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Psico-USF, v.6, n.1, p.39-46, jan./jun. 2001
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Valores organizacionais e prazer-sofrimento no trabalho
Ana Magnólia Mendes
1
Álvaro Tamayo
Resumo
O artigo discute as relações entre valores organizacionais e as vivências de prazer-sofrimento no trabalho. Os valores estão
definidos como princípios que guiam a vida da organização e estão estruturados em três dimensões bipolares: autonomia-
conservação, estrutura igualitária-hierarquia e harmonia-domínio. O prazer-sofrimento é estudado como um constructo
dialético, sendo definido como vivências de sentimentos de valorização, reconhecimento e desgaste no trabalho. A pesquisa
foi realizada numa empresa pública de abastecimento e saneamento com 554 empregados. Foram aplicadas escalas para
medir os valores organizacionais e o prazer-sofrimento, tendo sido os dados analisados por meio de estatística descritiva e
correlações bivariadas. Os resultados indicaram uma preponderância das vivências de prazer, sendo o sofrimento vivenciado
moderadamente. O prazer está correlacionado com quatro pólos dos valores organizacionais: autonomia, estrutura igualitária,
harmonia e domínio. O sofrimento apresenta correlação negativa com o pólo da autonomia, estrutura igualitária e domínio.
Palavras-chaves: Valores organizacionais; prazer e sofrimento no trabalho.
Organizational values and pleasure-suffering at work
Abstract
The paper discusses the relations between organizational values and pleasure-suffering experience at work. Values are
defined as principles that guide organization life and they are structured in three bipolar dimensions: autonomy-conservation,
equalitarian structures-hierarchy and harmony-mastery. Pleasure-suffering is studied as a dialectic construct and it is defined
as an experience of valorization, recognition and wear out feelings at work. The research was undertaken with 554 employees
at a Sanitation Public Company. Scales to measure organizational values and pleasure-suffering were used. Data are analyzed
through descriptive statistics and correlation. The results indicated high pleasure and moderate suffering experiences.
Pleasure is correlated with four organizational values poles: autonomy, equalitarian structures, harmony and mastery.
Suffering presents negative correlation with autonomy, equalitarian structures and mastery poles.
Keywords: Organizational values; pleasure-suffering, work.
Introdução
Os valores no contexto organizacional têm sido
estudados tanto nas suas relações com o trabalho
propriamente dito, quanto com a cultura organizacional.
Em relação ao trabalho, pesquisas realizadas por
Ravlin & Meglino (1989), Meglino, Ravlin e Adkins
(1989), Shoskley e Morley (1989) e Judge & Bretz (1992)
estudam os valores sociais dos indivíduos como
realização, tolerância e honestidade enquanto influencia-
dores das relações no trabalho, indicando a importância
da compatibilidade entre valores individuais e valores do
trabalho para a auto-estima e satisfação no trabalho.
Schwartz (1999) e Ros et all (1999) também identificam
nos seus estudos relações conceituais entre os valores
individuais e os valores atribuídos ao trabalho.
Em relação à cultura, autores como Deal &
Kennedy (1982), Pascale (1984), Shrivastava (1985),
Wiener (1988), Zilbovicis (1988), Schein (1990),
Hofstede (1990), Freitas (1991) e Trice & Beyer (1993)
estudam os valores como associados aos objetivos
organizacionais, aos processos de socialização constante
e integrados a um sistema de normas e regras
compartilhadas. Desenvolvem modelos para identificar
a cultura organizacional, mas não especificamente um
modelo de estudo dos valores organizacionais.
A partir dessas contribuições teóricas, assume-se
como pressuposto que, os valores constituem um dos
importantes instrumentos para entender a cultura
organizacional. A cultura de uma organização sustenta o
processo de socializações por meio do sistema de valores,
sendo tais valores vivenciados como uma experiência
subjetiva compartilhada, que cria nas organizações a
possibilidade de simbolização e mediação das neces-
sidades individuais e organizacionais.
Assim sendo, os valores têm um papel tanto de
atender aos objetivos organizacionais, quanto de atender
às necessidades dos indivíduos. Os valores organizacio-
nais podem passar mensagens e comportamentos
convenientes, levando à naturalização do conteúdo e ao
repasse espontâneo para os demais membros, fazendo
com que a adesão e a reprodução permitam a liberdade
dos indivíduos em aceitar ou não determinados
conteúdos ou a eficiência do controle dessa liberdade.
Para fundamentar esses pressupostos, adota-se o
modelo dos valores organizacionais, proposto por
Tamayo (1996), com base nos estudos dos valores
culturais realizados por Schwartz & Ros (1995) e
Schwartz (1999). Os primeiros estudos empíricos da
1
Endereço para correspondência:
SQN 206 Bloco K apt. 105, Asa Norte, Brasília- DF, 70862-010.
E-mail: anamag@yawl.com.br
Ana Magnólia Mendes, Álvaro Tamayo
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percepção dos valores organizacionais foram realizados
no Brasil por Gondin (1996) e por Tamayo-Robayo
(1997).
A utilização desse modelo significa considerar que
os valores não estão definidos a priori e podem ser
classificados numa hierarquia, não são fixos, variam de
uma organização para outra e até dentro da própria
organização. Os valores organizacionais servem à
própria sobrevivência da organização e, por essa razão,
buscam mediar conflitos para resolver problemas.
Segundo Tamayo (1996), os valores têm por objetivo
resolver três problemas: a conciliação de interesses
individuais e do grupo; a necessidade de uma estrutura
que contemple a definição de papéis, normas e regras
para relações e organização do trabalho; e a conciliação
entre interesses da organização e do meio social e natural,
que se caracteriza pela necessidade de produtividade e
sobrevivência da organização que retira do meio a
matéria-prima e realiza as trocas comerciais.
Com base na necessidade dessas mediações, o autor
propõe três dimensões bipolares para o estudo dos
valores organizacionais. Essas dimensões permitem o
entendimento da cultura organizacional na medida em
que resulta do estudo das dimensões culturais que
fazem parte das sociedades.
Dimensão da autonomia e da conservação – A
organização que privilegia a autonomia intelectual e
afetiva é uma organização que enfatiza, respectivamente,
a promoção e a proteção da independência de idéias e o
direito do indivíduo procurar sua direção e promoção,
além da independência do indivíduo de buscar
experiência afetiva positiva. A organização que privilegia
a conservação, enfatiza a manutenção do status quo e as
restrições das ações que podem causar ruptura na
solidariedade do grupo ou das tradições.
Dimensão da hierarquia e da estrutura igualitária – A
organização que prioriza a hierarquia enfatiza a
legitimidade da ordem interna e a subordinação dos
poderes em relação à alocação de papéis e recursos.
Caso a organização priorize o igualitarismo está
enfatizando a transcendência dos interesses individuais
e organizacionais, em favor de um compromisso
consciente, voluntário e responsável para promover o
bem-estar de todos.
Dimensão da harmonia e do domínio – A
organização que privilegia a harmonia enfatiza o
ajustamento constante e harmonioso com o ambiente
externo. Privilegiado o domínio, a ênfase é buscar
prosperidade por meio da auto-afirmação ativa para
enfrentar as mudanças externas e para dominar o
ambiente social e natural.
A classificação de uma organização nessas dimensões
revela as prioridades axiológicas da organização, a sua
base motivacional predominante, e a percepção dos
trabalhadores dessas prioridades, fato que define a sua
relação com a organização e o seu comportamento
cotidiano em função da representação cognitiva que ele
tem da organização.
Neste artigo, o estudo dos valores organizacionais
não será realizado de forma isolada, mas integrado à
variável prazer-sofrimento. O prazer-sofrimento vem
sendo estudado por Dejours (1993,1994,1998), Mendes e
Abrahão (1996), Mendes (1995, 1996, 1999) e Mendes e
col.(2000), articulados à variável organização do trabalho,
caracterizada pelo conteúdo da tarefa e relações
socioprofissionais, a qual exerce um impacto no
funcionamento psíquico do trabalhador gerando prazer-
sofrimento dependendo do quanto a tarefa é significativa
para o trabalhador e se as relações com colegas e chefias
são ou não de reconhecimento, cooperação, confiança e
solidariedade. O prazer-sofrimento inscreve-se numa
relação subjetiva do trabalhador com seu trabalho, que
implica intersubjetividade no momento em que esse
sujeito passa a relacionar-se com outros, sendo os
valores, como princípios que guiam a vida da
organização, um dos elementos responsáveis pela
socialização das normas e regras, que definem formas
específicas do trabalhador vivenciar sua tarefa e
compartilhar suas relações sociais, afetivas e profissionais
no contexto organizacional.
Os valores fazem parte de uma dialética de
manutenção e de transformação dos comportamentos
humanos pela socialização e aprendizagem permanentes,
sendo, por isso, valiosos para as instituições que desejam
modelar comportamentos em função de seus interesses,
que podem ser favoráveis ou não às vivências de prazer e
de sofrimento. Os valores das organizações podem ser
uma das fontes geradoras de prazer no trabalho, desde
que favoreçam uma organização do trabalho flexível,
marcada pela possibilidade de negociações das regras e
normas dos processos de trabalho, com participação dos
trabalhadores e gestão coletiva das necessidades
individuais e organizacionais.
Quando os valores influenciam uma organização do
trabalho marcada pela ausência de críticas e negociações
das normas e regras, levando à naturalização das
situações e à criação de verdades inquestionáveis, pode
ter lugar o sofrimento no trabalho. O bloqueio da
convivência com as singularidades pode levar à
alimentação e/ou produção de um sofrimento, muitas
vezes, mascarado por defesas, o que dificulta a
identificação das suas causas e as possibilidades para sua
transformação, imperando desta forma, no espaço de
trabalho, o sofrimento e não o prazer.
As vivências de prazer-sofrimento formam um único
constructo composto por três fatores: valorização e
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reconhecimento, que definem o prazer; e desgaste com o
trabalho, que define o sofrimento. O prazer é vivenciado
quando são experimentados sentimentos de valorização e
reconhecimento no trabalho. A valorização é o
sentimento de que o trabalho tem sentido e valor por si
mesmo, é importante e significativo para a organização e
a sociedade. O reconhecimento é o sentimento de ser
aceito e admirado no trabalho e ter liberdade para
expressar sua individualidade. O sofrimento é vivenciado
quando experimentado o desgaste em relação ao
trabalho, que significa a sensação de cansaço, desânimo e
descontentamento com o trabalho. Assim sendo, prazer-
sofrimento são vivências de sentimentos de valorização,
reconhecimento e/ou desgaste no trabalho.
O modelo tridimensional dos valores organizacionais
pressupõe um funcionamento organizacional específico,
que pode ser favorável ou não à vivência de prazer-
sofrimento e ao espaço oferecido aos trabalhadores para
manejar as situações que fazem sofrer. Essas caracte-
rísticas para o funcionamento organizacional, originadas
nas dimensões dos valores organizacionais, podem estar
presentes de forma isolada, integrada, e até contraditória,
inclusive dentro de uma mesma organização baseada na
idéia de subculturas. Também, considera-se que o
funcionamento organizacional pode trazer combinações
dos pólos dos valores organizacionais diferentes, depen-
dendo da situação vivenciada pela organização num dado
momento.
Ressalta-se ainda, que o trabalhador pode perceber
os pólos dos valores organizacionais de uma forma que
não contemple totalmente a realidade organizacional,
tendo em vista os processos simbólicos da relação
indivíduo-cultura, sendo a integração entre a percepção
dos valores organizacionais, a realidade e a subjetividade
própria a cada trabalhador, as condições favoráveis ao
prazer ou ao sofrimento no trabalho.
Isto posto, a pesquisa busca identificar quais as
relações entre a percepção dos pólos dos valores
organizacionais e o prazer-sofrimento no trabalho.
Método
Amostra
A pesquisa foi realizada numa empresa pública de
abastecimento e saneamento do DF. Participaram da
pesquisa 554 empregados. A amostra foi estruturada e
aleatória, tendo participado da pesquisas empregados
das áreas administrativa, técnica, operacional e
comercial. A amostra está distribuída de acordo com as
características apresentadas na tabela 1.
Tabela 1. Percentual da distribuição da amostra segundo escolaridade, sexo, tempo de serviço.
Escolaridade (%) Sexo (%) Tempo de serviço (%)
2
o
grau incompleto 7,1 Masculino 65,3 até 5 anos 52,6
2
o
grau completo 41,0 Feminino 28,7 6 a 10 anos 27,0
Superior incompleto 16,0 11 a 15 anos 2,9
Superior 31,4 Acima de 15 anos 6,1
Total 95,5 94,0 85,6
Instrumentos
Os valores organizacionais foram medidos por meio
do Inventário de Valores Organizacionais (IVO), com
escala de 7 pontos e 66 itens, validado por Tamayo,
Mendes e Paz (2000).
Os valores do eixo da autonomia são criatividade,
curiosidade, eficácia, eficiência, modernização, qualidade,
reconhecimento, competência, prazer, inovação, reali-
zação, estimulação e liberdade. Na conservação, são
disciplina, honestidade, lealdade, limpeza, ordem, polidez,
prestígio, segurança, sensatez e sigilo. Na estrutura igualitá-
ria, democracia, descentralização, justiça, qualificação dos
recursos humanos, sociabilidade, co-gestão, coleguismo,
igualdade, cooperação, dinamismo, independência,
autonomia, comunicação, respeito e eqüidade. Na
hierarquia, fiscalização, hierarquia, obediência, poder,
pontualidade, rigidez, supervisão e tradição. Na harmonia,
integração interorganizacional, interdependência, ética,
parceria, tolerância, intercâmbio, preservação, equilíbrio,
preservação da natureza, respeito à natureza, esponta-
neidade, iniciativa. No domínio, ambição, audácia,
competitividade, domínio, previsibilidade, produtividade,
satisfação dos clientes e sucesso.
O prazer-sofrimento foi medido pela Escala de
Prazer-Sofrimento no Trabalho (EPST), de 5 pontos
com 37 itens, validada por Mendes (1999). É composta
pelos fatores valorização e reconhecimento que medem o
prazer e desgaste, que mede o sofrimento.
O Inventário de Valores Organizacionais (IVO) e da
Escala de Prazer-Sofrimento no Trabalho (EPST)
foram aplicados conjuntamente na amostra.
Análise dos dados
Os dados obtidos na aplicação dos instrumentos de
medida foram submetidos à análise, utilizando o
programa de estatística SPSS (Statistical Package for
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Social Science, versão5.0). Inicialmente foram realizadas
análises exploratórias com o objetivo de identificar os
missing e autliers, tendo sido os missing substituídos por
valores médios e os autliers retirados da amostra, que de
554 participantes passou a ser de 551.
Para o tratamento das variáveis foram calculadas as
médias para os fatores do prazer-sofrimento e para cada
um dos pólos dos valores organizacionais. Analisou-se a
curva da distribuição dos escores médios para cada um
dos fatores e pólos a fim de definir o comportamento das
variáveis, identificando o predomínio de uns fatores em
relação aos outros. Para avaliar a significância da dife-
rença das médias obtidas nos três fatores do sofrimento e
nas três dimensões dos valores organizacionais, realizou-
se análise de variância. A verificação da influência dos
pólos dos valores organizacionais no prazer-sofrimento
no trabalho foi verificada por meio de análise
correlacional.
Para esses procedimentos foram excluídos da
amostra os casos que apresentavam resultados extremos
com média máxima, ao mesmo tempo, nos pólos
opostos de cada uma das dimensões, autonomia-
conservação, estrutura igualitária-hierarquia, harmonia-
domínio, resultando 426 casos analisados e 125
excluídos. Esta exclusão teve por objetivo retirar casos
que contribuem para contaminar a polaridade das
dimensões dos valores.
Resultados
Os resultados obtidos na Escala de Prazer-
Sofrimento são apresentados na tabela 2, e indicam a
média total da amostra nos três fatores do instrumento.
Tabela 2. Médias e desvio-padrão da amostra para os fatores valorização, desgaste e reconhecimento (n=537)
Fatores Médias Desvio padrão
Valorização 3,9 0.65
Reconhecimento 3,4 0.69
Desgaste 2,4 0.65
A diferença entre as médias nos três fatores é
significativa, conforme resultados da análise de
variância, que apresenta níveis de significância de p
≤ 0,0001 (F < 2,2 e Gl < 73). A EPST é uma escala
de 5 pontos, apresentando um ponto médio em 3.
Os resultados diferenciam-se para os fatores do
prazer, estando ambos acima do ponto médio, e
para o fator desgaste do sofrimento que se
encontra abaixo do ponto médio.
Esses resultados indicam que na organização existe
um predomínio da vivência de prazer e uma vivência de
sofrimento relativamente moderada pela proximidade
do resultado do fator desgaste com o ponto médio,
significando que ambas existem para os trabalhadores
dessa organização.
Os resultados do IVO têm como objetivo classificar
a organização nos pólos dos valores organizacionais,
identificando as prioridades axiológicas que guiam a
vida da organização. Na tabela 3, apresentam-se as
médias e desvios padrões para cada um dos pólos das
três dimensões dos valores organizacionais.
Tabela 3. Médias dos pólos das três dimensões dos valores Organizacionais (n=537)
Autonomia Conservação Hierarquia Estrutura
igualitária
Harmonia Domínio
X DP
4,0 1.16
X DP
4,3 1.03
X DP
4,0 0.97
X DP
3,6 1.18
X DP
3,8 1.06
X DP
4,0 1.05
Realizando a análise de variância, verificaram-se
diferenças significativas de p
≤
0,0001 ( F < 2,5 e Gl <
78) para a combinação dos pólos opostos das três
dimensões dos valores organizacionais. Na dimensão
autonomia-conservação, de acordo com as médias existe
o predomínio da percepção no pólo da conservação. Na
dimensão hierarquia-estrutura igualitária, predomina a
hierarquia, e na dimensão harmonia-domínio, predomina
o domínio.
Em termos de prioridades axiológicas pode-se dizer
que a organização é percebida enfatizando em ordem
decrescente a conservação, hierarquia, domínio, autono-
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mia, harmonia e estrutura igualitária. Importante é desta-
car o predomínio da conservação e as diferenças entre as
dimensões, surgindo como prioridades axiológicas da
organização, a conservação, hierarquia e domínio.
Os resultados das correlações entre os pólos dos
valores organizacionais e o prazer-sofrimento são
apresentados na tabela 4.
Tabela 4. Correlações de Pearson entre os fatores do Prazer-Sofrimento e os pólos dos valores organizacionais
(n=416)
Valorização Reconhecimento Desgaste
Autonomia .23* .30* -.27*
Conservação .18 .23* -.13
Estrutura igualitária .20* .27* -26*
Hierarquia .15 .08 -.06
Harmonia .28* .29* -.16
Domínio .27* .22* -19*
*p
≤
.005
De acordo com a tabela, o fator valorização do
prazer no trabalho é correlacionado positivamente com
os pólos da autonomia, estrutura igualitária, harmonia e
domínio. O fator reconhecimento apresenta correlação
positiva com os pólos da autonomia, conservação,
estutura igualitária, harmonia e domínio. O fator des-
gaste apresenta correlação negativa com o pólo da
autonomia, estrutura igualitária e domínio, prevalecendo
para cada uma das dimensões um dos pólos opostos.
Discussão dos resultados
Os resultados demonstram que o prazer-sofrimento
não é excludente, confirmando o aspecto dialético do
constructo apresentado na teoria, ainda que para esta
organização seja significativo o predomínio do prazer
em relação ao sofrimento. Com base nesses resultados
pode-se dizer que os trabalhadores dessa organização
possivelmente vivenciam prazer porque estabelecem
relações significativas com sua tarefa e com os colegas e
chefias, aspectos representados no fator valorização e
reconhecimento, implicando que essa organização
oferece condições necessárias para o trabalho ser fonte
de prazer, mesmo que o sofrimento não esteja
completamente ausente.
Ao sentir valorização, o trabalhador considera seu
trabalho importante para si mesmo, para a empresa e a
sociedade, indicando assim, um reforço positivo na
auto-imagem, que está relacionada ao orgulho pelo
trabalho que faz, à realização profissional, ao sentir-se
útil e produtivo. A predominância do sentimento de
valorização nos resultados também pode ter relação
com o momento da organização, caracterizado por
investimentos na produção, na qualidade dos serviços e
na sua imagem diante do público. Esses elementos
podem ser favoráveis ao sentimento de orgulho e
utilidade, que estão na base da valorização.
O reconhecimento pode significar que as relações
socioprofissionais são razoáveis. Existem de forma
moderada relações de liberdade e de boa convivência
com as chefias e os colegas, bem como o espaço para
construir um coletivo de trabalho no qual estão
presentes as margens de liberdade para ajustar as suas
necessidades à tarefa.
Os resultados em relação ao sofrimento indicam uma
sensação de desgaste moderada, o que pode ter explica-
ção no tipo de tarefas realizadas. Os trabalhadores que
sentem desgaste exercem atividades cansativas, desagra-
dáveis, repetitivas, com mais sobrecarga, o que gera
frustrações, desânimo, insatisfação. Também, significa
pessoas submetidas a sistemas injustos de avaliação de
desempenho, bem como a injustiças ligadas ao exercício
do poder.
O predomínio do prazer pode ter fundamento na
concepção de que o trabalho, segundo Mendes (1999) é
lugar de realização, de identidade, valorização e reco-
nhecimento, sendo a busca do prazer uma constante
para todos os trabalhadores na direção de manter o seu
equilíbrio psíquico, tendo o sofrimento um lugar que
surge a partir das imposições que as condições externas
às situações de trabalho impõem aos trabalhadores.
Teoricamente, esse predomínio também pode ser
explicado pelo pressuposto de que o trabalho é um dos
caminhos para o investimento da pulsão por meio da
sublimação, que mais aproxima o homem do seu
desenvolvimento, segundo Freud (1930/1974). O
confronto com uma realidade restritiva é que mobiliza a
não-gratificação dessa energia pulsional, gerando
conflitos e causando sofrimento. Por isso, é importante
a forma como o trabalho é organizado no sentido de
oferecer maior margem de liberdade para expressão da
sublimação como energia pulsional resignificada que
resulta em prazer no trabalho.
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Quanto aos valores organizacionais, os resultados
implicam que a organização apresenta um funciona-
mento baseado nos pólos da conservação, hierarquia e
domínio. Isso pode significar um funcionamento
organizacional mais voltado para manutenção do status-
quo, das tradições, da ordem, disciplina, obediência à
autoridade, a satisfação dos clientes, preocupação com o
mercado, com a produtividade e com o sucesso
organizacional.
Analisando cada um dos pólos em relação aos dilemas
mediados pelas dimensões das quais fazem parte,
identifica-se que para solucionar o dilema indivíduo-
grupo, a organização atende mais a necessidades do
grupo do que dos indivíduos, privilegiando valores de
conservação. O dilema relativo ao seu funcionamentos
interno quanto à definição de normas, papéis e estrutura
gerencial atende à necessidade de manter a disciplina e a
autoridade, existindo poucos espaços para democracia,
participação, descentralização, cooperação e outros
valores da estrutura igualitária, tendo em vista o
predomínio da hierarquia. Em relação ao dilema
organização-ambiente externo, atende mais às
necessidades voltadas ao domínio do mercado e
qualidade dos produtos, não estabelecendo relações de
parceria com outras organizações, como enfatizado nos
valores do pólo da harmonia.
A organização, para a maioria dos empregados,
comporta-se como mantenedora das tradições, da
segurança, da lealdade, da obediência à ordem e
autoridade, e da relação sem parceria com o ambiente.
Aspectos estes que podem estar em processo de
mudança, tendo em vista a percepção da existência dos
demais pólos dos valores como a autonomia, a estrutura
igualitária e a harmonia.
Assim sendo, o perfil organizacional, valendo-se
desses resultados, pode trazer como conseqüências para
o trabalho a necessidade de ajustar os trabalhadores aos
interesses vigentes da organização, evitando conflitos
que gerem alterações no já estabelecido; uma estrutura
interna burocrática voltada para divisão de tarefas,
separação entre concepção e execução, mecanização e
desqualificação, baixo reconhecimento no trabalho e a
não valorização dos processos de comunicação, da
criatividade e auto-realização.
A percepção desse valores também pode representar
a dificuldade dos empregados absorverem as mudanças
organizacionais na mesma velocidade que ocorrem de
fato, mantendo, por um certo tempo, a imagem já
construída da organização. Isso se justifica pelo fato de
os valores de conservação, hierarquia e domínio terem
sido percebidos na média, significando que há grupos
na organização que também a percebem mais voltada
para os pólos da autonomia, estrutura igualitária e
harmonia, que de alguma forma são valores mais
compatíveis com os processos de mudança atuais,
implicando a fase de transição que a organização se
encontra.
Em relação às correlações entre às dimensões dos
valores organizacionais e as vivências de prazer-sofri-
mento, os resultados para valorização e autonomia
permitem concluir que a valorização é vivenciada
quando a organização enfatiza a liberdade dos empre-
gados para desenvolver sua autonomia intelectual,
buscando criatividade, curiosidade, inovação, realização,
estimulação, bem como, encontrando liberdade para
execução das tarefas visando à eficácia, eficiência,
modernização, qualidade e reconhecimento, além de se
valorizarem a competência e o prazer no trabalho. As
conseqüências desses valores para o cotidiano de
trabalho aproximam-se dos antecedentes da organiza-
ção do trabalho que gera prazer, pesquisado por
Mendes (1996 e 1999), à medida que o trabalho tem
sentido e importância tanto para o indivíduo como para
a organização, considerando que são valores resultantes
ou reforçadores dos sentimentos de utilidade, produ-
tividade quando têm espaço a criatividade, liberdade e
autonomia, o que estabiliza a identidade, fortalecendo a
auto-imagem em razão da predominância do
sentimento de valorização.
As correlações entre a estrutura igualitária e a
valorização significam que o sentimento de valorização
também é vivenciado quando a organização é percebida
enfatizando valores de democracia, descentralização,
justiça, qualificação dos recursos humanos, sociabilidade,
co-gestão, coleguismo, igualdade, cooperação, dinamis-
mo, independência, autonomia, comunicação, respeito e
eqüidade. Também está correlacionada com o senti-
mento de valorização a harmonia, que significa a ênfase
organizacional na integração interorganizacional,
interdependência, ética, parceria, tolerância, intercâmbio,
preservação, equilíbrio, preservação da natureza, respeito
à natureza, espontaneidade, iniciativa, significando assim,
que a valorização depende do posicionamento da
organização ante o ambiente, trazendo conseqüências
positivas para a auto-imagem do trabalhador, podendo
predominar sentimentos de orgulho e admiração pelo
que faz, aspectos medidos pelo fator de valorização.
Contraditoriamente, a valorização também correlacio-
na-se com o domínio, que é pólo oposto à harmonia.
Esse fato pode ter explicação nas relações conceituais do
significado do domínio para o sentimento de valorização,
considerando que são valores que favorecem o sentir-se
útil e produtivo à medida que enfatizam a qualidade dos
produtos, o sucesso, a satisfação dos clientes, a própria
imagem da empresa, o que pode ter como conseqüência
uma valorização do empregado pela importância que a
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empresa e a sociedade passam a atribuir ao trabalho
realizado no cotidiano. Além do mais, esse foi um dos
pólos percebidos pela maioria dos empregados, o que
pode significar um momento vivido pela empresa, que,
independentemente do tipo de sentimentos gerados no
trabalho, será percebido por retratar a realidade
organizacional.
O fator reconhecimento aparece correlacionado mais
fortemente à autonomia, estrutura igualitária, harmonia,
mas também à conservação e ao domínio, pólos opostos
à autonomia e à harmonia, respectivamente. Consideran-
do que as correlações mais fortes relacionam-se A
autonomia, estrutura igualitária e harmonia, pode-se
concluir que o sentimento de reconhecimento acontece
quando a organização enfatiza a independência dos
empregados, uma estrutura interna que tem flexibilidade
na definição dos papéis hierárquicos, nas normas e regras
e uma relação com o ambiente de parceria. Esses valores
juntos trazem como conseqüência as possibilidades para
a estruturação psicoafetiva das relações socioprofis-
sionais, um dos elementos que gera o sentimento de
reconhecimento pelos pares e hierarquia, bem como
permite o suporte afetivo e social necessário ao
fortalecimento da identidade por meio do coletivo de
trabalho, do reconhecimento da marca pessoal e da
competência no trabalho.
As correlações entre o reconhecimento e a conser-
vação podem ser explicadas nos valores que enfatizam a
segurança, estabilidade e coesão grupal, como elementos
também favoráveis ao reconhecimento, mesmo que a
conservação se oponha à autonomia, certamente, para
algumas pessoas, o reconhecimento não está na
independência para criar, inovar e realizar-se profissio-
nalmente, mas na conservação do conquistado e
estabelecido. O mesmo pode ocorrer em relação ao
domínio, que se opõe à harmonia, mas pode, pela
necessidade de competitividade no mercado e
supremacia dos produtos e serviços, criar um clima
interno favorável para o reconhecimento no trabalho.
Para o desgaste, fator do sofrimento no trabalho, os
resultados são significativos em relação à autonomia,
estrutura igualitária e domínio. No entanto, são relações
negativas, parecendo indicar que, caso a organização não
enfatize esses valores, os trabalhadores experimentam
desgaste no trabalho, sentindo frustração, insatisfação,
desmotivação e falta de entusiasmo com o trabalho,
enquanto que, se a organização enfatiza esses valores, os
indivíduos experimentam a valorização e o reconheci-
mento.
Considerações finais
Como conclusão considera-se que o prazer está
correlacionado positivamente com pólos das três
dimensões dos valores organizacionais, enquanto o
sofrimento correlaciona-se negativamente com esses
pólos. Isso pode indicar que a cultura assume um papel
de gratificação e realização do desejo, por isso, espaço
para o prazer, emergindo o sofrimento quando este
prazer não tem mais lugar, não sendo assim, geradora
de sofrimento, mas reguladora, à medida que o sofrer
mais ou menos, depende do quanto de prazer foi
restringido pelas imposições externas.
Os resultados obtidos com a análise desses dados
fundamentam a idéia de que o sofrimento dificilmente
aparece como predominante no contexto organizacional
o que pode ser explicado, pela necessidade inerentes à
condição humana do indivíduo buscar constante prazer
e evitar o sofrimento, fazendo com que estratégias
sejam utilizadas para evitar, minimizar ou transformar o
sofrimento. Assim sendo, os valores têm a função de
gratificar os desejos mediante o atendimento das
necessidades dos indivíduos, tornando-se restritivos
quando cristalizados ou rígidos, ao ponto de serem
criadas ideologias de comportamento bloqueadoras da
liberdade de escolha dos empregados, como pode
acontecer com as organizações com estruturas
inflexíveis. Por isso, determinados pólos de valores,
como a autonomia, estrutura igualitária e harmonia, de
acordo com os resultados da pesquisa, são promotores
de vivências de prazer, enquanto sua não-existência
pode gerar restrição ao prazer e dar lugar ao sofrimento.
Não é possível pelos resultados afirmar que tipo de
padrão de funcionamento organizacional seria definidor
da vivência de sofrimento. É possível concluir que o
prazer e a diminuição ou evitação do sofrimento
encontram-se relacionados a um contexto organiza-
cional onde predominam a percepção dos valores do
pólo da autonomia, estrutura igualitária e harmonia, que
constituem a base para um contexto organizacional
mais flexível, resgatando e dando condições para
satisfação das necessidades e para o trabalho assumir
seu papel de ser fonte de prazer.
Estes resultados, apesar de monstrarem correlações
entre valores e prazer-sofrimento, ainda apresentam
limitações quanto à explicação de tais correlações,
sendo necessário a indicação de mais estudos que
venham a aprofundar e clarificar a natureza e
intensidade das relações entre as variáveis.
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Recebido em 24/03/2001
Revisado em 15/05/2001
Aceito em 21/06/2001
Sobre os autores:
Ana Magnólia Mendes é Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília, 1999.
Professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de
Brasília. Pesquisadora do CNPq.
Álvaro Tamayo é Doutor em Psicologia pela Université Catholique de Louvain, 1970.
Professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de
Brasília. Pesquisador do CNPq.