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RAE n São Paulo n v. 52 n n. 2 n mar/abr. 2012 n 217-231 217
ISSN 0034-7590
“SEGURANDO NA MÃO DE DEUS”: ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS E
APOIO AO EMPREENDEDORISMO
“HOLDING GOD’S HAND”: RELIGIOUS ORGANIZATIONS AND SUPPORT TO
ENTREPRENEURIAL INITIATIVES
“DE MANOS DADAS CON DIOS”: ORGANIZACIONES RELIGIOSAS Y APOYO AL EMPRENDEDORISMO
Este artigo investiga mecanismos de apoio ao empreen-
dedorismo proporcionados por organizações religiosas.
Foram pesquisadas duas organizações, uma católica e
outra evangélica, por meio de estudo de caso qualita-
tivo. A análise comparativa baseou-se em três dimen-
sões específicas do apoio ao empreendedorismo que
emergiram na própria pesquisa de campo e que deno-
minamos espaços de informação, formação e motiva-
ção. Consideramos tais dimensões como importantes
achados desta pesquisa e as utilizamos como categorias
para investigar o impacto dos mecanismos oferecidos
pelas organizações religiosas nas etapas do processo de
empreendedorismo. Os resultados do trabalho indicam
uma confluência entre os dois casos: o pertencimento
às igrejas resulta na formação de capital social orientado
para as várias dimensões econômicas e no reforço reli-
gioso à motivação econômica. As diferenças, contudo,
encontram-se na representação religiosa do significado
do sucesso econômico e na articulação e fechamento
de suas respectivas redes sociais.
RESUMO
Recebido em 23.03.2011. Aprovado em 17.11.2011
Avaliado pelo sistema double blind review
Editora Cientíca: Gláucia Maria Vasconcellos Vale
Abstract The article investigates mechanisms offered by religious organizations to support entrepreneurial initiatives. We examine two
organizations, one catholic and one protestant, using a qualitative case study design. The comparative assessment was based on three
dimensions of support that appeared as a result of the data analysis, that we called spaces of information, formation, and motivation. The
dimensions are considered as possible important research results and were used to investigate the impact on the traditional stages of the
entrepreneurial process of the mechanisms made available by the two religious organizations. The analysis indicates certain similarities
between the two cases: church membership assists in the creation of social capital that impacts various economic dimensions, as well as
provides religious support to the economic motivations. However, the differences between the two churches become evident in the religious
interpretation of economic success and in the articulation and closure of their social networks.
keywords
Entrepreneurship, religious organizations, social capital, organizational resources, social network.
Resumen Este artículo investiga los mecanismos de apoyo al emprendedorismo proporcionados por organizaciones religiosas. Fueron investigadas dos
organizaciones, una católica y otra evangélica, por medio de un estudio de caso cualitativo. El análisis comparativo se basó en tres dimensiones especícas
del apoyo al emprendedorismo que emergieron en el mismo estudio de campo y que denominamos espacios de información, formación y motivación.
Consideramos tales dimensiones como importantes hallazgos de esta investigación y las utilizamos como categorías para investigar el impacto de los
mecanismos ofrecidos por las organizaciones religiosas en las etapas del proceso de emprendedorismo. Los resultados del trabajo indican una conuencia
entre los dos casos: la pertenencia a las iglesias resulta en la formación de capital social orientado hacia las varias dimensiones económicas y en el refuerzo
religioso a la motivación económica. Las diferencias, no obstante, se encuentran en la representación religiosa del signicado del “éxito” económico y en
la articulación y “closure” de sus respectivas redes sociales.
Palabras clave Emprendedorismo, organizaciones religiosas, capital social, recursos organizacionales, redes sociales.
Mauricio Custódio Serafim serafim.esag@gmail.com
Professor da Escola Superior de Administração e Gerência, Universidade do Estado de Santa Catarina – Florianópolis – SC,
Brasil
Ana Cristina Braga Martes ana.martes@fgv.br
Professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas – São Paulo – SP, Brasil
Carlos L. Rodriguez rodriguezc@uncw.edu
Professor at Cameron School of Business, University of North Carolina at Wilmington – Wilmington – NC, United States
artigos
PALAVRAS-CHAVE Empreendedorismo, organizações religiosas, capital social, recursos organizacionais, redes sociais.
artigos “SEGURANDO NA MÃO DE DEUS”: ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS E APOIO AO EMPREENDEDORISMO
ISSN 0034-7590218
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INTRODUÇÃO
Estudar as ligações entre mentalidade empresarial
moderna e religião nos conduz a um tema clássico
das Ciências Sociais. Segundo Max Weber, valores
conformam ações e afetam processos econômicos:
o ascetismo religioso contribuiu para aumentar a ra-
cionalidade da conduta humana e, portanto, para a
expansão do capitalismo moderno, apoiado, sobre-
tudo, na organização racional de empreendimentos
econômicos. No entanto, foi especialmente Emile
Durkheim, e não Weber, o autor clássico da sociolo-
gia que mais se preocupou em compreender o papel
crucial das instituições – inclusive igrejas e comuni-
dades religiosas – para assegurar a coesão social, que
se encontrava ameaçada na sociedade industrial do
século XIX. Assim, por um lado, podemos afirmar,
acompanhando Weber, que valores conformam di-
ferentes tipos de comportamentos econômicos, tais
como descritos em seus trabalhos sobre religião e
economia (SWEDBERG, 2005). Por outro, seguindo
Durkheim (1978), somos levados a considerar que
laços sociais e comunitários, assim como outras for-
mas de socialização, configuram um conjunto de
atributos sociais que precedem o contrato, isto é,
são requisitos de qualquer sistema econômico. As
organizações religiosas – duas igrejas, no caso deste
trabalho – podem ser consideradas um bom exemplo
desse tipo de socialização, por propiciarem relações
de solidariedade, confiança e redes de ajuda mútua.
Pesquisas recentes vêm demonstrando que tais be-
nefícios têm impactos positivos nas várias fases do
processo de empreendedorismo (OZGEN; BARON,
2007; MARTES, 2011).
Com o crescimento do pentecostalismo no Bra-
sil – somos simultaneamente o maior país católico
e pentecostal do mundo (BERGUOCI, 2007) – e
com a reação da Igreja Católica a esse crescimento
(SOUZA, 2005), tal espaço de socialização ganhou
novas configurações. Surgiram novos tipos de cul-
tos, cursos, palestras e associações como forma de
apoio ao desenvolvimento profissional/empresarial
e de reorientação financeira do orçamento familiar,
além de projetos que visam atenuar a miséria via
envolvimento de empresários-membros. Apesar de
alguns estudos mostrarem a importância desse fenô-
meno (e.g. SIEPIERSKI, 2003; MARTES; RODRIGUEZ,
2004a, 2004b; PINTO; LEITÃO, 2006; MESQUITA,
2007; SERAFIM; ANDION, 2010), a relação entre
empreendedorismo e religião não vem recebendo a
atenção necessária por parte da academia brasileira,
a julgar pela escassez de trabalhos publicados, que
pode ser verificada na bibliografia apresentada ao
final deste artigo.
Este trabalho procura contribuir para preencher
essa lacuna encontrada na bibliografia brasileira
sobre o tema, tendo como objetivos: (a) analisar as
maneiras pelas quais duas organizações religiosas
disponibilizam recursos simbólicos e materiais, de
modo a incentivar (no nível discursivo) e apoiar
(oferecendo recursos organizacionais) a formação e
o crescimento de empresas de propriedade de seus
seguidores, e (b) investigar possíveis diferenças nos
métodos por elas utilizados. Para tanto, o artigo está
estruturado em torno de dois pontos: (1) as igrejas
favorecem, enquanto organização, a formação de
redes onde prosperam a confiança e o capital social,
fundamentais para os negócios; (2) as igrejas incen-
tivam a racionalidade da conduta em relação aos ne-
gócios – ou seja, planejamento e maior organização
–, disponibilizam recursos materiais e conhecimento
da área, assim como propiciam motivação econômica,
entendida aqui como crença na capacidade de em-
preender o próprio negócio. Contudo, se as igrejas
oferecem tais recursos, elas não o fazem da mesma
maneira, e a diversidade de mecanismos utilizados
por cada uma, assim como eventuais diferenças em
sua eficácia, apresenta-se como importante questão
de pesquisa. Vale ainda mencionar que, não tendo
os autores do trabalho encontrado na literatura uma
tipologia de mecanismos de apoio à iniciativa de
criação de negócios oferecidos por organizações de
caráter associativo, especialmente de natureza reli-
giosa, um importante subproduto da pesquisa foi a
determinação de três dimensões ligadas ao processo
de empreendedorismo em torno das quais os recursos
disponibilizados parecem se estruturar.
O trabalho está organizado da seguinte forma: na
seção inicial, fazemos uma breve revisão conceitual
relacionada ao tema empreendedorismo e sua rela-
ção com religião e capital social; os procedimentos
metodológicos adotados são descritos a seguir, ante-
cedendo a apresentação dos casos das duas organiza-
ções religiosas. A seção seguinte analisa os resultados
da pesquisa e compara os procedimentos adotados
pelas duas organizações. Na conclusão, apresenta-
mos algumas possíveis contribuições do trabalho e
oferecemos sugestões para o prosseguimento dessa
linha de investigação.
Mauricio Custódio Seram Ana Cristina Braga Martes Carlos L. Rodriguez
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AÇÕES EMPREENDEDORAS IMERSAS
NAS REDES RELIGIOSAS
O surgimento das grandes corporações, a expansão
do estado de bem-estar social e o crescente aumen-
to da burocratização, processos intensificados após
a Segunda Guerra, contribuíram para o declínio das
atividades empreendedoras a favor do emprego nas
grandes corporações. A função do empreendedor
foi sendo substituída pelo quadro técnico das gran-
des empresas. A intuição, a capacidade de perceber
oportunidades, a vontade e a força de levá-las adiante
foram repassadas para as equipes de especialistas em
planejamento estratégico, e o indivíduo inovador deu
lugar ao departamento de pesquisa e desenvolvimen-
to (LÓPEZ-RUIZ, 2004). Solidificou-se a “sociedade
de empregados” (MILLS, 1969), cujo ator principal
não era mais o empreendedor, mas o que Whyte Jr.
(1956) chamou de “homem organização”: indivíduos
de uma nova classe média que confundiam seus ob-
jetivos pessoais com os objetivos da organização em
que trabalhavam.
Contudo, a importância do empreendedorismo
ressurge nos anos 1980, devido ao processo de rees-
truturação produtiva, novos padrões de concorrência
internacional e precarização do trabalho, assim como
às dificuldades surgidas na estrutura funcional do se-
tor público. Dentro desse novo contexto, o próprio
conceito de empreendedorismo foi revisto e alguns
autores passaram a associá-lo com a criação de novas
organizações (THORNTON, 1999; ALDRICH, 2005). Essa
é, também, a definição adotada neste artigo. Especifi-
camos, contudo, que, para fins de operacionalização
da pesquisa, concebemos empreendedorismo como
abertura e/ou desenvolvimento de um negócio próprio
ou autoemprego. As etapas desse processo, que descre-
veremos com mais detalhes na seção a seguir, incluem
iniciativas sequenciais de: (a) reconhecimento ou identi-
ficação da oportunidade: (b) avaliação da oportunidade;
(c) exploração da oportunidade (BYGRAVE; HOFER,
1991; SHANE; VENKATARAMAN, 2000). Mais recente-
mente, as pesquisas sobre empreendedorismo têm se
beneficiado da abordagem da sociologia econômica.
Tal abordagem enfatiza a cultura (DIMAGGIO, 2003),
as práticas sociais e a imersão social (GRANOVETTER,
1985) para analisar ação e processos econômicos.
Na perspectiva da sociologia econômica, a religião
é considerada não como um conjunto de ideias concer-
nentes à transcendência, mas como prática social. Dito
de outro modo, estudar a religião significa adentrar um
intrincado conjunto de práticas, inclusive cotidianas,
relacionadas às esferas do trabalho, consumo e negó-
cios. O comportamento econômico, socialmente imerso,
está também imerso nas práticas e relações sociais e
religiosas (WUTHNOW, 1994, 2005). Nessa perspecti-
va, pode-se considerar que a ação empreendedora é
incentivada, por um lado, pelas relações interpessoais,
capazes de propiciar recursos econômicos, relacionais e
informacionais (MARTES; RODRIGUEZ, 2004a; 2004b),
e, por outro, por aspectos socioculturais, como a apro-
vação do grupo a determinadas atividades econômi-
cas e a aceitação de valores e princípios comunitários
(DIMAGGIO, 2003). Assim, a abordagem da sociologia
econômica permite compreender a atividade empre-
endedora por meio da: (a) estrutura social propiciada
pela igreja enquanto organização; (b) cultura religiosa,
que pode ser entendida como orientação doutrinária/
teológica capaz de atribuir sentido e motivar a ação
empreendedora.
Adicionalmente, a igreja gera e propicia interna-
mente, a seus membros, recursos organizacionais que
são fatores-chave para a abertura de negócios. Isso é
especialmente importante para aqueles que possuem
níveis insuficientes de capital físico e capital humano.
Entretanto, talvez o principal tipo de capital gerado
pela associação de um indivíduo a uma organização
religiosa seja o capital social.
Há pelo menos duas abordagens sobre capital so-
cial. A primeira está relacionada com os trabalhos de
Coleman (1988, 1990) e Putnam (1993, 2000) e refere-se
à facilitação da ação por meio das estruturas sociais.
Enquanto para Coleman capital social é definido pela
sua função e é “[...] uma variedade de entidades dife-
rentes, com dois elementos em comum: consistem de
algum aspecto das estruturas sociais e facilitam certas
ações dos atores – sejam pessoas ou atores corpora-
tivos – no interior da estrutura” (COLEMAN, 1988, p.
S98), o ponto central para Putnam são as várias formas
de interação entre os indivíduos, que resultam em uma
ação coletiva que contribui para o civismo ou a vida
humana associada em forma de comunidade. Quanto
maior a rede de engajamento cívico – seja nas associa-
ções de moradores, grupos religiosos, festas de bairro
etc. – e maiores as conexões entre os indivíduos, maior
o capital social.
A segunda abordagem está relacionada com autores
como Bourdieu (1986), Burt (1997, 2000, 2001, 2004)
e Lin (1999, 2006), que enfatizam os recursos – como
informações e apoios – que os indivíduos ou grupos
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conseguem ter acesso devido às suas relações sociais.
Nesse sentido, os mecanismos de rede no qual está
imerso o indivíduo – que pode ser caracterizada por
quem interage com quem, com qual frequência e de
que maneira – influenciam o fluxo de recursos através
dessa rede. Aqueles indivíduos com melhores posições
na rede – o que significa acesso a mais e melhores re-
cursos – possuem maior capital social do que outros
que estão em uma posição relativamente pior.
Para essa segunda abordagem, uma contribuição
digna de nota é a de Burt (1997, 2000, 2001, 2004). Ao
tratar da vantagem competitiva proporcionada pela es-
trutura das redes do indivíduo e pela localização de seus
contatos nessa rede, o autor define capital social como
“relacionamentos com outros players”, isto é, “amigos,
colegas e contatos de uma maneira geral por meio dos
quais você recebe oportunidades para usar seu capital
financeiro e humano” (BURT, 2004, p. 326). Para o au-
tor, capital social são, ao mesmo tempo, os meios de
contatos mantidos (ou quem se alcança) e a estrutura
desses contatos na rede (ou como se alcança) e que –
dependendo da configuração – proporcionam maior ou
menor participação na e controle da informação (BURT,
2000, 2001). Burt se concentra no como e desenvolve
a ideia de buraco estrutural, definido como uma “se-
paração entre contatos não redundantes” (BURT, 2004,
p. 334). Enquanto para Coleman e Putnam as redes
densas são condições necessárias para o surgimento
do capital social, na visão de Burt, é a relativa ausência
de laços – ou buracos estruturais – que o proporciona.
Essa abordagem salienta que as redes densas tendem
a produzir informações redundantes, enquanto os la-
ços fracos (GRANOVETTER, 1973) – correlacionados
com o buraco estrutural – podem ser fontes de novas
informações, recursos e oportunidades.
Apesar das diferentes abordagens do conceito, Por-
tes (1998, p. 6) afirma que é possível se detectar um
consenso crescente na literatura de que capital social
pode ser considerado como “a habilidade de atores para
obter benefícios por estarem na qualidade de membros
de uma rede social ou de outras estruturas sociais”. O
conceito descreve os benefícios que o agente econô-
mico pode obter (conhecimento, informação, poder,
influência e apoio) por participar de uma rede social.
Para os nossos propósitos, entendemos redes sociais
como um conjunto de atores (pessoas ou organizações)
conectados por relações sociais ou laços de um tipo es-
pecífico (CASTILLA et al., 2000). As redes podem incluir
tanto relações formalmente instituídas quanto relações
informais e são simultaneamente resultado e causa de
um conjunto de forças que agem sobre as pessoas ou
unidades sociais (KOENIG; GOGEL, 1981, p. 40).
Adotando o ponto de vista de Coleman e Putnam,
capital social cresce com a inserção dos indivíduos nas
redes sociais, na medida em que propicia a elevação
do número de contatos com novos indivíduos e novas
redes, solidifica valores que agilizam e facilitam as deci-
sões e favorece a emergência de redes de ajuda mútua.
Confiança, solidariedade e uma série de valores éticos
e comunitários reforçam laços de pertencimento e aju-
dam a construir e adensar relações sociais que facilitam
a ação, inclusive a econômica. Portanto, “pertencer a
um grupo é possuir um capital, ou seja, é possuir um
recurso que facilita as ações entre os agentes, tornando
desnecessárias todas as precauções a serem tomadas
nos casos em que a honestidade e a confiança estão
ausentes” (STEINER, 2006, p. 81).
Indo mais ao ponto, há duas propriedades específi-
cas das estruturas sociais que facilitam a criação de ca-
pital social, que Coleman (1988) denomina “fechamento
[closure, no original] de redes sociais” e “organização
social apropriável (appropriable)”. A primeira refere-
-se à existência de laços sociais em número suficiente
para garantir que, em uma determinada rede, as normas
sejam estritamente observadas, inclusive por meio de
sanções. Como um dos resultados, tais normas passam
a ser apropriadas e a orientar a comunidade, de modo
a facilitar, inclusive, transações econômicas sem o re-
curso de contratos legais. Tal fechamento aumenta a
confiabilidade, pois a renúncia de uma obrigação ou
promessa torna-se mais difícil, devido à sanção exercida
pelo grupo, colocando em jogo a reputação dos atores
que descumprem com sua expectativa. Dessa forma,
pode-se afirmar que o fechamento favorece a lealdade
e a solidariedade em uma dada estrutura social. Porém,
o fechamento desfavorece o fluxo de informações rele-
vantes para os atores, por criar redundâncias (GRANO-
VETTER, 1973). A organização social apropriável, por
sua vez, diz respeito a qualquer organização que foi
criada para um objetivo e que foi apropriada parcial ou
totalmente para outras finalidades. Dessa forma, coloca
à disposição seus recursos organizacionais no auxílio
a propósitos que não faziam parte de seus objetivos
originais, facilitando, dessa forma, as ações de seus
membros de tal modo que, sem essa apropriação, não
seria possível. Devido a isso, constitui-se em importante
fonte de capital social.
Como qualquer outro tipo de capital, o capital so-
cial também é produtivo. Segundo Coleman (1988, p.
97), “ele é produtivo porque possibilita a aquisição de
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certos fins que na sua ausência não poderiam ser alcan-
çados. Como capital físico e humano, o capital social
não é completamente tangível, mas pode ser específico
a certas atividades”. Pesquisas sobre capital social vêm
mostrando que a religião é um fator importante na for-
mação de redes sociais e confiança (e.g. IANNACCONE;
KLICK, 2003; PUTNAM, 2000) e vêm reforçando a ideia
de que um nível adequado de capital social entre os
membros de uma organização serve para lubrificar as
relações entre indivíduos, no sentido de diminuir os
custos de transação e facilitar os negócios (MARTES;
RODRIGUEZ, 2004a; 2004b).
No caso aqui apresentado, estamos interessados em
compreender de que modo o capital social propiciado
pelo pertencimento às igrejas é capaz de fomentar o
empreendedorismo, ao lado dos recursos materiais e
simbólicos que as organizações religiosas disponibili-
zam a seus membros nas diversas fases do processo de
empreendedorismo. Para tanto, realizamos uma pes-
quisa qualitativa com duas igrejas, cujos procedimentos
descrevemos a seguir.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Adotamos neste estudo a abordagem intitulada nova
sociologia econômica, por permitir compreender o
papel das relações interpessoais nos mais variados
domínios da vida econômica ou, nas palavras de Gra-
novetter (1985), a imersão da economia na vida so-
cial. Nossa intenção é mostrar que as redes religiosas
são levadas em conta nas decisões do empreendedor
e que diferentes estruturas de suporte proporciona-
das pelas instituições religiosas podem levar a resul-
tados também diferentes na concepção e condução
dos negócios.
Apresentamos neste trabalho dois estudos de caso
qualitativos em perspectiva comparada: 1) Igreja Evan-
gélica Renascer em Cristo (IRC); 2) Movimento dos Fo-
colares (MF), esse último filiado à Igreja Católica, ambos
com suas sedes em São Paulo, Brasil. A escolha das duas
instituições justifica-se por serem atuantes há mais de 15
anos, contemplarem o segmento de empreendedores de
classe média, difundirem um discurso com alvo nesse
segmento e disponibilizarem recursos organizacionais
específicos para ele. No âmbito do MF, dedicou-se es-
pecial atenção ao Polo Spartaco, por tratar-se de um
conjunto de empresas ligadas à Igreja Católica. Esta,
como se sabe, possui 125 milhões de adeptos no Brasil
(dados do Censo 2000 do IBGE) e, de um modo geral,
não é reconhecida na literatura como uma instituição
cuja doutrina incorpora incentivos ao empreendedo-
rismo. A IRC, por sua vez, foi selecionada por servir
como um contraponto à primeira: é uma igreja recente,
possui apenas 120 mil fiéis e um discurso claramente
direcionado à promoção do sucesso empresarial.
Para a coleta de dados, utilizamos três técnicas. A
primeira, observação não participante, foi realizada em
2006 e 2007 e consistiu de 10 visitas às organizações
religiosas (Mariápolis Ginetta, sede do MF, e dois tem-
plos da IRC), participação em cultos (um na igreja de
Alphaville e cinco na Sede Internacional), missas (10
na igreja da Mariápolis Ginetta), um seminário/curso
da Arepe sobre planos de negócios, três encontros de
empresários e entrevistas informais com seus partici-
pantes. Todas as observações foram registradas em
caderno de campo.
Entrevista em profundidade foi a segunda técnica
utilizada. No MF, foram realizadas oito entrevistas, sen-
do duas com religiosos, uma com leiga católica, quatro
com empresários-membros e uma entrevista com um
pesquisador e ex-membro do MF. Na IRC, foram reali-
zadas nove entrevistas: três com bispos envolvidos com
a Arepe e seis com empresários-membros da igreja. A
seleção dos entrevistados foi feita por meio da técnica
bola de neve, segundo a qual os primeiros informan-
tes – selecionados por seu envolvimento em projetos
de apoio ao empreendedorismo – recomendam outros
para entrevista.
A terceira técnica empregada, análise documental,
foi realizada com base em artigos e reportagens de
jornais e revistas, folders, sites, material publicitário,
memorandos internos das empresas e associações, fo-
tos e regimentos. Foram consultados os jornais Folha
de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, as revistas
Veja e Istoé, e sites de notícias evangélicas (como o
Gospel+), nesses casos utilizando-se a tecnologia RSS,
para se obterem informações sobre as organizações e
compará-las com os dados primários coletados. Outro
recurso tecnológico foi o site YouTube, onde se encon-
tram vídeos das celebrações religiosas, principalmente
da IRC. Selecionamos 20 vídeos que estão disponíveis
no endereço http://tinyurl.com/394zml.
A análise de discurso foi utilizada com a finalidade
de interpretarmos as entrevistas em profundidade. Tal
interpretação foi realizada de modo a garantir que as
falas dos entrevistados fossem consideradas com base
em seu contexto social. Dessa análise, observamos
semelhanças entre as informações que puderam ser
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agrupadas por meio de um processo de categorização
simples. A análise do conjunto das entrevistas – também
confirmada pelo restante do material empírico – indicou
que havia três categorias-chave capazes de classificar
e sintetizar as ações de apoio e promoção do empre-
endedorismo relatadas pelos nossos entrevistados. A
essas três categorias chamaremos de dimensões da ação
empreendedora. Dito de outro modo, tais dimensões
emergiram como achados da própria pesquisa de cam-
po, isto é, da análise do material empírico coletado,
e puderam contemplar o escopo geral das atividades
promovidas pelas organizações religiosas, embora,
evidentemente, sem desconsiderar as particularidades
de cada uma delas.
Para a seleção dessas dimensões, inicialmente
procuramos pesquisas empíricas como as de Hung e
Hsiao (2004), que classificam a mobilização de capi-
tal social para apoio ao empreendedorismo também
em três dimensões: oportunidade, motivação e habi-
lidade. Entretanto, durante o processo de análise das
informações obtidas nas fontes acima mencionadas,
percebemos indutivamente que a gama de recursos
oferecidos pelas duas organizações religiosas estava
estruturada de modo diferente, ou seja, em torno de
três dimensões que representavam etapas sequenciais,
claramente ligadas ao próprio processo de empreende-
dorismo, que podiam ser mais apropriadamente des-
critas como espaços de motivação (tal como em Hung
e Hsiao), mas também informação e formação. Isso
porque a aquisição e difusão de informação por meio
da rede religiosa, a formação proveniente dessa mesma
rede (ou seja, investimento no capital humano à luz
doutrinal das igrejas), bem como a motivação – apoio
emocional/espiritual/profissional baseado nas relações
de confiança e solidariedade –, foram as dimensões
que mais se destacaram nas entrevistas, observações e
análise documental e, por isso, as consideramos como
as categorias que melhor agruparam os dados.
Tais dimensões serão apresentadas neste artigo de
maneira contextualizada, estabelecendo-se suas cone-
xões com as fases do processo de empreendedorismo,
descritas e analisadas mais adiante.
APRESENTAÇÃO DOS CASOS
Igreja Evangélica
A Igreja Evangélica Apostólica Renascer em Cristo
(IRC) foi fundada em 1986, na cidade de São Paulo,
por Estevam Hernandes, ex-gerente de marketing da
Xerox e Itautec. Insere-se na linha neopentecostal,
que, no plano teológico, se caracteriza pela ênfase
na guerra espiritual (ou seja, o embate entre o bem e
o mal), na teologia da prosperidade, e rejeita usos e
costumes de santidade pentecostal e outros tradicio-
nais símbolos de conversão. Outras características são
a adoção de gestão organizacional do tipo empresarial,
o uso intensivo dos meios de comunicação – princi-
palmente os eletrônicos – e a ênfase na arrecadação
de dinheiro dos fiéis por meio de dízimos, ofertas nos
cultos e doações (SIEPIERSKI, 2003).
Desde o início de suas atividades, o bispo Estevam
Hernandes e sua esposa, a bispa Sônia Hernandes,
escolheram os jovens como público-alvo, atraindo-os
com as bandas gospel. Com o tempo, o perfil dos fiéis
modificou-se e atualmente há um importante segmento
de empresários e profissionais autônomos que frequen-
tam a igreja. A IRC passou a valorizar mais a adesão
empresarial do que a dos jovens (SIEPIERSKI, 2003).
Pensando no segmento dos empresários, em 1996, foi
fundada a Associação Renascer de Empresários e Pro-
fissionais Evangélicos (Arepe), que visa apoiar profis-
sionais autônomos, pequenos e médios empresários e
iniciantes de negócio próprio. As demais linhas de atua-
ção concentram-se na Fundação Renascer, que, além de
administrar projetos assistenciais e de residência para
idosos e crianças abandonadas e centros de recupera-
ção para dependentes químicos, funciona como uma
espécie de holding que controla a igreja e as várias
organizações a ela ligadas. A IRC estrutura-se também
em forma de ministérios, que são áreas de atuação da
igreja (e.g., busca de recursos para as obras assistenciais
da igreja, grupo de apoio ao usuário de drogas e seus
familiares, visitas a doentes e encarcerados) e que têm
como função – segundo um dos entrevistados – “aten-
der a todas as necessidades do homem”.
A Arepe, por sua vez, tem o objetivo, segundo os
entrevistados, de integrar a visão espiritual ao âmbito
do trabalho e proporcionar o desenvolvimento pro-
fissional de seus membros, com base na doutrina da
igreja. Dessa forma, esse ministério oferece diretamente
recursos organizacionais e apoio às atividades empre-
endedoras. A fonte desses recursos é proveniente da
própria igreja, que, por sua vez, é financiada pelos
fiéis por meio de dízimos, de ofertas nos cultos, do
projeto Gideão da Conquista (carnês de pagamento de
mensalidades para o financiamento de seus projetos
assistenciais e de expansão de suas redes de rádio e
TV) e outras doações diversas. A Arepe não possui um
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fundo financeiro próprio e, quando há a necessidade
de organizar e executar algum projeto – como palestras
e cursos (que serão abordados a seguir) –, cria ações
de arrecadação ad hoc, recebendo doações dos em-
presários. Adicionalmente, para a cobertura de custos,
cobra pequenas taxas em alguns desses eventos. Seus
membros são voluntários da igreja e não há funcioná-
rios que se dediquem exclusivamente a ela.
Igreja Católica
O MF foi iniciado por Chiara Lubich (1920-2008) em
1943, na Itália, e tem caráter eclesial e civil. Tendo
chegado ao Brasil em 1959, está presente atualmente
em 182 países, com a participação de 140 mil mem-
bros internos e em torno de 2,1 milhões de aderentes
e simpatizantes. Segundo um dos entrevistados, a sua
característica principal é a espiritualidade da unidade,
e o compromisso estabelecido entre seus membros é
“viver o mandamento do amor recíproco”. Esses dois
elementos constituem o que chamam de “paradigma
da unidade”, que significa a vivência do amor recípro-
co com vistas à construção da unidade (com pessoas,
povos, outras denominações religiosas e na própria
Igreja Católica), a fim de “contribuir para a fraterni-
dade universal”.
O MF possui a seguinte estrutura organizacional:
há uma presidente que dirige o movimento, auxiliada
por uma copresidente e um conselho. Sob sua direção
estão os “Focolares”, pequenas comunidades formadas
de homens ou mulheres (separadamente), em torno
de quatro a cinco membros denominados focolarinos
e focolarinas e que moram, geralmente, em uma casa
que serve como local de encontro para seus partici-
pantes. Há também os focolarinos casados, que moram
com suas famílias. Os “Centros-Zona” são formados
por “Focolares” que possuem papel de coordenação
e administração do Movimento. As “Mariápolis Per-
manentes” são pequenas comunidades onde famílias,
jovens, padres e religiosos moram e trabalham de ma-
neira comunitária, constituindo-se também como cen-
tros de formação social e religiosa do MF. Finalmente,
os Centros Mariápolis são locais de encontro (como
conferências, congressos, palestras) para os membros
e simpatizantes do MF.
Uma das atividades do MF no campo econômico
é denominada economia de comunhão (EdC). Propos-
ta por Chiara Lubich, a EdC teve início no Brasil em
1991 e tem como objetivo principal a “transformação
cultural da vida econômica e empresarial”, tendo como
proposta doutrinária o “paradigma da unidade”, acima
mencionado. Um dos desdobramentos práticos do pro-
jeto é disponibilizar parte dos lucros das empresas aos
mais pobres, suprindo necessidades básicas e/ou ofe-
recendo postos de trabalho para esses grupos. De um
modo mais específico, a proposta contempla a divisão
do lucro em três partes: uma voltada para a própria
empresa; outra para a difusão da chamada “cultura da
partilha”, por meio da organização de congressos, es-
truturas, bolsas de estudo e divulgação na imprensa; e
a terceira parte para os pobres, inicialmente no âmbito
dos “Focolares” (PINHEIRO, 2000; BRUNI, 2005). O
lucro é considerado um componente estratégico, dado
que mediará e processará a partilha. Sob o ponto de
vista do desenvolvimento da EdC, as empresas envol-
vidas são, em sua maioria, de pequeno porte e com
faturamento, em geral, não superior a um milhão de
dólares/ano. Desde o início da EdC, em 1991, calcula-
-se que, do universo total de empresas que iniciaram
atividades sob sua orientação e apoio, 14% encerraram
suas atividades. No Brasil, atualmente contabilizam-se
123 empresas atuantes, e no mundo há cerca de 700
empresas associadas ao movimento.
A atividade mais importante da EdC direcionada
aos empresários é o Polo Empresarial Spartaco, criado
em 1994. O polo está localizado no município de Cotia
(SP) e abriga seis empresas num regime de condomínio,
administrado pela holding Empreendimentos, Serviços
e Projetos Industriais S.A. (Espri). A Espri canaliza re-
cursos para as empresas sob a forma de participações
feitas por intermédio de subscrição de cotas de capi-
tal, cuja propriedade é conservada pelos participantes
(atualmente cerca de 3.600 acionistas). As participações
no capital são bastante pulverizadas e não há a presen-
ça de um acionista ou grupo majoritário. As empresas
que atuam no Polo Spartaco pertencem a diversas
áreas da indústria (por exemplo, nutrição clínica, em-
balagens, produtos de limpeza) e do setor de serviços
(por exemplo, comércio, educação, serviços médicos
e diagnósticos) e, seguindo a filosofia da EdC, enviam
parte de seus lucros para a organização.
DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Nesta seção, analisaremos como os recursos criados
e disponibilizados pelas organizações religiosas pro-
movem o empreendedorismo entre seus membros e,
mais especificamente, como o capital social estimula
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te do vínculo com a igreja. Um deles é o site arepe.
com.br, administrado por uma das regionais da IRC e
cujos serviços são gratuitos ao usuário. Uma de suas
funções é a de informar os leitores sobre eventos
concernentes às atividades da Arepe. O site também
oferece serviços de cadastramento de empresas e de
ofertas de emprego. Na página inicial, informa-se que
o uso do sistema não é exclusivo para evangélicos
e que o único pré-requisito para o usuário é de que
“tenha um sonho e um desejo de crescer profissio-
nalmente”. Isso remete à possibilidade de que a rede
criada por meio do site se conecte com outras redes
além do âmbito da igreja e do grupo de evangélicos.
Uma terceira função do site é a de oferecer serviços
gratuitos de (a) aconselhamento acerca dos negócios
ou vida profissional e (b) visitas (para dar bênçãos)
e/ou cultos nas empresas. Também há um quiosque,
durante os cultos da Arepe, com voluntários da igreja
para dar informações e coletar os dados dos interes-
sados, para que algum pastor ou bispo da igreja entre
em contato com aqueles que desejam ingressar nesse
ministério. Para finalizar, a partir do mês de março de
2007, passou a ser transmitido aos domingos à noite,
pela Rede Gospel de TV, o programa Ideias e Negó-
cios, cujo público-alvo são empresários, executivos,
profissionais autônomos e os que desejam montar o
próprio negócio.
Os espaços de formação definem os contornos
do discurso religioso e profissional. Em relação a
esse último, são oferecidas – como mencionado
anteriormente – palestras, seminários e cursos orga-
nizados pela Arepe com o intuito de proporcionar
desenvolvimento profissional e incentivo aos em-
preendedores para se conhecerem e trocarem in-
formações. Os temas abordados abrangem desde as
especificidades do mundo dos negócios – tais como
finanças, estratégia e vendas – a temas de cunho
religioso que tangenciam a gestão, como “o mundo
espiritual no mundo dos negócios” (palestra do dia
7 de maio de 2007). As palestras e seminários são
proferidos por profissionais de algum destaque no
mercado de consultoria ou executivos experientes
que geralmente estão ligados à IRC. Esse trabalho
é feito voluntariamente, e o acesso é gratuito. Um
ponto significativo desses espaços de formação é o
incentivo ao relacionamento entre os frequentadores.
A dimensão do discurso é o espaço da legitimação,
divulgação e reafirmação dos valores que dão sentido
à ação. Resumidamente, o discurso dos membros da
IRC baseia-se na existência de um mundo espiritual
o empreendedorismo. Conforme descrito nos Proce-
dimentos Metodológicos, em decorrência da análise
das várias fontes de dados, emergiram três dimensões
fundamentais associadas aos recursos organizacionais,
quais sejam espaços de informação, espaços de for-
mação e espaços de motivação, que serão abordados
a seguir.
Propomos que as três dimensões representam, em
realidade, uma tipologia das categorias de mecanismos
de suporte às iniciativas empreendedoras, visto que
cobrem a gama completa de serviços de apoio que as
organizações podem proporcionar a seus membros,
referentes às três etapas tradicionais do processo de
empreendedorismo (SHANE; VENKATARAMAN, 2000),
conforme descreveremos a seguir. Os espaços de in-
formação são peças-chave na fase de identificação de
oportunidades de negócio, processo eminentemente cog-
nitivo, no qual o potencial empreendedor tem que estar
alerta para as pistas proporcionadas pelo meio ambiente.
Alguns autores (e.g., WEBB et al., 2010) destacam o fato
de esaa etapa ser bastante facilitada pela interação social,
recurso proporcionado em abundância pelas organiza-
ções objeto do estudo. Os espaços de formação forne-
cem conhecimento crítico para a etapa de avaliação de
oportunidades, na qual se desenvolve processo racional
de exame da atratividade e factibilidade das oportuni-
dades identificadas. O conhecimento e os instrumentos
de análise possuídos pelo potencial empreendedor são
refinados e utilizados num processo de exame e exclu-
são, no qual a avaliação de ideias pode ficar ainda mais
enriquecida quando efetuada em fóruns formais ou in-
formais de discussão (FELIN; ZENGER, 2009), tais como
os oferecidos pelas igrejas aqui estudadas. Finalmente,
os espaços de motivação são campo propício para o
início das atividades de exploração das oportunidades,
etapa que exige, acima de tudo, esforços na mobilização
de recursos para implementação (SIRMON; HITT, IRE-
LAND, 2007). Como veremos em seguida, ambas as or-
ganizações estudadas procuram disponibilizar para seus
membros o acesso a variadas fontes de insumos físicos,
financeiros e de conhecimento, proporcionando ainda
público-alvo para as iniciativas dos empreendedores,
que pesquisas anteriores demonstraram ter caracterís-
ticas de mercados cativos (e.g., LIGHT, 1972; MARTES;
RODRIGUEZ, 2004a; 2004b).
Recursos na IRC
Os espaços de informação são recursos direcionados
para seus membros, mas cujo acesso é independen-
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que interfere diretamente no mundo terreno. O mundo
espiritual é constituído – além de Deus – de entidades
demoníacas que agem no mundo material com o
objetivo de reter a prosperidade do homem. A igre-
ja, segundo um pastor, possui a função de proteção
contra essas forças e, além de ensinar a guerrear
espiritualmente, constitui-se no canal para que a
benção de Deus aja sobre as pessoas, liberando a
prosperidade. O instrumento utilizado para colocar
em funcionamento a dinâmica da benção é a oferta,
que, além do significado material de financiamento
da igreja, possui a função espiritual de estabelecer
uma espécie de contrato com Deus.
O desdobramento desse discurso no campo pro-
fissional é a crença de que ser bem-sucedido nos ne-
gócios requer a benção de Deus, além da necessária
competência profissional. Para esse tipo de empre-
endedor, há um termo específico na igreja: empre-
sário apostólico. Esse é o empresário que tem uma
conduta pautada na doutrina da igreja e que possui
os seguintes objetivos: suprir sua família (porque
acreditam que a principal prioridade é a família) e a
igreja (por meio do dízimo), ser empreendedor (os
entrevistados definiram como aquele que “faz tudo
para ser bem-sucedido”, de acordo com a doutrina),
e conquistar bens materiais (o ter é uma consequên-
cia de ser – servo, ter benção, limpo nas intenções).
Os espaços de motivação são os locais onde
ocorrem práticas e rituais terapêuticos, que possuem
o objetivo de fortalecer os laços de pertencimento
e de evitar ou dirimir dúvidas quanto à convicção
acerca do discurso da igreja. Um desses espaços é o
Culto da Arepe, que acontece às segundas-feiras à
noite, em todas as igrejas Renascer. Os pastores ou
bispos procuram adaptar as ministrações de modo
a oferecer algumas orientações religiosas voltadas à
prática dos negócios. Também são lidos o que deno-
minam “testemunhos de vida” de empreendedores,
que são experiências bem-sucedidas de aconteci-
mentos específicos e que acreditam ter ocorrido por
meio de milagres. Além dos cultos, alguns pastores
e bispos que estão envolvidos com esse ministério
disponibilizam-se para conversas privadas, atuando
como conselheiros nos mais diversos assuntos rela-
cionados aos negócios, vida profissional e pessoal,
com o objetivo de oferecer orações e discernimento
ao empreendedor em decisões que devem ser toma-
das. Adicionalmente, o empreendedor poderá solici-
tar (via pastor, bispo, site Arepe ou outro membro)
visitas a sua empresa de membros do ministério para
a realização de cultos, orações e unção das portas
da empresa. Nesse caso, um empresário (sozinho
ou com um pequeno grupo de voluntários) poderá
realizar tais atividades para outro empresário.
Recursos no MF
Em relação aos espaços de informação do MF e que
se referem à EdC, há o site oficial internacional do MF
(focolare.org), o site internacional dedicado exclusi-
vamente à EdC (edc-online.org) e o site internacional
de rede de empresas vinculadas às EdC (edc-info.org),
que se dedica a criar oportunidades de negócios via
B2B, todos traduzidos em cinco línguas. Outro espaço
importante de informação – e que é simultaneamente
espaço de formação – é o congresso anual da EdC,
que acontece desde 1993 na Mariápolis Permanente
Ginetta (em Vargem Grande Paulista – SP). Com du-
ração de três dias, reúne pessoas de todo o Brasil e
de alguns países da América do Sul, e são realizadas
palestras, depoimentos e o Expo EdC, uma exposição
de empresas de EdC e de seus produtos. Um terceiro
espaço de informação é a rede dos próprios “Focola-
res”, que centralizam informações sobre os aconteci-
mentos da EdC local e nacional e disponibilizam, para
os membros do movimento, vídeos com informações
atuais do MF no mundo, vídeos de meditação com
Chiara Lubich, livros (geralmente da editora Cidade
Nova, que pertence ao MF e publica as obras sobre a
EdC escritas por membros) e informações detalhadas
sobre os eventos. O quarto espaço de informação é
o Escritório da EdC, localizado na Mariápolis Ginetta,
que tem como função cadastrar as empresas de EdC,
seus lucros e doações, coletar informações sobre as
pessoas ajudadas e de empresas que poderiam empre-
gá-las e oferecer orientações para os empreendedores
que estão iniciando seus negócios e para os que preci-
sam tomar decisões importantes ou enfrentam dificul-
dades. As Comissões Regionais, que são coordenado-
ras das atividades da EdC em uma região geográfica,
também acompanham as atividades de professores e
estudantes interessados na dimensão acadêmica da
EdC, mantêm contatos internacionais que propiciam
importação/exportação de produtos locais e divulgam
soluções desenvolvidas por uma empresa para as de-
mais. As Comissões são formadas por membros do MF
e voluntários e estão subordinadas institucionalmente
aos Centro-Zonas da respectiva região (veja a seção
Apresentação dos casos).
Em relação aos espaços de formação, além do
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explicado por fatores como: maior tempo de vida da
organização MF; o fato de terem criado um projeto es-
pecífico de experiência econômica – a EdC, enquanto
ideal, e os polos, enquanto projeto empresarial – que
ajudou a sistematizar apoios que antes eram ofereci-
dos juntamente com outros tipos de apoio religioso;
e pelo fato de o MF ser de âmbito internacional, o
que facilitou a importação de know-how já existente
e de comprovada eficácia para a criação de recursos
organizacionais (como os sites, o congresso nacional,
o “Focolare”, as comissões regionais e a organização
da comunidade).
A IRC e o MF têm em comum a apropriação de
suas organizações para outros fins que vão além
dos objetivos originais, como o incentivo e apoio ao
empreendedorismo. Essa característica da estrutura
social, denominada “organização social apropriável”
(COLEMAN, 1988), constitui um importante facilitador
de capital social. Por exemplo, no caso da IRC, é a
utilização do espaço da própria igreja para que um
curso de finanças seja realizado ou para que se orga-
nize um seminário sobre a concepção de um plano de
negócios, assim como para a promoção de networking
entre os participantes. No MF, seus espaços também
são utilizados para auxiliar outros propósitos além
do exclusivamente religioso, por exemplo, a feira de
exposições das empresas de EdC durante o congres-
so anual, a organização e desenvolvimento do polo
empresarial e as reuniões do workshop da EdC. Em
ambas as organizações, não há restrições importantes
para que tais apropriações ocorram, e, pelo que se
pode apreender, esse facilitador de capital social está
mais desenvolvido no MF devido, principalmente, à
existência de organizações desenvolvidas ao longo de
mais de 30 anos – como as Mariápolis Permanentes
e os Centros-Zona.
O fechamento de redes sociais (COLEMAN, 1988) é
outro facilitador de capital social identificado na pesqui-
sa. Os laços sociais estabelecidos nessas organizações
são suficientes para que as sanções tenham efeito sobre
a observância das normas, o que é bastante comum
em organizações religiosas. Em decorrência disso, a
confiança nas estruturas sociais é maior. Pode-se per-
ceber, entretanto, que o MF possui esse facilitador de
capital social mais proeminente do que a IRC, ou seja,
a rede do MF é mais fechada. Atribui-se tal fechamen-
to ao estilo mais comunitário de convivência do MF, o
que acontece de maneira esparsa na IRC. Enquanto ser
membro do MF é equivalente a participar de alguma
atividade, pequenos grupos ou projetos como a EdC,
congresso mencionado, há as Escolas de EdC, orga-
nizadas pelas Comissões Regionais e realizadas uma
vez por mês. As Escolas têm o objetivo de formação
dos empresários na denominada “cultura da partilha”,
que no âmbito econômico se traduz em EdC, e seus
empreendedores caracterizam-se, segundo o MF, por
“uso responsável da própria riqueza”, por um “estilo de
consumo sóbrio”, assim como pela partilha dos próprios
recursos com o próximo que se encontra necessitado.
No âmbito das organizações econômicas, essa cultura
é manifestada na busca pela conciliação da eficiência
e rentabilidade empresarial com a dignidade humana,
no empenho pela melhoria do ambiente social no qual
estão inseridas e na ênfase ao estabelecimento de re-
lacionamentos baseados no amor recíproco com todos
os seus stakeholders. Os membros acreditam que o ter
(posse de bens) não constitui uma verdadeira riqueza,
mas simplesmente a possibilidade efetiva de usufruto e
de uso dos bens para atender às próprias necessidades
e crescimento, sendo que essas necessidades se medem
e esse crescimento acontece em conexão com as outras
pessoas. Devido a isso, o ter adquire o significado de
partilhar (QUARTANA, 1992).
Em relação aos espaços de motivação, é comum a
frequência regular às missas. Outro espaço é a rede dos
“Focolares”, onde os empreendedores podem conversar
sobre vários assuntos (cotidiano, problemas pessoais,
familiares, profissionais, entre outros) de modo privado
ou com o grupo de focolarinos. As Comissões Regio-
nais possuem também um papel não apenas técnico
de dar assistência ao empreendedor, proporcionando
igualmente apoio emocional e espiritual quando ne-
cessário. Em comunidades organizadas, há encontros
semanais dos grupos internos do MF – como voluntá-
rios, focolarinos casados e famílias novas – nos quais é
comum empreendedores da EdC participarem de pelo
menos um deles.
Recursos comparados: formas de apoio ao
empreendedorismo
O Quadro 1 oferece um resumo dos recursos dispo-
nibilizados pelas duas organizações religiosas para
seus membros, com ênfase nos aspectos ligados ao
empreendedorismo e de acordo com as fases tradicio-
nais do processo descritas na literatura desse campo
de estudo (SHANE; VENKATARAMAN, 2000). Uma
análise do quadro mostra que o MF possui uma maior
diversidade de recursos organizacionais mobilizados
para os empreendedores do que a IRC. Isso pode ser
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ser membro da IRC pode significar tanto participar de
um grupo de voluntariado voltado às ações beneficen-
tes quanto ir apenas ao culto, o que dá um certo grau
de anonimato aos membros e, portanto, faz com que
as sanções coletivas em relação aos desvios da norma
sejam aplicáveis de maneira limitada. Além disso, o
sistema de comunicação interna do MF é mais eficiente
e, devido a isso, há um sistema de reconhecimento dos
membros (e não membros, como visitantes, simpati-
zantes etc.) também mais eficiente.
A IRC apoia seus empreendedores a partir de um
ministério próprio, a Arepe, que é, ao mesmo tempo,
uma associação empresarial de cunho civil. Como a
Arepe é a responsável pela organização de qualquer
evento relacionado ao empreendedorismo e mundo do
trabalho, ela promove, além dos cultos voltados aos
empresários, cursos, palestras técnicas e seminários que
objetivam o desenvolvimento profissional e a constru-
ção de relacionamentos de seus adeptos. Os empre-
endedores também contam com o apoio emocional/
espiritual proporcionado pela estrutura da igreja, por
meio de bispos e pastores que se dedicam ao ministério
e que, entre outras atividades, auxiliam os empreende-
dores a tomar decisões na fase crítica entre a avaliação
da oportunidade e a resolução de empreendê-la.
Além dos facilitadores de capital social citados aci-
ma, há formas de apoio direto ao empreendedorismo.
Nesse sentido, uma das primeiras ações do MF foi a
criação da Espri e do Polo Empresarial Spartaco, que
abriga seis empresas de EdC e cujo modelo, construí-
do ao longo do tempo, serve de referência na criação
de outros polos no Brasil e no mundo. Essa iniciativa,
embora ainda relativamente recente, apresenta claras
indicações de se beneficiar das vantagens de aglomera-
ção (do inglês, cluster ou agglomeration advantages),
tais como facilidades no intercâmbio de informações,
na obtenção de apoio financeiro e recursos de modo
geral (incluindo, principalmente, recursos humanos),
relações preferenciais de compra, melhor conheci-
mento das preferências dos consumidores, entre ou-
tras (TALLMAN et al., 2004). Dessas vantagens deriva,
principalmente na fase de exploração da oportunidade,
significativa redução nos custos de transação (MARTES;
RODRIGUEZ, 2004b). Isso parece estar evidenciado
nos relativamente baixos índices de encerramento de
negócios entre as empresas associadas ao polo, tendo
como importante indicador o fato de que apenas uma
empresa encerrou suas atividades. Embora não tenha
sido possível adquirir dados mais precisos sobre as
exatas datas de fundação e encerramento desses negó-
cios, uma simples comparação com o que poderíamos
considerar uma taxa média de mortalidade empresarial
após quatro anos de atividade – que, segundo diferen-
tes autores, situa-se em torno dos 50% (e.g., HEADD,
2003; de acordo com a pesquisa do Sebrae-SP de 2008,
50% das empresas paulistas encerram suas atividades
DIMENSÕES FASE IRC MF
Formalização Arepe EdC
Informação Identicação da oportunidade
- Site da Arepe
- Balcão
- Quiosque da Arepe
- Programa de TV Ideias e negócios
- Sites sobre a EdC
- Congresso nacional
- Rede dos “Focolares”
- Escritório da EdC
- Comissões regionais
Formação Avaliação da oportunidade
- Palestras, seminários e cursos
- Culto Arepe
- Congresso nacional
- Escolas de EdC
- Comissões regionais
Motivação Exploração da oportunidade
- Conversas privadas, conselhos
- Culto Arepe
- Cultos e bênçãos nas empresas
- Missa
- “Focolare”
- Comunidades organizadas (conversas
e conselhos)
- Polo Spartaco
Quadro 1 – Recursos disponibilizados pelas organizações religiosas para os empreendedores
artigos “SEGURANDO NA MÃO DE DEUS”: ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS E APOIO AO EMPREENDEDORISMO
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nos primeiros quatro anos) – demonstra uma possível
eficácia desse mecanismo de apoio à fase de explora-
ção das oportunidades.
Uma segunda ação de apoio é a constituição das
Comissões Regionais, que acompanham o desenvolvi-
mento das empresas novas já constituídas; fornecem
informações e consultoria; organizam palestras técnicas
e intercâmbio de conhecimento entre as empresas; e
oferecem apoio doutrinário sobre a EdC. A Associação
Nacional por uma Economia de Comunhão, fundada
em 2005, possui o papel de reunir e articular, em âmbi-
to nacional, os envolvidos com o desenvolvimento da
EdC. Há também o congresso nacional e as escolas de
EdC, que servem como espaços de troca de informação
e experiências empresariais, com enfoque em ações
que têm por base a doutrina do MF. Isso indica que há
uma rede articulada de amplitude nacional, importante
fator de constituição de capital social e, igualmente, de
grande potencial de apoio ao empreendedor na fase
de exploração do empreendimento.
CONCLUSÃO
Empreendedorismo não se desenvolve apenas por
motivos econômicos, mas também por valores in-
trojetados e pelas formas de associação (WEBER,
2004). No caso das experiências aqui analisadas, a
motivação religiosa-normativa, legitimada por um
ideal secular de justiça social, é enfatizada entre os
católicos pesquisados. Como decorrência, a principal
preocupação desse grupo é refutar a tríade relacio-
nal entre economia-individualismo-egoísmo. No caso
da experiência neopentecostal, a ênfase recai mais
diretamente sobre as vantagens do pertencimento à
Igreja e suas redes, sendo que os recursos organi-
zacionais aparecem revestidos por um discurso que
apela para um novo tipo de chamado, secular, mas
sacralizado: o direito de ser rico e feliz, que Deus a
todos concede, desde que abençoados na Terra pela
igreja e não mais como predestinados, como no caso
do calvinismo. Nesse sentido, ser rico e feliz adquire
um caráter quase coercitivo de um dever para com
Deus, o que acaba por legitimar o papel ativo da
Igreja diante dos negócios.
A pesquisa mostra, igualmente, como formas especí-
ficas de capital social e de coesão comunitária – ou seja,
de laços interpessoais mediados pela Igreja – são meca-
nismos fundamentais de apoio à atividade empresarial
em suas várias fases. Tal dimensão é mais clara na Igreja
Católica, onde inclusive parte dos negócios concentra-
-se numa mesma região, facilitando a conectividade, o
adensamento das relações sociais e o maior fechamento
da rede estabelecida em torno do Polo Spartaco.
Com base nos resultados desta pesquisa, obser-
vamos que dois pontos mencionados na Introdução
– Igreja favorece formação de capital social e propicia
motivação econômica – são reafirmados em ambas as
organizações, mas com variação quanto à representa-
ção religiosa do significado do sucesso econômico e
ao papel mais ativo dos católicos quanto à oferta de
instrumentos de apoio específicos para as diversas fa-
ses do processo de empreendedorismo. Contudo, no
caso do MF, esse papel mais ativo permanece restrito
a um pequeno grupo, de modo que, quando se trata
da igreja como um todo, o papel mais ativo/inclusivo
é desempenhado pelos evangélicos.
Ambas as organizações conseguem promover
relações de confiança no interior de suas redes, que
constituem elemento essencial para manter a associação
e desenvolver cooperação entre os participantes, ele-
vando, assim, os níveis de capital social e fortalecendo
os mecanismos de apoio ao empreendedorismo que
oferecem. Parte desse capital foi constituída nas igre-
jas, antes mesmo do início de seu apoio aos negócios,
especialmente no caso do MF, cujo fator “organização
social apropriável” (COLEMAN, 1988) é decorrente da
maior longevidade da organização, existente há déca-
das, tanto no Brasil quanto no exterior. Com a adesão
aos projetos específicos, em ambas as organizações
são colocados à disposição recursos organizacionais e
simbólicos – como analisado nas dimensões espaços
de informação, formação e motivação – que facilitam
o desenvolvimento de atividades de identificação,
avaliação e exploração de oportunidades, assim como
criam um ambiente institucional de incentivo ao em-
preendedorismo.
O “fechamento de redes sociais” (COLEMAN, 1988)
aparece como uma característica relevante da estrutura
de relações capaz de incrementar o capital social. O
MF é uma rede especificamente articulada no interior
da Igreja Católica e sua proposta econômica projeta
um ideal que requer, para fins de pertencimento, uma
forte identidade ideológica: a economia de comunhão.
Sua rede é mais fechada devido, principalmente, a essa
ideologia e à valorização de um alto grau de convi-
vência interna e sentido de coletividade. A IRC, por
sua vez, oferece ajuda e cria recursos organizacionais
com o propósito específico de promover o sucesso
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individual de seus empreendedores. As expectativas
de compromisso partem da igreja em direção a cada
um dos empresários, diferentemente do MF, onde os
compromissos são estabelecidos entre os membros
da rede dos “Focolares”. Isso faz com que a rede da
IRC seja mais difusa e descentralizada em relação à
do MF, o que torna mais limitada a disponibilização
de capital social.
Para futuras pesquisas, sugerimos o aprofunda-
mento do tema capital social e sua especificidade
em organizações religiosas, denominada por al-
guns pesquisadores “capital espiritual” (BERGER;
HEGNER, 2003; WORTHAM; WORTHAM, 2007;
SERAFIM; ANDION, 2010), bem como a investigação
sobre a formação desse tipo de capital no Brasil e sua
ligação com o empreendedorismo. Também entende-
mos que as três categorias de mecanismos encontradas
empiricamente – espaços de informação, formação e
motivação – são contribuições importantes ao tema
pesquisado, principalmente pela sua evidente relação
com as fases do empreendedorismo, podendo mesmo
ser consideradas como uma tipologia da gama de ser-
viços de apoio ao empreendedorismo oferecida pelas
organizações a seus associados. Acreditamos que a
continuação do exame dessa relação possa mostrar-
-se frutífera, não somente no âmbito de organizações
do tipo das estudadas nessa pesquisa, mas também
em organizações de outras naturezas ou ideologias.
Finalmente, esperamos que este trabalho, pelo seu
aspecto multidisciplinar, possa motivar pesquisadores
a continuar investigando as influências institucionais
na criação de capital social que reforça os mecanismos
de suporte às várias etapas do processo de criação
de negócios. Há grande interesse na identificação de
políticas públicas e de mecanismos privados que, imer-
sos em instituições de diferentes naturezas – inclusive
religiosas –, tenham impacto positivo no estímulo ao
empreendedorismo.
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