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Avaliação
clínico-neuro-psicológica
de
trabalhadores
expostos
a
mercúrio
metálico
em
indústria
de
lâmpadas elétricas
Neuro-psychological
clinical assessment
of
workers
in an
electric lamp
factory
exposed
to
metallic
mercury
Cecília
Zavariz*, Débora
Miriam
Raab
Glina**
ZAVARIZ,
C. &
GLINA, D.M.R. Avaliação clínico-neuro-psicológica
de
trabalhadores expos-
tos a
mercúrio metálico
em
indústria
de
lâmpadas elétricas. Rev.
Saúde
públ.,
S.Paulo,
26:356
-65, 1992. Objetivou-se estudar
a
intoxicação
por
mercúrio metálico
em
trabalhadores
de uma
indústria
de
lâmpadas elétricas
no
Estado
de São
Paulo, Brasil. Foram investigados
71
traba-
lhadores,
dos
quais
61
(85,92%)
apresentaram quadro
de
intoxicação crônica
por
mercúrio.
O
tempo
de
exposição
dos
trabalhadores estudados variou
de 4
meses
a 30
anos. Dentre
os in-
toxicados
foram
detectadas alterações
de
coordenação motora
em 57
(80,30%), neurológicas,
em
56
(78,88%),
de
memória,
em 51
(71,83%),
no
exame clínico,
em 47
(66,20%), psiquiá-
tricas,
em 45
(63,38%)
e da
atenção concentrada,
em 37
(52,10%).
Descritores:
Intoxicação
por
mercúrio,
epidemiologia.
Doenças
ocupacionais,
induzido quimi-
camente.
*
Centro
de
Referência
em
Saúde
do
Trabalhador
de
Santo
Amaro
da
Prefeitura
do
Município
de São
Paulo;
Divisão
de
Segurança
e
Saúde
do
Trabalhador
do
Instituto Nacio-
nal
de
Seguridade Social
de São
Paulo (INSS)
- São
Pau-
lo,
SP-Brasil.
**
Centro
de
Referência
em
Saúde
do
Trabalhador
de
Santo
Amaro
da
Prefeitura
do
Município
de São
Paulo
e
Pro-
fessora
- São
Paulo,
SP -
Brasil.
Separatas/Reprints:
C.Zavariz
- Rua
Alves
Guimarães,
485
Ap.
43 -
05410-000
- São
Paulo,
SP -
Brasil
Publicação financiada pela FAPESP. Processo Saúde Coletiva
91/4994-0
1
-
Introdução
O
mercúrio
é
utilizado
em um
grande
nú-
mero
de
processos
industriais, entre
os
quais,
a
produção
de
lâmpadas
fluorescentes7,15.
De
acordo
com a
temperatura,
a
concen-
tração
de
mercúrio metálico
no ar se
altera.
A
0°C
de
temperatura
a
concentração
de Hg no
ar
é de
2,18MCG/m3,
a
30°C
a
concentração
é de
29,500
MCG/m3
e a
40°C
é de
62,600
MCG/m3.
A
absorção
do
vapor
de
mercúrio metáli-
co
dá-se principalmente
por via
pulmonar,
através
da
inalação.
A
percentagem
de
reten-
ção nos
pulmões varia
de 74 a
76%6
a uma
concentração ambiental
de 100
mg/m3.
Dos
pulmões
o
mercúrio
é
levado pelo
sangue
e se
distribui
no
organismo, acumulan-
do-se
nos rins,
sistema
nervoso central, fíga-
do,
medula
óssea,
vias
aéreas superiores,
pa-
rede intestinal,
pele,
glândulas salivares, cora-
ção, músculos
e
placenta5,7,15.
Os
efeitos
do
mercúrio
no
organismo
ma-
nifestam-se
sob a
forma
de um
quadro agudo,
quando
inalado
em
grande quantidade,
no
qual
podem ocorrer
lesões
pulmonares, renais,
do
sistema nervoso central, podendo
ocasionar
in-
clusive
a
morte5.
A
intoxicação crônica afeta basicamente
o
aparelho
gastrointestinal,
sistema nervoso
e
psíquico, cujas alterações variam
de
quadros
leves
a
muito
graves11,15.
O
quadro gastrointestinal manifesta-se
por
lesões
orais,
de
estômago, intestino
e fí-
gado.
A
gengivite
é o
distúrbio mais
comu-
mente encontrado. Também ocorrem queixas
de
desagradável gosto amargo
ou
metálico
na
boca,
sialorréia,
ulcerações
orais
e
amoleci-
mento
de
dentes. Faringite
inespecífica
é co-
mum. Outra manifestação encontrada
é a
gas-
trite
e
gastroduodenite3.
O
quadro neurológico pode manifestar-se
por
tremores, alterações
de
sensibilidade dolo-
rosa, térmica
e
tátil,
alteração
de
reflexos,
coordenação
motora
e até
parkinsonismo3,15.
O
quadro psíquico constitui-se
em
cons-
telação
de
alterações
de
personalidade
que Foá
e
Caimi4
denominam
de
eretismo psíquico,
re-
ferindo
que os
sinais típicos
e
precoces
da in-
toxicação crônica
por
mercúrio
são a
irritabi-
lidade, alteração
da
sociabilidade,
insônia,
es-
tado
de
ansiedade, timidez,
labilidade
emocio-
nal
e, nos
casos
mais graves, ocorre
a
dimi-
nuição
da
atenção, memória,
até um
processo
de
despersonalização
geral.
Angotzi
e
col.2
encontraram diferenças
significativas
entre
o
grupo experimental (ex-
posto)
e o
grupo contole,
em
relação
à
força
do
ego, mecanismos
esquizóides,
nível
de
controle
racional,
de
ansiedade
e de
tensão
nervosa, justamente
os
fatores
que
mostram
o
equilíbrio
sócio-emotivo
do
indivíduo.
Vroom
e
Greer13
encontraram,
em seu es-
tudo
com
pacientes expostos
a
mercúrio metá-
lico, dados sobre
ansiedade,
depressão,
em to-
dos
os
casos,
além
de
insônia,
irritabilidade,
esquecimento, dificuldade
de
concentração,
in-
segurança,
diminuição
das
habilidades
sociais.
Piikivi
e
col.12,
além
dos
itens anterior-
mente
mencionados,
encontraram redução
da
autoconfiança.
Para
Alonso
F1,
as
psicoses
exotóxicas
(produzidas
por
agentes
tóxicos,
não
origina-
dos
no
organismo) podem
distribuir-se
em
psi-
cosíndromes
de
transição (sem alteração
de
consciência), síndromes
com
alteração
de
consciência,
desestruturação
da
personalidade
e a
psicosíndrome
orgânica.
As
primeiras alterações psíquicas,
que
aparecem
nas
intoxicações crônicas, integram
uma
síndrome
neurasteniforme,
cujos elemen-
tos
mais significativos
são a
astenia
e a
irrita-
bilidade,
além
de
cefaléias, vertigens, diminui-
ção da
memória, entre outros.
Caso
persista
a
exposição
ao
tóxico,
o
quadro
evolui para
uma
psicosíndrome
orgâni-
ca. Às
vezes
tal
síndrome manifesta-se
por
uma
perda
de
iniciativa
e de
espontaneidade,
e
dificuldades
de
lidar
com
situações
que
transcendam
o
imediato
e
cotidiano.
A
neuropsicologia
toxicológica
segundo
Hartman9
aplica métodos
de
testagem
neuropsi-
cológica
para
assessar
as
disfunções cerebrais
sutis,
mas
definidas, produzidas
por
substân-
cias neurotóxicas, apontando vantagens
e
des-
vantagens
destes métodos.
As
principais
dificuldades
apontadas
fo-
ram:
a)
Lidar
com
déficits pré-existentes,
ou
seja,
normalmente
são
selecionados para cargos
que
não
exigem qualificação profissional
e, que
geralmente
envolvem exposições
a
riscos,
in-
divíduos
cujo
nível
de
escolaridade
é
baixo,
o
que
pode
camuflar
deficiências intelectuais
anteriores
à
exposição. Deve
ser
feita
uma
pesquisa nesse sentido, para facilitar
a
inter-
pretação
dos
testes.
b)
As
normas
da
maioria
dos
testes
neuropsi-
cológicos
não são
feitas especificamente para
trabalhadores
expostos
a
riscos
neurotóxicos,
e
sim,
para
a
população
em
geral.
c)
A
dificuldade
de um
diagnóstico diferencial
com
outras entidades mórbidas, dada
a
natu-
reza
global
do ser
humano.
As
principais vantagens apontadas foram:
a)
A
possibilidade
de um
diagnóstico precoce
de
efeitos neurotóxicos,
que de
outra
forma
não
seriam detectados,
já que os
indivíduos
podem desenvolver estratégias compensatórias
alternativas
para
os
déficits neuropsicológicos.
Como
os
testes exigem mais
e
podem isolar
os
componentes
da
cognição
e
comportamen-
to,
efeitos compensatórios podem
ser
minimi-
zados
e
dificuldades específicas podem
ser
mensuradas.
b)
Os
testes neuropsicológicos
são
seguros
e
não-invasivos.
Não há
riscos
nem dor
para
o
paciente. Podem
ser
repetidos para fornecer
dados
longitudinais
sem
ocasionar danos
ao
paciente.
c)
A
capacidade
dos
testes
de
avaliar
uma
grande
variedade
de
funções corticais
e
sub-
corticais.
Eles podem
ser
empregados para
avaliar
anormalidades cerebrais globais
e lo-
cais. Existem
diversas
opções
de
testes para
tanto.
d)
Os
testes neuropsicológicos
são
confiáveis,
podendo
ser
reproduzidos
no
mesmo indivíduo
ou
população
de
pacientes.
A
padronização
de
variáveis
do
paciente, administração
do
teste,
conteúdo
e
avaliação
do
teste, permite repro-
dução
dos
estudos
por
parte
de
outros pesqui-
sadores.
e)
Os
custos
são
pequenos
e não há
exigência
de
aplicação sofisticada,
ou
cara, sendo neces-
sários, apenas
o
material,
o
pesquisador
e am-
biente
adequado.
f)
Uma
bateria
de
testes neuropsicológicos
completa
para avaliação
de
efeitos neurotóxi-
cos
pode
ser
facilmente transportada.
g)
A
avaliação
neuropsicológica
pode fornecer
informações
complementares para
as
avalia-
ções médicas convencionais, inclusive
com
quantificações.
h)
Dada
a
sensibilidade
dos
métodos neuro-
psicológicos
em
detectar disfunções neurotó-
xicas muito iniciais,
a
testagem precoce pode
prevenir
danos cerebrais mais permanentes.
Pode também identificar trabalhadores
que
apresentam
danos devidos
à
exposição
e
suge-
rir a
transferência para locais
ou
empregos
distantes
da
exposição.
O
autor
salienta
a
importância
de se
mon-
tar
uma
bateria
de
testes
com
solidez
psicomé-
trica
e bem
validada
e de se
escolher testes
que
enfatizem áreas
de
funcionamento neurop-
sicológico correlacionadas
com as
alterações
provocadas pelo agente tóxico.
A
bateria deve
compreender
uma
grande gama
de
funções
cognitivas, afetivas
e
neurocomportamentais.
O
autor, após rever
as
recomendações
de
testes
de
vários neuropsicólogos, percebe
a
existência
de
sugestões
comuns
a
todos.
Me-
didas
de
velocidade motora, coordenação
mo-
tora
fina, destreza manual, memória, eficiên-
cia
cognitiva,
são
sugeridas
por
todos. Como
as
habilidades
não
verbais tendem
a ser as
mais afetadas
pelos
neurotóxicos,
a
bateria
deve enfatizar tais funções. Algumas baterias,
mas
não
todas, incluem testes
de
personalida-
de
como parte
do
exame.
Williamson
e
col.14
usaram
um
teste para
medir
a
coordenação mão/olho
("Lafayette
ro-
tary
pursuit"),
um
teste para medir
a
memória
de
curto prazo ("paired-associates"),
um
para
medir
a
rapidez
de
reação ("reaction time"),
um
para medir memória
de
longo prazo (con-
tinuação
do
paired-associates
),
entre outros.
Encontraram déficits
de
coordenação motora
ocasionados pela
fadiga
e
tremor. Segundo
os
citados autores,
a
exposição
a
baixos níveis
de
mercúrio prejudica significativamente
os
processos
mentais.
As
pessoas
estudadas tive-
ram
dificuldade
em
aprender
as
associações
entre simples palavras
e
lembrá-las. Sendo,
portanto, aparentes
as
dificuldades
em
nível
de
memória
de
curto prazo.
Os
citados auto-
res não
encontraram relação entre
o
mercúrio
urinário
e os
déficits
de
desempenho psicoló-
gico, concluindo
que a
quantidade
de
mercú-
rio na
urina
não
fornece
um
índice acurado
da
concentração
do
mercúrio
no
cérebro.
Piikivi
e
col.12
usaram
um
teste
de
inteli-
gência verbal
("Similarities-Wechsler
Adult
Inteligence
Scale"),
um
teste
de
memória
ló-
gica
e
reprodução visual
("Wechsler
Memory
Scale"),
e um
para coordenação
olho-mão
(Santa
Ana
Dexterity Test
).
Encontraram
os
resultados mais significativos
de
déficits
em
relação
à
inteligência verbal
e à
memória.
Hanninen8
concluiu
que as
anormalidades
neuropsicológicas induzidas
por
mercúrio
compunham
3
grandes grupos:
1)
anormalida-
des no
sistema motor
(Ex.tremor
fino); 2) da-
nos
intelectuais (deterioração gradual
e
pro-
gressiva
da
memória, concentração
e
raciocío-
nio
lógico);
3)
dificuldades emocionais.
Angotzi
e
col.2
utilizaram para avaliação,
entre outros: aparelho gastrointestinal
-
anam-
nese,
exame clínico
de
cavidade oral
e
exames
laboratoriais
(bilirrubinas,
transaminases,
pro-
teínas totais
e
eletroforese
de
proteínas séri-
cas); aparelho cardiovascular
-
anamnese
(questionário
específico para
doenças
cardio-
vasculares), exame físico (auscuta cardíaca
e
determinação
da
pressão
arterial, dosagem
de
colesterol
e
triglicerídios
e
eletrocardiograma;
o
aparelho
urinário-dosagem
de
proteinuria
to-
tal; aparelho otoneurológico
-
anamnese, exa-
me
audiométrico
tonal
e
vocal, impedancio-
metria
e
eletronistagmografia;
aparelho visual.
A
eliminação
do
mercúrio
do
organismo
é
feita principalmente através
dos
rins,
mas
também
pode
ocorrer através
da
pele
e
saliva,
fezes6.
Atualmente
é
aceito
que o
mercúrio uri-
nário
não é um
indicador confiável
de
dose
in-
terna.
Existe
uma
variabilidade individual sig-
nificativa
em
grupos ocupacionais
expostos.
A
correlação entre
a
exposição diária (avaliada
na
concentração
do
mercúrio ambiental)
e o
mercúrio
na
urina
(e
também
no
sangue),
no
mesmo dia,
é
muito pobre
e em
alguns casos
inexistente,
o que
prova
que a
concentração
na
urina,
assim
como
no
sangue,
no fim da
jor-
nada
de
trabalho,
não
reflete
a
exposição
que
ocorreu naquele dia.
Langolf
e
col.10
em
estudo efetuado,
verifi-
caram correlação pobre entre nível
de
mercúrio
urinário
e
incidência
de
sinais
e
sintomas
em
trabalhadores
expostos
a
mercúrio elementar.
2
-
Material
e
Método
Foi
realizado
um
estudo transversal, com-
preendendo
2
aspectos:
2.1
-
Visitas
à
fábrica
Realizadas
a
partir
de
agosto
de
1990
para
estudar
o
processo
de
trabalho.
Foi
veri-
ficado
o
fluxograma
de
trabalho,
a
jornada
de
trabalho,
as
avaliações ambientais
e
médicas
feitas pela
empresa,
a
relação
de
trabalhado-
res e
suas respectivas funções
e as
plantas
da
empresa.
2.2 -
Atendimento
aos
trabalhadores
Do
total
de
641
trabalhadores
da
empresa,
devido
a
dificuldades operacionais
de
libera-
ção
dos
trabalhadores para
a
realização
dos
exames,
71
tiveram suas avaliações concluídas
até
a
elaboração
da
presente
pesquisa.
Os
trabalhadores foram submetidos
às se-
guintes
avaliações
no
período
de
outubro
de
1990
a
outubro
de
1991:
2.2.1
-
Avaliação clínica
Foi
elaborada
uma
ficha/prontuário para
coleta
de
dados
e
anotação
da
propedêutica,
onde constava:
identificação
do
paciente, his-
tória
ocupacional anterior,
histórico
de
afasta-
mentos
do
trabalho
por
acidentes
ou
doenças
ocupacionais,
anamnese
ocupacional atual,
descrição
da
função, interrogatório sobre
os
diversos
aparelhos (gastrointestinal, cardiocir-
culatório, respiratório, renal, neurológico, psí-
quico, dérmico, visual
e
auditivo), indagação
sobre consumo
de
medicamentos, bebidas
al-
coólicas,
outras drogas, tabagismo, anotações
sobre
o
exame físico completo.
Foi
feita
uma
primeira avaliação
da
escrita
do
paciente.
Os
exames complementares solicitados
foram:
a)
aparelho renal: urina
I,
uréia
e
creatinina
(para
todos
os
trabalhadores)
b)
aparelho gastrointestinal: exame
de
fezes,
transaminase
glutâmica
oxalacética
(TGO)
e
transaminase
glutâmica
pirúvica
(TGP)
(para
todos
os
trabalhadores). Fosfatase alcalina
e
endoscopia
(para alguns trabalhadores, quando
necessário).
c)
aparelho
cardicirculatório:
colesterol (para
todos
os
trabalhadores
que
apresentaram
hi-
pertensão arterial).
d)
sistema
hematopoiético:
hemograma (para
todos
os
trabalhadores).
e)
aparelho auditivo:
audiometria.
2.2.2
-
Avaliação Neurológica
A
avaliação neurológica consistiu
de: de-
tecção
de
alterações
de
coordenação motora,
de
sensibilidade
térmica, dolorosa
e
táctil,
de
reflexos,
de
movimentos
involuntários,
de
for-
ça
muscular,
de
equilíbrio,
de
voz,
de
articu-
lação
das
palavras,
de
pares
craneanos.
2.2.3
-
Avaliação Psiquiátrica
A
avaliação
contituiu-se
de
entrevista uti-
lizando formulário
que
visava detectar sinto-
mas
relacionados
ao
quadro
de
eretismo psí-
quico
e que
permitiam
o
estabelecimento
de
um
diagnóstico diferencial
em
relação
a
outras
patologias psiquiátricas.
2.2.4
-
Avaliação Psicológica
Na
avaliação
psicológica,
além
da
entre-
vista
inicial, foram aplicados
os
seguintes tes-
tes
neuropsicológicos*:
-
Wechsler
Memory Scale
(D.
Wechsler
e
C.
T.
Stone), forma
l,
traduzida
e
adaptada
para
o
português.
Os
itens utilizados foram:
Informação,
Orientação, Controle Mental,
Memória Lógica, Dígitos (ordem direta
e or-
dem
inversa), Reprodução visual
e
Aprendiza-
gem
por
Associação.
Tal
teste mede
a
memó-
ria
imediata, recente
e
remota; alguns itens
exigem também atenção. Existe
uma
correção
para
idade.
O
teste fornece
o
Quociente
de
Memória (QM),
cuja
classificação adotada
é:
.
QM
abaixo
de 50 -
indica distúrbio severo
de
memória
. QM de 50 a 79 -
indica
dificuldade
modera-
da
(abaixo
da
média inferior)
. QM de 80 a 89 -
indica
dificuldade
leve
(média
inferior)
. QM de 90 a 109 -
indica normalidade (média)
. QM
110
e
mais
-
indica memória acima
da
média.
-
Teste
de
Aptidão
à
Mecânica
de
L.Walther
-
subteste
de
habilidade manual.
Os
itens utili-
zados foram:
discos
(Walther), contas (Desco-
cudres), pontilhagem (Binet
e
Vaschid),
per-
cussão
(M.
Whitley)
e
recortes (Claparéde).
A
finalidade
do
teste
é
mensurar
a
rapidez
dos
movimentos,
a
destreza manual,
a
coordena-
ção
motora
fina, a
metodização
e
sistematiza-
ção ao
realizar
um
trabalho.
As
normas deste
foram
feitas
com
trabalhadores industriais.
A
classificação
é a
seguinte:
.
abaixo
de P19 -
indica
dificuldade
grave
. de P20 a P30 -
indica
dificuldade
moderada
. de
P31
a P49 -
indica
dificuldade
leve
. P50 -
indica normalidade (média)
.
acima
de P50 -
superior
-
Bateria Fatorial
CEPA
-
teste
de
atenção
concentrada
de
Toulouse Pieron. Mede
a
rapi-
dez
gráfica
e
motora
na
execução
de
tarefa
simples,
de
natureza perceptiva
e a
exatidão
com que a
tarefa
é
realizada.
Fornece, portanto, duas medidas,
R e Q,
ambas
em
percentil, sendo
a
classificação
a
seguinte:
.
abaixo
de P19 -
indica dificuldade grave
. de P20 a P30 -
indica
dificuldade
moderada
. de
P31
a P49 -
indica dificuldade leve
. P50 -
indica normalidade (média)
.
acima
de P50 -
superior.
Com
os
resultados
das
avaliações ante-
riormente citadas, cada caso
foi
discutido
*
Tratam-se
dos
mesmos
testes
previstos
na
Resolução
SS
307 de
14.8.91,
publicada
no
Diário
Oficial
do
Estado,
seção
I. em
15.8.91.
para estabelecimento
de
diagnóstico.
Não foi
considerada para fins diagnósticos nenhuma
avaliação isoladamente.
3 -
Resultados
e
Discussão
3.1
Visita
à
fábrica
A
empresa
em
questão contava
na
época
com
641
trabalhadores, sendo
434
homens,
190
mulheres
e 16
menores, perfazendo
um
total
de
598 na
produção
e 43 na
administração.
A
produção
fica
situada
em um
galpão
in-
dustrial, edificado
com
estrutura metálica (te-
lhado)
e
concreto armado (pilares),
com
pare-
des de
alvenaria
e
telhas
de
fibrocimento.
O
piso
é de
cimento
com
acabamento
liso.
A
ilu-
minação artificial
é
feita
à
base
de
luminárias
fluorescentes.
Internamente
as
linhas
de
produção
deli-
mitam
os
setores,
sendo circundadas
por
cor-
redores
de
circulação
que
desembocam
nas
principais
saídas
da
fábrica.
Dos 598
trabalhadores
da
produção,
192
trabalham
no
setor
de
produção
de
lâmpadas
fluorescentes, no
qual existem
2
linhas
de
pro-
dução
de
lâmpadas
fluorescentes. Em
cada
li-
nha há uma
máquina denominada exaustão,
onde cerca
de
800cc
de
mercúrio metálico
são
distribuídos
nas 48
bocas,
ou
dosadores.
São
consumidos
em
média
83 Kg de
mercúrio
por
mês.
A
carga completa
de
mercúrio
é
consu-
mida
em 2
dias, sendo
os
dosadores recarre-
gados
pelos
próprios trabalhadores.
O
mercú-
rio é
injetado através
desses
dosadores
nos tu-
bos de
vácuo
das
lâmpadas.
Na
empresa
em
estudo
o
mercúrio metá-
lico
só é
utilizado
na
fabricação
de
lâmpadas
fluorescentes.
Foram observados
os
seguintes
riscos
no
respectivo
setor:
ruído, calor, acidentes
com
partes móveis
de
máquinas, acidentes
por
corte
com
vidro, queimaduras
por
vidro quente,
lesões
por
esforços repetitivos, intoxicação
por
mercúrio
metálico
e
intoxicação
por
chumbo.
Os
riscos detectados
em
outros setores
não
foram
aqui mencionados
por
fugirem
do
objetivo
do
presente trabalho.
Foram
observadas
na
área
de
produção
lâmpadas quebradas (com conseqüente libera-
ção
de
mercúrio
na
atmosfera, após
o
recebi-
mento
do
mesmo
na
máquina denominada
exaustão), presença
de
gotas
de
mercúrio
no
chão
e em
máquinas, exaustão precária, man-
gueiras
de
ventilação soltas, máquinas
do se-
tor
de fluorescente com 12 a 20
anos
de
uso,
calor
em
toda
a
área favorecendo
a
rápida
evaporação
do
mercúrio, laboratório
em
precá-
rias
condições,
falta
de filtros nas
saídas
de
exaustão lançando mercúrio
no
meio ambien-
te,
reutilização
dos
tubos
de
lâmpadas parcial-
mente quebradas
e
contaminadas
por
mercú-
rio. Houve informação
de que são
produzidas,
em
média,
10.000
lâmpadas
por
dia,
com
que-
bra
de
aproximadamente
10%
deste total.
A
limpeza
do
chão,
das
máquinas
e
peças
era
realizada
pelos
próprios trabalhadores
da
produção
e
mecânicos.
Na
própria área
era
feita
a quebra das lâmpadas que apresentavam
defeitos,
dentro
de um
recipiente
seco
(tonel
com
capacidade para aproximadamente
10 li-
tros).
A
avaliação ambiental realizada pela
em-
presa mostrou:
a)
calor variando
de
17,00
a
30,95
IBUTG;
b)
mercúrio ambiental 0,00
mg/m3
ou
traços
idosáveis.
As
avaliações efetuadas
não
menciona-
vam
a
metodologia utilizada, aparelho, local,
horário
de
duração
da
medição.
De
acordo
com
parecer técnico
da
Funda-
centro,*
do
ponto
de
vista químico
e
analítico
e da
significância para avaliar
os
níveis
de ex-
posição
ocupacional
ao
mercúrio,
os
dados
apresentados
não têm
validade.
Durante
o
período
em que se
realizaram
as
visitas
não
foram
feitas mudanças ambientais.
3.2
-
Avaliação
dos
trabalhadores
Os
trabalhadores avaliados eram todos
do
sexo masculino,
não
havendo nenhum
analfa-
beto (Tabela
1). As
idades variaram
de 20 a
65
anos, sendo
que 48
(67,6%)
se
situavam
na
faixa
de 20 a 35
anos.
Destes,
41
(57,7%)
es-
tavam
intoxicados (Tabela
2).
Os
trabalhadores estudados estavam dis-
tribuídos
nas
seguintes funções: mecânico
de
manutenção,
ajudante
de
produção, operador
de
máquinas, eletricista
de
manutenção, lubri-
ficador,
operador
de
embalagem, revestidor
químico, operador
de
empilhadeira, recupera-
dor, inspetor
de
break-down
,
operador
de
materiais
e
faxineira (Tabela
3).
O
tempo
de
exposição
variou
de 4
meses
a
30
anos,
sendo
que com
tempo
de
exposição
até
3
anos foram encontrados
34
(47,9%) tra-
balhadores intoxicados (Tabela
4).
Os
sintomas referidos foram agrupados
nas
síndromes gastrointestinal, neurológica, eretismo
psíquico
e
outros
sintomas.
Na
sintomatologia
gastrointestinal
destacam-se:
a
epigastralgia
(64,8%),
gosto metálico (59,1%), digestão
di-
fícil,
(54,9%),
sialorréia
(49,3%).
Na
sintoma-
tologia
neurológica predominam
a
cefaléia
(77,4%),
parestesia (57,7%),
insônia
(53,5%),
tremores
(49,3%).
No
eretismo psíquico
os
sin-
tomas mais referidos foram:
nervosismo
(73,2%),
irritabilidade
(67,6%), distúrbios
de
memória
(47,9%),
tristeza (38,0%).
Em
outros
sintomas tivemos: irritação
nos
olhos (64,8%)
e
fraqueza muscular (64,8%) (Tabela
5).
Dos
sinais
detectados
ao
exame
clínico-
neurológico
os
mais importantes
na
caracteri-
zação
do
quadro
de
intoxicação crônica
por
mercúrio
foram:
os
tremores (78,9%)
e as al-
terações
de
cavidade oral (faringite
45,1%,
li-
nha
azul
na
margem alveolar
-
21,1%,
depósi-
tos
gengivais 11,3%,
ulcerações
orais
-
8,4%);
ocorreram ainda, hipertensão arterial (60,6%)
e
conjuntivite
(40,8%)
(Tabela
6).
Nos
exames complementares efetuados,
verificou-se que:
a)
mercúrio urinário
- 15
trabalhadores apre-
sentaram abaixo
de
10mg/l,
14
entre
10 e
50mg/l,
18
acima
de
50mg/l
e 24 sem
infor-
mação;
b)
elementos anormais
e
sedimentos urinários
-
houve
proteinúria
em 8
casos,
hematúria
em
2
e
leucocitúria
em um
caso,
sendo
que os de-
mais,
não
apresentaram alterações;
c)
colesterol
- os
resultados foram elevados
em
2
casos;
d)
função
hepática
-
transaminase
glutâmica
oxalacética elevada
em 2
casos,
transaminase
glutâmica
pirúvica elevada
em um
caso,
fos-
fatase
alcalina elevada
em um
caso;
e)
hemograma: anemia
em um,
leucocitose
em
16,
leucopenia
em 6,
linfocitose
em 6,
eosino-
filia
em
5,
neutrofilia
em 4,
atipia linfocitária
em
3;
f)
função
renal
-
uréia elevada
em 4
casos
e
creatinina
elevada
em 2.
g)
eletromiografia
- um
caso
de
neuropatia
pe-
riférica;
h)
tomografia
computadorizada cerebral
- um
caso
de
calcificação
cerebral;
i)
endoscopia
-
gastrite
em 2
casos,
úlcera
gástrica
em um e
duodenal
em um;
j)
audiometria
- 37
estavam dentro
da
norma-
lidade,
20
apresentaram disacusia neurossen-
sorial
e 14 não
realizaram
o
exame;
Os
resultados
dos
testes
neuropsicológi-
cos
realizados
para
verificação
da
memória,
função
motora
e
atenção foram:
a)
memória
-
encontramos
55
casos
(77,5%)
com
distúrbios
de
memória variando
de
dis-
cretos
(18
trabalhadores)
a
moderados
(37
tra-
balhadores).
Não
detectamos
distúrbios
graves
e
ape-
nas
13
trabalhadores
(18,3%)
apresentaram
re-
sultados dentro
da
normalidade;
b)
função
motora:
os
prejuízos mais significa-
tivos foram
nos
itens:
recortes,
pontilhagem
e
percussão,
em que a
maioria
dos
trabalhadores
apresentou
dificuldades
graves.
c)
atenção
- em
relação
à
rapidez
de
reação
tivemos
43
trabalhadores
com
resultados
defi-
cientes
(60,6%),
sendo
que
algumas
vezes
os
que
apresentavam pouca rapidez, mostravam
melhor qualidade. Houve outros trabalhadores
com
grande rapidez,
mas
pouca qualidade.
Em
relação
à
qualidade, houve
44
trabalhadores
com
resultados abaixo
da
média (24)
e
abaixo
do
mínimo (20),
ou
seja, 61,9% (Tabela
7).
O
conjunto
das
alterações encontradas
nos
trabalhadores foram agrupadas tendo sido
encontrados
57
(80,3%)
casos
com
alterações
de
coordenação motora,
56
(78,9%)
com
alte-
rações neurológicas,
51
(71,8%)
com
altera-
ções
de
memória,
47
(7,20%)
com
alterações
clínicas,
45
(63,45%)
com
alterações psiquiá-
tricas
e 37
(56,9%)
com
alterações
em
relação
à
atenção concentrada dentre
os
trabalhadores
intoxicados
(Tabela
8).
Para caracterização
do
quadro
de
intoxi-
cação
de
cada trabalhador, foram levadas
em
consideração
a
somatória
das
alterações apre-
sentadas
em
cada
uma das
clínicas (médica,
neurológica,
psicológica
e
psiquiátrica).
Em
nenhum
caso
foi
verificada alteração
de
ape-
nas uma das
clínicas.
Em 51
(83,6%)
dos
tra-
balhadores foram
observadas
alterações
em,
no
mínimo,
3
clínicas
(Tabela
9).
4
-
Conclusões
O
número
de
trabalhadores intoxicados
foi
de 61
(85,9%),
o que
mostra
a
gravidade
do
problema, atribuído:
à
natureza
da
doença,
que
compromete áreas nobres
do
organismo;
ao
acometimento
de
trabalhadores jovens;
e à
ineficácia
dos
tratamentos existentes.
Tendo
em
vista
a
gravidade
da
intoxicação
por
mercúrio
e o
fato
de que no
ambiente
de
trabalho
da
população estudada ocorre
a
exposi-
ção
combinada
e
simultânea
a
vários
riscos, tal
como
na
maioria
dos
ambientes
de
trabalho,
consideramos
que a
população estudada deve
ser
objeto
de
maiores
e
mais aprofundadas
in-
vestigações científicas.
Estas
devem
ter
como
objetivos
principais:
o
seguimento continuado
e
permanente
desses
trabalhadores, principalmente
por
causa
da
irreversibilidade
dos
danos apre-
sentados
em
muitos
casos
de
intoxicação mer-
curial;
a
definição
de
metodologias
que
permi-
tam
uma
avaliação
do
peso
que
cada
um dos
ris-
cos tem no
quadro
da
intoxicação
por
mercúrio;
e finalmente, e
mais
importante,
a
definição
de
programas mais
eficazes
de
prevenção.
Agradecimentos
À
Prof.
Dra
Sabina
Léa
Davidson
Gotlieb,
da
Faculdade
de
Saúde Pública
da
USP, pela
leitura
e
comentários contribuíram para
o
apri-
moramento
do
mesmo;
ao
estatístico Marco Antônio Bussaco
pela
assessoria
técnica dada;
à
psiquiatra
Dra
Rosita Pontes
de
Araújo;
à
neurologista
Dra
Teresa Cristina
M.
Fi-
notti
pelas
avaliações psiquiátrica
e
neurológi-
ca
dos
trabalhadores:
ao
Dr.
Luis Henrique Borges, pela elabo-
ração
do
formulário
de
entrevista.
ZAVARIZ,
C. &
GLINA,
D.M.R.
[Neuro-psychological
clinical
assessment
of
workers
in an
electric lamp
factory
esposed
to
metallic
mercury].
Rev.
Saúde
públ.,
S.Paulo,
26:
356-65, 1992.
This
research
project
was
undertaken
for the
purpose
of
studying
poisoning
by
metallic mercury among workers
of an
electric lamp
factory
located
in
S.Paulo (Brazil).
71
workers
were investigated,
of
whom
61
(85,92%)
were
chronically poisoned. Exposure period ranged
from
4
months
to 30
years.
The 57
(80.30%)
of
chronically
poisoned workers showed poor
psychomotor
co-ordination,
56
(78.88%) showed
neurological
impairments,
51
(71.83%)
decreases
in
memory
capacity,
47
(66.20%) pathological findings
in
the
clinical exam,