricultores atuais poderiam transformar-se em prósperos ‘farmers’, sem que uma parte
expressiva tivesse que ser expulsa da agricultura.
Os dois primeiros enfoques diferem frontalmente, mas ambos pressupõem que a agricultura “familiar”
está imersa em um sistema capitalista e subordinada a ele. A diferença essencial entre ambos é que o
primeiro nega que a própria produção agrícola tenha caráter capitalista. Ela continuaria tendo um
caráter “familiar” no sentido de ser qualitativamente diferente, nas suas motivações e resultados, da
produção capitalista, embora se adapte ao capitalismo. Isto significa, em particular, que a produção
2
“familiar” resiste à competição da produção capitalista porque não tem como motivação básica a
obtenção do lucro, mas a manutenção da família. Para o enfoque norte-americano, ao contrário, a
produção “familiar” possui caráter nitidamente capitalista. Mais que isto, ela seria a forma mais típica
de produção na agricultura capitalista desenvolvida, principalmente devido à sua capacidade de
combinar alta eficiência técnica com a aceitação de uma taxa de lucro eventualmente menor, mas
nunca nula. Portanto, as concepções dos dois modelos são opostas: no primeiro, a virtude da produção
“familiar” provem de dispensar o lucro, e no segundo, da capacidade de gerar lucro.
Finalmente, pode-se dizer que o enfoque europeu da questão agrária baseada na superioridade da
produção “familiar” predominou, no Brasil, durante os anos 70/80, enquanto o enfoque “norte-
americano” passa a prevalecer a partir do início dos anos 90. Esta sequência de teorias corresponde,
em certa medida, ao modo pelo qual a sequência evolutiva da agricultura brasileira se refletiu nas
percepções que delas elaboraram os pesquisadores. Assim, a modernização tecnológica e econômica da
agricultura brasileira só se tornou contundente no início dos anos 70, precedida por um longo período
de crise da agricultura exportadora tradicional e de multiplicação de formas da pequena produção
agrícola mercantil em bases tecnológicas tradicionais. Portanto, as versões do tipo chayanoviano
pareciam ter certa correspondência com a situação brasileira. O grande capitalista agrícola moderno
típico, tecnologicamente atualizado, assim como o proletariado agrícola típico, não existiam ou não se
destacavam no cenário, de modo que os pequenos agricultores brasileiros podiam ser identificados a
tipos não capitalistas com base na pequena expressão do trabalho assalariado.
Com o surto econômico e tecnológico agrícola a partir do início dos anos 70 tanto a pequena produção
quanto a grande produção exportadora, tradicionais, foram ofuscadas pela expansão de uma forma de
produção capitalista próxima do farmer norte-americano, tanto em termos da tecnologia quanto do tipo
de produto, constituindo a base material necessária para a difusão acadêmica, no Brasil, da versão
norte-americana da produção “familiar”. Portanto, ao lado do pequeno produtor tradicional há um
novo tipo de produtor “familiar” no Brasil, ao qual não se pode associar a noção chayanoviana,
parecendo mais coerente com a nova realidade dizer, na linha norte-americana, que o novo produtor
agrícola moderno é um capitalista “familiar”. Todavia, paralelamente ao surgimento do capitalista
agrícola do tipo farmer, a partir dos anos 70, a grande propriedade exportadora tradicional renovou-se
tecnica e economicamente e manteve a antiga hegemonia da produção em grande escala, mas com base
no trabalho assalariado. Assim, na complexa estrutura agrária brasileira atual são mais expressivos o
grande empresário capitalista (renomeado para “patronal”) e o proletário agrícola típicos, e além disto
a expressão numérica do proletariado rural não é pequena (Germer, 1994). Consequentemente, a noção
norte-americana, embora capte uma parte da realidade agrária brasileira, o faz apenas parcialmente e
com uma conotação ideológica inconfundível.
3. A agricultura capitalista
A agricultura dos países capitalistas desenvolvidos é obviamente capitalista e, segundo a interpretação
mais difundida das evidências disponíveis, apresenta-se como uma combinação de dois tipos de
unidades produtivas consideradas típicas, que aqui serão denominadas “empresarial desenvolvida” e
"familiar/assalariada", respectivamente, ambas de grande porte e tecnologia avançada2. Assim, estas
expressões designam não a agricultura, que é capitalista, mas os dois tipos de empresas - ambas
capitalistas - que a constituem. Deveria-se dizer, portanto, que a agricultura, na fase atual do
capitalismo, apresenta uma estrutura produtiva mista, porque formada por unidades de dois tipos, ou
2 As aqui denominadas unidades “empresariais desenvolvidas” têm sido, recentemente, denominadas “patronais” e o termo
adotado em recente relatório conjunto FAO/INCRA (1994). Tanto o termo “patronal” quanto o “familiar” são teoricamente
inadequados, e adiante se justificará a rejeição do primeiro e a aceitação - para fins de discussão - do segundo.
3
seja, uma estrutura produtiva “empresarial/familiar”, ao invés de apenas “familiar”, como é costume.
Ao invés disto, estas expressões são frequentemente utilizadas para designar dois "modelos" de
agricultura supostamente distintos, quando elas designam apenas dois tipos diferentes de empresas,
ambas capitalistas. Neste texto argumenta-se que esta distinção não é significativa, do ponto de vista
do emprego, pois os resultados da predominância de um ou outro tipo de empresa são essencialmente
idênticos.
i) Produção tipicamente capitalista ou "empresarial desenvolvida"
As unidades de produção "empresariais desenvolvidas" apresentam todas as características essenciais
da empresa capitalista típica: a produção é de grande escala, os capitalistas não trabalham na produção
e tampouco na gestão ou administração, entregue a especialistas, e o trabalho é inteiramente realizado
por assalariados, em número significativo, em regime de cooperação ou divisão técnica do trabalho sob
coordenação especializada.
O segmento "empresarial desenvolvido" corresponde, portanto, na agricultura, à grande empresa
industrial, apresentando as mesmas tendências gerais do capitalismo, isto é, desenvolvimento da
produção em grande escala, com tecnologia avançada e elevada produtividade do trabalho, com os
trabalhadores integrados em organismos de produção coletivos, em contingentes geralmente
numerosos. Assim sendo, seria mais correto denominá-las “empresas capitalistas agrícolas
desenvolvidas”, não havendo razão convincente para propor um nome diferente do habitual, como é o
caso do termo “patronal”, que possui a impropriedade adicional de ocultar o fato de que o produtor
“familiar”, do qual pretende distinguir-se, também emprega assalariados, portanto também é “patrão”.
Os autores norte-americanos são neste aspecto mais criteriosos, denominando as unidades em que
predomina o trabalho assalariado de supra-familiares (larger-than-family farms).
É este segmento que representa o estágio mais avançado da agricultura, do ponto de vista social e
econômico, sob configuração capitalista. É nele que se evidenciam as potencialidades reais de
intensificação tecnológica e elevação da produtividade do trabalho na agricultura, pois se por um lado
são de propriedade empresarial desenvolvida, o mais importante é que são de gestão profissionalizada
e de trabalho coletivo, o que significa que, se a gestão se profissionaliza e separa-se da propriedade,
esta pode ser transferida aos próprios trabalhadores, mas em bases coletivas e não individuais. Isto é, é
nestas empresas que se pode melhor avaliar o potencial de desenvolvimento da força produtiva social
do trabalho e do caráter social da produção, pois a base tecnológica delas é que reflete o máximo
desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas na agricultura no momento. Assim, é o potencial
produtivo deste setor que permite visualizar as possibilidades produtivas e sociais de uma agricultura
socializada e gerida coletivamente pela sociedade.
Como não há dúvida sobre o caráter capitalista deste segmento e sobre seus efeitos sociais - em
particular como causa de acentuada redução do nível de emprego na agricultura -, este texto dará
ênfase às variantes "familiares" e suas consequências.
ii) Produção capitalista incompleta, ou "empresa capitalista familiar/assalariada"
Os autores norte-americanos também designam a produção “familiar” agrícola como “empresa
familiar”, expressão mais adequada à caracterização que dela fazem como empreendimento capitalista
de pleno direito. Entretanto, estes autores erram ao denominá-la simplesmente “familiar”, pois
reconhecem que, de modo geral, ela utiliza tanto o trabalho de pessoas da família quanto de
4
assalariados, em proporções variadas, até o limite de 50% de trabalho assalariado3. O termo “familiar”
apenas expressa a interpretação ideologicamente tendenciosa de uma observação empírica, destituída
de conteúdo teórico. O conceito de "produção familiar", como definição de uma forma diferenciada de
produção, é teoricamente insubsistente, pois se baseia em um critério puramente convencional4. Assim,
são considerados produtores “familiares" aqueles que empregam no máximo 50% de trabalho
assalariado (por que não 43% ou 58%, por exemplo?). O caráter meramente descritivo e convencional
deste critério é óbvio, pois ele não indica nenhuma diferença essencial entre uma produção que utilize,
por exemplo, 49% de trabalho assalariado e outra que utilize 51%! No entanto, ambas são apresentadas
como "formas de produção" distintas! O inócuo desta distinção pode ser ilustrado com o exemplo
trivial mas plausível de uma fazenda “familiar” hipotética, operada por pai e filho, complementados
por 1,5 assalariados anuais. Assim, pode ocorrer que esta fazenda “familiar” passe repentinamente a
ser “patronal” caso o filho vá estudar fora e seja substituído por um assalariado adicional. Com o
retorno eventual do filho e a dispensa do operário, ela voltaria a ser novamente “familiar”!
Levando em conta este critério, a designação de “empresa familiar/assalariada”, ao invés de
simplesmente “familiar”, seria mais correta, do ponto de vista descritivo, em primeiro lugar por se
tratar essencialmente de empresas capitalistas, intensivas em tecnologia e produzindo em grande escala
e, em segundo lugar, por utilizarem não apenas trabalho familiar, mas uma combinação de trabalho de
familiares dos próprios capitalistas e de assalariados, cujas proporções respectivas não são
teoricamente relevantes, embora o sejam, sob diversos aspectos, do ponto de vista prático. Sendo
assim, por que se admite manter, neste artigo, uma distinção entre unidades “empresariais
desenvolvidas” e “familiar/assalariadas”, se ambas são capitalistas? É que há, entre elas, uma distinção
formal ou de grau (mas não de conteúdo) que é teoricamente relevante. Esta distinção reside no fato de
que, em comparação com a unidade "empresarial” típica, plenamente desenvolvida, a variante
“familiar/assalariada” caracteriza-se por um desenvolvimento técnico-gerencial incompleto: a força de
trabalho é numericamente insuficiente para assegurar a equiparação qualitativa do trabalho individual
ao trabalho social médio, e pelo mesmo motivo a cooperação técnica é pouco desenvolvida, a
administração é individual, realizada pelos próprios capitalistas, portanto não especializada e pouco
eficiente. Por estes motivos a "empresa familiar/assalariada" pode ser considerada uma unidade de
produção capitalista incompletamente desenvolvida - este um ponto teoricamente relevante -, seja
porque representa apenas uma fase retardatária da evolução normal da agricultura capitalista, seja por
representar o resultado de uma paralisação do processo evolutivo normal, cujas causas deveriam então
ser determinadas.
Na literatura sobre a agricultura, as causas do caráter capitalista incompleto da empresa
familiar/assalariada são polêmicas, mas ele é frequentemente atribuído a um ou outro fator isolado, às
vezes fantasioso, como por exemplo as virtudes intrínsecas da "família" ou as características biológicas
próprias da agricultura. Nesta medida, estes enfoques deixam de focalizar a circunstância mais
importante a condicionar a unidade ou setor de produção individual, que é a rede de relações sociais
globais na qual as unidades agrícolas estão imersas. São estas, em conjunto, que mais plausivelmente
definem e condicionam as unidades individuais, as quais devem produzir mercadorias, mas do modo
mais compatível com a preservação e reprodução da estrutura social em que estão imersas. Assim, a
configuração específica apresentada pela empresa familiar/assalariada é mais plausivelmente uma
resultante complexa de um conjunto de possibilidades e limites impostos ao desenvolvimento das
forças produtivas agrícolas pelo sistema de poder vigente. Entre as hipóteses plausíveis, nesta linha, é
3 A justificação e o método de estimação do número de unidades “familiares” encontram-se em Nikolitch (1962, p. 1061-
3; 1969, p. 531).
4 Nos textos brasileiros que adotam o conceito “familiar”, não se encontrou uma definição precisa, devendo-se presumir
que seguem, também neste aspecto, a literatura norte-americana. O mesmo ocorre no que se refere ao termo “patronal”,
embora este não tenha, aparentemente, origem norte-americana. O relatório FAO/INCRA apresenta uma tabela de
características comparativas dos dois “modelos” (p. 2).
5
mais significativa a que atribui a preservação da produção “familiar” ao papel conservador da pequena
burguesia rural como aliada da burguesia dominante; entre as demais, ressalta na literatura a que
sugere que a aceitação, pela produção “familiar/assalariada”, de uma taxa de lucro inaceitável para
capitais mais desenvolvidos, forma uma barreira temporária de contenção à expansão da produção
“empresarial desenvolvida” na agricultura.
Deste ponto de vista, a empresa “familiar/assalariada” é aqui concebida como forma e momento
transitórios de um processo social em curso, que a condiciona e determina, mas que possui ao mesmo
tempo uma direção e um sentido dados pela natureza do sistema em que se insere, isto é, que
expressam as tendências imanentes à natureza do sistema capitalista. Efetivamente, como componente
fundamental - que a agricultura é - da reprodução material da sociedade, as suas formas de produção
específicas não podem ser instituídas arbitrariamente, mas só na medida que revelem possuir eficácia
técnica e econômica compatível com o ritmo e a intensidade da acumulação em termos agregados. No
presente caso isto parece possível porque a natureza sequencial/sazonal da agricultura admite altos
índices de mecanização em módulos de poucos trabalhadores, o que viabiliza a produção
“familiar/assalariada” capitalista.
Portanto, ao mesmo tempo que se reconhece a evidência empírica da grande expressão numérica da
empresa “familiar/assalariada”, é impróprio concebê-la como alternativa opcional, segundo algum
critério arbitrário, e menos ainda como forma que possa ser perpetuada com abstração da rede de
relações que a condiciona. A abordagem baseada na ideologia da produção “familiar”, não leva em
conta esta circunstância, ignorando a noção de níveis progressivos de desenvolvimento do caráter
propriamente capitalista das empresas. Ao contrário, como se indicou, considerando o
condicionamento das partes pelo todo, seria teoricamente mais consistente encarar a estrutura interna
das empresas como uma característica que deve desenvolver-se em correspondência com o
desenvolvimento das composições técnica e orgânica do capital em termos globais. Daí a legitimidade
da caracterização da “empresa familiar/assalariada” como uma empresa capitalista, embora
incompletamente desenvolvida.
A linha de argumentação aqui exposta pode ser sintetizada do seguinte modo: em primeiro lugar,
constata-se que a agricultura, mesmo nos países capitalistas mais desenvolvidos, não atingiu na
plenitude o padrão empresarial em direção ao qual é impelida pelas tendências imanentes à produção
capitalista; em segundo lugar, a sua configuração atual reflete uma fase necessária do processo do
desenvolvimento capitalista na agricultura, correspondente a condicionamentos específicos e normais,
incluindo barreiras de várias origens (políticas, sociais, etc) à materialização - que poderia ser mais
rápida - das tendências subjacentes; finalmente, se há um padrão cujo desenvolvimento progressivo
pode ser atribuído, de modo teoricamente rigoroso, às leis objetivas do desenvolvimento capitalista,
pode-se admitir que a trajetória evolutiva da agricultura seja mais ou menos rápida, mas não que possa
ser interrompida indefinidamente, como se houvesse “modelos” alternativos entre os quais se poderia
optar do ponto de vista da política econômica e agrícola.
A concepção da produção “familiar/assalariada” como expressão de uma interrupção temporária da
evolução capitalista “normal”, resultante da ação de um bloco de interesses politicamente expressivo,
deve ser considerada como um dos elementos mais significativos (embora não único) da explicação da
sua existência e expressividade. Um exemplo ilustrativo disto é a extensão das restrições opostas à
atuação das sociedades anônimas (corporations) na agricultura dos Estados Unidos, expressas tanto na
proibição de que façam investimentos em empreendimentos agrícolas, como de que empresas agrícolas
se constituam em sociedades anônimas (Harl, 1969). A relevância de tais restrições pode ser avaliada
pelo fato de que a SA constitui a principal forma jurídica das empresas nos Estados Unidos e demais
países capitalistas desenvolvidos.
6
4. O trabalho assalariado e o capitalismo na agricultura
Na literatura marxista a discussão teórica e política sobre o caráter da agricultura nos países
capitalistas desenvolvidos foi sempre um tema delicado e relevante. Após a II Guerrra Mundial
também neste campo a polêmica voltou-se para a importância adquirida pela produção “familiar”, na
qual, contrariamente ao que o enfoque marxista previa, a oposição entre o capitalista empregador e um
numeroso proletariado empregado não constitui a regra. O debate girou, em grande medida, em torno
da identificação da proporção do trabalho assalariado no trabalho total, supostamente necessário para
definir o caráter capitalista da produção, e da estratificação das unidades de produção segundo a escala
desta proporção. Aqui pretende-se apontar as razões pelas quais o caráter capitalista explícito da
empresa “familiar/assalariada” pode ser postulado, independentemente da proporção do trabalho
assalariado.
No debate marxista parece que pouca atenção foi dada à necessidade de identificar de modo mais
preciso os pressupostos essenciais da economia capitalista presentes na agricultura. O primeiro é a
caracterização da economia capitalista como uma economia mercantil5. Não se deixou de brandir
argumentos a favor e contra a caracterização da agricultura nos países capitalistas como uma produção
mercantil simples6, mas não se examinou as consequências do fato estrito de se admitir o seu caráter
mercantil. Isto é o que se faz agora. Em primeiro lugar a característica essencial da economia mercantil
é que a produção destina-se, de modo geral e predominante, para o mercado e não para o consumo
próprio. Isto tem duas implicações: a primeira é que o que se vende não é o “excedente” que resta após
satisfeitas as necessidades de consumo do próprio produtor, pois produz-se não o que se deseja
consumir mas o que pode ser vendido mais vantajosamente, segundo as determinações do mercado e
os meios de produção disponíveis; a segunda implicação é que o produtor obtem a maioria dos meios
de consumo e de produção no mercado, com a receita da venda do seu próprio produto. Isto significa
que há uma divisão social do trabalho bastante desenvolvida, dentro da qual cada produtor
especializa-se na produção de uma ou poucas mercadorias, através de cuja venda ele próprio se
reproduz como indivíduo e como produtor.
Não parece haver objeção a esta definição, uma vez que mesmo as correntes da agricultura “familiar”
admitem a produção mercantil como base. Mas é preciso admitir também as suas consequências, pois
desta definição decorre, necessariamente, que a produção agrícola, em termos individuais e agregados,
é regulada pela lei do valor. Isto significa que o critério de troca entre as mercadorias é a equivalência
dos trabalhos nelas contidos. Esta equivalência é o valor e a sua base é o trabalho social. Portanto, o
valor das mercadorias corresponde ao tempo de trabalho social a elas incorporado pelos seus
produtores. Em outras palavras, cada produtor deve ajustar o seu tempo individual, em média, ao
tempo de trabalho socialmente necessário, expresso no preço em dinheiro. Somente neste caso o
produtor está apto a transformar a sua mercadoria em dinheiro, isto é, vendê-la. Dizer que a lei do
valor regula a produção é o mesmo que dizer que esta é regulada pelo mercado, ao qual todo produtor
está necessariamente subordinado, e que lhe determina o quê e quanto produzir. Isto implica que,
mesmo em uma hipotética economia mercantil simples, o produtor individual não pode sobrepor a
sobrevivência da família - segundo a postulação de Chayanov - às imposições do mercado. Ao
contrário, a sua sobrevivência depende de que seja capaz de submeter-se inteiramente a ele.
Portanto, em princípio a inserção desta produção agrícola simplesmente mercantil no mercado
capitalista não encontraria uma dificuldade intransponível, uma vez que, mesmo admitindo,
5 A exposição mais completa e consistente sobre o caráter da economia mercantil é a de Marx nos Grundrisse, I.
6 Pode-se citar, como exemplo no Brasil, o artigo de Nakano (1981).
7
hipoteticamente, que a produção agrícola não fosse capitalista, seria necessariamente mercantil e
consequentemente regulada pela lei do valor. Todavia, a economia capitalista não é simplesmente uma
economia mercantil, e o fato de ser “capitalista” implica que a produção é regulada pela lei de
valorização, isto é, pela lei do valor subordinada à produção de mais-valia. Isto significa que, ao
contrário da economia mercantil simples, a força de trabalho também está transformada em mercadoria
- produtora de mais-valia -, e as mercadorias, para serem vendáveis, devem não apenas ajustar-se ao
trabalho socialmente necessário, em função da equivalência dos trabalhos nelas contidos, mas da
equivalência das taxas de lucro por elas geradas. Isto significa ademais que, tal como no caso anterior,
a sobrevivência do produtor individual depende da sua possibilidade de submeter-se ao mercado, mas
agora regulado pela equivalência dos lucros. Neste sentido, a destruição em massa da produção
“familiar” tradicional e em pequena escala reflete precisamente o processo de seleção, pela
concorrência, dos produtores aptos ao exercício da produção em moldes capitalistas, que constituem
primeiro as “empresas familiar/assalaridas” e em seguida as empresas capitalistas plenas. Este é o
ponto da discórdia no debate sobre a produção “familiar” na agricultura, pois argumenta-se que, se o
trabalho assalariado não é predominante na agricultura, esta não pode ser caracterizada como
capitalista. Este é o ponto seguinte a focalizar.
Para esta discussão é preciso introduzir dois elementos geralmente ausentes do debate, pelo menos de
modo explícito. O primeiro é o fato de que a agricultura não é um sistema econômico em si, mas
apenas um segmento de economias nacionais integradas. Os ramos agrícolas e industriais de produção
são segmentos de uma complexa estrutura de divisão social do trabalho que se interconectam através
de intenso intercâmbio. Todos admitem que a economia urbana dos países capitalistas é majoritária e
explicitamente capitalista, que a força de trabalho é predominantemente - senão exclusivamente -
assalariada, e que existe um mercado de trabalho basicamente unificado a nível nacional.
O segundo elemento consiste em que, apesar da grande expressão proporcional atribuída ao trabalho
de familiares dos capitalistas nas empresas “familiar/assalariadas”, existe um expressivo contingente
de trabalhadores assalariados na agricultura. A definição norte-americana da produção “familiar” não
postula a dominância da produção baseada exclusivamente no trabalho familiar. Pelo contrário, a
própria demonstração da suposta predominância do trabalho familiar na agricultura, na proposição dos
autores desta tese, depende, conforme já se mencionou, de uma condição: que o trabalho assalariado
pode representar até 50% do trabalho realizado7. Também não se postula que os mercados de trabalho
urbano e rural constituam compartimentos estanques. Pelo contrário, a evidência de que o mercado de
trabalho é basicamente unificado ou se unifica crescentemente, é admitida pacificamente. Disto deve-
se concluir que o salário tende a uniformizar-se, a nível nacional, admitidas as variações próprias das
condições específicas de cada segmento, setor, região, etc, e que expresssa em termos médios o custo
de reprodução da força de trabalho. Consequentemente o salário dos trabalhadores rurais coincide
também, basicamente, com este custo de reprodução.
Dos pressupostos teóricos alinhados até aqui pode-se extrair as seguintes conclusões inteiramente
válidas: em primeiro lugar, os valores dos produtos agrícolas são regulados pelo tempo de trabalho
socialmente necessário à sua produção, tal como ocorre no restante da economia, quer os trabalhadores
sejam assalariados ou familiares; em segundo lugar, o valor da força de trabalho aplicada à produção
agrícola, seja assalariada ou familiar, corresponde ao custo de reprodução da força de trabalho segundo
a média nacional ajustada regional e setorialmente8; em terceiro lugar, considerando que o custo de
reprodução da força de trabalho é sempre, como regra geral, inferior ao valor do seu produto na
7 A fragilidade teórica deste critério é óbvia, dado seu caráter meramente convencional. Ademais, convém lembrar que,
para que uma economia seja caracterizada como capitalista, não é necessário que nenhum capitalista trabalhe na produção.
Também não se requer, para que uma unidade de produção seja caracterizada como capitalista, que o respectivo capitalista
não faça qualquer trabalho produtivo, por menor que seja. Requer-se apenas que, como regra geral no conjunto da
economia, a produção seja realizada por trabalhadores assalariados.
8
jornada normalmente vigente (caso contrário a produção capitalista seria inviável), resulta que toda
produção agrícola gera uma mais-valia correspondente à taxa de mais-valia média, aplicada ao capital
variável que teria que ser gasto se todos os trabalhadores fossem assalariados.
Poder-se-ia objetar que, dado o ínfimo número de assalariados em muitas unidades
“familiar/assalariadas’, a produção de mais-valia seria insuficiente para gerar um rendimento
satisfatório. Por outro lado, argumenta-se que as unidades “familiar/assalariadas” devem a sua
sobrevivência ao fato de dispensarem o lucro. Em consideração a estas objeções, deve-se demonstrar
que a produção “familiar/assalariada” nos países capitalistas desenvolvidos necessariamente gera
lucro, seja qual for a proporção de trabalho assalariado utilizada por cada produtor individual9, e
independentemente das motivações subjetivas dos produtores. Há duas maneiras de demonstrá-lo, uma
teórica e outra empírica. A demonstração teórica baseia-se no fato de que os preços das mercadorias,
no capitalismo, não correspondem ao valor mas ao preço de produção, isto é, o preço contém não a
mais-valia efetivamente produzida mas o lucro médio10. Isto significa que os ramos de produção cuja
composição orgânica é superior à média produzem um montante de mais-valia inferior ao lucro médio,
de modo que “importam” mais-valia dos ramos de produção de menor composição orgânica. A
imagem da produção “familiar/assalariada”, de ser formada por unidades altamente mecanizadas que
podem ser operadas por pequeno número de trabalhadores, sugere capitais com altíssima composição
orgânica. Sendo isto verdade, a mais-valia gerada pelos capitais agrícolas seria insuficiente para a
obtenção da taxa média de lucro, mas obteria, mesmo assim, o lucro médio com a complementação de
mais-valia procedente dos setores não-agrícolas da economia11. Consequentemente, não há
incompatibilidade, neste aspecto, entre a pequena quantidade de trabalho pressuposta na produção
“familiar/assalariada” e a obtenção de uma taxa de lucro próxima da média da economia.
Disto se deduz que o lucro esperado das unidades agrícolas, em média, calcula-se do modo habitual,
aplicando a taxa média observada pelos produtores ao seu capital total. Por exemplo, se o investimento
médio por unidade é de US$ 300 mil, sendo a taxa de lucro média de 10%, o lucro médio anual visado
será de cerca de US$ 30 mil. O fato do montante absoluto deste lucro ser relativamente pequeno é uma
das causas do aumento da concentração e da centralização de capitais na agricultura dos países
capitalistas. O valor absoluto do lucro não é irrelevante, e constitui, ao lado da taxa de lucro, uma das
motivações da acumulação de capital. Assim, se um investimento de US$ 300 mil permite auferir US$
30 mil de lucro anual, um investimento de US$ 600 mil deverá proporcionar US$ 60 mil e assim por
diante.
A demonstração empírica de que a produção agrícola “familiar” deve gerar lucros - como condição de
sobrevivência -, indiferentemente do que a respeito pensem os próprios produtores, foi feita pelo autor
em outro texto (Germer, 1984). A evidência que suporta esta proposição, baseada em dados das
estatísticas agrícolas norte-americadas, é simples: em primeiro lugar, em uma longa série histórica, por
exemplo a partir da II Guerra Mundial, a agricultura norte-americana apresenta um processo nítido e
intenso de acumulação de capital, expresso no valor crescente do capital investido nas empresas
8 Este fato não se altera se o produtor preferir utilizar o excedente - sobre o custo de reprodução da sua força de trabalho -
para complementar o seu consumo, ao invés de utilizá-lo como lucro e reinvestí-lo no todo ou em parte. Como trabalhador,
o seu rendimento é determinado socialmente pelo salário médio, mesmo que ele se atribua um valor maior.
9 Já se procurou demonstrar, acima, que o custo da força de trabalho e a geração de mais-valia decorrem na natureza do
sistema, e independem, portanto, de o trabalho ser familiar ou assalariado em unidades individuais. Este argumento não
necessita ser aqui repetido.
10 Esta demonstração foi feita por Marx e encontra-se em O Capital, III, cap. 8 a 12.
11 Frequentemente os proponentes da noção de produção “familiar” familiarizados com a teoria de Marx postularam
exatamente o contrário, ou seja, que os setores não-agrícolas é que extraem mais-valia da agricultura. A inconsistência
teórica desta tese reside na contradição entre uma agricultura que se pressupõe ser não-capitalista mas à qual mesmo assim
se atribui a capacidade de gerar mais-valia.
9
agrícolas12. Se há acumulação, é porque o valor da produção anual supera, persistentemente, os gastos
realizados nos capitais constante e variável (este último indiferentemente em salários ou na
manutenção dos trabalhadores da família), produzindo um excedente - o lucro - para a expansão do
investimento. Em segundo lugar, a agricultura norte-americana mostra, no mesmo período, um intenso
processo de centralização de terras e de capital, refletido na rápida redução do número de empresas
(principalmente as menores, ou seja, as mais “familiares” em termos do trabalho aplicado), e de
concomitante aumento da área e do capital médios por empresa, o que reflete o fato corriqueiro de que
as empresas sobreviventes (geralmente as maiores) obtêm lucros superiores às outras e as absorvem, e
obviamente financiam tal absorção com os lucros obtidos da produção agrícola. Por outro lado, o
arrendamento capitalista é um fenômeno expressivo na agricultura norte-americana13, e é pago com o
excesso da receita da produção sobre os custos. Se se toma terras em arrendamento, além das próprias,
é porque o negócio agrícola é lucrativo, e se se paga renda é porque a produção proporciona não
apenas lucros normais mas um excedente sobre eles. Ou, alternativamente, só sobrevive o produtor
capaz de conduzir-se como capitalista, isto é, cuja produção, além de cobrir os custos, gera o lucro
médio e a renda da terra.
Em terceiro lugar, sendo a agricultura um conjunto de ramos de produção de mercado, a sua dimensão
agregada e a sua taxa média anual de crescimento dependem da demanda por produtos agrícolas, e esta
depende, em termos agregados, da taxa de crescimento da economia nacional (abstraindo o comércio
externo), ou seja, da taxa de acumulação. Isto é apenas outro modo de dizer que a dimensão da
produção agrícola é função do processo global de acumulação de capital. Somente sobrevivem os
produtores que administram a sua produção como empresários, isto é, objetivando o lucro e a
acumulação, portanto que expandem sistematicamente o investimento e inovam as técnicas de
produção. Para tanto exploram o trabalho de outros ou o seu próprio, segundo a sua melhor
conveniência em termos do cálculo da rentabilidade.
5. A irrelevância prática da dualidade “empresarial desenvolvida X familiar/assalariada”
A constatação fantasiosa do predomínio da produção “familiar” na agricultura capitalista desenvolvida
apresenta-se, em textos brasileiros recentes, como uma demonstração triunfal de que o capitalismo
agrícola não segue os padrões da antinomia capitalista-proletário previstos pela teoria marxista. Mas
este enfoque paga um considerável preço teórico, pois limita-se à descrição de uma situação, sem
fundamentar a sua existência teoricamente. Isto é, postula-se que algo a que se denomina produção
“familiar” predomina na agricultura dos países capitalistas desenvolvidos, mas não há explicação
teórica para ela, apenas uma justificação histórica insustentável. Consequentemente não se indica
tendências consistentes. Há neste enfoque um único aspecto positivo, que se deve também à sua matriz
norte-americana: a enfática - e correta - rejeição da suposição habitual de que a produção
“familiar/assalariada” seja sinônimo de “pequena produção”, pobreza, atraso tecnológico, etc. A
produção “familiar/assalariada” é concebida como uma forma de produção moderna, tecnológicamente
atualizada e competitiva. Em todos os aspectos relevantes, estas formulações refletem a adoção
integral do enfoque norte-americano. Neste sentido, dão continuidade ao artigo pioneiro de Nakano
(1981), com a novidade de que abandonam a imprópria combinação, feita por aquele autor, entre o
enfoque de Chayanov e o de Nikolitch.
12 Também o valor do capital por trabalhador aumentou acentuadamente, refletindo uma elevação significativa e contínua
da composição técnica do capital, isto é, da produtividade do trabalho, que é uma das condições que permite compatibilizar
o forma capitalista incompleta da produção “familiar/assalariada” com o processo global de acumulação.
13 O arrendamento aparece principalmente sob a forma dos chamados “part-owners”, isto é, proprietários que
complementam a área própria com o arrendamento de terras próximas.
10
As implicações do conceito de produção “familiar” podem ser abordadas sob dois aspectos: o teórico e
o prático. Como conceito descritivo e convencionalque é, já foi dito, ele não possui significado teórico
definido. A crítica que lhe pode ser endereçada é comum a todas as abordagens que analisam o
capitalismo como uma realidade sem história. Assim, o conceito de produção “familiar” interpreta
ideologicamente um aspecto da realidade, expõe o processo do seu surgimento e consolidação no
interior do capitalismo já constituído, mas nada pode dizer sobre as tendências subjacentes que esta
forma de produção expressa. Do ponto de vista prático, isto é, das indicações que pode fornecer em
termos de política agrícola, em um país como o Brasil, tal conceito é ambivalente. Todavia, no que diz
respeito às perspectivas, em relação ao futuro, da massa majoritária de pequenos e médios agricultores,
ou seja, no que diz respeito às tendências do emprego agrícola em termos agregados, o conceito é
francamente irrelevante, como se procurará demonstrar.
Se a superioridade e prosperidade da chamada produção “familiar” são demonstradas com base nas
evidências da agricultura atual dos países desenvolvidos, a demonstração das suas possibilidades e
efeitos sociais deve ser feita sobre a mesma base. Assim sendo, para se avaliar os efeitos econômicos -
e principalmente sociais - da adoção do suposto “modelo familiar” no Brasil, deveria-se examinar as
consequências práticas da vigência deste modelo na agricultura dos países desenvolvidos. Como
atualmente se trata da versão norte-americada da produção “familiar”, ou seja da empresa capitalista
“familiar/assalariada”, é a agricultura dos Estados Unidos que deve ser tomada como base. Estas
consequências podem ser comprovadas empiricamente de modo inequívoco, independentemente da
controvérsia teórica.
Se, como se afirma, a produção “familiar/assalariada" é a forma de empresa predominante na
agricultura dos países capitalistas mais desenvolvidos, deve-se concluir que as tendências de evolução
observadas nesta agricultura são produzidas precisamente pela predominância da empresa
“familiar/assalariada”. Deve-se iniciar, portanto, identificando estas tendências. E o que se constata é
que em todos estes países têm avançado velozmente os processos de centralização da produção e do
capital e de concentração da terra, paralelamente à expulsão dos pequenos agricultores e à redução do
número de trabalhadores ocupados. É significativo, por exemplo, que a força de trabalho ocupada na
agricultura, nestes países, situa-se geralmente em uma faixa inferior a 5% da força de trabalho total, e
nos Estados Unidos reduz-se a cerca de 2%. Ora, estas tendências são próprias da produção capitalista
em geral, em que o progresso técnico é a principal arma da concorrência entre os capitalistas (daí a
destruição dos menores pelos maiores) e destes contra os trabalhadores (daí o desemprego). Se as
mesmas tendências ocorrem na agricultura predominantemente “familiar”, é porque as causas são
idênticas. Se a chamada agricultura “familiar" produz todas as tendências essenciais do capitalismo em
expansão, conclui-se inequivocamente que se trata de uma forma de produção capitalista idêntica, em
essência, à produção “empresarial desenvolvida” (ou “patronal”) típica.
Os dados da agricultura norte-americana ilustram isto convincentemente. Assim, os 5,9 milhões de
agricultores existentes em 1944 foram reduzidos a apenas 2,2 milhões em 1982, devido ao
desaparecimento das pequenas unidades. Neste último ano os maiores produtores - cerca de 300 mil,
apenas 13,5% do total - respondiam por 72,6% das vendas e 98,5% da renda líquida agrícola. "A
grande maioria destas fazendas é de propriedade e trabalho familiares. A maioria requer um ou mais
trabalhadores em tempo integral, e muitas dependem de trabalho assalariado em tempo integral" (US
Congress, p. 9, grifos acrescentados). No Censo de 1997 o número de agricultores já havia caído para
1,9 milhões, e apenas 8,2% deles (cerca de 156 mil produtores, contra 300 mil em 1982)) respondiam
por 72,1% das vendas (US Home Page). Portanto, a tendência histórica de longo prazo demonstra que
desaparecem mais "produtores familiares" do que sobrevivem, e que os pequenos produtores
“familiar/assalariados” são destruídos pelos grandes produtores “familiar/assalariados”! É curioso que
os adeptos do conceito não percebam que os pequenos produtores expulsos são "mais familiares" que
11
os grandes que sobrevivem, portanto o caráter “mais familiar” dos pequenos parece mais uma
desvantagem do que uma vantagem. Consequentemente, se produtores “familiar/assalariados” grandes
e pequenos apresentam trajetórias econômicas antagônicas, não pode ser o seu caráter “familiar” o
fator causal da divergência de trajetórias, pois neste aspecto se igualam. Por outro lado, se as grandes
empresas “familiar/assalariadas” e as “empresariais desenvolvidas” apresentam trajetórias
coincidentes, há algo que as identifica, que é precisamente o seu caráter capitalista mais avançado.
Assim, os grandes produtores, por serem "mais capitalistas" que os pequenos, vencem-nos na
concorrência, ou seja, a evidência indica que o decisivo para a sobrevivência ou morte das empresas
agrícolas no capitalismo é o ‘grau’ de desenvolvimento capitalista. Em síntese, os produtores que se
caracterizam como empresas “familiar/assalariadas” deslocam os produtores simplesmente
“familiares”, e as grandes empresas “familiar/assalariadas” deslocam as pequenas empresas deste tipo.
Sendo assim, qual é a utilidade ou relevância, do ponto de vista do emprego agrícola ou dos
trabalhadores, de distinguir entre dois “modelos” de agricultura cujos resultados são idênticos?
Tendências idênticas às observadas nos Estados Unidos ocorrem em todos os países capitalistas
desenvolvidos e no Brasil, motivando os pequenos agricultores a procurarem outra alternativa. Diante
disto, a proposta de que adotem o "modelo" da agricultura “familiar” capitalista implica sugerir que
aceitem voluntariamente a sua própria destruição. Aparentemente os pequenos produtores “familiares”
deveriam sentir-se melhor por serem expulsos por grandes produtores “familiares” do que por
produtores “patronais”.
As consequências disto, no caso da agricultura brasileira, podem ser projetadas facilmente. Se o nível
do emprego agrícola nos países onde predomina a agricultura “familiar” capitalista é inferior a 5% da
força de trabalho total, a tendência no Brasil, adotando este “modelo”, será inevitavelmente de o êxodo
rural prosseguir até atingir idêntico nível de emprego. Como o emprego rural absorve atualmente, no
Brasil, cerca de 23% da força de trabalho do país, ou aproximadamente 19 milhões de trabalhadores,
do total de cerca de 80 milhões, o resultado será de reduzí-lo gradualmente até 5% ou menos, ou seja,
cerca de 4 milhões14. Isto significa que aproximadamente 15 milhões de trabalhadores atualmente
ocupados serão expulsos da agricultura, em uma hipótese otimista, mesmo sob a dominância das
unidades “familiar/assalariadas”. Estes dados, colhidos em 1996, são mantidos porque, três anos
depois, a publicação dos dados do censo agrícola de 1995-6 confirma contundentemente os
argumentos deste artigo, ao revelarem uma drástica e imprevista redução do emprego agrícola desde
1985.
Poder-se-ia objetar que, mesmo assim, o “modelo patronal” reduziria o emprego ainda mais. De fato,
supondo que se pudesse provar que, sob o modelo “patronal”, o emprego agrícola seria de 1% da força
de trabalho total, nos Estados Unidos, ou seja, apenas a metade do emprego atual, conclui-se que o
“modelo familiar” proporcionaria o dobro do emprego do “modelo patronal”, o que parece
significativo. Entretanto, na situação do Brasil de hoje é preciso examinar o problema de um ângulo
diferente. Admitindo que a agricultura brasileira chegue à situação norte-americana (e admitindo que a
população total permaneça a mesma, para simplificar o exemplo), o emprego agrícola absorveria cerca
de 1,6 milhões de trabalhadores no “modelo familiar” e cerca de 800 mil no “patronal” (2% e 1%,
respectivamente, da força de trabalho total). Este cálculo é irrelevante porque nada tem a ver com o
problema atual do emprego na agricultura brasileira. O problema atual é que no “modelo patronal”
18,2 milhões de trabalhadores seriam expulsos, ao passo que no “modelo familiar” nada menos que
17,4 milhões teriam este destino. Neste caso a diferença entre os dois “modelos” reduz-se a apenas
4,3%! É isto que, no presente texto, se denomina “irrelevância prática” da noção de agricultura
14 Estes dados são de 1996, ano em que a primeira versão deste artigo foi redigida. A forte redução do emprego agrícola a
partir de 1985, revelada pelo Censo de 1995-96, apenas confirma, de modo contundente, os argumentos deste artigo.
12
“familiar”, do ponto de vista dos pequenos agricultores e trabalhadores rurais brasileiros atuais. Isto
significa que os defensores brasileiros do “modelo familiar” norte-americano manipulam um problema
hipotético e omitem o problema real: procuram garantir o emprego de 400 mil em um futuro
indefinido, mas em nada contribuem para garantir o emprego dos atuais 18,2 milhões de trabalhadores
que, no seu “modelo”, serão progressivamente expulsos da agricultura.
Nestas condições, é óbvio que a defesa da agricultura capitalista “familiar/assalariada" no Brasil, pelos
pequenos agricultores, só se justificaria se ela fosse capaz de assegurar a sua sobrevivência. Como se
acabou de demonstrar, porém, esta possibilidade não existe. Portanto, a forma “familiar/assalariada”
não difere da "empresarial desenvolvida" nos efeitos, pois são ambas apenas variantes da produção
capitalista. Assim, o conceito descritivo da produção “familiar” e a distinção descritiva
“patronal/familiar”, além de serem teoricamente insubsistentes, são irrelavantes do ponto de vista
prático, para indicar uma alternativa aceitável para a maioria dos produtores “familiares” brasileiros
atuais. Neste sentido, o modelo vizualisado pelo MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra -, merece consideração, por parecer teoricamente mais consistente e mais relevante na prática,
pois dá ênfase à produção associativa/coletiva no interior de uma estrutura combinada agrícola-
agroindustrial. Este modelo aponta, realisticamente, a necessidade de superar a falsa disjuntiva
“patronal/familiar”.
Na agricultura brasileira a maioria das empresas capitalistas mais desenvolvidas situa-se, em
aproximação grosseira, na faixa de mais de 100 ha de área total - cerca de 10% do número total de
estabelecimentos agrícolas. É nesta camada que se situa o segmento dominante do capitalismo
agrícola, tanto na variante “familiar/assalariada” quanto na "empresarial desenvolvida". As
possibilidades de sobrevivência dos demais segmentos são pequenas. Assim, na extremidade oposta da
estrutura fundiária situa-se mais da metade dos agricultores recenseados (constituindo a maioria dos
estabelecimentos com menos de 20 ha de área total e uma área média de cerca de 4 ha) (Germer, 1994,
p. 268), que são, na maioria, essencialmente assalariados ao invés de produtores de mercadorias, e
estão sendo expulsos pelo desemprego tecnológico. Os cerca de 30% restantes, na faixa intermediária,
são pequenos e médios produtores, ‘simples’ ou capitalistas, e serão, na maioria, eliminados pela
concorrência, pois possuem áreas insuficientes, situam-se em posição desfavorável na estrutura
agroindustrial e financeira, e têm extrema dificuldade em atualizarem-se tecnologicamente.
Conclusões
As conclusões alcançadas neste trabalho podem ser sintetizadas em dois blocos. Em primeiro lugar, o
conceito de agricultura “familiar”, na versão recentemente introduzida no Brasil, origina-se no
conceito homônimo elaborado nos Estados Unidos. Procurou-se demonstrar que este conceito é
teoricamente inconsistente, sendo meramente descritivo e convencional, além de ideologicamente
tendencioso. Todavia, ele aponta - mas não reconhece e não analisa - um problema teórico da maior
importância, que diz respeito à interpretação das particularidades das formas capitalistas de produção
presentes na agricultura dos países capitalistas desenvolvidos. Neste artigo procurou-se sugerir alguns
elementos considerados essenciais para a abordagem teórica deste problema, na linha do já longo
debate no interior da tradição marxista, visando superar algumas das suas dificuldades. Neste sentido,
derivou-se destas proposições a noção da agricultura impropriamente denominada “familiar”, como
uma forma de produção capitalista incompleta, que pode ser denominada “familiar/assalariada”.
Em segundo lugar, demonstrou-se que os conceitos de produção “familiar” e “modelo de agricultura
familiar” são irrelevantes, do ponto de vista do nível do emprego, em um país como o Brasil, pois uma
agricultura sob dominância da produção capitalista “familiar/assalariada” provoca êxodo rural e
13
desemprego tecnológico em uma escala que não difere significativamente do que faria uma agricultura
baseada em grandes unidades tipicamente capitalistas. Em contrapartida, as unidades “empresariais
desenvolvidas”, e não as “familiar/assalariadas”, é que expressam a forma socialmente mais avançada
de produção, embora sob configuração capitalista, e constituem a base necessária a uma transição para
um economia baseada na propriedade social dos meios de produção. Sendo assim, é equivocada a
eventual adoção, pelos movimentos organizados de pequenos agricultores e assalariados rurais, de um
modelo de desenvolvimento agrícola baseado nesta versão do conceito de produção “familiar”. A
atração que ele exerce nestes movimentos só pode ser atribuída a uma incompreensão do real sentido e
das sérias implicações do mesmo.
Referências
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resumida do relatório final do Proj. UTF/BRA/036, 24 p.
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Changing Structure of American Agriculture”. Washington : US Government Printing Office.
U.S. HOME PAGE. Agriculture Census. 1997 Census of Agriculture. Table 1. County Summary
Highlights.
Resumo
O conceito de agricultura “familiar”, na versão norte-americana atualmente predominante no Brasil, é
meramente descritivo e teoricamente inconsistente, embora remeta ao problema teórico relevante da
interpretação das formas de produção presentes na agricultura capitalista desenvolvida. Sugere-se
alguns elementos essenciais à sua abordagem teórica, formulando a noção da produção
“familiar/assalariada” como forma incompleta de produção capitalista. Demonstra-se a irrelevância do
modelo “familiar/assalariado” para o emprego agrícola, pois a sua dominância provoca desemprego e
14
êxodo rural em escala idêntica à grande agricultura empresarial, sendo equivocada a adoção, pelas
organizações de trabalhadores rurais, de um modelo agrícola baseado na produção “familiar”.
Abstract
The north-american version of the concept of “family” agriculture, presently dominant in Brazil, is
merely descriptive and theoretically inconsistent, although relating to the relevant theoretical question
of interpreting the forms of production present in advanced capitalist agriculture. Essencial elements to
its theoretical analysis are suggested, introducing the notion of “family/salaried” production, as an
incomplete form of capitalist production. The irrelevance of the “family/salaried” model to agricultural
employment is demonstrated, since its dominance generates unemployment comparable to the large
agricultural enterprise. Thus, it would be a mistake for agricultural workers’ organizations to adopt a
“family” model of agricultural production.
15