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PSIC. CLIN., RIO DE JANEIRO, VOL.15, N.2, P.X – Y, 2003
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SUBJETIVIDADE SUJEITADA E PRÁTICA PSICOLÓGICA:
PERSPECTIVAS DO SUJEITO DA AÇÃO
Mériti de Souza*
Sidnei J. Munhoz**
RESUMO
O artigo problematiza leituras sobre o denominado sujeito da ação como associado
à constituição grupal e as implicações dessas leituras na prática psicológica e na organiza-
ção subjetiva. Para tanto, utiliza-se uma leitura interdisciplinar e aportes de disciplinas
como a história e a psicanálise. A ênfase crítica recairá na lógica clássica, na identidade e na
subjetividade sujeitada, que se apresentam como atemporais e universais na ação sobre a
realidade. Problematizar a construção da subjetividade e as suas relações com os modos de
conhecer pode contribuir para o estabelecimento de referenciais teóricos e estratégias de
intervenção críticos.
Palavras-chave: subjetividade; psicologia; psicanálise; identidade; ação.
ABSTRACT
SUBJECTED SUBJECTIVITY AND PSYCHOLOGICAL PRACTICE: PERSPECTIVES IN AGENTS OF
ACTION
Research problematizes readings on the so-called subject or agent of action as associated to
group constitution and analyzes the implications of such interpretations in psychological practice
* Psicóloga (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp); Mestre em
Educação (Universidade Estadual de Campinas – Unicamp); Doutora em Psicologia (Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP) e Pós-Doutora (Centro de Estudos Sociais –
Universidade de Coimbra); Professora adjunta do Curso de Graduação e Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
** Graduação em História (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp);
Mestrado em História (Universidade Estadual de Campinas – Unicamp); Doutorado em
História Econômica (Universidade de São Paulo – USP) e Pós-Doutorado (Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ); Professor do Departamento de História da Universidade
Estadual de Maringá (UEM) e da Pós-Graduação em História Comparada da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Bolsista produtividade do CNPq.
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and in the constitution of subjectivity. The article is based on interdisciplinary readings and on
different areas of knowledge so that identity references overlying the modern subject of action
may be problematized. Critical emphasis is foregrounded on the classical logic, identity and
subjected subjectivity as a-temporal and universal factors of action in the real world. The
problematization of subjectivity’s construction and its relationships with modes of knowledge
will contribute towards the establishment of critical theoretic and strategic interventions.
Keywords: subjectivity; psychology; psychoanalysis; identity; action.
As profundas transformações políticas, econômicas e sociais ocorridas ao final
do século XX colocaram grandes desafios para os estudos relacionados às ciências
humanas. Como resultado desse complexo processo, assistiu-se a uma crise de
paradigmas, uma vez que nenhum dos modelos explicativos então existentes dava
conta da complexidade das relações sociais então estabelecidas. Isso tudo engendrou
problemas para os quais muito provavelmente não teremos respostas em termos de
curto prazo. No entanto, se, de um lado, esse cenário apresenta dificuldades para as
investigações no campo das humanidades, de outro, as dúvidas e as incertezas exis-
tentes estimulam novas indagações em busca de alternativas para a compreensão das
relações sociais contemporâneas e das constituições subjetivas a elas agregadas. Em
outras palavras, as experiências alicerçadas sob o impacto das novas configurações
sociais, econômicas e históricas se articulam a modos de conhecer e de subjetivar,
que demandam problematizar os referenciais teóricos e as estratégias de intervenção
calcadas em leituras estabelecidas.
Neste artigo, delineamos algumas reflexões voltadas à reconfiguração do de-
bate sobre o sujeito da ação e o modo de subjetivar e de conhecer que o engendra
e sustenta diferentes discursos e práticas contemporâneos. Pensamos que distintas
áreas do conhecimento podem contribuir para problematizar o pressuposto que
associa a ação sobre a realidade à figura do sujeito e da identidade coletiva.
Problematizamos essa questão por entendermos que o sujeito é uma modalidade
histórica de constituição subjetiva e a identidade coletiva uma modalidade de
configuração grupal. Essas modalidades ganham hegemonia no cenário moderno
em decorrência da sua associação a determinadas leituras sobre o conhecimento e
sobre o subjetivo que instauram parâmetros que os definem como universais e
verdadeiros. Nessa perspectiva, a ação fica adstrita às concepções epistêmicas e
ontológicas calcadas na causalidade lógica formal e na metafísica da presença. Ato
contínuo, esses modos de subjetivar e de conhecer ganham hegemonia e caucio-
nam a relação causa e efeito; substantivam a subjetividade; dissociam o ativo do
passivo; associam o grupal ao conjunto matemático da unidade e do idêntico;
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produzem a dicotomia sujeito e objeto. Desse modo, temos a produção da subje-
tividade sujeitada, ou seja, do sujeito constituído pela consciência reflexiva, con-
formada pelos atributos da razão e da ética, que lhe possibilita conhecer a si pró-
prio e à realidade e, dessa forma, agir sobre ela.
A modalidade histórica de sujeito subsume a subjetividade à consciência; a
redução do coletivo ao conjunto formado por unidades identitárias; a configura-
ção da ciência restrita ao modelo cartesiano, kantiano e baconiano (Bachelard,
1996; Blanche, 1983; Canguilhem, 1977; Chauí, 1994, 1995; Morin, 2005a,
2005b; Prigogine, 1996; Santos, 1988, 2004). A partir desse cenário e das suas
implicações na produção do conhecimento e nas práticas profissionais direcionadas
ao trabalho crítico, consideramos pertinente problematizar a relação estabelecida
entre a ação, o sujeito e a identidade coletiva, nas suas injunções com a rede societária
contemporânea.
Conhecemos a necessidade de produção de novas formas de saber e fazer no
campo da psicologia que correspondam às demandas de práticas que se pretendem
para além dos pressupostos e modelos tradicionais que adotam concepções de sujei-
to e estratégias de intervenção calcadas no universal e em modelos definidos a priori.
Nesse contexto, o pressuposto do sujeito da ação e da autonomia como neces-
sário à prática social e psicológica, que se preocupa com os efeitos de subjetivação, é
um dos pontos nodais do campo epistêmico e ético a ser enfrentado pelos profissio-
nais que pensam a perspectiva crítica relacionada ao subjetivo produzido no campo
singular e histórico. De forma específica, a concepção de sujeito congrega os pressu-
postos kantianos que comportam a sobreposição entre a consciência reflexiva e a
ética entendidas como atributos que possibilitam ao humano conhecer a realidade e
agir sobre ela. Assim, esses pressupostos incidem na configuração de uma subjetivi-
dade sujeitada constituída na mesmidade. Eles sustentam a configuração identitária
e reiteram o idêntico a si mesmo, bem como possibilitam a sobreposição dessa con-
figuração à possibilidade de ação sobre o real.
Nessa perspectiva, nos interessa problematizar a leitura que define o homem
como constituído de forma exclusiva e ideal pelo universal da consciência e da
razão que deságua necessariamente no sujeito da ação e da autonomia. Ato contí-
nuo, importa problematizar a lógica causal e linear que sustenta a ação como
articulada ao agir coletivo e ético deflagrado por um conjunto composto por
membros identificados a partir da mesmidade estabelecida como referência para a
identidade coletiva. Assim, a história, nos trabalhos sobre as experiências do fazer-
se da classe trabalhadora, e a psicanálise, nas suas leituras sobre a psicologia social
dos grupos, cada uma ao seu modo, configuram aportes que utilizamos para
problematizar essas questões.
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CONHECIMENTO, AÇÃO E CONSCIÊNCIA
No cenário contemporâneo, predomina a leitura de que a unidade social
mantém o potencial de emancipação, assim como a perspectiva de que as práticas
locais corporificadas nos atores sociais também alimentam esse potencial. É possí-
vel ainda constatar nessas leituras que a concepção de unidade social se ancora no
referencial de identidade coletiva e pressupõe a manutenção do referencial
identitário. Também é importante salientar que subjacente à concepção de eman-
cipação e autonomia há uma teoria específica sobre a organização do psiquismo
que prevê a constituição do sujeito. Essa teoria adota a premissa de que a consci-
ência recobre a subjetividade e que a razão como atributo possibilita o conheci-
mento sobre a realidade e o exercício da ação ética. Dessa forma, a constituição do
sujeito pressupõe que o conhecimento sobre a realidade facultado pelos atributos
racionais implica mudança subjetiva. Tal referencial redunda na subsequente ade-
são à perspectiva da emancipação calcada na teleologia de uma temporalidade
histórica que se cumprirá e de um sujeito predestinado a cumprir a sua missão
nessa teleologia. Não obstante, apesar de supormos a consciência como constitutiva
da subjetividade, a ética como experiência a ser construída e a conquista da cida-
dania como alicerce para a autonomia, também acreditamos que esse pressuposto
iluminista e moderno se apoia numa leitura idealizada e restrita da constituição
subjetiva humana. Esse pressuposto escamoteia o trabalho dos afetos na vida psí-
quica ao reduzir a subjetividade à consciência, bem como pressupõe uma ordem
causal sustentando a ação humana ao entender que ela seguiria uma direção ética
definida a priori (Souza, 2006).
Ao longo dos denominados períodos moderno e contemporâneo da história é
possível acompanhar a estreita vinculação entre a disseminação do modo de vida
liberal e o modo de conhecer e de subjetivar tornado hegemônico. Sublinhamos essa
questão, pois entendemos que a modernidade produz dois grandes axiomas: a re-
presentação identitária como verdade do sujeito e a ciência como verdade do saber.
Por um lado, o discurso científico comporta a emergência de um sujeito que crê na
possibilidade de um saber totalizante que recobre a realidade e, por outro, as identi-
dades operam como referências para a constituição do sujeito. Esses parâmetros de
verdades no plano econômico, do saber, social e subjetivo oferecem sustentação para
a crescente expansão do capital e da cultura levada ao extremo nos processos de
colonização e da chamada globalização (Bauman, 1999, 2001; Berman, 1986; San-
tos, 1988, 2004). A busca pela imposição hegemônica da assim denominada cultura
ocidental é alicerçada na sua concepção como verdade e como ciência que, aparen-
temente, legitima a investida colonialista e intervencionista.
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Conforme apontamos no início deste artigo, a modalidade de subjetividade
configurada como sujeito e hegemônica em nosso tempo presente se associa a
configurações históricas e sociais produzidas e sustentadas pela modernidade.
Podemos entender que as redes institucional, econômica e cultural, postas a ope-
rar nesse contexto, encontram os seus esteios na organização do Estado Nação, na
predominância do modo capitalista de produção, na organização do Direito
centrado no contrato social e na lei universal e, por fim, mas nem por isso menos
importante, na separação do público e do privado. A modernidade se constitui
marcada por projetos calcados em diversas concepções sobre o ato de conhecer e
sobre aquele que conhece. Os projetos iluminista e liberal configuram marcos na
constituição do cenário moderno e, apesar da existência nesses projetos de dife-
rentes abordagens sobre a constituição humana e sobre o conhecimento, o percur-
so histórico assinala que o primeiro se centra na concepção do sujeito da consci-
ência racional e ética, obliterando o trabalho dos afetos e o limite da razão, assim
como o segundo investe nas premissas da liberdade e do individual, obliterando
os desígnios da igualdade e da fraternidade. Assim, apesar de leituras que apon-
tavam tanto os limites do conhecimento impostos à consciência quanto a neces-
sidade da crítica interna a ser por ela realizada, ganha hegemonia a concepção
totalizadora e idealizada que define a consciência configurada pela razão plena
capaz de controlar o real e os afetos. Em outras palavras, no percurso histórico
dos últimos séculos dissemina-se e impõe-se a concepção cartesiana calcada na
dissociação mente e corpo, sujeito e objeto e no controle da razão sobre os
afetos. Nesse percurso a figura do sujeito sofre injunções das propostas liberais
centradas nas concepções de indivíduo e de mercado e passa a agregar a repre-
sentação identitária individualizada (Castells, 1999; Dumont, 1985; Sennett,
1988). Dessa forma, no cenário atual, a figura do sujeito compreende a subjeti-
vidade sobreposta à consciência e à razão configurada por atributos que lhe
possibilitam o conhecimento pleno da realidade, da verdade e o exercício da
ética a partir da ação sobre o seu entorno. Essa figura, ainda, sustenta a repre-
sentação de uma unidade identitária, estabilizada no tempo e no espaço e assen-
tada na primazia da substância e do idêntico.
As injunções entre a rede social e política e a concepção do sujeito moderno
racional e ético definem a assunção à condição de cidadão centrada na participação
no contrato social. O ponto de sutura entre a conquista da cidadania e os parâme-
tros da vida associativa é oferecido pela concepção de sujeito. Em outras palavras, a
conquista da cidadania possibilitaria às pessoas ocupar um lugar objetivo e subjetivo
que modificaria a sua percepção sobre o real, o outro e sobre elas mesmas, da mesma
forma que permitiria o exercício da ação sobre o real a partir de uma orientação ética
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específica. Assim, no plano ideal, o sujeito ético e epistêmico apresenta essa condi-
ção a priori que, no entanto, necessita ser desenvolvida através do trabalho da
escolarização, da construção da autonomia, da conquista da cidadania, para possibi-
litar o exercício da ação ética. Destarte, na situação em que a sua ação fosse obliterada,
a justificativa seria encontrada no fato de a realidade a ser conhecida se lhe apresen-
tar de forma transfigurada ou no fato de o aparelho conhecedor não operar correta-
mente. Em outras palavras, na leitura clássica, quando o sujeito não exerce a ação ou
quando esta não segue os caminhos éticos esperados, entende-se que a consciência
se encontra capturada pelas malhas do pensamento enredado por um fenômeno que
não corresponde ao objeto que o produz. Não obstante, ao analisar essa leitura,
podemos perceber que ela preserva a potência totalizadora da consciência, pois não
considera os seus limites cognitivos e éticos (Derrida, 1994, 1997; Rouanet, 1985).
Face a essa leitura há que no mínimo se acompanhar o percurso histórico centrado
nos ideais das revoluções burguesas que sedimentaram, organizaram e possibilita-
ram a disseminação desses ideais. É forçoso rememorar que a Revolução Francesa de
1789 produziu o Terror e a violência como correlatos às demandas pela cidadania e
pelos ideais de igualdade e de fraternidade. Nesse aspecto, é necessário recordar
tanto as contribuições à ordem política e social conquistadas pelas revoluções bur-
guesas quanto a violência praticada em nome da instauração dessa ordem. A cons-
trução da memória tornada hegemônica ao longo dos anos oblitera o período do
Terror e, ato contínuo, também escamoteia o movimento histórico que produz a
predominância da lógica formal e da relação causal às expensas da desqualificação
de outras modalidades lógicas.
Este ponto é importante, pois diversas áreas do conhecimento centradas na
perspectiva crítica alicerçada no reconhecimento do outro articulam teorias e prá-
ticas direcionadas à mudança do status quo (aqui entendido como a atual ordem
social predominante pautada nos princípios do individualismo e do capitalismo).
É possível observar nessas áreas do conhecimento a predominância da associação
entre a ação sobre o real e a concepção da identidade coletiva. Essa associação
acontece em decorrência da doutrina marxista clássica que adota uma teoria sobre
o poder consoante à teoria sobre o sujeito e sobre o real. Assim, o poder estaria
centrado no Estado; o sujeito da ação seria o sujeito da consciência, racional e
autônomo. Nessa leitura, se prioriza o sujeito universal e a ação política se con-
centra na necessidade de se assenhorear do Estado. A priori, essa ação é atribuída
ao coletivo configurado como uma classe social que, ao menos em tese, seria o
portador de uma “missão histórica”.
A leitura marxista critica as concepções que privatizam e individualizam o
subjetivo e concebe o sujeito como histórico ao salientar a inserção humana no
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plano filogenético e ontogenético e o processo histórico que modula a constitui-
ção subjetiva e objetiva. Ainda, essa leitura entende a ação sobre a realidade em-
preendida pelo sujeito histórico a partir do amálgama dos interesses comuns, par-
tilhados por aqueles que ocupam o mesmo lugar social entendido como a mesma
posição no modo de produção. Essa leitura explicita o pressuposto de que a con-
dição ocupada na cadeia produtiva possibilita o estabelecimento de interesses co-
muns por aqueles que compartilham essa condição. Em paralelo, possibilita usu-
fruir de representações similares sobre o mundo e empreender ações conjuntas, à
medida que uma identidade coletiva define os contornos de um conjunto que os
sustenta como sujeito histórico. Dessa forma, entendemos que a condição de uma
mesmidade subjaz à identidade de um coletivo denominado classe social, bem
como ancora a sua capacidade de agir e de modificar a realidade, não obstante a
concepção de sujeito histórico possibilitar a crítica à perspectiva moderna de cons-
ciência autorreflexiva e individualizada.
Conforme sabemos, diversos autores, a partir de diferentes matrizes teóricas,
questionam, desde uma postura crítica e transformadora, a concepção de subjeti-
vidade, de realidade e de poder que se assentam nessa leitura clássica (Castoriadis,
1987; Thompson 1987, 1991; Zizek, 1992, 2001). Primeiro, sublinha-se ao lon-
go das últimas décadas a ação de movimentos sociais extremamente dinâmicos a
questionarem as bases e os valores presentes na sociedade liberal capitalista. Ao
mesmo tempo, esses movimentos desafiam as interpretações de uma vulgata do
marxismo obliterada pelo economicismo, mecanicismo e autoritarismo, que re-
duz as concepções sobre o sujeito histórico e sobre classe social a leituras idealiza-
das, definidas a priori e desconectadas da realidade social e das experiências dos
homens e mulheres reais. Segundo, acreditamos que, no mundo contemporâneo,
uma das perguntas a serem feitas incide sobre as transformações do mundo do
trabalho, sobre as relações entre capital e trabalho e sobre os trabalhadores nesse
contexto. Assim, desconsiderar as alterações sociais, econômicas e políticas ocor-
ridas nas últimas décadas; continuar a situar o denominado desenvolvimento das
forças produtivas como único eixo analítico; priorizar a classe proletária como
agente a priori da mudança social pode revelar o não compromisso com a própria
leitura social e histórica.
A título de exemplo, um autor como Thompson (1987, 1991), com reco-
nhecida tradição marxista heterodoxa, ao estudar o processo de formação da clas-
se operária inglesa, reconhece a importância da experiência singular vivenciada
por homens e mulheres na sua percepção como membros de uma classe social.
Trabalhar as análises thompsonianas sobre a singularidade da experiência pode ser
de inestimável valia para o estudo da temática em lide.
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Nos estudos relacionados à formação da classe operária inglesa, desenvolvi-
dos por Thompson (1987, 1991), experiência é fator fulcral na percepção de clas-
se e no processo de sua constituição. Ainda, para o autor, foi a experiência histórica
de lutas e resistências aos avanços do capitalismo e aos efeitos perversos desse
processo nas condições reais da vida dos pobres que possibilitou às plebes uma
percepção de identidade de classe. Dessa forma, ele trabalha com o conceito de
identidade, contudo não adota uma perspectiva mecânica e não a entende como
concebida de forma apriorística. Para o autor, a ação coletiva se constituiu na base
da transformação social, entretanto o sujeito não se dilui nem desaparece nessa
unidade coletiva. Ele sublinha as experiências compartilhadas pelas plebes ingle-
sas como basilares à emergência de um coletivo com percepções e aspirações co-
muns. Em síntese, para o autor, a consciência de classe se formaria na percepção
de identidades e levaria à emergência de antagonismos entre os interesses das ple-
bes e os projetos burgueses de sociedade, que lhes retiravam os meios de sobrevi-
vência. Entretanto, Thompson ressalta que essas classes ainda não estariam inte-
gralmente constituídas. Assim, teríamos a emergência de lutas de classes sem que
elas estivessem plenamente formadas e essas tensões seriam fundamentais à emer-
gência da consciência de classe, que por sua vez levaria à formação da própria
classe. Para compreender esse processo, Thompson efetua de forma sistemática
um movimento de expansão/contração por meio do qual atribui voz ao sujeito
singular, resgatando-o do anonimato que lhe suprime os sentidos da experiência
singular. Ao fazê-lo, atribui sentidos à sua ação e aponta para a importância dessa
singularidade no processo de formação da identidade de classe (Munhoz, 1997).
Em decorrência, a experiência empreendida pelos sujeitos é fundamental à
constituição de um novo coletivo, ao mesmo tempo que a experiência coletiva
transforma a maneira de se perceber dos sujeitos que compõem esse coletivo em
processo de formação. Mais do que isso, essa percepção somente se pode realizar
na relação estabelecida com outra classe, também em processo de formação. As-
sim, classe social e consciência de classe somente podem ser pensadas como um
fenômeno histórico e jamais como uma categoria abstrata, uma estrutura dada e
por vezes vista de forma estática. Essa é a grande contribuição de Thompson aos
estudos da ação coletiva e das lutas de classes.
Entretanto, possivelmente por injunções da tradição que associa traba-
lho crítico e socialmente comprometido com a vulgata marxista, leituras que
divergem da proposta de ação política como articulada ao coletivo configura-
do a partir de referências identitárias essencializadas são lidas como reacioná-
rias e descomprometidas com a mudança social. Um dos pontos nodais nessa
discussão é encampado por setores da psicologia ao adotarem de forma cabal
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e verdadeira o pressuposto de que o sujeito da identidade coletiva é impres-
cindível e inelutável ao processo de reorganização subjetiva e de atuação sobre
a realidade. Em nosso tempo presente, apesar de algumas reconfigurações,
esse debate se mantém de forma vigorosa. Entretanto, a queda do muro de
Berlin, a desagregação do mundo soviético e a correlata demolição de projetos
e certezas até então inquestionáveis dentro de determinados pressupostos teó-
ricos constituem-se em marcos históricos nodais.
O cenário acima configurado leva-nos a considerar que, por um lado, se faz
necessário problematizar os referenciais clássicos associados à atividade social e
psicológica, pois eles redundam na manutenção do conceito de identidade coleti-
va e de causalidade formal como condição imprescindível à ação sobre a realidade.
Por outro, manter o referencial da identidade coletiva e da causalidade formal é
uma tradição da “esquerda” que encontra grande respaldo em leituras apoiadas na
versão marxista tradicional, o que gera dificuldades ao trabalho crítico realizado
por setores da psicologia, das ciências sociais, da educação, dentre outros.
Nessa perspectiva, o ponto a ser problematizado diz respeito à subjetividade
sujeitada restringir-se à representação identitária, pois, mesmo pensada como um
ponto coagulado, mutável e dialetizável, a representação identitária implica a ado-
ção da metafísica da presença: o presente se coagula na presença e permanece em
decorrência da substantivação da subjetividade (Derrida, 1994, 1997). Não
obstante, o trabalho com o referencial crítico demanda ir muito além da subjetivi-
dade sujeitada e da identidade configurada como mesmidade e repetição.
Nesse campo, consideramos pertinente e produtivo incorporar novas concep-
ções e perspectivas ao trabalho dos diferentes profissionais comprometidos com a
crítica ao status quo. Nesse aspecto, o aporte freudiano se constitui em importante
aliado para pensar as injunções da constituição subjetiva sob a égide do singular e do
coletivo, do logos – discurso – e do pathos – afetos. O aporte ao trabalho crítico pode
ser encontrado nesse referencial, pois ele não opera segundo a lógica formal clássica
marcada pelos pressupostos do universal, da identidade e do terceiro excluído. Na
perspectiva freudiana, predominam referências ao processo de constituição subjeti-
va alicerçadas no singular, nas identificações, na pulsão, no inconsciente que, con-
forme sabemos, não se encontram subsumidos à concepção lógica formal. Além
disso, segundo essa teoria, a pulsão e o inconsciente produzem o descentramento do
sujeito e articulam a subjetividade cindida, que se contrapõe à concepção moderna
da subjetividade integrada e restrita à consciência.
Sublinha-se que o conceito de identidade, em decorrência da sua associação
histórica à concepção de sujeito moderno, não encontra guarida na metapsicologia
freudiana. Na mesma senda, o sujeito configurado pela subjetividade restrita à
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consciência, calcado na lógica formal e no pressuposto epistêmico do cogito
cartesiano, também encontra problemas para sua adoção. Assim, quando Freud
fala em identificação temos a recorrência à leitura da experiência subjetiva a partir
da compreensão do eu como efeito de superfície de uma ilusão de completude,
que, no entanto, sempre se articula no jogo de forças com o inconsciente e com a
pulsão (Freud, ([1914] 1973, [1921] 1973, [1930] 1973). Portanto, ressalte-se
que a leitura freudiana não sustenta uma teoria sobre o sujeito e não trabalha com
a concepção de identidade, ao menos no sentido assumido pela filosofia moderna
que subsume a subjetividade à razão, à consciência e à unidade.
O eu sexualizado freudiano, marcado por sua relação com os investimentos
libidinais, não se configura, portanto, como um eu autônomo. Antes, o eu
sexualizado se articula às condições culturais, históricas, pulsionais, à medida que
o outro é quem introduz essas marcas. Em outras palavras, o sujeito moderno
configurado como um eu soberano não se articula ao eu freudiano. Ainda, com a
segunda tópica, ao introduzir a ideia da pulsão de morte, ou seja, uma pulsão sem
representação, Freud abandona a perspectiva da filosofia cartesiana do sujeito
(Birman, 1999).
Na psicanálise freudiana, a temporalidade não assume a dimensão linear,
desenvolvimentista e progressiva da modernidade, já que o inconsciente apresenta
uma dimensão atemporal. Ainda, faz-se necessário ressaltar que na obra freudiana,
apesar de a subjetividade ser constituída pela consciência, a primeira não se en-
contra recoberta pela segunda, à medida que a organização psíquica se produz por
injunções conscientes, inconscientes e se constitui como singularidade. Entretan-
to, também é necessário mencionar que no trabalho freudiano a pulsão se agrega
às representações disponíveis no cenário social e histórico. Assim, o modo de
subjetivar moderno, hegemônico no mundo ocidental contemporâneo, oferece às
pessoas redes simbólicas específicas e práticas sociais subsumidas à crença identitária.
Essas crenças deságuam na constituição de subjetividades que se reconhecem como
uma unidade totalizadora fechada sobre si mesma, ou seja, elas se reconhecem
como uma identidade.
Nesse contexto, o recurso ao aporte freudiano necessita ser explicitado, pois,
de forma geral, não se pode reduzir, em termos teóricos ou de inscrição psíquica,
o processo de identificação presente na leitura freudiana à configuração da identi-
dade. Da mesma forma, não se pode sobrepor a subjetividade freudiana ao sujeito
da ação moderno, epistêmico e identitário. De modo específico, a contribuição
desse autor se revela promissora na crítica aos limites da consciência e da razão
cartesiana, à medida que o inconsciente descentra e questiona a primazia da iden-
tidade e dos pressupostos epistêmicos e ontológicos universais traçados a priori e
encarnados nos grupos marcados pela unidade e pela repetição.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história da psicologia centrada na perspectiva crítica é atravessada por
sua vinculação com a concepção de sujeito da ação, com o pressuposto da iden-
tidade coletiva e da causalidade formal. Não obstante esse cenário, ao longo das
últimas décadas tornou-se crescente a preocupação com o imbróglio teórico
assente na ideia de que a perspectiva de mudança social e da ação do sujeito
sobre a realidade se vincula de forma inelutável ao coletivo delineado por refe-
rências identitárias (classe, gênero, etnia, dentre outros). Nesse campo, temos
uma intrincada relação entre teoria sobre o poder, concepção de sujeito e de
realidade, que atravessa essas discussões.
Autores localizados em diversos campos do conhecimento e áreas de inter-
venção se fundamentam em ampla escala nas concepções da história, da psica-
nálise, das ciências sociais, da política, dentre outras, e estão a problematizar
essas questões. De forma diversa, há autores que reconhecem a constituição
subjetiva como vinculada tanto à consciência e à razão, quanto ao afeto e ao
inconsciente, bem como problematizam o poder como não necessariamente
centrado no Estado. No cenário contemporâneo autores como Zizek (1992,
2001), Castoriadis (1987), e Butler (1997, 2003), dentre outros, a partir de
diferentes perspectivas, elaboram arcabouços teóricos que oferecem leituras para
a compreensão do psiquismo e da intervenção sobre a realidade que não se re-
duzem à perspectiva universal da subjetividade restrita à consciência e da ação
associada ao sujeito da identidade coletiva. Entretanto, o problema conceitual
por eles enfrentado é delicado e complexo.
Um dos pontos centrais a ser problematizado diz respeito ao pressuposto do
dispositivo grupal calcado na identidade coletiva que acompanha a maioria das
teorias sociais, psicológicas e as suas estratégias de intervenção. A ideia aí presente
é a de que o grupo possui as condições de articular o enfrentamento face ao siste-
ma estabelecido e, ao mesmo tempo, conseguiria romper o substrato ideológico e
psíquico que sustenta a concepção de indivíduo. Dessa forma, as teorias e as prá-
ticas articuladas aos movimentos sociais centradas no pressuposto da emancipa-
ção social são transpostas para as práticas psicológicas realizadas com o objetivo
de produzir efeitos de subjetivação nos participantes alterando as suas concepções
sobre o mundo e sobre o outro. Nesse contexto, podemos localizar uma ampla
gama de atividades realizadas por profissionais que oferecem atendimentos a seto-
res da população marginalizados no âmbito social e que vivem experiências de
sofrimento e de exclusão. Pensamos aqui, por exemplo, nas práticas psicológicas
calcadas no dispositivo grupal e direcionadas ao atendimento de mulheres e crian-
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ças submetidas à violência nas suas diversas manifestações; nos atendimentos ofe-
recidos às crianças e adolescentes sob a tutela de medidas socioeducativas; aos
escolares excluídos do sistema educacional; dentre outras. As práticas com esses
grupos se orientam pelo pressuposto da identidade coletiva e da lógica causal,
com a subjetividade restrita à conformação identitária e à conduta ética vinculada
à racionalidade. Isto implica o entendimento do efeito de subjetivação associado a
mudanças nas representações elaboradas pelo sujeito a partir da experiência cole-
tiva grupal calcada em interesses comuns partilhados com o outro.
O pressuposto que sustenta esse tipo de leitura se encontra na ideia de que
o vínculo que funda a sociedade se localiza no reconhecimento do outro como
um idêntico e na comunhão de um objetivo comum. O outro seria reconhecido
e aceito a partir da sua identidade-mesmidade e do interesse compartido. O
dispositivo grupal é uma das referências centrais utilizadas na intervenção críti-
ca e se sustenta no pressuposto de que a identificação coletiva possibilita a cria-
ção de vínculos entre as pessoas. Ainda, outra referência nodal que sustenta esse
pressuposto diz respeito à lógica formal que pressupõe a relação linear entre
ativo e passivo e entre sujeito e objeto na trajetória traçada pela ação do sujeito
sobre a realidade. Não menos importante é o pressuposto nessa configuração do
dispositivo grupal acerca da necessidade hegemônica nesses grupos, ou seja, se
organizam coletivos marcados por uma égide identitária como grupos étnicos,
grupos de mulheres, de negros, de dependentes químicos, de “panicados”, den-
tre outros. Nesses contextos, concomitante à discrepância de referenciais teóri-
cos adotados, opera a concepção de sobreposição entre a constituição subjetiva
configurada como identidade e a configuração do sintomático. Assim, a chave
para o trabalho psicológico recai tanto na concepção da hermenêutica como
interpretação de um sentido inerente ao sujeito, quanto na suposta comunhão
de identidades entre os sintomas e a configuração psíquica. Temos aqui a
sobreposição entre uma teoria do conhecimento e uma teoria acerca da consti-
tuição subjetiva que reitera a metafísica da presença, pois concebe que os senti-
dos associados ao sofrimento por cada um que o vivencia seriam idênticos, bem
como entende que esses sentidos se encontram estabilizados e incrustados no
psiquismo à espera de serem desvelados.
Desse ponto de vista, problematizar o vínculo e as relações como o cimento
que modula a rede social demanda não conceituar a constituição subjetiva como
subsumida aos pressupostos identitários relacionados à subjetividade, que se reco-
nhece na repetição e reconhece o outro a partir da sua própria representação
identitária. Esse trabalho crítico se justifica, pois o modo de subjetivar calcado
nos pressupostos do sujeito da consciência racional, da identidade individualiza-
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da e da ordem liberal modela o fenômeno da constituição psíquica, porém não
cauciona a sua constituição a esses pressupostos. Ou seja, a subjetividade sujeitada
e individualizada é construída pela ordem capitalista liberal, porém essa constru-
ção se refere a um processo relacional no qual a ação no seu movimento entrelaça
as instâncias envolvidas e os lugares de ativo e de passivo se entrecruzam. Dessa
forma, o modo de subjetivar produtor da subjetividade sujeitada e individualiza-
da, apesar de hegemônico, não subsume de forma plena a configuração subjetiva.
Ainda, esse trabalho crítico também demanda pensar a produção de um disposi-
tivo que possa sustentar o coletivo não mais ou não apenas como subsumido ao
dispositivo calcado na identidade coletiva e no sujeito epistêmico. Essa possibili-
dade teórica e de intervenção abriria caminho ao singular e à sua manifestação no
entrelace com o coletivo. Afinal, uma das críticas direcionadas à proposta de eman-
cipação calcada na tradição moderna e iluminista é justamente o elogio ao univer-
sal subjacente ao sujeito epistêmico e ético.
Consideramos que o trabalho epistemológico revela o seu cunho crítico quan-
do oferece referências e linguagem calcadas em outras concepções sobre o subjeti-
vo e sobre o real que possam instrumentalizar as pessoas para a ação. Nesse aspec-
to, o trabalho para o qual buscamos empreender alguns aportes neste artigo se
relaciona com o campo epistêmico, no sentido de produzir conhecimento que
ofereça linguagem e conceitos capazes de sustentar a prática crítica a partir de
parâmetros articulados às demandas do nosso tempo presente. Em outras pala-
vras, o trabalho no campo das denominadas ciências humanas, e de forma especí-
fica na psicologia, demanda a crítica à metafísica e a produção de dispositivos
para a intervenção grupal. Espera-se que esses dispositivos problematizem tanto a
perspectiva ontológica que concebe o psiquismo estabilizado em um continuum
espaço tempo denominado identidade quanto a concepção epistêmica calcada na
hermenêutica interpretativa que pressupõe o acesso à realidade a partir do desve-
lar de sentidos estabelecidos a priori.
Assim, é necessário questionar até onde é possível sustentar a identidade
como referencial crítico, ou seja, como forma de constituição subjetiva e de atua-
ção sobre a realidade. Em decorrência, a irrupção do discurso do excluído tanto
do universal quanto da identidade afirma novas modalidades de subjetividade e
de intervenção aptas a questionar os axiomas de verdade e de unidade. Elaborar e
construir referenciais teóricos críticos, assim como sustentar práticas de interven-
ção que possam produzir efeitos de subjetivação, parece uma tarefa desafiadora e,
quem sabe, impossível. Porém o impossível é histórico; logo, o que é impossível
hoje pode não o ser amanhã.
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Recebido em 07 de outubro de 2008
Aceito para publicação em 23 de junho de 2009
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