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Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 14(4):863-870, out-dez, 1998
OPINIÃO OPINION
O anti-Taylor: sobre a invenção de um método
para co-governar instituições de saúde
produzindo liberdade e compromisso
An anti-Taylorist approach for establishing
a co-governance model for health care institutions
in order to produce freedom and commitment
1Departamento de Medicina
Preventiva e Social da
Faculdade de Ciências
Médicas, Universidade
Estadual de Campinas.
Rua Américo de Campos 93,
Cidade Universitária,
13083-040, Campinas, SP
gastao@mpc.com.br
Gastão Wagner de Sousa Campos
1
Abstract
This paper describes a new health care management method.A triangular confronta-
tion system was constructed, based on a theoretical review,empirical facts observed from health
services, and the researcher’s knowledge, jointly analyzed.This new management model was
termed “health-team-focused collegiate management”, entailing several original organizational
concepts: production unity,matrix-based reference team, collegiate management system, co-gov-
ernance, and product/production interface.
Key words
Health Management; Public Management; Democratic Management
Resumo
Descrição de um novo Método para Co-governar Organizações de Saúde, consideran-
do-se tanto os objetivos primários destas instituições (a própria produção de saúde) quanto ou-
tros, secundários, ligados à função de assegurar sobrevivência e realização profissional aos seus
trabalhadores. O novo Método é denominado de Gestão Colegiada centrada em Equipes de Saú-
de. Esta construção resultou de um sistema de confrontação triangular entre determinado corpo
de Teorias, dados empíricos observados no Sistema Único de Saúde e a experiência e conheci-
mentos do próprio pesquisador. São descritos alguns dispositivos organizacionais originais (no-
vos ou reconceitualizados), entre eles: Unidade de Produção; Equipe de Referência e Trabalho de
apoio Matricial; Sistema de Gestão Colegiada;Co-governo;Supervisão Matricial; e o de Produ-
to/Obra.
Palavras-chave
Administração em Saúde; Administração Pública; Gestão Democrática
CAMPOS, G. W. S.
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Considerações metodológicas
Este trabalho objetiva descrever um novo Mo-
delo de Gestão para Sistemas e Estabelecimen-
tos de saúde. Poder-se-ia denominar este novo
método de Gestão Colegiada, ou de Gestão De-
mocrática ou de Gestão Colegiada centrada em
Equipes de Saúde.
Devido ao âmbito restrito desta apresenta-
ção não será desenvolvida uma nova Teoria
que fundamentasse o novo Método sugerido,
isto seria tarefa para trabalho de maior fôlego,
conforme seria o caso de uma pesquisa, já em
andamento, de livre-docência.
A utopia da democracia direta e alguns
modos práticos para concretizá-la
Nada como desafios impostos pela vida (mun-
do empírico) para estimular Sujeitos a reco-
nhecerem pontos de quebra ou de contradição
em suas Teorias. Se a Teoria Geral da Adminis-
tração jamais pretendeu, de fato, democratizar
Organizações; o marxismo, por seu turno, ape-
sar das críticas à concentração de poder buro-
crático, político e econômico, nunca deu con-
ta, na prática, da Democracia em Instituições.
Logo de início, os principais dirigentes da Re-
volução Soviética adotaram o taylorismo como
o Método científico supostamente adequado
para organizar fábricas, empresas e hospitais –
Rago & Moreira (1984). Sem dúvida, esta deci-
são contribuiu, em alguma medida, para a rápi-
da e avassaladora dominância da burocracia em
múltiplas dimensões da vida na extinta URSS.
No limite, pode-se verificar que algumas varian-
tes do marxismo produziram, já como prepara-
ção ou desdobramento dos movimentos liber-
tários dos anos sessenta, críticas à burocratiza-
ção e à concentração de poder em instituições,
nunca chegando, no entanto, a produzir, de ma-
neira sistemática, Métodos e Técnicas organi-
zacionais alternativos à lógica criada por Taylor
(1960) e Fayol (1960) – Braverman (1981), Gorz
(1982), Offe (1989), Tragtemberg (1972, 1980).
No Brasil, dentro do processo de implanta-
ção do Sistema Único de Saúde (SUS), há inú-
meras experiências voltadas para ampliar a de-
mocracia em instituições de saúde. A descen-
tralização de poder para os municípios (pro-
cesso de municipalização) e a instalação de
Conselhos e Conferências de Saúde, com maio-
ria de usuários, estão entre os principais dispo-
sitivos sugeridos pelo SUS para alterar o fun-
cionamento burocrático do Estado. Ainda que
para lograr algum grau de participação popu-
lar ou de municipalização haja dificuldades
imensas, estas medidas parecem insuficientes
tanto para alcançar os objetivos do SUS, quan-
to para diminuir o alto grau de alienação que
se constata entre maioria dos trabalhadores.
Inventar um modelo de gestão que respon-
desse a uma série de exigências do próprio mo-
delo de atenção sugerido pelo SUS é, portanto,
um desafio em aberto. Construir uma alterna-
tiva operacional ao método taylorista de gestão
foi o desafio assumido por este pesquisador.
Um sistema de gestão que assegurasse tanto a
produção qualificada de saúde, quanto garan-
tisse a própria sobrevivência do Sistema e a
realização de seus trabalhadores.
Há um grande desenvolvimento teórico e
operacional sobre métodos e técnicas de Pla-
nejamento em Saúde – Testa (1993). No entan-
to, o Planejamento não esgota a maioria das ta-
refas de um sistema de gestão. Um bom méto-
do de planejamento, por si só, não dispensa
um bom sistema de gerência para que, inclusi-
ve, seja garantida a real implantação do plano
elaborado.
Há ainda outros desafios mais específicos
mas nem por isto menos importantes para
aqueles interessados em assegurar as princi-
pais diretrizes do SUS. Recomendam-se pro-
gramas sanitários assentados em trabalho in-
terdisciplinar (Rotelli, 1990). No entanto, as or-
ganizações de saúde são todas recortadas por
outra lógica: departamentos, divisões e seções
montados segundo profissões: corpo clínico de
médicos, serviço de enfermagem, de assistên-
cia social, nutrição, etc.
Reconhece-se a conveniência do planeja-
mento ascendente com envolvimento de pro-
fissionais e de usuários. Entretanto, não há ain-
da métodos seguros para articular participação
horizontal da base com a preservação dos ob-
jetivos primordiais do SUS. Como combinar
democratização institucional com capacidade
operacional e, portanto, com algum grau de
centralização vertical, sem o qual os estabele-
cimentos se perderiam em discussões intermi-
náveis ou em particularismos? Como propiciar
independência e autonomia para cada equipe,
sem que se perca o sentido de rede de compro-
missos, sem que se perca a noção de sistema,
ou sem que seja comprometida a diretriz da in-
tegralidade da atenção? Como assegurar um
diálogo (ou um agir comunicativo – Habermas
(1989)) entre usuários e técnicos? Como dimi-
nuir em alguns graus a alienação ou a burocra-
tização atualmente verificada entre os servido-
res públicos? Como motivá-los, como ampliar
sua capacidade de reflexão e auto-estima? Co-
mo articular autonomia e criatividade com res-
ponsabilidade profissional?
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A Teoria Geral da Administração, o tayloris-
mo em particular, coloca-se a tarefa de admi-
nistrar pessoas como se elas fossem instru-
mentos, coisas ou recursos destituídos de von-
tade ou de projeto próprio. Faz parte da cultu-
ra tradicional da maioria das Escolas da Admi-
nistração o objetivo explícito de disciplinar o
trabalhador, quebrar-lhe o orgulho, a autono-
mia e a iniciativa crítica. Delegando a padrões,
normas e programas a função de operar o tra-
balho cotidiano daqueles encarregados de exe-
cutar ações. Algumas Escolas apostaram mais
em controles disciplinares para realizar este in-
tento, bastaria-lhes a domesticação do com-
portamento dos trabalhadores; outras, entre-
tanto, mais modernas e com pensamento mais
estratégico, inventaram modos para modificar
a subjetividade dos sujeitos, ganhar-lhes a al-
ma. Porém, nenhuma destas correntes investe
na produção de sujeitos dotados, ao mesmo
tempo, de autonomia e de capacidade para
contratar compromissos com outros (Taylor,
1960; Fayol, 1960; Motta, 1987; Campos, 1992a).
No Brasil, desde os anos setenta, há todo
um movimento voltado para estimular a demo-
cratização dos serviços públicos de saúde. Par-
ticipação comunitária, conselhos de saúde pa-
ra permitir a gestão tripartite, com usuários,
trabalhadores e prestadores, são diversas expe-
riências interessantes, porém, exceto no que se
refere à oficialização dos Conselhos e Confe-
rências de Saúde, ainda não se encontrou mo-
do de institucionalizar todas estas diretivas de-
mocratizantes. No dia-a-dia os serviços ainda
são governados segundo diferentes variações
do taylorismo. Passa-se como se a democracia
acabasse nos Conselhos de Saúde ou nas Ofici-
nas de Planejamento, daí para frente operaria
lógica tradicional de gerência: poder centrali-
zado em chefes, controle direto sobre a realiza-
ção de procedimentos técnicos (produtividade
médica, etc) e sobre o comportamento formal
de funcionários (cumprimento de horário, re-
latórios, etc), elaboração centralizada de pro-
gramas e de normas reguladoras do atendi-
mento, e quase ausência de comunicação tan-
to entre serviços em relação horizontal de po-
der, quanto entre os distintos níveis hierár-
quicos.
Em algumas experiências, graças a utiliza-
ção de variantes do Planejamento Estratégico
Situacional, vive-se momentos de participa-
ção. Momentos fundamentais, mas que não
chegam a modificar o sistema de gestão dos
serviços de saúde: a democracia começa e ter-
mina em Oficinas de Planejamento, ou de Ter-
ritorialização, etc (Kadt & Tasca, 1993; Cecílio,
1994; Teixeira & Melo, 1995).
ANTI-TAYLORISMO E GESTÃO DE ORGANIZAÇÕES DE SAÚDE
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O que se pretende descrever aqui é um Mé-
todo de Gestão que, apoiando-se em toda esta
tradição, almeje mais do que adaptar e moldar
Sujeitos. Na realidade, realizar um duplo traba-
lho. Por um lado, assegurar o cumprimento do
objetivo primário de cada organização – pro-
duzir saúde, educar, etc –; e por outro, ao mes-
mo tempo, permitir e estimular os trabalhado-
res a ampliar sua capacidade de reflexão, de
co-gestão e, em decorrência, de realização pro-
fissional e pessoal.
A velha utopia grega da democracia direta
dos cidadãos agora encarnada em instituições
concretas inseridas em uma sociedade profun-
damente contraditória, injusta e desigual. Criar
espaços de democracia ampliada, processos
produtores de sujeitos-cidadãos, grupos capa-
zes de impor resistência às determinações ad-
versas do meio. Equipes capazes de lidar com
os saberes estruturados sem permanecer pre-
sas em suas cadeias de controle fundamenta-
lista (Campos, 1992 e 1998). Novas e velhas
utopias...
Inventando uma nova geometria
e um novo funcionamento para
as organizações de saúde
Um primeiro passo na criação deste novo Mé-
todo foi sugerir a modificação dos Organo-
gramas dos serviços de saúde, em geral, inspi-
rados no fayolismo e no taylorismo, criando
‘Unidades de Produção’. Extinguir os antigos
departamentos e seções recortadas segundo
profissões, e criar outras Unidades mais con-
forme as lógicas específicas de cada processo
de trabalho. Todos os profissionais envolvidos
com um mesmo tipo de trabalho, com um de-
terminado produto ou objetivo identificável,
passariam a compor uma Unidade de Produ-
ção, ou seja, cada um destes novos departa-
mentos ou serviços seriam compostos por
uma Equipe multiprofissional. Todos envolvi-
dos com saúde da criança, em um posto de
saúde ou em um hospital, formariam a Unida-
de de Atenção à Criança, por exemplo. Todos
envolvidos com administração financeira em
um hospital constituiriam uma Unidade de
Administração Financeira; outros responsá-
veis pela manutenção, limpeza e conservação
conformariam uma Unidade com estes objeti-
vos. Recomenda-se, contudo, que o número de
Unidades de Produção das áreas denominadas
“meio”, nunca exceda aquelas, explicitamente
e diretamente, encarregadas de executar tare-
fas “fim” da Organização (práticas de atenção
à saúde).
CAMPOS, G. W. S.
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O desenho final de cada serviço – a manei-
ra de recortar a Organização em Unidades,
quantas Unidades criar e qual os limites e rela-
ções entre elas, etc – já seria uma primeira eta-
pa do processo de gestão participativa: ou seja,
seriam os próprios trabalhadores de cada ser-
viço, que a partir destas orientações gerais,
comporiam o novo Organograma. Para testá-
lo durante algum tempo, avaliá-lo em funcio-
namento e depois ir estabelecendo as corre-
ções devidas. Organograma mutante, portanto.
Sempre sujeito a reformulações, porque, de an-
temão, saber-se-ia e admitir-se-ia, em princí-
pio, a sua imperfeição.
Cada Unidade de Produção teria um único
Coordenador e elaboraria um Projeto de Traba-
lho. Para isto operariam segundo um princípio
de funcionamento, ao mesmo tempo, demo-
crático mas também produtor de compromis-
sos e de responsabilidades muito bem defini-
das. Todos os participantes destes coletivos
multiprofissionais comporiam um Colegiado
para cada uma destas Unidades de Produção.
Colegiado encarregado de elaborar diretrizes,
metas e programas de trabalho; avaliando-os
periodicamente. Ao Coordenador caberia o pa-
pel de direção executiva, implementando deci-
sões do Colegiado da Unidade e tomando deci-
sões imprevistas, conforme a dinâmica dos
acontecimentos, mas sempre apoiando-se em
diretrizes anteriormente definidas pelo coleti-
vo. Outra função do dirigente (Coordenador)
seria funcionar como um dos elos de comuni-
cação com o exterior, estabelecer contatos com
outras Unidades, com a direção-geral do servi-
ço, com usuários, etc.
Para viabilizar este novo estilo de trabalho
haveria que se alterar a cultura organizacional.
Para isto, recomendava-se facilitar o acesso de
todos às informações fundamentais e criar ho-
rários para encontros periódicos do coletivo
em cada uma destas Unidades de Produção
(em geral, não mais do que 10% da jornada de
trabalho). Escolher um tempo para reuniões
ordinárias dentro da período normal de traba-
lho, ou seja, o planejamento e a reflexão fazen-
do parte do processo habitual de trabalho.
Nestes espaços se discutiriam necessidades de
saúde, divisão de tarefas e papéis de cada um,
para, em seguida, elaborarem-se planos, mo-
delos de atenção, programas e metas.
Cada Equipe seria estimulada a reconstruir
modelos ou programações recomendadas ou
experimentadas em outras localidades, envol-
vendo a maioria de trabalhadores com a cons-
trução de uma nova Obra. Um modo de fazer
as coisas com o qual os trabalhadores se iden-
tificassem e que, ao mesmo tempo, cumprisse
os compromissos daquela Unidade, daquele
serviço, ou seja, atendesse a alguma demanda
social, ou seja, produzisse valores de uso. Reali-
zar uma mistura, resultado aqui seria uma mes-
cla de determinados Produtos (socialmente
necessários) com uma Obra (criação singular).
Transcrever estas metas em indicadores e
fazer com que estes indicadores funcionassem
como analisadores do trabalho, abrindo vis-
lumbres críticos sobre o modo anterior de ope-
rar. Durante esta elaboração haveria que se
considerar dados externos e internos à equipe:
tomar as diretrizes e recomendações dos níveis
mais centrais do sistema, auscultar interesses e
demandas da clientela e debater com outras
experiências, com outros modos de enfrenta-
mento de problemas semelhantes aos de res-
ponsabilidade daquela Unidade.
Recomendava-se, também a instituição de
Supervisão Matricial que aumentasse a abertu-
ra destas Unidades para o externo. Supervisão
não conforme a concepção taylorista – alguém
que controla e fiscaliza o cumprimento de nor-
mas –, mas quase com o sentido que lhe era
atribuído pela Saúde Mental: supervisor como
agente externo que se reúne com a equipe pa-
ra instituir processos de reflexão crítica e de
educação permanente. Então, Supervisor como
apoiador e agenciador de mudanças, alguém
que ajudasse na identificação e no enfrenta-
mento de problemas. Este trabalho de apoio po-
deria assumir tanto um caráter mais técnico –
especialistas em enfermagem, em pediatria,
etc, ajudando, orientando várias equipes em
que houvesse este tipo de responsabilidade –,
ou mais um de instrumentalizador de proces-
sos de mudança. Neste segundo caso, um agen-
ciador e estimulador da capacidade de análise
e de participação do grupo na gestão, uma com-
binação das funções típicas de um analista de
grupo com as de um assessor de planejamento.
De qualquer modo, estes Supervisores não te-
riam linha de comando dentro das Unidades de
Produção. Somente a Direção geral ou o Coor-
denador, ou os próprios Colegiados tomariam
deliberações a serem acatadas por todos.
Conforme sugeria a Qualidade Total (Cam-
pos, 1992a), recomenda-se aqui também dimi-
nuir o número e o poder de influência das dire-
ções intermediárias. A diferença estaria em
que, neste novo Modelo, aquelas funções, an-
tes atribuídas às direções intermediárias, se-
riam substituídas ou pelo sistema colegiado de
direção, ou pelo sistema de Supervisão Matri-
cial – exemplo, a antiga chefia de todos os ser-
viços de enfermagem de um hospital, caso seja
de reconhecida competência técnica, passaria
a exercer a função de Supervisão Matricial de
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todas as Unidades em que o trabalho de enfer-
magem acontecesse.
Haveria também grandes modificações nos
sistema de Direção Geral das Organizações. O
Diretor-geral, ou Superintendente e seus asses-
sores teriam uma função executiva semelhante
àquela descrita para os Coordenadores de cada
Unidade de Produção, e comporiam, junto
com todos os Coordenadores de cada uma das
Unidade de Produção, um Colegiado Geral de
Direção. Com reuniões periódicas, este grupo
seria a instância máxima de deliberação do es-
tabelecimento: um Colegiado composto pela
Direção-geral, assessores e por cada um dos
Coordenadores das Unidades de produção e,
eventualmente, alguns dos Supervisores. Um
espaço para elaboração e compatibilização das
demandas e projetos de cada Unidade de Pro-
dução, mas também correia de transmissão e
de elaboração de diretrizes do sistema de saú-
de, dos projetos e prioridades provenientes ou
de outras instâncias de Governo ou oriundas
dos Conselhos de Saúde em que há participa-
ção de usuários.
Este Colegiado Geral cumpriria uma função
integradora, tentando articular aquilo que a
descentralização do poder tenderia a opor ou a
fragmentar (Figura 1).
O método de gestão colegiado
e a co-gestão
Diferentemente dos analistas institucionais,
Lapassade (1989), Deleuze & Guattari (1976),
sugere-se que o objetivo da Autogestão não so-
mente seria inatingível (irrealizável), como se-
ria também indesejável. Porque implicaria em
descompromisso com o interesse alheio, e po-
deria redundar em autogoverno com caracte-
rísticas exclusivistas e excludentes. Por isto,
elegeu-se como conceito diretor aquele de Co-
gestão, ou de Co-governo, ou seja, todos deci-
dindo, porém decidindo tendo em vista outras
Coordenador
Unidade de
Produção “X”
Coordenador
Unidade de
Produção “Y”
Coordenador
Unidade de
Produção “W”
Coordenador
Unidade de
Produção “Z”
Supervisor “a”
Supervisor “b”
Supervisor “c”
Supervisor “d”
Supervisor “e”
Colegiado
da U.P. “X”
(Equipe
da U.P. “X”
Colegiado
da U.P. “Y”
(Equipe
da U.P. “Y”
Colegiado
da U.P. “W”
(Equipe
da U.P. “W”
Colegiado
da U.P. “Z”
(Equipe
da U.P. “Z”
Figura 1
Nova geometria para instituições democratizadas.
Colegiado de Direção
(Supervisor, Assessoria, Coordenadores das
Unidades de Produção, Supervisores Matriciais)
Direção Geral (Supervisor e Assessoria)
Nota: Na linha vertical, colocam-se a direção geral, coordenadores das unidades de produção (U.P.) e os colegiados
respectivos; na horizontal, representado por linhas interrompidas, sentido matricial, estariam os supervisores,
bem como alguns trabalhadores que realizem tarefas em mais de uma unidade de produção (U.P.).
CAMPOS, G. W. S.
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instâncias, deliberar entre interesses em pug-
na, em negociação permanente, em discussão
e em recomposição com outros desejos, com
outros interesses e com outras instâncias de
poder. Diferente da Autogestão, o conceito de
Co-gestão partiria do princípio de que não ha-
veria poder nem dominação absolutos, mas
sempre relativos e em relação com outros graus
de poder e de dominação.
O mesmo raciocínio vale para as possibili-
dades de liberdade ou de autonomia. Liberda-
de e autonomia também não existem em abso-
luto, ao contrário do que afirma o pensamento
idealistas. Liberdade e autonomia de Sujeitos
concretos somente existem em coeficientes, ou
em cotas. Não há liberdade ou autonomia to-
tal. Tampouco haveria dominação ou determi-
nação total, sempre sobraria algum espaço pa-
ra resistência, para atenuar, para ludibriar ou
até para vencer imposições externas opressi-
vas. Assim, o Método de Gestão colegiada ba-
seia-se, não na idéia de autogestão, mas no
conceito de Co-gestão. Todos participam do go-
verno, nas ninguém decide sozinho ou isolado
ou em lugar dos outros.
As funções de dirigente ou de liderança não
estariam eliminadas neste modo de governar,
somente não assumiriam um caráter exclusivo
e unipessoal. De um dirigente-titular, suposto-
sabido e todo-poderoso, saltar-se-ia para um
Colegiado composto por diretores e coordena-
dores de cada uma das Unidades de Produção.
No entanto, cada um destes diretores cumpri-
ria funções executivas, operacionais, de con-
trole, cabendo-lhes tanto assegurar o cumpri-
mento das deliberações, quanto tomar deci-
sões que os espaços colegiados não houvessem
trabalhado.
Estes Colegiados não substituem ou tam-
pouco deveriam se confundir com os Conse-
lhos de Saúde com participação majoritária de
usuários. Eles têm função operacional, interna
às organizações e aos estabelecimentos e esta-
riam subordinadas aos Conselhos de Saúde.
Este sistema não asseguraria por si só a partici-
pação ou o envolvimento de usuários. Por ou-
tro lado, também os Conselhos Municipais pre-
vistos na legislação, em geral, se postam muito
distante da gestão cotidiana de cada serviço de
saúde. Para atenuar esta separação da clientela
e de outros setores da sociedade civil do fun-
cionamento cotidiano dos serviços, imaginou-
se uma rede de dispositivos complementares,
todos voltados para aumentar a influência do
usuário tanto no dia-a-dia quanto nas grandes
decisões do sistema. Para isto sugere-se desde
a realização periódica de Assembléias de Usuá-
rios em que o Colegiado de Direção estivesse
obrigatoriamente presente, até a constituição
de Conselhos Locais por cada distrito ou até
mesmo cada serviço de saúde. Estes Conselhos
Locais funcionariam por representação, obe-
decendo a mesma lógica e composição previs-
tas para os Conselhos Municipais.
No entanto, faziam-se também necessários
mecanismos que dessem capilaridade a este
sistema de participação. Neste caso, o princi-
pal dispositivo para aumentar o poder do
usuário no cotidiano era a recomendação de
que os serviços de saúde voltassem a funcionar
também segundo uma lógica de delegação in-
dividual de responsabilidade. Não deveria ha-
ver, quer em modalidades ambulatoriais ou de
internação, nenhum paciente sem um profis-
sional escolhido ou designado para ser sua Re-
ferência. Valorizava-se, portanto, o Padrão de
Vínculo estabelecido entre trabalhadores e
usuários, não somente em termos genéricos ou
coletivos, mas também em sua dimensão indi-
vidual. Cada técnico ou cada mini-equipe te-
riam responsabilidade integral sobre determi-
nado número de casos. Os demais trabalhado-
res os apoiaram mediante ações articulados
em movimentos matriciais: inter-consultas,
ações específicas ofertadas para clientes liga-
dos a distintos Profissionais de Referência, etc.
Neste caso, a busca de padrões de vínculo mais
qualificados, explícitos e duradouros, além de
vantagens de ordem política, a de propiciar
maior controle do usuário sobre os técnicos;
ou de ordem gerencial, a de explicitar graus de
compromisso e de competência de cada traba-
lhador; contribuiria também para aumentar a
eficácia do trabalho clínico e de reabilitação.
Sabe-se que não há clínica eficaz sem persona-
lização e contextualização dos projetos ou pro-
gramas terapêuticos.
Esta nova Metodologia de Gestão imagina-
se potente para lidar com várias polaridades
que operam em caráter quase que permanente
nos serviços de saúde. No caso, optou-se por
considerar que estas contradições nunca te-
riam sínteses definitivas. Ao contrário, toda so-
lução seria provisória e recolocaria o antigo
conflito dentro de novos patamares, mas nun-
ca os eliminaria, apenas os reporia com novas
características. Assim, imaginou-se uma Meto-
dologia de Gestão capaz de combinar coefi-
cientes de democracia direta (participativa)
com a preservação de algum grau de unidade
em torno daqueles objetivos primários de cada
instituição; ou seja, combinar interesses dos
usuários com outros mais próximos aos traba-
lhadores. Imaginou-se um Método que mes-
classe participação com busca de produtivida-
de e de compromisso; mas, sobretudo, antevia-
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se a possibilidade de montagem de uma má-
quina organizacional que fosse, ao mesmo tem-
po, terapêutica e pedagógica para os trabalha-
dores – no sentido, de permitir seu crescimen-
to pessoal e coletivo de forma contínua e pro-
gressiva – e também produtora de saúde ou de
educação para o público.
Para este fim, tratou-se de combinar dire-
trizes da Análise Institucional (autogestão e
auto-análise dos trabalhadores – Baremblit,
1992; Lapassade, 1989) com outras típicas de
qualquer empresa pública, ou seja, com a ne-
cessidade de atender demandas sociais segun-
do certos padrões definidos pela sociedade e
não somente por aquele grupo de “autogesto-
res”. Por isto, falava-se em coeficientes, em
graus de autonomia ou de Co-gestão. Governar
junto, não somente ser governado ou imaginar
o delírio de governar-se ignorando as imposi-
ções da realidade. Este processo de negociação
permanente do Sujeito com seu entorno foi
teorizada tanto por Freud (princípio de reali-
dade), quanto por Gramsci e Sartre (o primeiro
criou a idéia de composição de interesses e de
projetos para conformação de “Blocos Históri-
cos”; e o segundo, a noção de “Grupos Sujeitos”
(Freud, 1976; Gramsci, 1976, 1978; Sartre, 1963).
Neste sentido, considera-se que sempre ha-
verá antagonismos intermináveis entre a Mis-
são Básica dos Sistemas de Saúde e os Interes-
ses Corporativos de suas várias categorias pro-
fissionais. Haverá sempre conflitos entre Dire-
tores, Coordenadores das Unidades e seus Co-
legiados; e desentendimentos entre médicos,
enfermeiros, técnicos e usuários continuam
existindo. Mas, e então? Mais; haverá constan-
tes disputas em torno de modelos e programas
de atenção, divisão de trabalho e atribuição de
responsabilidades! Mas, e então?
Na verdade o Método nunca se propôs a re-
solver estes conflitos e muito menos a eliminar
estas contradições. Ao contrário, tratar-se-ia
de, ao admitir a inevitável existência destas po-
laridades, e de se criar espaços onde pudessem
ser explicitadas e trabalhadas, considerando-
se, sempre, os vários interesses e, portanto, as
várias racionalidades envolvidas.
Na verdade, sugere-se aqui uma máquina
gerencial instituinte. Contradição em termos:
máquina e gestão se referem ao estabelecido, à
reprodução do instituído; e o novo Método as
querendo instituinte! Uma máquina suposta-
mente co-produtora de sujeitos aptos para o
exercício da liberdade, para assumir os riscos e
o prazer da criação, mas também preparados
para contratar compromissos, para respeitar a
missão primária da instituição em que estives-
sem inseridos.
Lendo Heráclito, Hegel, Marx e Gramsci é
possível aprender alguma coisa sobre a lógica
dialética, e não é muito difícil reformular algu-
mas destas ferramentas conceituais para repen-
sar a maioria de nossas práticas voltadas para o
controle social e dominação. Realizar este esfor-
ço modifica a visão de mundo de um coletivo.
Como escreveu Pichon-Rivière, “... ao uso ins-
trumental da lógica formal acrescentou-se o da
lógica dialética e o da noção de conflito, em que
os termos não se excluem, mas estabelecem uma
continuidade genética sobre a base de sínteses
sucessivas” Pichon-Rivière (1988:24). E ao que
valeria acrescentar, sínteses sucessivas, sim, po-
rém provisórias, porque instauradoras de outros
conflitos estimuladores de outros movimentos.
Não é simples acostumar-se com a idéia da con-
vivência de termos conflitantes, e menos ainda
o seria lidar com estes dilaceramentos na prá-
tica, claro-escuro, todo o tempo, lusco-fusco,
certo-certo e certo-errado e errado-errado, to-
do o tempo, misturados, juntos. Descobrir a im-
portância e a necessidade de se aprender tam-
bém com o pólo que se deseja superar. Apren-
der a aprender com o objeto submetido a críti-
ca, não há sabedoria sem esta dialética da apro-
ximação e do distanciamento dos objetos ou fe-
nômenos ou sujeitos com os quais interagimos.
Descobrir ainda que o pólo negado nunca seria
absolutamente suprimido, mas, sim, em caso
de sucesso, incorporado à síntese vitoriosa.
Assim, sugere-se uma máquina gerencial
dialética, uma mecanismo capaz de lidar com
o conflito social básico à instituição de qual-
quer sociedade, ou seja, com o conflito entre
desejos individuais e necessidades sociais. Um
eterno jogo, um espaço que obrigue trabalha-
dores, dirigentes e usuários a considerar inte-
resses e falas dos outros autores. Uma máquina
que assegure tanto possibilidades de participa-
ção e que, portanto, produza distribuições mais
equilibradas de poder, como também garanta
objetividade e praticidade ao funcionamento
do estabelecimento. Discussão, negociação,
explicitação de diferenças; porém sempre se-
guidas de sínteses operativas a serem coloca-
das em prática pelos trabalhadores. E que a
maioria aprenda algo com o processo, educa-
ção continuada em ato.
Resumindo, poder-se-ia enumerar parte
das vantagens potenciais resultantes do fun-
cionamento desta nova Metodologia:
•melhoria no grau de envolvimento e de
compromisso das Equipes com a Instituição
como um todo e, particularmente, com os Pro-
jetos que elas foram ajudando a inventar. A
maior parte do pessoal sentindo-se criadora
dos Modelos testados e, com isto, potenciali-
CAMPOS, G. W. S.
870
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 14(4):863-870, out-dez, 1998
zando-se um aumento da sua taxa de felicida-
de e de realização profissional. A maioria das
Equipes se caracterizando por um amor explí-
cito ao trabalho executado, sentimento, hoje
em dia, raro no setor público e mesmo no pri-
vado. Orgulho profissional, compromisso e de-
dicação ao paciente e às reformas que elas vêm
inventando;
•criação de um sistema informal de Educa-
ção Continuada do estilo paidéia (educação in-
tegral), graças a multiplicação dos espaços on-
de se trocam informação, se intercambiam sa-
beres e se discutem problemas: oficinas de
planejamento, discussão de casos, elaboração
conjunta de projetos terapêuticos individuais
ou de programas coletivos de atenção. Poten-
cializando-se um amadurecimento da maioria
do pessoal para lidar tanto com aspectos técni-
cos, quanto políticos, humanos ou éticos, ou
seja, crescimento da capacidade de ouvir e ex-
por críticas, para aceitar derrotas e estabelecer
negociações e consensos;
• e, finalmente, melhoria sensível da relação
Equipes de Saúde com os usuários e seus fami-
liares, graças a instituição de sistemas de refe-
rência com responsabilização e cuidados mais
bem definidos e micro-sistemas de controle
social.
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