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pensata • DEMOCRACIA, ESTADO SOCIAL E REFORMA GERENCIAL
112 • ©RAE • São Paulo • v. 50 • n.1 • jan./mar. 2010 • 112-116 ISSN 0034-7590ISSN 0034-7590
DEMOCRACIA, ESTADO SOCIAL E REFORMA
GERENCIAL
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Professor Emérito da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas – São Paulo – SP, Brasil
medida já alcança cerca de 40% nos
países desenvolvidos.
Essa transição da administração bu-
rocrática para a gerencial que ocorre
a partir de meados dos anos 1980 foi
uma resposta à necessidade de maior
eficiência, ou menor custo, dos novos
serviços sociais e científicos que o Es-
tado passara a exercer. Neste trabalho,
completo essa análise para dizer que
o inverso é também verdadeiro: a ad-
ministração pública gerencial é um
fator de legitimação política do Esta-
do Social e, dessa forma, neutraliza a
tentativa neoliberal de reduzir os ser-
viços sociais e científicos prestados
pelo Estado.
O ESTADO SOCIAL
Os quatro objetivos políticos que sur-
gem com a formação do Estado mo-
derno são a liberdade, a riqueza ou o
bem-estar econômico, a justiça social
e a proteção da natureza. Esses objeti-
vos, que se somaram ao da segurança,
que já caracterizava o Estado antigo,
correspondem às quatro ideologias
que nasceram com a Revolução Ca-
pitalista. Assim, a liberdade indivi-
dual corresponderá ao liberalismo; a
riqueza ou o crescimento econômico,
ao nacionalismo; a justiça social, ao
Democracia, Estado Social e Reforma
Gerencial são instituições dialetica-
mente inter-relacionadas. Após a Se-
gunda Guerra Mundial, a democracia
permitiu que os trabalhadores e as
classes médias aumentassem suas de-
mandas por serviços sociais, transfor-
mando o Estado Democrático Liberal
em Estado Democrático Social – uma
forma de Estado na qual o consumo
coletivo relativamente igualitário é im-
portante. Este, por sua vez, implicou
um aumento considerável do tamanho
da despesa pública e, em consequên-
cia, tornou-se claro que a adminis-
tração burocrática, que se propunha
apenas a tornar a ação do Estado efe-
tiva, não era eficiente. A Reforma Ge-
rencial que emergiu a partir dos anos
1980 foi uma resposta à demanda por
maior eficiência na oferta de serviços
públicos para o consumo coletivo e
serviu para legitimar o Estado Social.
Desde os meus primeiros trabalhos
(BRESSER-PEREIRA, 1998; 2000)
sobre a Reforma Gerencial do Estado
tenho afirmado que esta ocorreu de-
vido ao grande crescimento do apa-
relho do Estado a partir da Segunda
Guerra Mundial. Comparativamente,
enquanto no Estado Liberal do século
XIX a carga tributária estava em torno
de 5% do PIB, no Estado Democráti-
co Social do final do século XX essa
socialismo; e a proteção da natureza,
ao ambientalismo. Esses objetivos e as
respectivas ideologias são em grande
parte reforçadores uns dos outros, mas
não são plenamente compatíveis. Por
isso, as sociedades democráticas são
pragmáticas, veem-nos de maneira
moderada ou razoável e podem as-
sim assumir os necessários compro-
missos que viabilizam sua realização
combinada.
Para realizar esses objetivos, o Es-
tado se desdobra, historicamente, em
dois: Estado como regime político ou
como sistema constitucional-legal e
Estado como administração pública
ou como organização que garante o
sistema constitucional-legal. No mun-
do contemporâneo, o Estado como
regime político assumiu a forma de
Estado Democrático Social, e como or-
ganização, a de Estado Gerencial. Go-
vernar é fazer os compromissos para
alcançar a maioria, é definir as leis e
políticas públicas, é tomar decisões
estratégicas voltadas para o interesse
público e nacional – é aperfeiçoar e
garantir o Estado enquanto regime po-
lítico. Mas governar é também admi-
nistrar a organização do Estado, é es-
colher os principais responsáveis por
sua implantação, é detalhar e colocar
em prática as leis e políticas, é aper-
feiçoar constantemente o aparelho do
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Estado de forma a operar os serviços
públicos com qualidade e eficiência –
é tornar o Estado, Estado Gerencial.
No século XIX, enquanto sistema
constitucional-legal ou regime polí-
tico, o Estado nos países ricos cor-
respondia a uma democracia de elites
– também chamada de schumpeteria-
na – o Estado Liberal Democrático.
A transição do Estado Liberal para o
Democrático avançou nos países mais
desenvolvidos na virada do século XX,
na medida em que o último requisito
para uma democracia formal se mate-
rializava (o sufrágio universal).
Em meados do século XX, tem iní-
cio uma democracia de opinião públi-
ca na qual os eleitores aumentam seu
interesse pela política, as pesquisas
de opinião pública passam a auferir
suas preferências e um número cres-
cente de organizações de advocacia
política começa a intervir no proces-
so de formulação e implantação de
leis e políticas públicas. Esse maior
ativismo político dos eleitores leva a
um aumento da demanda social e, em
consequência, ao aumento dos ser-
viços sociais e científicos do Estado,
que passa a assumir funções novas na
proteção do trabalho e do trabalhador.
Ocorre então a transição de uma
forma para outra de democracia e o
Estado Democrático Liberal se trans-
forma no Estado Democrático Social.
Enquanto na democracia de elites es-
tas detêm suficiente poder para não se
deixarem influenciar pelos eleitores
enquanto governam, na democracia
de opinião pública os sindicatos de
trabalhadores e os partidos sociais-
democratas se fortalecem e as elites
políticas são constantemente obriga-
das a auscultar uma opinião pública
constituída por eleitores com deman-
das políticas.
Nessa nova forma de Estado, haverá
um aumento indireto de salários atra-
vés, de um lado, de leis trabalhistas
protegendo os trabalhadores, e, de ou-
tro, da forte ampliação dos serviços so-
ciais e científicos proporcionados pelo
Estado. O Estado Social que se torna
dominante nos países desenvolvidos
após a Segunda Guerra Mundial foi
resultado desse compromisso ao bus-
car, com razoável êxito, os cinco obje-
tivos do Estado – segurança, liberdade,
bem-estar econômico, justiça social e
proteção da natureza – no quadro dos
regimes democráticos.
A IDEOLOGIA NEOLIBERAL
Como reação a esse Estado Social, sur-
ge nos anos 1970 uma onda ideológi-
ca liberal radical – o neoliberalismo.
Através de reformas orientadas para o
mercado, o neoliberalismo ganha for-
ça nas duas décadas seguintes e busca
mudar a natureza do Estado enquanto
instituição constitucional-legal.
Essa ideologia pregava a manu-
tenção do objetivo da segurança, deu
absoluta precedência à liberdade e su-
bordinou os outros três objetivos ao
liberalismo econômico ao promover
a diminuição do tamanho do Estado.
Dessa maneira, propunha a transfor-
mação das duas formas que o Estado
havia assumido nos 50 anos anteriores
– o Estado Social, nos países desenvol-
vidos, e o Estado Desenvolvimentista
nos países em desenvolvimento – em
seus principais adversários.
Ao atacar o Estado Social, o neoli-
beralismo estava explicitamente pro-
curando reduzir o tamanho e as fun-
ções sociais do Estado, com o objeti-
vo implícito de enfraquecê-lo. A tese
neoliberal repetia o individualismo
metodológico neoclássico, segundo
o qual apenas pequenos grupos têm
efetiva capacidade de ação coletiva.
Negava, assim, ao Estado sua capaci-
dade principal – a de ser instrumento
dessa ação. Procurava voltar ao tem-
po do Estado Liberal do século XIX –
um Estado não democrático no qual
a burguesia tinha um poder maior do
que tem hoje no Estado Democráti-
co. No Estado Liberal se garantiam
os direitos civis, mas não os sociais,
e nem mesmo os políticos; como se
opunha ao sufrágio universal, não
havia democracia.
Tratava-se de uma reação aos novos
problemas enfrentados pelo sistema
capitalista central nessa década: a re-
dução da taxa de crescimento dos EUA
e da Grã-Bretanha e a diminuição da
taxa de lucro das empresas. As causas
desses dois fenômenos, ambas relacio-
nadas com o maior poder alcançado
pelos sindicatos nos anos 1960, foram
o aumento dos salários reais diretos e
indiretos acima do aumento da pro-
dutividade e o aumento dos salários
indiretos expressos tanto em direitos
trabalhistas quanto na ampliação dos
serviços sociais do Estado.
A ofensiva neoliberal reproduzia a
clássica luta de classes – nesse caso,
a iniciativa partindo dos ricos – ao
mesmo tempo em que traduzia a ne-
cessidade do capitalismo de restabele-
cer as taxas de lucros. As duas classes
dirigentes – a capitalista ou burguesa
e a profissional ou tecnoburocrática
– buscavam aumentar seus rendimen-
tos, respectivamente os lucros e juros
dos empresários e rentistas, e os orde-
nados e bônus dos altos profissionais
que controlam o conhecimento téc-
nico, organizacional e comunicativo.
Isto ficou claro, por exemplo, com a
redução da progressividade do impos-
to de renda ocorrida em quase todos os
países a partir da ofensiva neoliberal.
O Estado, na área econômica e
social, não é, como supõem os neo-
liberais, apenas uma espécie de mal
necessário em contraposição a um
bem em si mesmo que é o mercado.
Historicamente, é o instrumento por
excelência de ação coletiva da nação.
É o instrumento que cada sociedade
nacional usa para alcançar seus cin-
co objetivos políticos. É a institui-
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ção maior de qualquer sociedade. É
a instituição cujo papel é de regular
e coordenar com autoridade as ações
sociais de todos os tipos. É a institui-
ção que, no plano econômico, regula
uma outra instituição-mecanismo de
concorrência – o mercado – na coor-
denação da produção e da distribuição
de renda. As sociedades continuam a
contar fundamentalmente com o Esta-
do para alcançar seus objetivos políti-
cos, enquanto contam com o mercado
para promover a alocação eficiente dos
recursos de forma a lograr o desenvol-
vimento econômico, mas, mesmo para
isso, sabem que precisam do Estado
para corrigir as falhas do mercado e
promover a acumulação de capital e o
progresso técnico e científico.
A ideologia neoliberal alcançou seu
auge no início dos anos 1990 com o
colapso da União Soviética e está em
decadência desde o início dos anos
2000. Essa crise, que se traduz na di-
minuição da hegemonia ideológica
da grande potência que divulgou as
ideias neoliberais – os EUA – decorre,
de um lado, do fracasso das reformas
neoliberais em alcançar o desenvolvi-
mento econômico na América Latina
e na África, onde elas foram mais in-
sistentemente adotadas; de outro, da
derrota dos EUA na guerra do Iraque.
Os sintomas dessa decadência são
as eleições de candidatos nacionalis-
tas e de esquerda na América Latina
e o fracasso em destruir ou mesmo
reduzir o Estado Social nos países ri-
cos. Mesmo nos EUA e na Inglaterra,
que foram o berço do neoliberalismo,
a redução do Estado não aconteceu.
Qual a razão desse fracasso? O neo-
liberalismo, que soçobrou com a crise
financeira global de 2008, não logrou
convencer os cidadãos das antigas (e
também das novas) democracias a
abandonar ou a colocar em segundo
plano o objetivo atribuído ao Estado
de garantir seus direitos sociais. De
1980 para cá, ainda que a flexibiliza-
ção dos contratos de trabalho tenha
provocado alguma diminuição nas
leis de proteção trabalhista, os traba-
lhadores, em compensação, obtiveram
maior garantia quanto à obtenção de
auxílio desemprego, lograram o au-
mento dos serviços sociais do Estado,
principalmente os de saúde, e atribu-
íram ao Estado Social uma nova mis-
são: proteger o meio ambiente. Em
consequência, as despesas sociais e
científicas do Estado aumentaram, ao
invés de diminuírem.
REFORMA GERENCIAL
Em meio a essa onda ideológica neo-
liberal, surgiu na Grã-Bretanha, na
segunda metade dos anos 1980, a Re-
forma Gerencial do Estado – a segunda
grande reforma do aparelho do Estado
moderno, também chamada de Refor-
ma da Gestão Pública. Inspirava-se
nas estratégias de gestão das empre-
sas privadas, e sua teoria foi chamada
de Nova Gestão Pública; ou seja, uma
série de ideias desenvolvidas a partir
do final dos anos 1980 que buscavam
tornar os administradores públicos
mais autônomos e responsáveis, e as
agências executoras dos serviços so-
ciais mais descentralizadas.
A administração pública burocráti-
ca era apropriada para o Estado Liberal
do século XIX e se limitava a exercer
as funções de polícia e justiça; nesse
período, a carga tributária só aumen-
tava em momentos de guerra. No Es-
tado Democrático Liberal, o tamanho
do Estado era pequeno e a adminis-
tração pública burocrática continua a
se aplicar. Com o grande aumento do
tamanho do Estado, foi se tornando
clara a ineficiência da administração
pública burocrática.
A Reforma Gerencial surge como
consequência administrativa da con-
solidação do Estado Social e ao mes-
mo tempo como instrumento e fator
fundamental de sua legitimação. O
Estado Social só pôde ser pensado e
em seguida estabelecido porque a ad-
ministração pública burocrática pro-
porcionava um mínimo de eficiência
que o tornava economicamente viável.
Entretanto, na medida em que avan-
çam as reformas sociais, foi ficando
claro que esse mínimo era insuficien-
te. O aumento do custo dos serviços
do Estado impôs a adoção da Reforma
Gerencial. Essa imposição, porém, não
era apenas fiscal, mas também políti-
ca. Para que o Estado Social se man-
tivesse legitimado em face da ofensiva
neoliberal era necessário tornar suas
ações substancialmente mais eficien-
tes. Era necessário proceder à Reforma
Gerencial.
O Estado Social implica tornar co-
letiva ou pública a oferta dos servi-
ços de educação, saúde e previdência
social; e tornar coletivo, ao invés de
individual, seu consumo. Para que
esses serviços gratuitos e iguais para
todos fossem viáveis, era preciso que
o Estado fosse capaz de oferecê-los de
forma não apenas efetiva, mas também
eficiente. A administração burocrática
já se havia revelado efetiva; tornou-se,
entretanto, claro que, na medida em
que a dimensão dos serviços sociais do
Estado aumentava, a efetividade não
era suficiente. Era preciso controlar o
custo dos serviços realizados direta-
mente por servidores públicos estatu-
tários que se revelavam altos demais.
Esses custos refletiam não apenas
o maior volume dos serviços, mas
também a ineficiência neles embuti-
da devido à rigidez da administração
burocrática. A ineficiência da adminis-
tração pública burocrática tornava-se
uma ameaça para a legitimidade do
Estado Social e, em consequência,
abria espaço para o ataque da ideolo-
gia neoliberal.
A ideologia neoliberal afirmava que
a oferta e o consumo privado eram in-
trinsecamente mais eficientes do que
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a oferta pública e o consumo coleti-
vo. Entretanto, não obstante a grande
pressão da hegemonia neoliberal na
época, a sociedade continuava a de-
mandar os serviços públicos – conti-
nuava a preferir o consumo coletivo
que se traduzia em serviços sociais e
científicos gratuitos ou quase-gratui-
tos, e continuava a apoiar um sistema
de previdência social estatal garanti-
dor de uma renda básica.
A tese neoliberal de que o consumo
público poderia ser substituído com
vantagem pelo privado não foi aceita
pela sociedade. A demanda continua-
da dos cidadãos por consumo coletivo
não deixou dúvidas. Não bastava, en-
tretanto, argumentar a favor do Estado
Social a partir apenas dessa demanda.
Era preciso também mudar as condi-
ções de oferta dos serviços, era preciso
mostrar que o Estado estava usando
bem os recursos dos impostos, que os
contribuintes não estavam “jogando
dinheiro bom em cima de dinheiro
ruim” – uma frase típica dos oponen-
tes do Estado Social.
A Reforma Gerencial foi a resposta
a esse desafio ao modificar a forma de
administrar a oferta dos serviços. Ela
(1) torna os gerentes dos serviços res-
ponsáveis por resultados, ao invés de
obrigados a seguir regulamentos rígi-
dos; (2) premia os servidores por bons
resultados e os pune pelos maus; (3)
realiza serviços que envolvem poder
de Estado através de agências execu-
tivas e reguladoras; e – o que é mais
importante – (4) mantém o consumo
coletivo e gratuito, mas transfere a
oferta dos serviços sociais e científicos
para organizações sociais, ou seja, para
provedores públicos não estatais que
recebem recursos do Estado e são con-
trolados através de contrato de gestão.
Através dessas quatro características
– principalmente da última – o poder
público garante os direitos sociais,
mas transfere sua provisão ou oferta
para organizações quase estatais que
são as organizações sociais.
Como surgiam em um momento
em que a ideologia neoliberal ganhava
espaço, e em um país com um gover-
no neoliberal, as novas ideias foram
etiquetadas como neoliberais. Depen-
dendo de seu autor, de fato eram. Na
verdade, a Reforma Gerencial é com-
patível tanto com governos de esquer-
da quanto de direita, mas ao tornar
eficientes os serviços sociais e científi-
cos prestados pelo Estado, ela legitima
politicamente o Estado Social.
A adoção da Reforma Gerencial
por partidos políticos independen-
temente de sua cor ideológica não é
surpreendente, porque é a segunda
reforma histórica do aparelho do Es-
tado moderno. Essa Reforma ocorreu
para dar conta de um Estado Social
muito maior em termos de número
de funcionários e de despesa pública.
Ela partia dos avanços logrados pela
primeira, mas seu objetivo não era
mais somente tornar a ação do Esta-
do mais efetiva, mas também torná-la
eficiente na área social e científica, nas
quais se emprega um grande número
trabalhadores em atividades não ex-
clusivas de Estado.
Como se trata de uma reforma ne-
cessária quando o Estado se transforma
num Estado Social e, do ponto de vista
administrativo, deixa de ser o Estado
Burocrático para ser o Estado Geren-
cial, sua implantação é uma questão de
tempo e de qualidade. Cada país ou se
adianta em realizá-la, ou fica para trás e
arca com os custos do atraso; ou a im-
planta com competência, ou de forma
equivocada e confusa.
EXPERIÊNCIAS DE IMPLANTAÇÃO
DA REFORMA GERENCIAL
A legitimação do Estado Social pela
Reforma Gerencial pode ser obser-
vada em um sem-número de casos.
Um exemplo é o que ocorreu na Grã-
Bretanha – laboratório da ideologia
neoliberal durante o governo de Mar-
gareth Thatcher, ao mesmo tempo
país em que se originou a Reforma
Gerencial. Tony Blair chegou ao gover-
no em 1997, depois de quase 20 anos
de governos neoliberais. Ainda que
os trabalhistas criticassem a Reforma
no tempo em que estavam na oposi-
ção, quando chegaram ao governo a
mantiveram e a aprofundaram. Ao
mesmo tempo, aumentaram a carga
tributária para melhorar a qualidade
dos serviços de saúde e educação. Tor-
naram, assim, a administração desses
serviços mais eficiente, e esse foi um
argumento fundamental usado por
Blair para legitimar sua política social
que aumentava o tamanho do Estado
ao elevar a despesa pública e a carga
tributária. Margareth Thatcher não lo-
grou extinguir o Estado Social; o má-
ximo que conseguiu foi não aumentar
a carga tributária. Tony Blair mudou
a direção e avançou mais no caminho
do Estado Social aumentando o con-
sumo coletivo de serviços sociais, en-
quanto procurava transferir a oferta
desses serviços para entidades públi-
cas de direito privado. Nesse caso, a
Reforma Gerencial foi essencial para
que o Estado Social pudesse ser assim
fortalecido.
Quando, em 1995, a Reforma Ge-
rencial foi lançada no Brasil, ela tam-
bém foi criticada como sendo neoli-
beral. Hoje, porém, essas acusações
estão quase esquecidas tanto na Eu-
ropa quanto no Brasil, porque ficou
claro que sua consequência primeira
foi fortalecer o próprio Estado e não
enfraquecê-lo como almejavam os
neoliberais. O equívoco de vincular
a Reforma Gerencial de 1995 com o
neoliberalismo foi evidenciado pelo
fato de as diretrizes básicas do Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Es-
tado continuarem a ser implantadas
no nível federal e em muitos Estados
e municípios, independentemente da
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orientação política dos respectivos
governos.
Uma característica central da Refor-
ma Gerencial brasileira foi a distinção
entre atividades exclusivas do Estado,
que envolvem poder de Estado, e as
atividades não exclusivas que devem
ser realizadas por organizações públi-
cas não estatais. Essas organizações
sociais garantem uma flexibilidade e
uma eficiência administrativa maiores.
Os resultados alcançados pelos novos
hospitais do Estado de São Paulo, todos
constituídos sob a forma de organiza-
ções sociais, são definitivos a respeito.
Duas outras experiências significa-
tivas no Brasil merecem destaque: uma
no governo FHC, com o SUS, e a ou-
tra no governo Lula, com o Programa
Bolsa Família. Quando começou o pri-
meiro governo de Fernando Henrique
Cardoso, em 1995, o Sistema Único
de Saúde, criado pela Constituição de
1988 para garantir o direito universal
aos serviços de saúde, estava em crise.
Não se havia ainda logrado estabelecer
um sistema de financiamento para o
SUS, e os hospitais envolvidos ofere-
ciam serviços deficientes e se envol-
viam com frequência em denúncias de
corrupção. A norma que regulava os
serviços não dava conta do problema.
Entretanto, ao final de 1996, come-
çou uma grande reforma gerencial do
SUS com base na Norma Operacional
Básica (NOB) 96, ao mesmo tempo
em que se definiam fontes de financia-
mento para os serviços. Hoje, o SUS
é um sistema universal de saúde que
atende a um direito básico da cidada-
nia com qualidade razoavelmente boa
e custo muito baixo (menos de R$ 2
por habitante-dia). O segredo está, de
um lado, na grande mobilização que
ocorreu para a definição e implantação
do SUS, e no controle social exercido
pelos cidadãos em sua decorrência,
e, de outro, na forma de administra-
ção gerencial, distinguindo a oferta
da procura de serviços e dando aos
municípios um papel muito maior em
contratar os hospitais que prestam os
serviços.
Fenômeno semelhante está ocor-
rendo com a Bolsa Família no go-
verno de Luiz Inácio Lula da Silva.
Inicialmente, a ideia era a de distri-
buir cestas básicas em um programa
denominado Fome Zero. Entretanto,
logo se verificou que esse programa
estava mal formulado e mal adminis-
trado. Optou-se, então, por unificar
e administrar gerencialmente as di-
versas bolsas em dinheiro e espécie
que existiam até então, dar a todas
o nome de Bolsa Família e aumentar
consideravelmente sua abrangência.
O resultado foi positivo. Enquanto o
programa Fome Zero havia sido ob-
jeto de críticas permanentes, a Bolsa
Família revelou-se efetiva em atender
a um custo baixo os realmente pobres.
Existe, sem dúvida, a crítica de que
esse programa não estimula o traba-
lho e é focado, ao invés de universal.
É indiscutível, porém, que os recursos
públicos estão sendo usados de modo
eficiente e atendem de forma efetiva as
famílias socialmente excluídas.
Embora os representantes do Par-
tido dos Trabalhadores enquanto es-
tavam na oposição fossem críticos da
Reforma Gerencial, o governo Lula
vem adotando muitos dos seus princí-
pios. O emprego de técnicas gerenciais
na administração da Bolsa Família e na
reforma da Previdência, assim como
a exigência do Ministério da Educa-
ção de que as universidades federais
que adotam o Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão
das Universidades Federais (REUNI)
elaborem planos estratégicos, são duas
demonstrações desse fato.
CONCLUSÃO
Temos, assim, entre o Estado Social
e a Reforma Gerencial uma relação
dialética: a constituição de um Esta-
do que também é chamado de Estado
do Bem-Estar, ao implicar um grande
aumento da organização estatal, exi-
ge que sua gestão seja mais eficiente;
por sua vez, a Reforma Gerencial re-
sultante, ao contribuir para essa maior
eficiência ou redução de custos, tem
um papel importante na legitimação
das ações do Estado, visando oferecer
serviços de consumo coletivo que, por
sua natureza, são mais igualitários do
que os serviços pagos individualmente
pelos atendidos.
A Reforma Gerencial nasceu da
pressão por maior eficiência ou me-
nores custos que se seguiu à trans-
formação do Estado Democrático
Liberal em Estado Democrático So-
cial. Por outro lado, ao significar,
do ponto de vista administrativo, a
transição do Estado Burocrático para
o Estado Gerencial, revelou-se um
instrumento fundamental das socie-
dades modernas para neutralizar a
ideologia neoliberal que buscava di-
minuir o tamanho do Estado na me-
dida em que, ao tornar mais eficiente
(embora jamais tão eficiente quanto
gostaríamos) a provisão dos serviços
sociais públicos ou coletivos, legitima
o próprio Estado Social, e garante seu
aprofundamento futuro.
REFERÊNCIAS
BRESSER-PEREIRA, L. C. Da administração
pública burocrática à gerencial. In: BRESSER-
PEREIRA, L. C; SPINK, P. (Org) Reforma do Estado
e administração pública gerencial. Rio de Janeiro:
Fundação Getulio Vargas, 1998.
BRESSER-PEREIRA, L. C. State reform in the
1990s, logic and control mechanisms. In:
BURLAMAQUI, L; CASTRO, A. C; CHANG,
H.-J. (Eds) Institutions and the role of the State.
Cheltenham: Edward Elgar, 2000. v. 1, p.
175-219.