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Análise crítica sobre especialidades médicas e estratégias para integrá-las ao Sistema Único de Saúde (SUS)

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Abstract

Identificou-se relativa liberdade dos médicos brasileiros para criação de novas especialidades médicas, havendo, em conseqüência, progressiva fragmentação do trabalho em saúde, verificando-se também crescente diminuição da importância e mesmo da capacidade resolutiva das especialidades-raízes: clínica médica, pediatria, cirurgia geral e gineco-obstetrícia. Propõem-se dois conceitos operativos para redefinição da abrangência e da responsabilidade do trabalho médico: Campo de competência e Núcleo de Competência. São também levantadas diretrizes para reforma das políticas de formação e de incorporação de especialistas ao SUS.
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Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(1):141-144, jan-mar, 1997
OPINIÃO OPINION
Análise crítica sobre especialidades médicas
e estratégias para integrá-las ao Sistema Único
de Saúde (SUS)
A critical analysis of medical specialities
and strategies for their integration into the
Unified National Health System in Brazil (SUS)
1
Departamento de Medicina
Preventiva e Social,
Faculdade de Ciências
Médicas, Universidade
Estadual de Campinas,
C. P. 6111,Campinas,SP,
13081-970, Brasil.
Gastão Wagner de Sousa Campos
1
Maurício Chakour
1
Rogério de Carvalho Santos
1
Abstract
The implementation of medical specialization in Brasil has been relatively free of
constraints. There has thus been a progressive fragmentation of medical work. The so-called
root specialities are losing both their strength and clinical problem-solving capacity. Two op-
erational concepts are proposed for achieving better administration of medical responsibilities
and the role of medical professionals: 1) field of competence and 2) core competence. General
goals are suggested for reforming specialized training and integration of specialists into the
Unified National Health System.
Key words
Medical Specialties; Health Systems; Health Policy;Public Health
Resumo
Identificou-se relativa liberdade dos médicos brasileiros para criação de novas espe-
cialidades médicas,havendo,em conseqüência, progressiva fragmentação do trabalho em saúde,
verificando-se também crescente diminuição da importância e mesmo da capacidade resolutiva
das especialidades-raízes: clínica médica, pediatria, cirurgia geral e gineco-obstetrícia.Propõem-
se dois conceitos operativos para redefinição da abrangência e da responsabilidade do trabalho
médico: Campo de competência e Núcleo de Competência. São também levantadas diretrizes
para reforma das políticas de formação e de incorporação de especialistas ao SUS.
Palavras-chave
Especialidades Médicas; Sistemas de Saúde; Política de Saúde; Saúde Pública
CAMPOS, G. W. S.; CHAKOUR, M. & SANTOS, R. C.
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Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(1):141-144, jan-mar, 1997
Considerações sobre as especialidades
médicas e sobre sua influência
na organização do trabalho em saúde
A criação de especialidades médicas tem sido
mais ou menos “livre” no Brasil. A Associação
Médica Brasileira (AMB) tem deixado a cargo
dos médicos a iniciativa pela abertura de novas
Sociedades de Especialistas. Em documento
interno estabeleceu-se que “para caracterizar
uma área de atuação médica como especiali-
dade é necessário que ela reúna pelo menos
cem especialistas afins, e que exista há pelo
menos dois anos como entidade civil organiza-
da” (AMB, 1994a).
Estes dois critérios – uma dada massa críti-
ca de profissionais e uma certa estabilidade
temporal para a área de atuação – têm uma ló-
gica tipicamente liberal; a livre-iniciativa dos
profissionais descobriria necessidades do sis-
tema de atenção sem outros condicionantes
que os acima mencionados. Ou seja, para a en-
tidade médica engarregada por lei da regula-
mentação das especialidades não haveria cri-
térios políticos, sociais ou econômicos interfe-
rindo neste processo. Em nenhum momento
menciona-se qualquer possibilidade de plane-
jamento da quantidade ou do tipo de especia-
listas que deveriam estar sendo formados.
No entanto, hoje, já é possível constatar-se
a insuficiência desta política. Paradoxalmente,
uma vez criada a especialidade, parece esgo-
tar-se o espírito liberal e desregulamentador
das entidades médicas.
Verifica-se clara tendência da maioria das
sociedades de especialistas de definir de modo
extremamente rígido a área de competência
das especialidades, conseqüentemente negan-
do aos demais médicos capacidade para reali-
zar procedimentos incluídos na área de com-
petência regulamentada por cada especialida-
de (AMB, 1994b).
Partindo de uma postura liberal, a política
das especialidades defende normas estrita-
mente corporativistas. Esta contradição tem
gerado mais problemas do que soluções para
os sistemas públicos e privados de saúde.
Por um lado, é inegável a legitimidade téc-
nica da maioria das especialidades médicas.
Em geral, contribuem para aumentar a capaci-
dade resolutiva da prática médica. Um exem-
plo: a existência de cirurgiões especializados
em mão aumentaria, teoricamente, a possibili-
dade de recuperação de casos considerados
perdidos até alguns anos atrás.
Por outro lado, contudo, a fragmentação do
trabalho médico em múltiplas especialidades
tem difucultado o diagnóstico e a instituição
de terapêuticas em tempo hábil. Em decorrên-
cia, multiplicam-se os encaminhamentos e a
realização de exames complementares injusti-
ficados. Ainda não se encontraram diretrizes
práticas que atenuassem estes efeitos inevitá-
veis da incorporação de novas especialidades
aos sistemas de saúde. Quer nos países desen-
volvidos, quer em outros mais pobres, consta-
tam-se tanto um declínio da eficácia dos servi-
ços de saúde, quanto um outro efeito deletério
que se convencionou denominar de elevação
crescente dos custos em saúde” (Freidson,
1978).
Retomando o exemplo anterior, se é estúpi-
do negar valor à existência de algumas equipes
especializadas em cirurgia de mão, estrategica-
mente posicionadas em hospitais de referência
regional, não podemos ignorar, também, que,
na medida em que são instalados estes novos
serviços, desenvolve-se tendência da maioria
dos cirurgiões gerais de encaminharem todos
os casos de lesão desta parte do corpo, ainda
que tivessem tradição de resolvê-los com ra-
zoável grau de competência no período ante-
rior à existência destes serviços especializados.
Sendo assim, quando se adotam processos
de trabalho centrados na lógica da especializa-
ção, há sempre uma tendência ao esvaziamen-
to de função e posterior desaparecimento das
especialidades mais gerais. Refiro-me não so-
mente ao clínico geral, supostamente, egresso
das faculdades, mas aos pediatras, gineco-obs-
tetras, cirurgiões gerais e internistas. O mesmo
efeito passa a acontecer também com algumas
outras especialidades-raízes de alguma linha
de especialização, como os casos dos neurolo-
gistas e cardiologistas (CFM, 1996).
No Brasil, o Sistema Único de Saúde pre-
tendeu enfrentar este problema criando um
modelo hierarquizado de atenção. Em teoria,
haveria uma rede básica onde trabalhariam ou
o clínico geral (médico de família) ou, pelo me-
nos, equipes compostas pelas quatro especia-
lidades gerais”: clínica médica, pediatria, gine-
co-obstetrícia e medicina sanitária. Em algu-
mas situações incorporam-se cirurgiões, para
cirurgia ambulatorial, e psiquiatras.
Sem dúvida, é uma proposta racional. En-
tretanto, ela tem encontrado dificuldades prá-
ticas para sua operacionalização. De saída, não
são facilmente encontrados clínicos gerais, tra-
ta-se de um profissional em extinção no País.
Além do mais, constata-se uma tendência das
redes primárias operarem com baixíssima ca-
pacidade resolutiva, não somente por proble-
mas de infra-estrutura ou de manutenção, que
são relevantes, mas também pela dificuldade
de os profissionais médicos exercerem a clíni-
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ca com sentido eficaz. Os melhores serviços
básicos funcionam como pronto-atendimen-
tos voltados para cuidado sintomático e são,
em inúmeras localidades, instâncias de tria-
gem que não aliviam a sobrecarga dos especia-
listas (Campos, 1992).
As faculdades de medicina têm estruturado
seus cursos dentro da mesma lógica. A maioria
dos professores tem formação especializada e
tem dificuldade em conservar e, portanto, em
transmitir saberes e práticas mais polivalentes.
O ensino é segmentado e, muitas vezes, padece
de lacunas básicas importantes, conforme as
características aleatórias da composição do
corpo docente (Abem, 1995).
Observa-se na residência uma tendência a
reproduzir este modelo. Pesquisa recente da
Fundap encontrou que as áreas menos procu-
radas pelos graduados são exatamente aquelas
das especialidades gerais”. Não há, por parte
das escolas, dos hospitais ou dos governos, po-
líticas que priorizem a formação desta ou da-
quela especialidade (Fundap, 1994).
Nota-se, tanto pelos valores dos honorários
da tabela da AMB, como pelos salários e nor-
mas de remuneração de órgãos governamen-
tais, uma desvalorização do trabalho mais clí-
nico, mais polivalente, mais integrativo, em
contraste com uma supervalorização de outros
dependentes de tecnologias duras, de equi-
pamentos operados por especialistas em pe-
daços” muito específicos do processo diagnós-
tico ou terapêutico. Provavelmente, estes estí-
mulos financeiros expliquem o perfil de inte-
resse dos candidatos à residência.
Portanto, urgem soluções que modifiquem
o sentido da graduação médica, da residência
e das políticas das entidades médicas e do Es-
tado.
Discussão de algumas diretrizes
potencializadoras de mudanças
neste quadro
a) Reconhecendo a inevitabilidade da espe-
cialização, como definir a área de competência
de cada especialidade de maneira a não ocor-
rer uma concomitante perda da capacidade de
resolver problemas de saúde dos demais médi-
cos?
Já nos referimos à propensão das especiali-
dades definirem um campo muito rígido de
atribuições próprias. Até chegamos a identifi-
cá-la com um certo corporativismo. Por outro
lado, ao mesmo tempo que se busca retirar
atribuições das especialidades-raízes, observa-
se, por parte dos novos especialistas, a perda
ESPECIALIDADES MÉDICAS
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de habilidades médicas básicas. Cirurgiões
descuidam da clínica, clínicos da dinâmica psí-
quica dos seus pacientes, cardiologistas igno-
ram a pneumologia básica e assim sucessiva-
mente. Desta forma, a prática médica se com-
plica sem que ocorra, proporcionalmente, me-
lhoria da eficácia ou diminuição de custos. Ao
contrário.
Uma linha alternativa de raciocínio poderia
ser a seguinte: dividir a denominada área de
competência de cada especialidade em dois
espaços inclusivos:
Um mais geral, denominado campo de com-
petência, que incluiria os principais saberes da
especialidade-raiz e que, portanto, teria um es-
paço de sobreposição de exercício profissional
com outras especialidade. O campo de compe-
tência não caracterizaria monopólio profissio-
nal da especialidade; ao contrário, seria um
campo de intersecção com outras áreas. Por
exemplo: o campo de competência do especia-
lista em cirurgia de mão seriam as lesões de
mão e mais saberes e práticas próximos ao do
cirurgião geral.
E um segundo, mais específico, denomina-
do de núcleo de competência, que incluiria as
atribuições exclusivas daquela especialidade,
justificando, portanto, a sua existência como
uma nova área. Retomando o exemplo: o nú-
cleo de competência do especialista em cirur-
gia de mão poderia ser constituído pelos casos
graves de trauma, amputação ou semi-ampu-
tação da mão com lesões importantes de vasos
ou outras estruturas nobres. Se adotado este
critério, inúmeras lesões de mão continuariam
a ser também da competência do cirurgião ge-
ral.
O campo de competência teria limites e con-
tornos menos precisos e o núcleo, ao contrá-
rio, teria definições as mais delineadas pos-
síveis.
A constituição destes espaços organizar-se-
ia segundo um jogo de negociações provisó-
rias, em certa medida intermináveis porque
impossíveis de serem arbitradas exclusivamen-
te por uma racionalidade técnica. Isto porque
a definição destes campos dependeria também
de interesses políticos, profissionais e não ape-
nas de diretrizes médicas positivas.
Neste sentido, a AMB e órgãos públicos po-
deriam organizar encontros entre todas as es-
pecialidades ligadas à cirurgia, à pediatria, ou
à neurologia, mediando os resultados dos de-
bates entre as várias alternativas que certa-
mente surgirão.
Com a criação destas duas lógicas de crité-
rios, uma mais flexível e outra mais rígida, pre-
tende-se assegurar tanto a necessária existên-
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cia de especialidades, quanto a conservação da
capacidade resolutiva das chamadas especiali-
dades gerais ou especialidades-raízes. Senão,
com o tempo, elas seriam expropriadas de toda
capacidade resolutiva.
Ao mesmo tempo, partindo-se desta pers-
pectiva, caberia exigir-se do especialista uma
certa polivalência – a específica ao seu campo
de competência, contribuindo assim, também,
para a ampliação da declinante capacidade re-
solutiva dos profissionais altamente especiali-
zados.
b) Se a proposição e o aparecimento de novas
especialidades seguem inevitavelmente um
padrão mais ou menos livre, dependente tanto
da iniciativa dos médicos, quanto de algumas
regulamentações, o Sistema Único de Saúde
não deveria furtar-se de ter uma política que
interferisse nesta dinâmica.
Basicamente, acreditamos que o SUS deve-
ria criar mecanismos que indicassem uma cla-
ra prioridade não só pela formação, como tam-
bém pela contratação de trabalho desta ou da-
quela especialidade.
Quanto à formação, sabe-se que institui-
ções governamentais custeiam a maioria das
vagas para residência. Neste sentido, seria viá-
vel, sem grandes rearranjos institucionais, pro-
ceder-se a definição do perfil dos profissionais
a serem formados conforme necessidades de
saúde e a lógica do sistema público. Superar o
laissez-faire atualmente existente, que repro-
duz de forma centralizada os interesses ou dos
profissionais enquanto corporação, ou do mer-
cado, é um desafio inadiável.
A principal diretriz sugerida seria a defini-
ção de cotas mínimas de vagas para as deno-
minadas especialidades gerais”: pediatria, ci-
rurgia geral, clínica médica, gineco-obstetrícia
e saúde pública. Poder-se-ia, em curto prazo,
instituir-se a obrigatoriedade de o conjunto
dos serviços de residência médica reservarem
metade das vagas para estas áreas. Caberia às
Secretarias Estaduais e Comissões de Residên-
cia Médica administrarem esta distribuição, de
maneira que um serviço especializado exclusi-
vamente em pediatria, por exemplo, não se vis-
se obrigado a criar residência de clínica. Seria
ridículo. O importante seria o planejamento
em toda a rede. Estas residências seriam termi-
nais, ou seja, as demais especialidades somen-
te contariam com a outra metade do número
de vagas para prosseguimento dos seus cursos
específicos. Estas cotas sugeridas deveriam ser
revistas periodicamente conforme o impacto
no sistema de formação e no assistencial.
Além disso, seria importante assegurar que
todas as especialidades iniciassem a residência
por uma destas especialidade gerais, confor-
me já é praxe em inúmeras instituições.
c) Quanto ao mercado de trabalho, haveria
que se considerar que de pouco adiantaria mo-
dificar o perfil da residência se não houvesse
mudanças equivalentes no perfil de contrata-
ção e de remuneração de médicos do SUS.
Haveria que se valorizar o exercício destas
especialidades gerais, assegurando tanto salá-
rios, como incentivos por desempenho ade-
quados. Por outro lado, seria importante rever
o quadro de pessoal de hospitais públicos, am-
pliando o número de profissioanais com estas
características também nos níveis secundário
e terciário de atenção. Metade dos médicos de
um hospital moderno poderia também ter este
perfil mais resolutivo e polivalente.
Por último, caberia iniciar um processo de
discussão com a AMB e com o Ministério da
Saúde voltado para a revalorização dos proce-
dimentos clínicos e cirúrgicos mais integrais e
abrangentes. A atual política está degradando
o trabalho essencialmente interpessoal da Me-
dicina.
Comentários finais
Com estas diretrizes, pretendemos tão-so-
mente indicar alguns caminhos que, se trilha-
dos, poderiam desencadear processos de su-
peração de algumas da dificuldades do sistema
de saúde brasileiro. Trata-se de uma aborda-
gem parcial e que tem como objetivo mais es-
timular a elaboração de novas alternativas para
estes já velhos problemas sanitários, do que
pretender fornecer receitas acabadas.
Referências
ABEM (Associação Brasileira de Ensino Médico),
1995. Anais. XXXIII Congresso Brasileiro de Edu-
cação Médica. Porto Alegre: ABEM.
AMB (Associação Médica Brasileira), 1994a. Proposta
de Regulamentação para a Criação de Novas Es-
pecialidades em Medicina. Brasília: Conselho
Científico. (mimeo.)
AMB (Associação Médica Brasileira), 1994b. Regimen-
to da AMB.Brasília: AMB.
CAMPOS, G. W. S., 1992. Reforma da Reforma:Repen-
sando a Saúde. São Paulo: Hucitec.
CFM (Conselho Federal de Medicina), 1996. Consoli-
dado Parcial da Pesquisa Perfil do Médico Brasi-
leiro. Brasília: CFM. (mimeo.)
FREIDSON, E., 1978. La Profesión Médica. Barcelona:
Península.
FUNDAP (Fundação para o Desenvolvimento da Ad-
ministração Pública), 1994. Relatório de Gestão
1993/94. São Paulo: Fundap.
... A implementação apropriada de diretrizes de atenção à saúde é de grande interesse para organizações nacionais, sociedades profissionais, prestadores de cuidados à saúde, responsáveis políticos, para o campo jurídico voltado à área da saúde, medicina, pacientes e o público em geral (SOUSA, et al, 2017). As especialidades médicas contribuem muito para aumentar a capacidade resolutiva da prática médica, por isso é inegável a legitimidade técnica em todo o processo de consolidação do uso das diretrizes clínicas na área da saúde (CAMPOS et al., 1997) que, por sua vez, trazem afirmações advindas de revisões sistemáticas, baseadas em evidências científicas. ...
Article
Os documentos técnicos, chamados de Diretrizes, Consensos ou Posicionamentos são um norte para prática clínica de profissionais da área da saúde. A diretriz clínica está constituída por afirmações sistematicamente desenvolvidas para auxiliar profissionais de saúde e pacientes na tomada de decisão sobre a forma mais adequada de cuidado com a saúde em condições específicas, incluindo a Nutrição. O objetivo da pesquisa foi mapear os documentos técnicos das especialidades e áreas de atuação médica que descrevem sobre o tratamento não medicamentoso que envolve a nutrição como dietoterapia, intervenções nutricionais de interesse para a prática clínica do nutricionista. A pesquisa destes documentos foi realizada nos sites do Conselho Federal de Medicina e nas respectivas sociedades de especialidades e áreas de atuação médicas, segundo a lista da Resolução CFM nº 2.221/2018. Após localizar o documento (diretriz, consenso ou posicionamento) por especialidade ou área de atuação, foi realizada uma busca minuciosa de termos relacionados à nutrição que foram previamente definidos, tais como: nutrientes, desnutrição, enteral, parenteral, alimento, alimentação, peso, dieta, IMC, refeição, obesidade, padrão de dieta, recomendações nutricionais de macronutrientes e micronutrientes, compostos bioativos e suplementos. Do total de 114 sites de entidades representativas das especialidades (n= 55) e áreas de atuação médica (n= 59), foram encontrados apenas 41 documentos técnicos (36%) que se relacionam diretamente à nutrição. Destes 41 documentos selecionados, 28 são diretrizes (68,29%), 09 consensos (21,95%) e 04 posicionamentos (9,75%). Assim, percebe-se que menos da metade (41 | 36%) dos sites mapeados abordam a nutrição e não são totalmente completos em recomendações nutricionais, abordagem terapêutica dietoterápica, o que demonstra ser insuficiente para uma prática clínica mais assertiva e com embasamento científico. Por meio deste mapeamento das diretrizes, consensos e posicionamentos disponíveis, conclui-se que, embora o estado nutricional, a alimentação adequada e o tratamento não medicamentoso por meio da nutrição exerce papel fundamental para a saúde da população, as recomendações ainda não são suficientemente profundas para o direcionamento da prática clínica do nutricionista, sendo esta pesquisa de suma importância para que os profissionais da área de Nutrição questionem a necessidade de elaboração de documentos técnicos específicos para a Nutrição, podendo ser amplamente consultados para embasamento da prática clínica.
... Isso faz com que aumentem as ações promotoras, protetoras e recuperadoras da saúde quando os saberes e práticas próprias de cada profissional (núcleo de saber) se integram com os dos outros membros da equipe e, juntos, conseguem potencializar os benefícios à população sob sua responsabilidade (campo de ação), visando à integralidade (ELLERY, 2013). O entendimento de que o núcleo diz respeito aos elementos de singularidade que definem a identidade de cada profissional ou especialista, enquanto campo seria constituído por responsabilidades e saberes comuns ou convergentes a várias profissões ou especialidades contribui para elucidar o que se pretende com o modelo de atenção proposto atualmente para o trabalho em equipe (CAMPOS, 1997). Os profissionais de saúde, nos espaços de trabalho, se deparam com situações complexas e necessitam de apoio interdisciplinar, contrariando a lógica da profissionalização. ...
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Resumo O aleitamento materno (AM) e a introdução adequada da alimentação complementar (AC) são estratégias que comprovadamente melhoram a saúde bucal e previnem doenças. Por isso, atividades de promoção dessas práticas devem ser realizadas por todos os profissionais de saúde. Buscou-se, através da metodologia quantitativa, analisar o resultado de um inquérito realizado com dentistas cadastrados no Conselho Regional de Odontologia de São Paulo sobre sua formação acadêmica e profissional nestes temas. Os conteúdos mais recebidos na graduação foram sobre os benefícios do AM para a prevenção da saúde geral (74,6%). Entre os profissionais que receberam capacitação em serviço, foram 27,8% (AM) e 21,5% (AC), sendo que mais de 80% conseguiram aplicar o conhecimento no dia a dia. Quando solicitados a dar orientação sobre AM, apenas 15% responderam se sentir preparados. Sobre se consideram ser atribuição do dentista o apoio ao AM e AC, 92,3% responderam que sim e 85% reconhecem precisar de atualização. Conclui-se que há uma lacuna a ser preenchida com a formação acadêmica e capacitações/atualizações para que o dentista possa efetivamente atuar na promoção e apoio ao AM e AC.
... Campo é caracterizado pela intersecção de áreas de uma especialidade-raiz, isto é, refere-se ao conhecimento, habilidades e atitudes comuns e compartilhados pelas profissões da saúde. Já o núcleo diz respeito às atribuições de determinada especialidade, mostrando a sua relevância, como uma área específica de atuação no cuidado em saúde (Campos et al, 1997). Os programas de EIP como Residência Multiprofissional, PET/GraduaSUS, entre outros, têm suas ações baseadas nestes conceitos. ...
... 1 7-9 In 2000-2001, after SUS started expanding access to primary healthcare through the Family Health Strategy (then Family Health Programme, conceived based on community general medicine and other inputs 7 11 12 ), community general medicine resolved its differences with family medicine, resulting in a medical specialty now called family and community medicine (medicina de família e comunidade, MFC). 1 8 Preventive and social medicine (medicina preventiva e social) remains a separate specialty, despite the partially overlapping scope of practice. 1 The concepts of 'field of competence' and 'core competence' 13 have been considered useful for understanding the interplay between the disciplines of primary healthcare and family and community medicine. 9 Family and community medicine having its core competencies does not preclude it from sharing primary healthcare as a field of competence, or vice-versa. ...
Article
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Objective: Our objective was to describe the postgraduate education trajectories of family and community physicians in Brazil, where neither primary healthcare nor family and community medicine is recognised as a knowledge area for the purpose of research and postgraduate education (master's and PhD degrees). Design: An observational, exploratory study, using administrative data. A nationwide list of family and community physicians as of late November 2018 was compiled from multiple sources. Data on the mode of specialisation was obtained from the same sources and were correlated with data on master's and PhD degrees, obtained from the curricula vitae on the Lattes Platform. Setting: This study was set in Brazil. Participants: 6238 family and community physicians (58.3% female), of whom 2795 had earned a specialist certificate (identified from the list of physicians certified by Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade) and 3957 had completed medical residency (identified from SisCNRM, the national information system for medical residency). Results: A master's degree was held by 747 (12.0%) family and community physicians, and a PhD by 170 (2.7%); most degrees were in collective health (47.0% and 42%, respectively). Men were more likely than women to hold a master's degree (adjusted odds ratio (aOR) 1.24, 95% uncertainty interval (UI) 1.07-1.45) and even more likely to a hold PhD (aOR 1.86, 95% UI 1.35-2.59). Family and community physicians were also less likely to hold a PhD degree if their master's degree was professional (oriented towards jobs outside academia) instead of academic (aOR 0.15, 95% UI 0.05-0.39) or in some area other than collective health or medicine (aOR 0.41, 95% UI 0.21-0.78, compared with a master's degree in collective health). The postgraduate degree was more likely to precede specialisation for family and community physicians specialising through certification (master's degree 39.9%, PhD 33%) than through medical residency (master's degree 9.1%, PhD 6%). Conclusion: Family and community physicians in Brazil increasingly earn academic and professional master's and PhD degrees, with an emphasis on collective health, even though women seemingly face barriers to advance their education. The consequences of different postgraduate trajectories should be critically examined.
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Resumo: O objetivo do estudo é compreender como se configuram as práticas e os processos de trabalho dos psicólogos inseridos nos Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB) de Porto Alegre (RS) e região metropolitana. Realizaram-se entrevistas semidirigidas com seis psicólogas. A análise temática deu origem aos eixos: (1) atendimento individual: produções subjetivas em saúde e seus alcances; (2) eu, eles e nós: interfaces entre campo e núcleo; (3) o individual na perspectiva psicossocial: especificidades do psicólogo no Nasf-AB. Os resultados apontam que o atendimento individual desencadeia importante discussão sobre as diretrizes da política, assim como as psicólogas relacionam essa prática a sua identidade e responsabilidade profissional. Observa-se compreensão e apropriação teórica sobre os conceitos campo e núcleo, que buscam não fragmentar os saberes e dar conta do paradoxo presente na prática das equipes. Percebe-se também aproximação da clínica com as práticas psicossociais e de promoção da saúde.
Chapter
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Reconhecemos que há especificidades da atuação dos profissionais de saúde que, em geral, são inscritos em conselhos regulamentadores que delimitam as possibilidades de atuação e que, invariavelmente, essas são insuficientes para dar conta da dinamicidade do trabalho interprofissional necessário para a realidade cotidiana da vida coletiva e do SUS. Defendemos a necessária intercessão nos conhecimentos e práticas em saúde a partir de perspectivas mais transdisciplinares e multiprofissionais. Na organização dos serviços de saúde, um campo em permanente construção, a comunidade e o usuário devem ser o foco da atuação dos diversos profissionais, e a ação que compete a cada um não será resolvida a partir de aspectos legais que regulamentam a profissão. No caso específico da Educação Física, as interseções entre campo e núcleo para a atuação em saúde conclamam adotar uma compreensão mais ampliada a partir das ciências sociais e humanas, sobre as práticas corporais e atividades físicas como elementos centrais de uma vida plena, com saúde. Sem negar os aspectos da aptidão física, é essencial entender que esses elementos fazem parte de uma cultura humana, que se manifesta em práticas cotidianas de deslocamento, trabalho, estudo e lazer, em intrínseca relação com o ambiente (natural e construído) em que vivemos e com relações também com o modelo político e econômico vigente.
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Resumo Estudos empíricos identificaram insuficiências e precariedades na atuação de apoio matricial dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Este artigo, baseado em experiências assistemáticas diversas e literatura selecionada, defende duas teses interligadas que criticam aspectos das normativas federais originais para atuação desses Núcleos: uma concepção − implícita nas normativas − de atenção primária à saúde como cenário de ações situadas apenas em campos de competência compartilháveis, por um lado; e a opção de inserção desses Núcleos relativamente fora do fluxo assistencial dos usuários, por outro. Argumenta-se que ambas, provavelmente, geraram efeitos adversos envolvidos nos problemas de atuação desses Núcleos: contribuíram para a superestimação dos seus resultados esperados, para o seu subaproveitamento e subdesenvolvimento institucional e para a precarização da sua legitimidade, dificultada com a Política Nacional de Atenção Básica de 2017 e atingida gravemente com o desfinanciamento federal em 2019. Defende-se o aperfeiçoamento dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família e sugere-se sua inserção no fluxo assistencial entre a atenção primária à saúde e a atenção secundária, para reduzir o isolamento entre ambas e aperfeiçoar a coordenação personalizada do cuidado, facilitar a legitimidade dos ‘matriciadores’, o apoio matricial e a educação permanente dos profissionais.
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Resumo: Fundamentado na teoria da identidade social, este artigo apresenta uma revisão teórica e discute o processo de formação profissional dos médicos em determinado contexto sócio-histórico. A partir de tal contexto, pós-flexneriano, faz-se uma avaliação deste processo e de sua interface com as novas demandas relativas à prática dos médicos, principalmente no que diz respeito à reforma curricular e no Programa de Saúde da Família (PSF). O artigo aponta ainda para as óticas dicotômicas e excludentes na discussão dos aspectos multifatoriais relativos ao processo saúde-doença, sugerindo uma reavaliação crítica dos pressupostos da reforma curricular e do PSF, em especial para a necessidade de superação dos obstáculos ético-epistemológicos para a efetivação de uma prática médica verdadeiramente renovada.
Consoli-dado Parcial da Pesquisa Perfil do Médico Brasi-leiro
  • Cfm Conselho
  • E De Medicina Freidson
CFM (Conselho Federal de Medicina), 1996. Consoli-dado Parcial da Pesquisa Perfil do Médico Brasi-leiro. Brasília: CFM. (mimeo.) FREIDSON, E., 1978. La Profesión Médica. Barcelona: Península
Proposta de Regulamentação para a Criação de Novas Especialidades em Medicina. Brasília: Conselho Científico
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