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Muitos programas de capacitação e aperfeiçoamento de
recursos humanos têm negligenciado a competência inter-
pessoal,
C0010
se as pessoas pudessem trabalhar lado a
lado, simplesmente justapostas, como máquinas de fun-
cionamento isolado, sem Interação, sem comunicação,
sem sentimentos, motivações, atrações e conflitos, en-
fim, sem experimentar a extensa gama de emoções do
convívio humano, A própria educação sistemática va-
loriza a tecnologia em detrimento do crescimento pes-
soal e interpessoal, considerado menos importante nas
sociedades mecanicamente sofisticadas. Observações
informais do cotidiano e pesquisas científicas mostram
as dificuldades de comunicação e de relacionamento
entre as pessoas, como síndrome de carência afetiva e de
necessidades sociais não satisfeitas nos grandes centros
urbanos e nas organizações.
1. Que significa competência interpessoal;
2. Por que competência interpessoal
é
.importante
no desenvolvimento de gerentes;
3. Gedin: um modelo comportamental;
4.
Como desenvolvei" competência interpessoal; ,
5.
Uma pesquisa de competência interpessoal
de gerentes brasileiros;
6.
Conclusões ou reflexões.
Feia Moscovici**
*
Versão ligeiramente modificada da
conferência pronunciada no IX Congresso
Mundial de Treinamento e Desenvolvimento,
Rio de Janeiro, 31.8 a 5.9.80.
**
Professora titular do Curso de
Pós-Graduação de Psicologia, Fundação Getulio
Vargas, RJ. Consultora de Desenvolvimento
Inte rpessoal , Gerencial e Organizacional.
Rev,
Adm. Emp.,
1. QUE SIGNIFICA
COMPETÊNCIA INTERPESSOAL
Competência interpessoal é a habilidade de lidar eficaz-
mente com relações interpessoaís, de lidar com outras
pessoas de forma adequada às necessidades de cada um e
às exigências da sítuação.
Dois componentes da competência interpessoal assu-
, mem importância capital: a percepçãO e a habilidade pro-
priamente dita. O processo da percepção precisa ser
treinado para urna visão acurada da situação interpessoal.
Isto significa um longo processo de crescimento pessoal,
abrangendo autopercepção, autoconscientização, auto-
aceitação como pré-requisitos de possibilidades de
percepção mais realística dos outros e da situação inter-
pessoal. Esse treinamento perceptivo não se realiza
'espontânea nem facilmente, mas requer treinamento
especial, 'demorado,
é
muitas vezes sofrido, exigindo
coragem e disponibilidade psicológica do treinamento no
exercícío de receber
feeâback.
O auto conhecimento só
pode ser obtido com a ajuda dos outros, por meio de
feedback,
o qual precisa ser elaborado para auto-aceita-
ção de componentes do
eu cegO.
Se o indivíduo tem
percepção mais acurada de si, então pode, também, ter
percepção acurada da situação ínterpessoal, primeiro
passo parapoder agir de forma adequada e realística.
A habilidade de lidar com situações interpessoais
'engloba várias habilidades, entre as quais: flexibilidade
perceptiva e comportamental, que significa procurar ver
vários ângulos ou aspectos da mesma situação e atuar de
forma diferenciada, não-rotineira, experimentando novas
condutas percebidas como alternativas de
ição.
Desen-
volve-se, concomitantemente, a capacidade criativa para
soluções ou propostas mais originais, menos convencío-
nais, com resultados duplamente compensadores: da
resolução dos problemas e da auto-realização pelo
próprio ato de criação, altamente gratificante para as
necessidades do ego (estima), na hierarquia de Maslow.
Outras habilidades consistem em dar e receber
feedback,
sem o que não se constrói wn relacionamento humano
autêntico, conducente ao encontro
eu-tu,
de pessoa a
17
Rio de Janeiro, 21(2); 17-25,
abr./jun. 1981
Competência interpessoal no desenvolvimento de gerentes
oferecido -pela "Administração por Objetivos", na parte
fundamental de "negociação de objetivos" entre líder e
liderado (gerente-subordiIlado). Como realizar adequada-
mente essa etapa, nitidamente interpessoal, sem com-
petência interpessoal? Através de compreensão e emba-
samento teórico de APO, o gerente adquire competência
a nível cognitivo, de saber "como se deve fazer e como
funciona a técnica", o que não basta para garantir êxito
na aplicação prática. desta ou qualquer outra tecnologia
comportamental interpessoal. Quando os resultados são
deficientes ou negativos, há uma tendência generalizada
de culpar o iIlstrumento ou a tecnologia (APO "não fun-
ciona .•. ", " não serve ... " " ... não pode ser apli-
cado no Brasil ", etc.), sem questionar, ou sequer
pensar na habilitação do agente que conduziu o pro-
cesso. Seria o caso de culpar a marca do automóvel por
desempenho, precário ou resultados desastrosos, sem
verificar o desempenho eficaz ou inábil do motorista ...
Da mesma forma, a liderarrça .democrática, partici-
pativa, é facilmente apreendida intelectualmente, porém
de difícil operacionalização prática sem treiIlamento
especial de Desenvolvimento Interpessoal. A liderança e
a participação eficaz em grupo ficam comprometidas se
não há razoável competência iIlterpessoal do líder e dos
membros do grupo, o que dificulta a comunicação efe-
tiva, a possibilidade de dar e receber feedback e a produ-
tividade do grupo como um todo. O trabalho em equipe,
fundamental para Desenvolvimento Organízacíonal, não
se concretiza em funcionamento real se os membros do
grupo não desenvolvem competência iIlterpessoal.
Desenvolvimento gerencial, conseqüentemente,
requer um modelo teórico baseado em uma filosofia de
ação social relacionada com a teoria admiIlistrativa ado-
tada, à concepção do papel do gerente na organização e
a08 valores existentes e atraentes na cultura organiza-
cional. Este modelo determiIlará os objetivos do desen-
volvimento gerencial para aquela organização e orientará
o planejamento, a implementação e a avaliação dos pro-
gramas concernentes.
Desenvolvimento gerencial é acima de tudo um
processo educativo e, como tal, sujeito aos problemas de
objetivos, tecnologia e recursos desejáveis e/ou disponí-
veis. Desenvolvimento de gerentes tem de ser conside-
rado como investimento, de retorno seguro e incontes-
tável a médio e longo prazos, mostrando, então, os acer-
tos e desacertos de sua filosofia, planejamento e imple-
mentação. Um freqüente equívoco tem sido a visão curta
(ou míope) de desenvolvimento gerencial, com expecta-
tivas e desejos de resultados concretos e imediatos.
pessoa, ao invés da relação eu-isto, de sujeito a objeto, na
concepção de MartiIl Buber.! Assim, ampliam-se a capa-
cidade perceptiva e o repertório comportamental do
indivíduo, saindo dos limites estreitos da conduta este-
reotipada do dia-a-dia sem prazer.
Um terceiro componente da competência interpes-
soaI refere-se ao relacionamento em si e compreende a
dimensão emocional-afetiva, predomiIlantemente. Vários
autores preocupam-se com esse aspecto, entre os quais
W. Bennís," que o expõe por meio de sua matriz de
conteúdo/motivação, na qual iIldica a combinação ideal:
verdade/amor. Num relacionamento a médio prazo, é
preciso considerar o conteúdo cognitivo e a relação afe-
tiva em qualquer situação de conflito interpessoal. Mui-
tas vezes, a solução é viável para o conteúdo cognitivo,
mas afeta a relação afetiva. O equilíbrio desses dois com-
ponentes é que fará com que o relacionamento 'não sofra
danos (às vezes irreversíveis) e até se torne mais forte e
verdadeiro.
Competência iIlterpessoal, portanto, é resultante de
percepção acurada realística das situações iIlterpessoais e
de habilidades específicas comportamentais que condu-
zem a conseqüências significativas no relacionamento
duradouro e autêntico, satisfatório para as pessoas
envolvidas.
18
2. POR QUE COMPETÊNCIA INTERPESSOAL
É
IMPORTANTE NO DESENVOLVIMENTO
DE GERENTES
Os grupos humanos necessitam líderes competentes para
sobreviverem, crescerem e desenvolverem seus recursos e
potencialidades na consecução de seus objetivos. Da mes-
ma forma, as organizações sociais necessitam líderes
competentes para sua sobrevivência, crescimento e de-
senvolvimento cabal de' recursos e potencialidades no
alcance de objetivos organizacionais.
A conceituação de "líder competente" no contexto
organizacional está relacionada à cultura da organização,
a seus valores e normas, de forma explícita ou implícita.
Os programas de treiIlamento e desenvolvimento de re-
cursos gerenciais, geralmente, são planejados e imple-
mentados segundo uma filosofia de ação congruente com
a cultura organizacional.
O gerente competente é eficaz no-desempenho glo-
bal de seu papel organizacional e não apenas em uma
parte dele. A competência técnica é, em geral, a parcela
mais cuidada nos programas de desenvolvimento geren-
cial, mas insuficiente, por si só, para um desempenho
total e eficaz. A competência iIlterpessoal é absoluta-
mente necessária para o exercício pleno das funções de
liderança, em qualquer contexto grupal e organizacional.
Entretanto, este tipo de competência tem sido, freqüen-
temente, menosprezado como processo essencial de qua-
lificação profissional para funções de liderança.
Várias técnicas de gestão moderna só poderão apre-
sentar resultados positivos se houver competência inter-
pessoal dos líderes/gerentes. Um exemplo notório é
Revista de Administração de Empresas
3. GEDIN: UM MODELO COMPORTAMENTAL
O modelo GediIl - Gerência Dinâmica - é um programa
modulado para desenvolvimento gerencial; baseia-se em
alguns pressupostos de ciências do comportamento e teo-
ria da organização sob um enfoque de Desenvolvimento
Organizacional. O módulo básico é composto de três
partes interdependentes: a pessoa do gerente, o papel do
gerente e a integração papel-pessoa na organização. Este
módulo propicia conteúdos cognitivos e emocionais,
contribuindo para ampliação de conhecimentos e desen-
volvimento de atitudes compatíveis com a cultura orga-
nizacional, desenvolvimento de competência inter pessoal
e técnica para as funções de gerência, com vistas a urna
integração de objetivos pessoais e organizacionais, tanto
quanto possível.
O módulo básico é seguido de outros módulos espe-
.cíficos de desenvolvimento interpessoal e de técnicas ge-
renciais, numa composição "sob medida" para as necessi-
dades dos gerentes e da organização. O modelo Gedin dá
igual importância aos dois tipos de competência geren-
cial para desempenho global eficaz: competência técnica
e competência interpessoal, desenvolvendo-as de forma
integrada. O modelo Gedin tem sido utilizado em várias
empresas, desde 1977, com resultados satisfatórios e está
sendo objeto de urna pesquisa de acompanhamento para
validação de resultados a médio prazo.
O esquema de concepção do modelo Gedin pode ser
visto na figura 1.
3.1 Objetivos de desenvolvimento gerencial
O módulo básico de modelo Gedin tem os seguintes
objetivos: a) sensibilizar os gerentes para o desenvolvi-
mento gerencial e sua importância do ponto de vista
pessoal e profissional; b) capacitar os gerentes para o
desempenho eficaz em suas áreas específicas de atuação; .
Quadro 1
Objetivos de desenvolvimento gerencial*
Figura 1
Concepção do modelo Gedin
Componentes
cognitivos
Conhecimentos técnicos
Conhecimentos gerenciais
Conhecimentos organizacionais
I
I
I
I
,
Técnicas gerenciais
-.
'é
competenci~a
i
Desempenho eficaz Habilidades
u /
Competência interpessoal
Estilos de liderança /
t
I
I
I
Sentimento
Motivaçõe~
Atitudes
Valores pessoais
Componentes
emocionais
Gedin 2.0
Lorwo prazo
Curto prazo Médio prazo
Sensibilização
Motivação para desenvolvimento gerencial
Conscientização de forças e fraquezas
(autodiagnóstico)
Conhecimentos técnicos
Atitudes
Recíclagem
Autodesenvolvimento
Instituçionalização do processo de
desenvolvimento
Conhecimentos organizacionais
•
Aperfeiçoamento
(Auto-sustentação)
Visão sistêmica
Compreensão de interdependência
Integração
Habilidades:
Percepção e diagnose
Comunicação
Flexibilida~e para mudanças
Competência interpessoal
Criatividade/Inovação
Liderança e participação em grupo
Desempenho individual
Trabalho em equipe
"Saúde"/Vitalidade organizacional.
Desempenho grupal
Desempenho global da organização
*
Moscovici, F. Desenvolvimento interpessoal. 2. ed. Rio de Janeiro, LTC Editora, 1980. capo 13, p. 118.
Competência interpessoal
19
diferentes (figura 2). A base comum principal é o pro-
cesso vivencial. A experiência direta "aqui-e-agora" é
à
característica mais marcante do método de laboratório, é
o ponto de partida para a aprendizagem, uma vez que é
comum, compartilhada pelos membros do grupo de trei-
namento. Esta experiência direta, imediata, compar-
tílhadaçpode ser comparada, apreciada, analisada e vali-
dada como fundamento de conceitos e conclusões pes-
soais e grupais a serem elaborados.
c) desenvolver habilidades de percepção e diagnose de
problemas, de comunicação efetiva e de liderança e parti-
cipação em grupo.
Esses objetivos podem constituir objetivos finais de
um programa ou objetivos iniciais, de curto prazo, ca-
racterizando, então,uma etapa básica de desenvolvi-
mento, conjugando conhecimentos, habilidades e atitu-
des e estimulando a motivação para prosseguimento de
esforços. Essa segunda abordagem, de Desenvolvimento
Organizacional, passa a preocupar-se, sistematicamente,
com o desenvolvimento do subsistema humano a curto,
médio e longo prazos, em terinos de desempenho eficaz,
produtividade, lucratividade e vitalidade da organização.
O objetivo maior é tornar a organização altamente fle-
xível e apta a enfrentar o desafio e os riscos de um
ambiente de incertezas e mudanças aceleradas, a fim de
que se ajuste constantemente a essas condições mutáveis.
Esse objetivo maior significa institucionalização de com-
petência. em todos os níveis a médio e longo prazos. O
quadro 1 apresenta. os objetivos de Desenvolvimento
Gerencial em uma perspectiva de DO.
A competência interpessoal, por conseguinte, é um
objetivo final, a nível individual, e instrumental, a nível
grupal e organizacional.
4. COMO DESENVOLVER
COMPET~NCIA INTERPESSOAL
20
Competência. interpessoal não é um dom ou atributo
inato da personalidade, e sim uma capacidade decorrente
de treinamento por meio de técnicas próprias em pro-
gramas especiais, envolvendo conteúdos intelectuais,
emocionais e atitudinais. A metodologia difere da usual-
mente utilizada em cursos ou seminários, exigindo, por
isso, formação especializada de coordenadores em dinâ-
mica de grupo e desenvolvimento interpessoal. O con-
junto tecnológico para desenvolvimento interpessoal
constitui a "Educação de Laboratório", uma das inova-
ções mais importantes dos últimos 30 anos para a educa-
ção de adultos e educação permanente, que vem sendo o
desafio das sociedades atuais, desenvolvidas ou em"desen-
volvimento, e uma necessidade prioritária para enfrentar
mudanças aceleradas.
O nome laboratório indica, fundamentalmente, o
caráter experimental da situação de aprendizagem ou
treinamento, no sentido de encorajar os treinandosa ex-
perimentarem novas formas de conduta para lidar com
situações-problema, ou até rotineiras, sem o perigo de
conseqüências "reais" no ambiente de trabalho ou em
outros ambientes. O laboratório de desenvolvimento
interpessoal toma diversos nomes, conforme seus obje-
tivos específicos e a orientação de modelo teórico dada
pelo coordenador. Suas características essenciais, entre-
tanto, perm~ecem como base comum de trabalho,
como premissas sobre as quais podem ser construídas
, variantes para atingir objetivos semelhantes, embora com
ênfase e gradações diferentes, que determinam técnicas
Revista de Administração de Empresas
Figura 2
Meta. Objetivos da educação de laboratório
1. Aprender a aprender _~__________ Atitude
.• Conhecbnentos de
.• Sensibilização _ indagação
I
• Diagnose - -
1
---
--~
--
..•. Conscientização
I
Opção
I
2.
Aprender a dar ajuda
j
.
Feedbac1c
• Colaboração
3. Participaçlo ,
. tficiente em grupo
_----- Mudança
Competêncía
interpessoal
CI2.0
'A educação de -laboratório proporciona a aprendi-
zagem pela vivência global, com exploração e análise do
) evento em seu duplo aspecto: o objetivo e o subjetivo. O
interesse predominante dos treinandos passa a ser o pro-
cesso do evento, ou seja
como
aconteceu e não apenas
o
que
aconteceu (conteúdo ou fato).
O processo de grupo, complementado por reflexões,
leituras e análise crítica dos eventos, permite a formu-
lação de
mapas cognitivos
ou referenciais teóricos para
compreensão de si mesmo e dos outros, bem como do
funcionamento do conjunto
eu-outros
em situação de
grupo. Percepções, idéias e sentimentos, trabalhados em
-técnicas de laboratório, propiciam
insigths
significativos,
autoconhecimento e conhecimento dos processos gru-
pais. O clima psicológico de confiança possibilita expe-
rimentar novas formas de interagir com os outros, bem
como alternativas vàriadas de comportamento para
opções genuínas de incorporação - ou não - ao reper-
tório individual de modalidades de relacionamento
(figura 3).
fluência social. Procura-se aperfeiçoar habilidades de
comunicação efetiva, de dar e receber [eedback, de
diagnosticar e administrar conflitos, de liderança e parti-
cipação em grupo. Se a competência interpessoal é alcan-
çada nesse nível, os membros do grupo podem dispor-se
a trabalhar em equipe de forma real, e não apenas no
rótulo.
A nível organizacional, o foco predominante é o
sistema (a organização toda). Trabalham-se as motiva-
ções e objetivos individuais, grupais e organizacionais, e a
problemática de diferenciação e integração de subsiste-
mas. Procura-se ampliar e aperfeiçoar a capacidade de
trabalho em equipe, ..de diagnóstico e administração de
conflitos intergrupais, a competência interpessoal. de
comunicação, interdependência e integração. Nesse ní-
vel, o desenvolvimento interpessoal
.é
orientado para a
interdependência de subsistemas e trabalho em equipe e
para o desempenho organizacional como um todo.
Desenvolvimento interpessoal, portanto, não' se
esgota no plano individual de crescimento da pessoa que
se relaciona com as demais pessoas de forma eficaz. A
competência interpessoal éum processo de qualificação
profissional primordial para funções de liderança e ou-
tras funções de predominância de intercâmbio social.
Figura 3
Processo de aprendizagem em laborat~rio
1 - Conhecer/
conscientizar
TI- Arriscar/
experimentar
j
III - Praticar/
utilizar
Aprender
Conhecimentos
Sentimentos
Atitudes
Comportamentos
Mudar
CI2,I
o
laboratório de desenvolvimento interpessoal pode
ser planejado para atender a objetivos individuais, gru-.
pais e organizacionais. O laboratório básico de DI, geral-
mente, é conduzido de forma intensiva durante um fim-
de-semana com a duração de 20 a 24 horas, por dois a
três dias. Se o esquema é extenso, sua duração pode,
variar de 30 a 60 horas, com sessões duas a três vezes
'por semana, de duas a três horas cada.
Em DI, como em outros processos educacionais,
uma peça crítica é o coordenador de laboratório, o qual
não pode ser improvisado. A coordenação de laborató-
rios de DI exige formação especializada, a nível de pós-
graduação, com sólido
background
e um esforçado tem-
po de estudos, experiência e amadurecimento, além de
condições pessoais de aptidão e valores ético-morais
congruentes coma filosofia da educação de laboratório.
Um coordenador incompetente ou desonesto traz danos
irreparáveis à metodologia e à própria aplicação de
cíên-
ciais comportamentais
à
administração, e em especial à
área de treinamento e desenvolvimento.
O desenvolvimento interpessoal pode ser orientado
para três níveis de conseqüências: o individual, o grupal e
o organizacional.
A nível individual, o foco predominante é intrapes-
soal e interpessoal, na forma de díade. Trabalham-se as
motivações, os objetivos pessoais, a problemática de
inter-relação, de afetividade e intimidade. Procura-se
obter autoconhecimento e conscientização, habilidades
de percepção, diagnose e comunicação para expressão
verbal e emocional, para dar e receber
feedback.
O indi-
víduo que se conhece e se aceita pode fazer opções mais
realísticas de mudanças pessoais e preservar sua auten-
ticidade.
A nível grupal, o foco é inter pessoal, intragrupal e
grupal, examinando-se os eventos da díade, subgrupos e
grupo total. Trabalham-se as motivações e objetivos co-
muns ao conjunto e a vários subconjuntos, bem como a
problemática do poder, da autoridade, controle e in-
5. UMA PESQUISA DE COMPET:eNCIA
INTERPESSOAL DE GERENTES BRASILEIROS
Com
Q
objetivo de operacionalizar aspectos Comporta-
mentais de competência interpessoal foi elaborado pela
autoraum questionário de 20 itens ou "dimensões inter-
pessoais"."
O questionário Dimensões Interpessoais foi aplicado
a 18 grupos de treinamento conduzidos Pela autora e sua
equipe, totalizando 297 gerentes de cinco organizações
brasileiras diferentes. O momento da aplicação foi o
momento
zero
do treinamento, justamente para obter
uma auto-avaliação não contaminada por nenhum evento
do treinamento. Trata-se, pois, de um instrumento de
avaliação pré-treinamento, e que também pode ser uti-
lizado como instrumento de avaliação pós-treinamento
ou de acompanhamento, para avaliação de resultados de
treinamento a prazo mais longo. O instrumento ainda
está em versão experimental, conforme utilizado nessa
pesquisa~ revelando perspectivas promissoras.
Os resultados mostraram certas concentrações nos
extremos de maior e menor gradação, caracterizando
alguns itens como
mais fortes
e outros como
menos for-
tes.
21
Analisando-se os resultados de forma global, a maio-
ria dos itens de maior escore (pontos fortes) fazem parte
do subconjunto Liderança, os de menor escore (pontos
fracos), do subconjunto Comunicação. Esses resultados
podem sugerir uma autopercepção muito valorizada de
liderança 'nesse grupo de gerentes pela posição que alcan-
çaram e ocupam atualmente na organização, enquanto
nas outras dimensões, aparentemente menos importan-
tes, possa ter havido mais autocrítica sobre as próprias
, deficiências (figura 4).
Competência interpessoal
Os pontos fortes indicados sugerem uma percepção
social de valores culturais de nossa sociedade relaciona-
dos à imagem de chefia, comando, afirmação de sucesso
profissional e de atributos pessoais positivos masculinos.
Os itens competição, independência e autoconfiança
fazem parte dessa constelação cultural.
A
competição é
claramente imagem. de luta, agressividade, iniciativa,
possivelmente ligada ao n achievement de McClelland,
característica do homem que busca desafios e supera
obstáculos para realizar-se. A independência é também
um símbolo masculino de afírmação social, diferen-
ciando-se da dependência, submissão feminina ou de
.subordinados. .. A autoconfiança, como imagem de
segurança interior que os outros invejam e procuram,
também é socialmente valorizada como figura paterna,
. forte, superior, sem as fraquezas, dúvidas, insegurança
dos subordinados/inferiores.
O item flexibilidade pode igualmente fazer parte da
imagem social atual do gerente/executivo que se atualiza,
nãoé
rígido, não estagna, aberto a inovações, suficien-
temente apto a adaptar-se, a ajustar-se às mudanças, em
suma, a imagem mais valorizada hoje em dia: o jovem.
Quanto aos pontos fracos, parece que não houve
tanta influência de imagem social, pois as carências mos-
tram justamente o !outro: lado, que é menos exposto pu-
blicamente ou atéesoóndido e negado. Entretanto, a
concentração dos pontos fracos sugere aspectos comuns
que perturbam o relacionamento humano e preocupam
os índívídaos que os apontaram, bem como o nível de
conscientização das deficiências de cada um.
O item mais fraco, reação a feedback, indica o
aspecto mais negligenciado da comunicação humana, a
dificuldade não superada de receber feedback, mesmo
em gerentes .de alto nível, aparentemente competentes
em suas funções. O outro item a ele diretamente rela-
cionado, expressão de feedback, aparece como 5.
0
item
fraco, o que pode sugerir que a carência de habilidade de
dar feedback não é percebida ou sentida tão intensa-
mente como receber feedback, em que o impacto maior
é sobre o próprio indivíduo e não sobre o outro. Con-
tudo, a inferência que se pode fazer é que ambos os
processos, tanto o de dar quanto o de receber [eeâback,
constituem carências importantes a serem trabalhadas
em desenvolvimento interpessoal, sem o que ficarão
como aspectos ineficientes do desempenho dos gerentes.
Reação a feedback talvez seja o item crítico da compe-
tência interpessoal, uma das mais difíceis conquistas
pessoais. Os dois processos conjugados, dar e receber
feedback de modo inábil, provocando reações defensivas,
formam a maior fonte de bloqueio de comunicação efe-
tiva e de desgaste de relacionamento.
O segundo item mais fraco, espontaneidade, sugere
um processo de .condicionamento cultural contrário
à
expressão franca de idéias e sentimentos, principalmente
no selvagem mundo dos negócios em que a revelação
pode ser prejudicial na cornpetíçãopor sucesso, lucro,
fama ... Não há um provérbio que diz: "A alma do ne-
gócio é o segredo"? Então é preciso não revelar-se, não
mostrar suas fraquezas ou planos,
para
não fornecer
Figura 4
Ordenação geral (ranking) das dimensões interpessoais
Dimens15esinterpessoais
Pontos
Rank
A. Comunicapfo
Fracos
Fortes
1. Comunicação efetiva
U
I
O
Gi]
3. Saber ouvir
I I I I
I
QJ
7. Reação a feedback
I
!
I
I
I
'2"oJ
11. Expressão de feedback
! !
I
td
1}6J
17. Persuasão
I
I
!
I I
I
~J
B.
Liderança
4.' .Líderança efetiva
:
I
=til
~J
6. Autoconfiança
!
I
1
I
,
I
0
8. Iniciativa
Ff±±U
I
GJ
lO. Independência
!
I I
I I
I
GJ
13. Resistência a
stress
I
I I
!
!
[0J
16. Apoio catalizador
f
I I
!
0
19. Competição
I
I
I
I!
[Q
22
c.
Participaçao
2. Impacto
Ftt#1
I I
I
GIl
5.
Espontaneidade
!
I
fij
0
9. Sensibilidade
!
I I
I
G
12. Lidar com conflito
I
I I
I
@]
14. Experimentação
I
I
JíJ
I
I
I
@]
15.
Relacionamento próximol
I
I
IJ
I
I I
I
@]
18. Abertura
I
I
I·
Ui
I I
I
0
20. Flexibilidade
I
I
I
I
I
I
[JJ
Considerando-se a ordenação final dos itens; foram
desprezadas as posições intermediárias (neutras), e des-
tacadas as quatro posições extremas de cada lado, as
quais passaram a representar os itens mais fortes e os
itens mais fracos das dimensões interpessoais, como
segue.
Pontos mais fortes
Pontos mais fracos
.,1, .Competição
"11: .Independência
.'UI. Flexibilídade
IV. Autoconfiança
I. Reação a feedback
lI. Espontaneidade
III. Lidar com conflito
IV. Resistência a stress
Revista de Administração de Empresas
armas ao inimigo (competidor), tornando a vida organi-
zacional um jogo de vantagens: ganha mais quem sabe
mais do outro e menos revela de si ... Esse processo
circular deteriora o clima organizacional, levando a
tensões, desconfianças, conflitos e crises mais ou menos
sérias e duradouras, objeto de grandes preocupações da
alta administração. e bom mercado de trabalho para os
consultores organizacionais ...
O item lidar com conflitos mostra outra carência
acentuada entre gerentes, cada um procurando resolver a
seu modo os problemas interpessoais, sem ter tido treina-
mento adequado para isto. Alguns têm maior habilidade
intuitivamente, outros menor habilidade, sem se aperce-
berem das conseqüências a curto e médio prazos para as
pessoas envolvidas e para a organização. Lidar com con-
flitos de forma segura exige treinamento especial de
laboratório de DI e não apenas leituras e conferências
sobre o assunto.
O quarto ponto mais fraco, resistência a
stress,
reve-
la a situação reá! do dia-a-dia do gerente, sujeito a pres-
sões de cima e de baixo, e lateralmente, também, além
de pressões. extra-organizacionais ..e familiares. Essa ca-
rência indicada retrata um aspecto. pouco reconhecido
ou tratado em programas de desenvolvimento gerencial e
até nos planos de carreira gerencial, em que deveria figu-
rar como um dos itens de avaliação de desempenho supe-
rior do gerente.
5.1 Autopercepção versus heteropercepção
Como parte dessa pesquisa exploratória, foi também
realizado um levantamento paralelo em quatro grupos de
gerentes da mesma empresa, para efeito de feedback. e
dados complementares aos resultados globais. Em tempo
oportuno, cada gerente desses grupos foi avaliado nas
dimensões interpessoais pelo seu superior imediato e três
de seus subordinados diretos, obtendo-se informações de
194 pessoas. Os resultados dessa .mínípesquísa comple-
mentar mostraram alguns aspectos a serem analisados em
termos de autopercepção e heteropercepção. Até que
ponto a autopercepção é realística? Até que ponto ai
heteropercepção é acurada, ou pode estar contaminada
pela história do relacionamento e por uma imagem for-
mada circunstancialmente e não revista?
Os resultados mostraram coincidências freqüentes
entre autopercepção e heteropercepção nos seguintes
pontos:
Fortes Fracos
• Independência
• Competição
• Autoconfiança
• Reação afeedback
• Lidar com conflitos
• Expressão de feedback
Isto significa que os pontos mais fortes e mais fracos
na autopercepção dos gerentes foram confirmados por
seus superiores imediatos e subordinados diretos.
Outros itens, porém, mostraram discrepâncias que
suscitam indagações e hipóteses para prosseguimento da
pesquisa. As maiores discrepâncias entre autopercepção
. do gerente e heteropercepção dos subordinados podem
ser listadas como segue.
AP ponto forte
X
HP ponto fraco
AP ponto fraco
X
HP ponto fraco
Itens
Itens
• Liderança efetiva
• Sensibilidade
• .Resistência a stress
• Apoio catalisador
• Abertura
• Flexibilidade
• Comunicação efetiva
• Impacto
• Espontaneidade
Comparando-se apenas o número de itens das duas
colunas, pode-se inserir a extensão da área do eu cego, em
termos da Janela Johari, que se acentua em relação às
forças que a pessoa acredita ter, mas que os outros per-
cebem Como fraquezas .. Quantas dificuldades de comu-
nicação, de relacionamento e integração profissional, po-
derão estar tendo pessoas que trabalham juntas, mas que
nunca se detiveram para examinar as diferenças de suas
percepções a fím de diagnosticarem alguns fatores deter-
minantes dessas dificuldades que desgastam suas energias
" físicas e emocionais?
Dar e receberfeedback constituem, portanto, habi-
lidades interpessoais imprescindíveis ao funcíonamento
produtivo de um grupo humano em qualquer contexto.
Os resultados apresentados referem-se a partici-
pantes de grupos naturais de treinamento em programas
de desenvolvimento interpessoal, como um módulo de
programas de desenvolvimento gerencial, não podendo,
por conseguinte, ser generalizados para caracterizar a
população de treinamento gerencial e muito menos os
gerentes brasileiros. Trata-se de uma pesquisa explora-
tória, cujos dados. servirão de base para hipóteses de tra-
balho e planejamento de pesquisas futuras. Sugerem,
contudo, algumas indagações e reflexões sobre o papel, a
competência e o desempenho eficaz do gerente dentro
da nossa realidade.
6. CONCLUSÕES OU REFLEXÕES
Se desenvolvimento gerencial não se efetua cabalmente
sem desenvolvimento interpessoal, cumpre então pensar
nesta dimensão como. parte integrante e indispensável de
qualquer programa de desenvolvimento gerencial. Desen-
volvimento interpessoal, porém, exige um tempo e con-
dições especiais de tecnologia e coordenação, sendo seu
processo mais demorado e trabalhoso, por envolver
dimensões psicológicas emocionais e altitudinais mais
complexas que ~s intelectuais.
Competêncta interpessoaI
23
1
Buber, M.I and Thou . New York, Scribner, 1970.
1
Bennis, W. G.
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São Paulo, E. Blucher, 1972.
3
Questíonário Dimensões interpessoais. In: Moscovici,
F:
Desenvolvimento Interpessoal.
2, ed. Rio de Janeiro, Livros
Técnicos e Científicos, 1980. p. 135-8.
~;---:-<,,;,."'iI,-'~"7"T~~
:.
Especialistas e dirigentes enfrentam, nesse sentido,
um dilema crítico: resultados rápidos, tangíveis, aparen-
temente positivos, bem sucedidos de uma política edu-
cacional ímediatísta, de efeito, no desenvolvimento de
gerentes versus a adoção de uma filosofia humanística de
desenvolvimento de potencialidade, atitudes e valores, O
que determina uma ação social de longo prazo, sem
ré-
sultados imediatos visíveis, mas um lento e gradual cres-
cimento pessoal, interpessoal, grupal e organizacional em
. sua plenitude.
O conhecido conselho de sabedoria oriental de
ensinar a pescar ao invés de dar um peixe para matar a
fome do momento expressa uma filosofia de ação para o
desenvolvimento de recursos e potencialidades do indi-
víduo, de crescimento pessoal, contrapondo-se a uma
filosofia paternalista de dar informações apenas para
melhor desempenho da tarefa em pauta ( o peixe diário),
sem levar em consideração o sistema Pessoa, como um
todo dinâmico e em interação com outros sistemas seme-
lhantes e suprasistemas ambientais.
Finalmente, em lugar de conclusões acadêmicas
sobre teoria e prática de desenvolvimento de gerentes,
parece-me mais oportuno propor aos profissionais da
área e demais interessados algumas questões parare-
flexão:
• Até quando vamos continuar dando o peixe diário ao
invés de ensinar a pescar em desenvolvimento de ge-
rentes?
24
• Até quando teremos medo de lidar com ideologias e
valores de forma clara e explícita? '
• Quando amadureceremos para adotar, de forma rea-
lística, uma abordagem também qualitativa, e não mera-
mente quantitativa, em desenvolvimento de gerentes?
• Quando, finalmente, iremos assumir a teoria procla-
mada de uma filosofia de
ação
social e transformá-la, de
fato, em teoria-de ação em uso efetivo, deixando de
apenas utilizar o
jargão
para agir de forma congruente
em nossas atividades profissionais, com autenticidade e
coragem?
Revista de Administração de Empresas
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