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Análise Psicológica (2012), XXX (3): 251-267
Escolha intertemporal: Enquadramento, sinal e diferimento das suas
consequências
Pedro Le Mattre de Carvalho*/ Marc Scholten*/ Duarte Pimentel*/ Gui Gonçalves*/
Manuela Faia Correia**
*ISPA – Instituto Universitário; ** Universidade Lusíada
De acordo com o modelo normativo da escolha intertemporal, o Modelo de Utilidade Descontada
(Samuelson, 1937), a utilidade de uma consequência futura é descontada exponencialmente consoante
o diferimento. Há âmpla evidência de que as pessoas não cumprem este pressuposto. Neste estudo, 280
sujeitos realizaram uma tarefa de emparelhamento (ou matching) de forma a verificar a presença de
uma nova anomalia ao desconto exponencial, bem como quatro anomalias mais conhecidas na
literatura: O efeito de diferimento, o efeito de magnitude, o efeito de sinal e a assimetria adiamento-
-adiantamento. A nova anomalia é uma interacção entre o enquadramento, o sinal, e o diferimento das
consequências: Em ganhos, o efeito de diferimento é mais pronunciado num enquadramento de
adiamento do que num enquadramento de adiantamento; em perdas, o inverso acontece. Todas as
anomalias foram verificadas. Avançamos uma explicação do efeito interactivo em termos de
sensibilidade decrescente a diferimentos.
Palavras-chave: Adiamento-adiantamento, Diferimento, Escolha intertemporal, Interacção,
Magnitude, Sinal.
ENQUADRAMENTO TEÓRICO
Introdução
As escolhas intertemporais podem ser definidas como “decisões que envolvem um compro -
misso entre custos e benefícios que ocorrem em diferentes momentos” (Frederick, Loewenstein,
& O’Donoghue, 2002) e apresentam-se como uma área de estudo particularmente abrangente,
dado que a maior parte das decisões, económicas e não só, envolvem consequências diferidas.
Como e quanto poupar ou investir, aceitar ou não uma proposta de emprego, o nível de escolari -
dade a obter ou o tipo de regime alimentar a seguir são alguns exemplos deste tipo de escolhas.
Como tal, embora fruto de reflexão e consequente objecto de estudo da ciência económica, as
escolhas intertemporais têm também vindo a ser abordadas em áreas como a saúde (Redelmeier
& Heller, 1993), o ambiente (Hardisty & Weber, 2009), consequências intergeracionais (Chapman,
2001), desempenho escolar (Kirby, Winston, & Santiesteban, 2005), dependência de substâncias
como o tabaco (Baker, Johnson, & Bickel, 2003) ou cocaína (Woolverton, Myerson, & Green,
2007) e mais recentemente no âmbito das neurociências (Carter, Meyer, & Huettel, 2010).
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Trabalho financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), programa POCI 2010 e projecto
PTDC/PSI-PCO/101447/2008.
A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Marc Scholten, ISPA – Instituto Universitário,
Rua Jardim do Tabaco 34, 1149-041 Lisboa, Portugal. E-mail: scholten@ispa.pt
As análises formais de decisões intertemporais têm sido desde o início da sua aplicação
baseadas no conceito de “desconto”, que na ciência económica está relacionado com a taxa
marginal de substituição entre o consumo corrente e o consumo futuro (Benzion, Rapoport, &
Yagil, 1989) e, embora os estudos efectuados sobre escolha intertemporal englobem uma vasta
variedade de contextos e objectos de escolha, existe um consenso alargado na literatura de que as
consequências futuras são descontadas (ou desvalorizadas) comparativamente a consequências
imediatas (Soman et al., 2005). Este efeito é normalmente designado como preferência
intertemporal positiva e, apesar de ter sido inicialmente fundamentado por pouco mais que a
introspecção e observações pessoais (Frederick et al., 2002), tornou-se uma das bases de reflexão
sobre a temática.
A próxima secção fará uma breve revisão dos métodos de estudo e a alguns termos relevantes
para a compreensão deste trabalho abordando-se de seguida o modelo normativo da escolha inter -
temporal, o Modelo de Utilidade Descontada de Samuelson (1937). As seguintes secções discutem
as anomalias encontradas na literatura que contestam a validade do modelo, que serão o foco deste
trabalho, e um dos principais modelos alternativos propostos, o Modelo de Desconto Hiperbólico,
introduzindo a literatura relevante e respectiva lógica que culmina nas hipóteses deste estudo.
O estudo da escolha intertemporal
Uma grande parte dos estudos sobre escolha intertemporal pode ser dividida em dois grupos.
O primeiro, onde este estudo se inclui, estuda o desconto implícito nas escolhas dos indivíduos
quando confrontados com opções que envolvam uma dimensão temporal de forma a descrever
padrões e tendências de preferência consoante configurações específicas dessas opções ou
identificar mecanismos que expliquem as escolhas intertemporais. O segundo grupo de estudos
foca-se no desenvolvimento, axiomatização ou testagem de modelos descritivos que procuram
descrever o comportamento face a estas escolhas. Estes modelos tomam por base as evidências
identificadas no primeiro grupo de estudos de forma a poderem contabilizá-las e assim descrever
como as escolhas intertemporais são efectuadas.
Embora o desconto seja uma das dimensões mais estudadas na escolha intertemporal, Berns,
Laibson e Loewenstein (2007) nomeiam três outros mecanismos que segundo a literatura têm-se
demonstrado relevantes para a compreensão da temática: A “antecipação”, o “auto-controlo” e a
“representação”. A antecipação refere-se à capacidade dos indivíduos em imaginar e experienciar
sensações na antecipação de eventos futuros, o auto-controlo diz respeito às tensões experienciadas
pelos sujeitos quando tentam implementar uma decisão com consequências futuras na presença da
tentação do consumo imediato e a representação refere-se à forma como a pessoa interpreta ou
enquadra um conjunto de opções. Este estudo considera o desconto juntamente com a representação
das opções. Nesta secção será feita uma breve revisão dos métodos de estudo, modelos, mensuração
do desconto e termos associados que serão relevantes para a compreensão deste trabalho.
Escolha intertemporal sobre valores monetários. Devido à sua conveniência e aplicabilidade,
um dos métodos mais utilizados para estudar o desconto em escolhas intertemporais é através de
escolhas que envolvam valores monetários onde os investigadores tipicamente pedem aos sujei-
tos para escolher entre recompensas menores e imediatas ou maiores e experienciadas mais tarde
(Magen, Dweck, & Gross, 2008). Neste estudo serão utilizadas duas opções monetárias: Uma
consequência menor mas mais imediata e uma consequência maior mas mais tardia, como, por
exemplo, “receber €100 daqui a 1 mês” e “receber €150 daqui a 6 meses”. Estas opções serão re-
feridas respectivamente como SS (smaller, sooner) e LL (larger, later). A sua designação formal é
SS=(xS, tS) e LL=(xL, tL), onde xé a consequência e té o tempo até à consequência.
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O procedimento experimental de matching e o enquadramento temporal. Considerando duas
opções monetárias, dois dos procedimentos experimentais mais comuns para investigar o desconto
intertemporal são as chamadas tarefas de Escolha e tarefas de Matching. Nas tarefas de Escolha são
apresentadas opções que envolvam uma dimensão temporal e é pedido ao sujeito que escolha a
opção preferível entre elas. Numa tarefa de Matching, como as utilizadas neste estudo, é pedido aos
sujeitos que ao serem confrontados com uma opção de base, por exemplo SS, “preencham” uma se-
gunda opção, neste caso LL, de forma a que ambas as opções tenham um “valor” semelhante. Um
exemplo concreto desta tarefa seria preencher a seguinte afirmação:
“Em vez de receber €120 hoje, aceito adiar o recebimento se receber no mínimo € _____
daqui a 9 meses”.
O exemplo descrito descreve uma tarefa com o tipo de enquadramento designado na literatura
como de “adiamento”, ou seja, em que a opção base se situa no imediato e é pedido ao sujeito para
considerar o valor dessa opção “adiada”, no entanto nem todas as decisões intertemporais
consistem em adiar e um enquadramento de “adiantamento” poderá ser operacionalizado pelo
preenchimento da opção SS tendo por base a opção LL, o inverso do exemplo anterior:
Em vez de receber €120 daqui a 9 meses, aceito adiantar o recebimento se receber no mínimo
€ _____ hoje.
Medidas de desconto. No que concerne ao cálculo e análise do desconto intertemporal implí-
cito em escolhas, estudos anteriores têm utilizado dois termos para capturar o grau de desconto:
A taxa de desconto e o factor de desconto (Soman et al., 2005). A taxa de desconto representa a
proporção em que a utilidade ou valor de uma opção diminui por unidade de tempo e é designada
no presente texto como
ρ
. A fracção de desconto representa o inverso da taxa de desconto, ou
seja, a proporção da utilidade ou valor que permanece por unidade de tempo e será designada
como
δ
. Assim temos:
(1)
É de notar que valores mais elevados de
ρ
representam mais desconto, enquanto que valores
mais elevados de
δ
representam menos desconto. Este estudo utilizará como medida de desconto
a fracção de desconto
δ
e o grau de desconto será sempre discutido em termos do seu valor e
respectivas variações.
O Benchmark Model e o cálculo do desconto. Segundo Scholten e Read (2010) é prática comum
assumir-se que as pessoas fazem escolhas intertemporais descontando o valor de consequências
futuras, atribuindo valores descontados às opções e posteriormente comparando estes valores des-
contados. A maioria dos modelos descritivos formulados na literatura sugerem que este efeito do
tempo na utilidade ou valor de um momento ou sequência de consumo pode ser capturado por uma
função de desconto d(t). Esta função de desconto especifica assim o peso que será atribuído às con-
sequências de escolhas experienciadas em diferentes momentos no tempo, sendo que d(0)=1 re-
presentando ausência de desconto para uma consequênca imediata. A função de desconto mais
utilizada é a chamada função de desconto exponencial (Chabris, Laibson, & Schuldt, 2008) em
que:
Os modelos de desconto exponencial assumem que o valor presente decresce numa proporção
fixa por unidade de tempo em que se tem que esperar por uma recompensa, ou seja que o valor
futuro é descontado exponencialmente consoante o diferimento (Kirby, 1997). Por outras palavras,
a ideia principal destes modelos é que a função de desconto é constante ao longo do tempo,
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portanto quanto mais diferimento associado a uma opção de consumo proporcionalmente menor
o peso que lhe será atribuído (a função de desconto decresce em proporções constantes). Tendo
em conta duas opções SS=(xS, tS) e LL=(xL, tL), os seus respectivos valores descontados poderão
ser representados como:
Numa tarefa de Matching, procura-se o ponto de indiferença entre SS e LL, isto é, o ponto em
que os valores descontados são iguais:
(2)
Este modelo empírico de desconto exponencial sobre valores monetários, também designado
Benchmark Model, permite-nos obter a fracção de desconto
δ
:
(3)
A título de exemplo, se um indivíduo é indiferente entre receber €100 hoje e €150 daqui a ½
ano ao realizar uma tarefa de Matching, temos:
pelo que a fracção de desconto implícita na sua resposta é:
Considerando a equação (1) podemos a partir do valor da fracção de desconto
δ
obtido através
da equação (3) calcular a taxa de desconto
ρ
:
Ou seja, neste exemplo, o indivíduo desconta consequências futuras em 56% por ano.
A equação (3) é utilizada para calcular a fracção de desconto num enquadramento de
“adiamento” e de “adiantamento”. No primeiro caso, xSé fornecido pelo experimentador e xLpelo
sujeito; no segundo caso, xLé fornecido pelo experimentador e xSpelo sujeito.
O Modelo de Utilidade Descontada (MUD)
Uma das principais aplicações do Benchmark Model é a validação das implicações do modelo
normativo da literatura económica, o Modelo de Utilidade Descontada de Samuelson (1937). Um
dos principais objectivos na formulação deste modelo foi criar um modelo de escolha intertemporal
generalizável que pudesse ser aplicado a múltiplos horizontes temporais e implementar a ideia de
que a análise de compromissos intertemporais requeria uma medida cardinal de utilidade
(Frederick et al., 2002).
Desde a sua introdução, embora não apresentado como um modelo com validade descritiva
pelo autor, o MUD tem dominado as análises económicas de escolha intertemporal (Loewenstein
& Prelec, 1992) principalmente pela sua simplicidade e pelo facto de condensar todas as possíveis
determinantes psicológicas da escolha intertemporal num único parâmetro: A função de desconto.
Outra das razões do sucesso do MUD foi a sua axiomatização por Koopmans (1960) que em
conjunto com a própria formulação de Samuelson levou os economistas a considerar algumas
características ou pressupostos na análise da escolha intertemporal assumidas pelo próprio modelo.
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O MUD assume que as pessoas avaliam os prós e contras resultantes de uma decisão da mesma
forma que os mercados financeiros avaliam ganhos e perdas, descontando exponencialmente o
valor de uma situação de acordo com o seu diferimento no tempo (Berns et al., 2007), desta forma,
os custos e benefícios distribuídos no tempo podem ser comparados através do desconto da
utilidade futura por um factor constante. O MUD, segundo a terminologia até agora utilizada,
pode ser representado por:
Neste modelo,
δ
trepresenta uma função de desconto exponencial, como expresso no Benchmark
Model. Por outro lado, u(c+xt) é uma função côncava de utilidade instantânea onde c representa
um nível de consumo base. Tendo em conta duas opções SS e LL, as suas respectivas utilidades
descontadas segundo o modelo serão dadas por:
Embora o MUD tenha em conta a utilidade, o método comum de calcular o desconto assume
que a função de utilidade é linear tendo em conta a magnitude do objecto de escolha (Frederick
et al., 2002). Considerando valores monetários relativamente baixos como os utilizados neste
estudo e tendo em conta que uma função de utilidade côncava como pressuposta pelo MUD é
aproximadamente linear para consequências de pequena magnitude, podemos assim assumir que
qualquer variação da fracção de desconto na equação (2) seria igualmente identificada numa
fracção derivada da igualdade entre U(SS) e U(LL), dado que U(c+x) – U(c-x) ≈U(c).
Anomalias ao desconto exponencial
A investigação sobre escolhas intertemporais tem encontrado diversos exemplos de que as
pessoas violam os pressupostos do MUD quando confrontadas com configurações específicas de
escolhas (Prelec & Loewenstein, 1991). O presente estudo foca-se em quatro destas anomalias: O
efeito de diferimento, o efeito de magnitude, o efeito de sinal e a assimetria adiamento-
-adiantamento, bem como a interacção entre o diferimento, sinal e adiamento-adiantamento.
Efeito de diferimento. O efeito de diferimento foi inicialmente testado por Thaler (1981) e pos-
teriormente verificado em vários estudos (ex., Kirby & Herrnstein, 1995; McAlvanhah, 2010;
Scholten & Read, 2006). Segundo este efeito, também designado como o efeito da diferença
comum, as preferências entre duas opções diferidas alteram-se quando ambos os diferimentos são
aumentados por um período constante (Loewenstein & Prelec, 1992). Num exemplo dado por
Thaler (1981), um sujeito pode preferir uma maçã hoje a duas amanhã mas preferir duas maçãs
daqui a um ano mais um dia a uma maçã daqui a um ano. Esta inversão de preferência é desig-
nada na ciência económica como inconsistência dinâmica (Strotz, 1955-1956). Representando o
exemplo e medindo tem dias:
no entanto,
Segundo o MUD a preferência deveria manter-se idêntica, dado que, segundo os pressupostos
do modelo, o grau em que as consequências futuras são descontadas sobre um determinado
intervalo é independente do diferimento até ao início do intervalo.
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No seu estudo, Thaler (1981) observou esta inconsistência aos pressupostos normativos, dado
que o valor médio de
δ
identificado apresentou-se menor (mais desconto) para adiar curtos espaços
de tempo do que para longos, num enquadramento de adiamento. O tipo de desconto demonstrado
por este efeito, também por si só considerado uma anomalia é denominado de desconto hiperbólico
e pode ser considerado o primeiro padrão de comportamento observado que é inconsistente com
o MUD (Berns et al., 2007).
Efeito de magnitude. Também inicialmente verificado por Thaler (1981) e provavelmente a
anomalia mais robusta na escolha intertemporal (Scholten & Read, 2010), o efeito de magnitude
consiste no facto de quantias mais pequenas serem mais descontadas do que grandes quantias,
isto é, menor
δ
para menores magnitudes, como observado no estudo de Thaler. Um exemplo
deste efeito é alguém ser indiferente entre receber €100 no imediato e €200 em 6 meses mas pre-
ferir receber €2000 em 6 meses do que €1000 no imediato:
no entanto,
Segundo os pressupostos do MUD ambas as preferências deveriam ser semelhantes (para
pequenas magnitudes dada a função de utilidade aproximadamente linear) dado que a proporção
de aumento no valor em ambas as situações é idêntica.
Efeito de sinal. O terceiro efeito encontrado no estudo de Thaler (1981) é o designado como
efeito de sinal, que sugere como observado pelo autor que as situações que envolvem ganhos são
mais descontadas (menor
δ
) que as situações que envolvem perdas. Este efeito foi também iden-
tificado por outros estudos (Redelmeier & Heller, 1993; Xu, Liang, Wang, Li, & Jiang, 2009;
Yates & Watts, 1975). Um exemplo deste efeito é um indivíduo ser indiferente entre ganhar €100
no imediato e €200 em 6 meses e também ser indiferente entre pagar €100 no imediato e €150 em
6 meses:
(6)
portanto:
(7)
O MUD assume implicitamente, ao não distinguir ambos os tipos de “sinal”, que o grau de
desconto devia ser semelhante nas duas situações o que levaria a que as preferências fossem
idênticas nas equações (6) e (7), o que não se verifica neste exemplo.
Assimetria adiamento-adiantamento. Inicialmente verificada por Loewenstein (1988), a anoma-
lia designada como assimetria adiamento-adiantamento tem particular relevância neste estudo. A
ideia principal do autor foi verificar como seria a variação no grau de desconto em diferentes tipos
de enquadramento e para esse efeito construiu uma tarefa que consistia em três tipos de questões for-
muladas de forma a identificar as preferências relativas dos sujeitos entre o consumo imediato e o
consumo diferido (Shelley, 1993): Um enquadramento de “adiamento” em que era pedido aos sujeitos que preen-
chessem o valor que pagariam por um tipo de consumo imediato e a quantia mínima que aceitariam para adiar esse consumo, um enquadramento
de “adiantamento” em que era pedido aos sujeitos que preenchessem o valor actual de um tipo de consumo futuro e a quantia máxima que paga-
riam para eliminar a espera por esse consumo e um enquadramento “neutro” onde era pedido o valor actual de um tipo de con-
sumo tanto no imediato como no futuro. O verificado por Loewenstein (1988) foi que o desconto
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era mais pronunciado (menor
δ
) no enquadramento de adiamento do que no de adiantamento. Esta
preferência assimétrica entre os dois enquadramentos demonstra a chamada assimetria adiamento-
adiantamento, outro efeito não contabilizado pelo MUD. Outra observação dos resultados de Loe-
wenstein (1988) é que o enquadramento neutro suscitou o menor desconto (maior
δ
) dos três
enquadramentos propostos. No estudo do autor apenas foram contabilizados ganhos. Estes resul-
tados, e a assimetria adiamento-adiantamento verificada, foram explicados por Loewenstein (1988)
tendo por base a existência de alterações nos pontos de referência suscitados psicologicamente pelo
enquadramento. Em ambos os enquadramentos de adiamento e adiantamento os sujeitos “colocam-
se” temporalmente no momento de consumo inicialmente proposto e quando lhes é sugerida uma
alteração, o desvio da expectativa inicial é interpretado ou como um ganho ou como uma perda con-
soante o ponto de referência inicial, ou seja, adiar um ganho é interpretado como uma perda ime-
diata e adiantá-lo é interpretado como um ganho imediato. Como, segundo a Prospect Theory
(Kahneman & Tversky, 1979), existe uma tendência para a aversão às perdas, adiar um ganho sus-
citará um maior desconto (menor
δ
) do que adiantá-lo.
O Modelo de Desconto Hiperbólico
Tendo em conta as anomalias encontradas na literatura e a consequente incapacidade do MUD
em prevê-las, diversos modelos alternativos foram sugeridos. Entre os primeiros e mais conhecidos
encontram-se o modelo hiperbólico (Loewenstein & Prelec, 1992; Mazur, 1987; Myerson &
Green, 1995). Uma das principais vantagens descritivas do modelo hiperbólico relativamente aos
modelos exponenciais é que as suas funções de desconto contabilizam o padrão de desconto
hiperbólico encontrado na literatura. Uma das funções de desconto hiperbólico mais simples é a
de Mazur (1987) que pode ser representada por:
Nesta função, onde krepresenta um parâmetro que reflecte o grau de desconto, a principal
diferença relativamente às funções de desconto exponenciais é que o valor de t está no
denominador da fracção (quanto menor o valor inicial de t, maior o impacto de diferimento
adicional). Este tipo de modelo hiperbólico tem um parâmetro. Modelos de dois parâmetros foram
também sugeridos, como o de Loewenstein e Prelec (1992), que é o seguinte:
Nesta função,
β
representa um parâmetro que reflecte o grau de desconto e
α
é o desconto
hiperbólico (i.e., grau de desvio relativamente ao desconto exponencial). Quando
β
=
α
e
α
=
κ
temos a função anterior.
De acordo com o modelo de Loewenstein e Prelec (1992), os indivíduos não avaliam utilidade
como assumido no MUD mas sim “valor”, e como tal é adoptada uma versão da função de valor
introduzida por Kahneman e Tversky (1979). Considerando esta função de valor, o modelo assume
cinco pressupostos que contemplam as anomalias descritas na secção anterior: Dependência de um
ponto de referência (as pessoas não avaliam c+ x, mas apenas x), sensibilidade decrescente (o
equivalente de desconto hiperbólico), aversão às perdas (contemplando a assimetria adiamento-
-adiantamento), maior elasticidade em perdas do que em ganhos (contemplando o efeito de sinal)
e elasticidade crescente com consequências maiores (contemplando o efeito de magnitude).
De uma forma geral os modelos de desconto hiperbólico têm demonstrado descrever melhor os
resultados experimentais que os modelos exponenciais (Green, Fristoe, & Myerson, 1994; Kirby
& Marakovic, 1995; Rachlin, 1989), no entanto, alguns outros modelos têm surgido na literatura
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que contabilizam o crescente número de evidências que desafiam os pressupostos normativos
(e.g., Scholten & Read, 2010).
Enquadramento, sinal e diferimento
Embora os efeitos de sinal, diferimento e enquadramento tenham sido documentados inúmeras
vezes na literatura, poucos estudos discutiram a relação entre eles. Este será o foco deste trabalho,
particularmente os efeitos de sinal e diferimento tendo em conta a variação do enquadramento
temporal.
Enquadramento e sinal. Benzion et al. (1989) foram os primeiros autores a verificar a existên-
cia dos efeitos documen tados por Thaler (1981) incorporando o enquadramento adiamento-adian-
tamento proposto por Loewenstein (1988). O que os autores observaram foi que a fracção de
desconto, como verificado por Loewenstein (1988), era inferior numa situação de adiamento do que
numa situação de adiantamento para ganhos. No entanto, em situações de perda, a tendência inver-
tia-se, ou seja, a fracção de desconto era superior em situações de adiamento. Os efeitos de magni-
tude e diferimento apresentaram-se idênticos aos encontrados por Thaler em ambos os
enquadramentos. Estes resultados apoiam a explicação de Loewenstein para a assimetria adia-
mento-adiantamento, pois se adiar um ganho representa uma perda imediata e adiantar um ganho
representa um ganho imediato, o inverso irá suceder-se numa situação de perda, ou seja, adiar uma
perda representa um ganho imediato e adiantar uma perda representa uma perda imediata gerando
a variação no desconto inversa em ambos os enquadramentos para ganhos e perdas. Este será o
primeiro objectivo deste estudo: Averiguar como o enquadramento temporal modera a fracção de
desconto em situações de ganhos e em situações de perdas e replicar os resultados de Benzion et
al. (1989), hipotetizando a assimetria adiamento-adiantamento inversa em ganhos e perdas como
observado pelos autores.
Embora estes resultados demonstrem uma possível relação entre enquadramento temporal e o
efeito de sinal, Benzion et al. (1989) e Thaler (1981) discutiram o efeito de sinal como um efeito
independente do enquadramento. A terceira condição de enquadramento proposta por Loewenstein,
o enquadramento neutro, também não foi explorada. Shelley (1993) discutiu esta possível relação
entre efeito de sinal e enquadramento. A ideia principal da autora foi averiguar se as diferenças
encontradas no grau de desconto por Benzion et al. (1989) e Thaler (1981) se deviam exclusiva -
mente às diferenças de sinal ou a uma interacção entre sinal e enquadramento. Se estas diferenças
fossem exclusivamente um resultado do sinal proposto, situações de ganhos deveriam suscitar
fracções de desconto inferiores do que situações de perdas mesmo que não fosse proposta uma
alteração ao momento de consumo (Shelley, 1993), por outras palavras, o efeito de sinal deveria
também ser observado num enquadramento temporal neutro. O que Shelley (1993) verificou foi
que, como previa, os valores de
δ
no enquadramento neutro se situavam entre os valores do enquadra -
mento de adiamento e de adiantamento tanto para ganhos como perdas. Este será o segundo objectivo
deste estudo: Averiguar as implicações do enquadramento temporal na fracção de desconto numa
situação onde não seja destacada explicitamente uma situação de adiamento ou de adiantamento
(situação neutra) e replicar os resultados de Shelley (1993) hipotetizando que os valores da fracção
de desconto na condição neutra se encontrarão entre os valores das outras duas condições tanto em
ganhos como em perdas.
Um padrão inconsistente é que, no estudo de Loewenstein (1988), a fracção de desconto para
ganhos no enquadramento neutro não se situou entre as outras duas condições (adiamento e
adiantamento) como no estudo de Shelley (1993), mas obteve um valor mais elevado. A magnitude
das quantias monetárias no estudo de Loewenstein (1988) foi a segunda maior quantia, de entre
quatro, no estudo de Shelley (1993). O resultado de Loewenstein (1988) foi também observado
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no estudo de Shelley (1993), no entanto, apenas para as duas magnitudes altas. Neste estudo
espera-se obter valores como os encontrados por Shelley (1993) dadas as quantias monetárias de
pequena magnitude utilizadas, no entanto, permanece uma questão exploratória.
Enquadramento, sinal, e diferimento. Os estudos efectuados por Loewenstein (1988), Benzion
et al. (1989) e Shelley (1993), embora foquem a moderação do enquadramento na escolha inter-
temporal, não discutem explicitamente como as diferenças de ponto de referência nos enquadra-
mentos de adiamento e adiantamento poderão influenciar o padrão de desconto e a preferência
intertemporal positiva. Esta relação foi estudada por Malkoc e Zauberman (2006), que, no seu es-
tudo verificaram uma nova anomalia: Numa situação de ganhos, a taxa de desconto decresce mais
com o diferimento num enquadra mento de adiamento do que num enquadramento de adianta-
mento. Por outras palavras, a prefe rência intertemporal positiva demonstrou-se presente numa si-
tuação de adiamento, como identificada anteriormente na literatura (e.g., Thaler, 1981), no entanto,
num enquadramento de adiamento, embora presente, este padrão revelou-se menos acentuado,
demonstrando menor preferência pelo consumo imediato.
Os autores explicaram esta assimetria tendo por base um mecanismo cognitivo, a objectividade
das representações mentais subjacente aos dois enquadramentos. Esta explicação tem por base
dois construtos teóricos: A teoria dos níveis de construção e o “blocking”.
Segundo a teoria dos níveis de construção, a distância temporal afecta a resposta dos sujeitos
face a eventos futuros devido a uma alteração na forma como estes representam mentalmente estes
eventos (Trope & Liberman, 2003), os eventos próximos são representados a um nível mais
concreto e os eventos distantes são representados a um nível mais abstracto. Segundo Malkoc e
Zauberman (2006), este efeito levará a que uma situação em que o ponto de referência seja
temporalmente mais próximo (enquadramento de adiamento) suscite representações mentais mais
concretas do momento de consumo do que uma situação em que o ponto de referência inicial seja
temporalmente mais distante (enquadramento de adiantamento). Esta objectividade das represen -
tações iniciais irá assim, segundo os autores, influenciar o processo de decisão através de uma
forma de “blocking”, ou seja, as associações iniciais (mais acessíveis) vão bloquear a activação
de associações posteriores. Numa situação de adiamento, as representações mentais concretas
iniciais bloqueiam a activação de representações abstractas suscitadas pelo consumo futuro e na
situação de adiantamento dá-se o inverso, as representações mentais abstractas iniciais bloqueiam
a activação de representações mentais concretas suscitadas pelo adiantamento. Como numa
situação de adiantamento as representações iniciais são menos concretas levam a uma preferência
intertemporal positiva menos acentuada explicando os resultados.
Outra possível explicação para os resultados de Malkoc e Zauberman (2006) que não foi
contabilizada pelos autores é a sensibilidade decrescente (Kahneman & Tversky, 1979) face ao
diferimento. De acordo com a sensibilidade decrescente, o impacto marginal de uma consequência
será menor quando esta estiver mais distante do ponto de referência, o que por si só pode explicar
a assimetria verificada: O efeito de enquadramento será mais forte para diferimentos curtos do que
para diferimentos longos levando a que o efeito de diferimento seja mais pronunciado num
enquadramento de adiamento do que num enquadramento de adiantamento. No entanto, esta
explicacão alternativa pressupõe um resultado diferente para uma situacão de perdas do que o
expectável de acordo com a explicacão cognitiva de Malkoc e Zauberman (2006): Se em ganhos,
o efeito de diferimento é mais pronunciado num enquadramento de adiamento do que num
enquadramento de adiantamento; em perdas, o inverso irá acontecer. Enquanto, segundo Malkoc
e Zauberman (2006), seria expectável que o padrão fosse semelhante nas duas situações dado que
a objectividade das representações mentais permanece idêntica para ganhos e perdas.
O estudo de Malkoc e Zauberman (2006), no entanto, não contabilizou situações de perdas nem
uma condição de enquadramento neutro. Este será o terceiro objectivo deste estudo: Averiguar de
259
que forma o enquadramento temporal, incluindo um enquadramento neutro, modera o padrão de
desconto tendo em conta diferentes horizontes temporais em situações de ganhos e de perdas.
Hipotetiza-se para ganhos verificar a assimetria no padrão de desconto no enquadramento de
adiamento e adiantamento como encontrada por Malkoc e Zauberman (2006) no entanto em perdas
espera-se encontrar um padrão inverso, ou seja, menos acentuado em adiamento do que adianta -
mento. Se este padrão inverso se verificar para perdas, a sensibilidade decrescente face ao diferi -
mento é demonstrada como o mecanismo explicativo da assimetria verificada e não a objectividade
das representações mentais como inicialmente sugerido pelos autores.
A acentuação do padrão de desconto no enquadramento neutro será uma questão exploratória.
Hipóteses
Como discutido nas secções anteriores este trabalho foca-se particularmente na assimetria
adiamento-adiantamento e sua interacção com os efeitos de sinal e diferimento e tem três hipóteses:
Hipótese 1: A assimetria adiamento-adiantamento será inversa em ganhos e perdas, isto é, os
valores médios de
δ
serão menores no enquadramento de adiamento do que no enquadramento de
adiantamento para ganhos, mas menores no enquadramento de adiantamento do que no
enquadramento de adiamento para perdas.
Hipótese 2: Os valores médios de
δ
na condição neutra irão se situar entre os valores das outras
duas condições (adiamento e adiantamento) tanto em ganhos como em perdas.
Hipótese 3: Para ganhos o efeito hiperbólico (menores taxas de desconto para diferimentos
maiores) será mais acentuado no enquadramento de adiamento do que no de adiantamento, no
entanto, para perdas, será menos acentuado no enquadramento de adiantamento do que no de
adiamento, demonstrando uma interacção entre o diferimento, sinal e enquadramento das
consequências.
MÉTODO
Contexto e procedimento
Este estudo experimental enquadra-se num contexto de campo, é transversal e de carácter
confirmatório e exploratório. Foi realizado através de um questionário concebido e disponibilizado
na plataforma online Qualtrics tendo por base uma amostragem por conveniência recrutada
pessoalmente ou através de e-mail de forma a procurar obter homogeneidade entre versões do
questionário respondidas e faixas etárias.
Instrumento
Foram construídas quatro versões de um questionário que consistia em 8 tarefas de Matching
com realização por ordem aleatória (gerada pela plataforma online) tendo em conta um design de
3 (enquadramento: adiamento, adiantamento, neutro) x2 (diferimento: 0,5 anos; 2 anos) x2 (sinal:
ganho, perda) x2 (magnitude: €100, €900) em que a variável enquadramento foi manipulada
“between subjects” e as restantes “within subjects”. Procurou-se distribuir os participantes pelas
quatro versões dos questionários que variavam de acordo com o enquadramento, uma versão para
260
adiamento, uma versão para adiantamento e duas versões para o enquadramento neutro. As tarefas
nas versões de adiamento e adiantamento estavam expostas no formato dos seguintes exemplos:
Adiamento: “Você tem o direito a receber €100 hoje. Pode, em vez disso, optar por adiar o
recebimento, e receber mais daqui a 2 anos.
Abaixo, especifique a menor quantia que aceitaria receber daqui a 2 anos em vez de receber
€100 hoje:
Em vez de receber €100 hoje, aceito adiar o recebimento se recebo no mínimo € ________
daqui a 2 anos. Se for menos, não aceito adiar.”
Adiantamento: “Você tem direito a receber €100 daqui a 2 anos. Pode, em vez disso, optar
por adiantar o recebimento, e receber menos hoje.
Abaixo, especifique a menor quantia que aceitaria receber hoje em vez de receber €100 daqui
a 2 anos:
Em vez de receber €100 daqui a 2 anos, aceito adiantar o recebimento se receber no mínimo
€ _____ hoje. Se for menos, não aceito adiantar.”
As tarefas neutras foram criadas de forma a não suscitar um ponto de referência inicial e como
tal duas versões foram concebidas para efeitos de contra balanceamento trocando o estímulo (SS
ou LL) inicial e por conseguinte alterando o enquadramento de adiamento ou adiantamento
implícito. As tarefas nas versões neutras estavam expostas no seguinte formato:
“Considere a seguinte afirmação: “Para mim, receber €100 hoje é tão bom como receber X
daqui a 2 anos”.
Abaixo, especifique o valor de X para o qual a afirmação se aplica melhor a si:
Para mim, receber €100 hoje é tão bom como receber € _____ daqui a 2 anos.”
Participantes
Os questionários foram realizados por 280 sujeitos entre os 17 e os 65 anos de idade, sendo que
105 destes estavam na faixa etária dos 17 aos 25 anos (apenas 1 tinha 17 anos), 116 na faixa etária
dos 26 aos 45 anos e 57 na faixa etária dos 46 aos 65 anos. 148 dos participantes realizaram os
questionários com enquadramento neutro (74 participantes para cada versão) e 132 realizaram os
questionários com enquadramento de adiamento ou adiantamento (66 participantes para cada
enquadramento). 152 sujeitos eram do sexo feminino e 126 do sexo masculino. No que concerne
a habilitações literárias 2 dos participantes tinham entre o 5º e o 9º ano de escolaridade, 41 entre
o 10º e o 12º ano, 175 possuíam licenciatura, 46 possuíam mestrado e 14 eram doutorados. A nível
de ocupação 94 sujeitos eram estudantes, 165 estavam empregados, 12 estavam de momento
desempregados e 7 eram reformados. 2 dos participantes não revelaram idade, género, ocupação
e habilitações literárias. Dos 280 participantes, 90 apresentaram maior desconto para o diferimento
de 0,5 anos do que para o de 2 anos em pelo menos uma das tarefas (demonstrando uma preferência
intertemporal negativa) o que demonstra não terem compreendido ou respeitado as tarefas e como
tal, foram excluídos da análise estatística de forma a não enviesar os resultados. A análise estatística
foi realizada para os restantes 190 participantes (N=190).
261
RESULTADOS
Os resultados são apresentados na Figura 1. A significância estatística foi avaliada através de
uma ANOVA de design misto para os valores de log(
δ
), de forma a verificar a presença dos quatro
efeitos em estudo e suas interacções (efeito de diferimento, efeito de magnitude, efeito de sinal e
assimetria adiamento-adiantamento). A transformação logarítmica foi usada para alcançar uma
variável intervalar. Para efeitos de análise os enquadramento de adiamento e adiantamento são
referidos como “enquadramento enviesado” e o “tipo de enquadramento” refere-se ao enquadra -
mento enviesado e neutro.
FIGURA 1
Nota. Os bigodes representam intervalos de confiança de 95%.
262
1.1
1.2
Efeito de diferimento
O efeito de diferimento mostrou-se estatisticamente significativo, F(1,186)=81.41, p=.00. Os
valores de log(
δ
) mostraram-se inferiores para o diferimento de 0,5 anos do que para o de 2 anos
demonstrando maior desconto para o diferimento a curto prazo (Figura 1.1).
Efeito de magnitude
No que diz respeito ao efeito de magnitude, este mostrou-se estatisticamente significativo,
F(1,186)=26.97, p=.00, sendo que para o montante de €100 os valores de log(
δ
) apresentaram-se
menores do que para o de €900, exibindo um maior grau de desconto para o valor de menor
magnitude (Figura 1.1).
Efeito de sinal
O efeito de sinal foi estatisticamente significativo, F(1,186)=13.66, p=.00, sendo que os valores
de log(
δ
) para as tarefas que envolviam ganhos foram inferiores do que para as que envolviam
perdas, revelando um maior grau de desconto para ganhos (Figura 1.1).
Assimetria adiamento-adiantamento e efeito de sinal
Relativamente à assimetria adiamento-adiantamento, esta foi estatisticamente significativa,
F(1,186)=21.40, p=.00, sendo que o efeito apenas se verificou nos enquadramentos enviesados
(adiamento e adiantamento) e não no enquadramento neutro (Figura 1.2). Em confirmação à
Hipótese 1, os valores de log(
δ
) foram menores no enquadramento de adiamento do que no
enquadramento de adiantamento para ganhos, no entanto, foram superiores no enquadramento de
adiamento do que no enquadramento de adiantamento para perdas. Em confirmação à Hipótese 2,
os valores médios de
δ
na condição neutra situaram-se entre os valores das outras duas condições
(adiamento e adiantamento) tanto em ganhos como em perdas.
Interacção entre diferimento, sinal, e enquadramento
O efeito assimétrico no padrão de desconto foi estatisticamente significativo F(1,186)=15.52,
p=.00. Os valores de log(
δ
) demonstram que o padrão de desconto para ganhos tendo em conta
ambos os horizontes temporais (0,5 e 2 anos) foi mais acentuado no enquadramento de adiamento
do que no de adiantamento, no entanto para perdas o efeito inverteu-se, demonstrando uma maior
acentuação no enquadramento de adiantamento do que no de adiamento (Figura 1.2). Esta assimetria
apenas foi verificada em ambos os enquadramentos enviesados (adiamento e adianta mento) e não
no enquadramento neutro. Em suma, a Hipótese 3, central na nossa investigação, foi confirmada.
DISCUSSÃO
O principal foco deste estudo são algumas das anomalias do desconto exponencial, com
principal ênfase na assimetria adiamento-adiantamento. Embora os restantes efeitos abordados
(diferimento, magnitude e sinal) tenham sido demonstrados várias vezes na literatura sobre escolha
intertemporal, o efeito de enquadramento e a sua interacção com os efeitos de sinal e de
diferimento permanece menos explorado e como tal foi o principal objectivo deste trabalho.
263
As três primeiras anomalias descritas na literatura foram comprovadas nos resultados. O efeito
de diferimento (Thaler, 1981) demonstrou-se presente dada a tendência geral dos participantes em
terem descontado mais o diferimento de 0,5 anos do que o diferimento de 2 anos revelando um
maior nível de impaciência para as consequências a curto prazo do que para as consequências a
longo prazo. O efeito de sinal (Thaler, 1981) foi também identificado, já que o grau de desconto dos
sujeitos mostrou-se superior para ganhos do que para perdas, mostrando uma maior impaciência
para consequências positivas e uma aversão às perdas. Os níveis superiores de desconto para o
montante de €100 do que para o montante de €900 nos resultados ilustram o efeito de magnitude
(Thaler, 1981), revelando uma maior impaciência para consequências de menor magnitude.
Relativamente à assimetria adiamento-adiantamento (Loewenstein, 1988), os resultados
demonstram que o efeito se verificou para o enquadramento enviesado em ganhos como identifi -
cado inicialmente por Loewenstein (1988), isto é, verificou-se um maior grau de desconto no
enquadramento de adiamento do que no enquadramento de adiantamento. Para perdas, foi identifi -
cada a tendência contrária como demonstrada por Benzion et al. (1989), ou seja, os participantes
descontaram mais as perdas no enquadramento de adiantamento do que no enquadramento de
adiamento, comprovando a Hipótese 1. Com a introdução de um enquadramento neutro, os
resultados demonstram que a assimetria adiamento-adiantamento assim como o efeito de sinal
não se verificaram neste tipo de enquadramento, notando-se mesmo a tendência inversa (i.e., as
perdas foram mais descontadas que os ganhos) como verificado por Shelley (1993), o que
demonstra que o efeito de sinal como considerado por Thaler (1981) foi gerado por uma interacção
do sinal com o enquadramento de adiamento implícito utilizado pelo autor, comprovando o estudo
de Shelley (1993) e a Hipótese 2, pois se o efeito de sinal fosse um efeito isolado iria ocorrer
mesmo na ausência de um enquadramento enviesado, o que não se demonstrou. O efeito de sinal
pode assim ser entendido como o resultado da interacção do sinal com o próprio enquadramento,
já que qualquer escolha que envolva uma combinação de ambos os elementos resulta num sinal
implícito, adiar um ganho é uma perda, adiantar um ganho é um ganho, adiar uma perda é um
ganho e adiantar uma perda é uma perda.
Comparando os resultados deste estudo no que diz respeito à assimetria adiamento-
adiantamento com os resultados de Shelley (1993) e os de Loewenstein (1988) é de notar que no
estudo de Shelley (1993) ambos os valores de
δ
para perdas e ganhos no enquadramento neutro
se situaram entre os valores de
δ
para os enquadramentos de adiamento e de adiantamento. No
estudo de Loewenstein (1988), feito com um enquadramento neutro apenas para ganhos, o
enquadramento neutro demonstrou o menor grau de desconto (maior
δ
) de todos os enquadra -
mentos. É interessante verificar que Shelley (1993) explicou esta diferença de resultados com a
magnitude dos valores incluídos nas tarefas de ambos os estudos, sendo que o mesmo efeito
encontrado por Loewenstein (1988) se encontrava no estudo de Shelley (1993) mas apenas para
magnitudes maiores. Neste estudo apenas o valor de
δ
para perdas no enquadramento neutro se
situou entre os enquadramentos enviesados, sendo que o enquadramento neutro para ganhos
demonstrou o menor grau de desconto (maior
δ
) de todos os enquadramentos como no estudo de
Loewenstein (1988), no entanto pode-se assumir que as magnitudes em causa (€100 e €900) são
relativamente pequenas, o que não coincide com a variação encontrada nos resultados de Shelley
(1993) e sua explicação. Outra observação dos resultados obtidos é que neste estudo o maior grau
de desconto (de qualquer combinação enquadramento/sinal) foi atribuído a perdas no
enquadramento de adiantamento, enquanto no estudo de Shelley (1993) e Benzion et al. (1989) o
maior grau de desconto foi atribuído a ganhos no enquadramento de adiamento.
No que diz respeito à Hipótese 3, os resultados de Malkoc e Zauberman (2006) foram
confirmados, já que o padrão de desconto tendo em conta ambos os diferimentos em estudo foi
mais acentuado para ganhos no enquadramento de adiamento do que no enquadramento de
adiantamento, demonstrando uma assimetria. Neste estudo, o mesmo efeito foi explorado numa
264
condição de perdas, e comprovando a hipótese avançada, a acentuação mostrou-se inversa, ou
seja, na situação de perdas o padrão de desconto foi mais acentuado no enquadramento de
adiantamento do que no enquadramento de adiamento. Este resultado revela que a explicação
adiantada pelos autores de que a assimetria no padrão de desconto é o resultado da objectividade
das representações mentais associadas a cada enquadramento não se demonstra suficiente, pois
embora possam existir factores cognitivos associados à forma que as escolhas intertemporais são
processadas e efectuadas, a assimetria na acentuação do padrão de desconto tendo em conta ambos
os sinais não deveria ser diferente já que a objectividade das representações mentais permanece
idêntica com a variação de sinal. O que este resultado demonstra é que a assimetria no padrão de
desconto pode ser explicada através da sensibilidade decrescente associada ao diferimento, já que
esta irá acentuar o efeito da assimetria adiamento-adiantamento no diferimento mais longo
atenuando o padrão de desconto e assim gerando a assimetria em causa.
Em suma, embora algumas pequenas variações nos resultados em comparação com outros
estudos, as três hipóteses foram confirmadas. Metodologicamente poder-se-á considerar a
amostragem por conveniência e a própria realização online dos questionários como uma possível
limitação deste trabalho. Tendo em conta o recrutamento directo dos participantes é de considerar
uma restrição considerável de aspectos demográficos ou socioculturais da amostra. A própria
natureza do questionário (tarefas repetitivas e de escolhas monetárias fictícias) como o facto de
ter sido realizado online podem também ter contribuído para uma realização das tarefas pouco
ponderada, o que pode explicar a percentagem considerável de questionários removidos da análise
estatística (32%). Uma outra limitação a considerar neste tipo de estudo é também os factores
cognitivos que possam gerar as respostas dos participantes, o que é impossível de contabilizar no
tipo de metodologia utilizada. Embora pouco aprofundado na literatura, a própria tendência para
a sobrevalorização de SS em detrimento de LL pode não resultar de simples “impaciência” ou ser
uma demonstração de preferência intertemporal positiva, isto porque o dinheiro é um bem
“multiplicável”. Como tal, embora possamos assumir que não seja uma prática generalizada, o
sujeito pode calcular o consumo imediato não pelo consumo imediato em si, mas pelo consumo
futuro que o consumo imediato lhe irá permitir através de ferramentas de investimento ou outros
cálculos da mesma natureza que visem consequências mais vantajosas na perspectiva do sujeito
do que a opção diferida como inicialmente apresentada na tarefa (e que possam implicar o não
consumo do bem imediato preferido).
Concluindo, este estudo não só contribuiu para a confirmação de algumas das anomalias do
desconto exponencial mais discutidas na literatura: O efeito de diferimento (Thaler, 1981), o efeito
de magnitude (Thaler, 1981), o efeito de sinal (Thaler, 1981) e a assimetria adiamento-adiantamento
(Loewenstein, 1988) como abordou as relações entre alguns destes efeitos menos exploradas, mais
concretamente as interacções entre a assimetria adiamento-adiantamento com o efeito de sinal e
o efeito de diferimento. Os resultados obtidos suportam a existência do efeito da assimetria
adiamento-adiantamento inverso para ganhos e para perdas (i.e., maior desconto no enquadramento
de adiamento para ganhos e menor desconto no enquadramento de adiantamento para perdas)
como inicialmente verificado por Benzion et al. (1989). Com a adição de um enquadramento
neutro, os resultados suportam a hipótese de Shelley (1993) de que o efeito de sinal não é um
efeito independente mas sim o resultado de uma interacção entre enquadramento e sinal. Com a
adição do sinal “perdas” na análise da relação entre o enquadramento e o diferimento, os resultados
obtidos não só comprovam a existência de uma assimetria no padrão de desconto em adiamento
e adiantamento na condição de ganhos como demonstrado por Malkoc e Zauberman (2006), como
demonstram a assimetria inversa no padrão de desconto para perdas (i.e., maior acentuação no
enquadramento de adiamento do que no de adiantamento para ganhos e maior acentuação no
enquadramento de adiantamento do que no de adiamento para perdas) o que revelou a sensibilidade
decrescente associada ao diferimento como mecanismo explicativo deste efeito. A objectividade
265
das representações mentais, mecanismo inicialmente adiantado pelos autores como a explicação
do fenómeno é desta forma revelada como uma explicação incompleta.
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According to the normative model of intertemporal choice, the Discounted Utility Model (Samuelson,
1937), the utility of a future outcome is discounted exponentially as a function of its delay. There is
ample evidence that people do not comply with this proposition. In this study, 280 subjects performed
a matching task in order to verify a new anomaly to exponential discounting, as well as four well
known anomalies in the literature: The delay effect, the magnitude effect, the sign effect, and the delay-
speedup asymmetry. The new anomaly is an interaction between the framing, sign, and delay to the
outcomes: In gains, the delay effect is more pronounced in the delay frame than in the speedup frame;
in losses, the reverse occurs. All anomalies were verified. We advance an explanation of the interaction
effect in terms of diminishing sensitivity to delays.
Key-words: Delay, Delay-speedup, Interaction, Intertemporal choice, Magnitude, Sign.
267