Content uploaded by Bartholomeu Tôrres Tróccoli
Author content
All content in this area was uploaded by Bartholomeu Tôrres Tróccoli on Dec 23, 2014
Content may be subject to copyright.
Available via license: CC BY-NC 4.0
Content may be subject to copyright.
647
Psicologia: Teoria e Pesquisa
Out-Dez 2009, Vol. 25 n. 4, pp. 647-655
Inuência das Percepções Maritais/Parentais sobre Relacionamentos de
Conjugalidade: Método ADI/TIP
1
Maria Clara Jost de Moraes
2
Gisela Renate Jost de Moraes
Flavia Gotelip Corrêa Veloso
Gustavo Martins Malveira Alves
Fundação de Saúde Integral Humanística
Bartholomeu Tôrres Tróccoli
Universidade de Brasília
RESUMO - Este estudo investigou a inuência das percepções maritais e parentais negativas sobre os relacionamentos
de conjugalidade dos participantes e se as mudanças nessas percepções causariam impacto nesses relacionamentos. Foram
selecionados 604 clientes, submetidos à Terapia de Integração Pessoal (TIP), os quais responderam questionários de autoavaliação
nas diferentes fases do procedimento terapêutico. Os resultados revelaram que na presença de diculdade de relacionamento
com a gura parental, os(as) lhos(as) caracterizam os pais com atributos negativos. Além disso, os participantes que relatam
diculdade no relacionamento conjugal também apresentam diculdade de relacionamento com a gura parental, assim como
percepções de diculdades no relacionamento marital dos pais. Esses padrões diminuem ao longo do processo terapêutico,
evidenciando possibilidades positivas da metodologia ADI/TIP em sua prática clínica.
Palavras-chave: percepções maritais; percepções parentais; conjugalidade; psicologia clínica; método ADI/TIP.
Parental/Marital Perceptions’ Inuence upon Conjugal Relations:
ADI/PIT Method
ABSTRACT - This study investigated the inuence of negative marital and parental perceptions upon the participant’s conjugal
relationships and evaluated whether changes in such perceptions would cause impact on these relationships. A sample of 604
individuals, submitted to Personal Integration Therapy (PIT), answered a self-assessment questionnaire in different stages
of the therapeutic procedure. The results revealed that in the presence of a difcult relationship with the parental gure, the
participants characterized their parents with negative attributes. Besides, participants with difcult marital relationships also
had difcult relationships with the parental gure, as well as perceptions of difculties in the marital relationship of their
parents. These patterns fall along the therapeutic process, showing positive possibilities of the ADI/PIT methodology in their
clinical practice.
Keywords: marital perceptions; parental perceptions; conjugal relationship; clinical psychology; ADI/PIT method.
1 Agradecemos a colaboração de médicos, psicólogos, estagiários e
demais funcionários da Fundação de Saúde Integral Humanística –
FUNDASINUM, em especial a seu diretor, Amintas Jacques de Moraes,
que viabilizou a realização desta pesquisa.
2 Endereço para correspondência: R. Montes Claros, 1003, Bairro An-
chieta.Belo Horizonte, MG. CEP 30310-370. Fone: (31) 3071-0101.
Fax (31) 3071-0122. E-mail: pesquisa@fundasinum.org.br.
O fenômeno do relacionamento humano é complexo e
multifacetado, e tem sido foco da preocupação de setores di-
ferenciados do conhecimento (Badinter, 1992/1993; Giddens,
1992/1993, 1999/2002;). Berger e Luckmann (1966/1985),
nesse contexto, armam que a realidade humana só pode ser
apreendida a partir de um processo dialético contínuo em
que o sujeito exterioriza seu ser no mundo social, à medida
que este é interiorizado por ele como realidade objetiva,
construindo seu relacionamento com o mundo, com o outro
e consigo mesmo. O ponto de partida desse processo seria,
entretanto, a interiorização, que se dá a partir dos processos
subjetivos de outros, que se tornam subjetivamente signi-
cativos para o sujeito.
Esses processos de construção da realidade iniciam-se,
por sua vez, na infância e são responsáveis pela formação
básica do eu e do mundo subjetivo. São, portanto, processos
de socialização primários que tem como primeiros “outros
signicativos” as guras parentais (Berger, Berger & Kell-
ner, 1979). Dessa maneira, a introjeção, a identicação e a
formação da identidade, passos na estruturação psíquica que
permitem o desenvolvimento do ego (Erikson, 1902/1976), só
poderão se realizar de forma satisfatória a partir da qualidade
da interação que se estabelece no triângulo pai-mãe-lho(a)
(Corneau, 1997/1999; Winnicott, 1896/1999).
Tem-se, assim, que os complexos paterno e materno esta-
belecidos nessa triangulação constituem-se como verdadeiros
blocos de construção do psiquismo, tendo força condicio-
nante sobre o processo de individuação (Jung, 1875/1996,
1875/1982) e sobre os relacionamentos de conjugalidade.
Entende-se por conjugalidade a união estabelecida entre duas
pessoas, sem necessariamente a existência de um contrato
formal entre elas (Diehl, 2002), tornando possível à existência
de um relacionamento íntimo/afetivo.
648 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Out-Dez 2009, Vol. 25 n. 4, pp. 647-655
M. C. J. Moraes & cols.
Entretanto, nessa interação que se estabelece entre pais
e lhos (modelos parentais), as guras paterna e materna
repercutem de forma diversa na criança, segundo sua seme-
lhança ou diferença sexual em relação aos seus progenitores.
Assim, segundo Corneau (1989/1991), enquanto o proge-
nitor do mesmo sexo desempenha um papel fundamental
na construção da identidade sexual, o progenitor de sexo
oposto estabelece a diferenciação do ponto de vista sexual.
Essa tendência é inata, mas exige, para ser construtiva, o
reconhecimento, nesse outro, de um elemento comum e que
seja fonte de admiração.
No caso de guras parentais percebidas de forma negativa,
o processo de estruturação psíquica e relacional da criança ca
comprometido, pois o lho(a), identicando-se com as atitudes
negativas da gura parental de mesmo sexo, tende a repeti-las
nos seus relacionamentos futuros, assim como projeta sobre o
cônjugue as diculdades vividas com a gura parental de sexo
oposto (Corneau, 1997/1999). Esses referenciais negativos
introjetados acabam por criar transtornos afetivos no lho(a),
provocando atitudes de afastamento do parceiro(a), pelo medo
da reedição de sofrimentos anteriores, o que diculta a cons-
trução de relacionamentos conjugais satisfatórios. Forjam-se,
assim, relacionamentos afetivo-sexuais que tendem a repetir
o padrão negativo vivido com as guras parentais, reiterando,
nos sujeitos, o sofrimento do qual queriam escapar (Leonard,
1982/1997; Moraes, 1985/2001).
Por outro lado, segundo Braz, Dessen e Silva (2005), o
relacionamento marital (dos pais entre si) tem sido apontado
como um fator preponderante para a qualidade de vida das
famílias, tendo em vista que o padrão empregado pelo casal
de ajustamento conjugal, as formas de comunicação e as es-
tratégias de resolução de conitos inuenciam na qualidade
das relações entre os genitores e suas crianças. Justica-se
a importância da boa qualidade de relação marital dos pais,
uma vez que indivíduos conjugalmente satisfeitos têm uma
relação positiva com seus lhos. Gottman e Katz (1989,
citados por Braz & cols., 2005) por sua vez, armam que
o estresse marital pode dicultar o desenvolvimento das
relações sociais das crianças, aumentar sua susceptibilidade
a doenças físicas e, acrescenta-se, emocionais.
Todavia, levanta-se ainda a hipótese de que a criança
aprende a construir relacionamentos afetivos não apenas pela
identicação e projeção daquilo que introjeta das guras pa-
rentais e nem somente pela qualidade da relação parental esta-
belecida com ela, mas também pelas inuências que recebe do
próprio padrão de relacionamento conjugal que percebe entre
seus pais (Moraes, 1985/2001, 1995/2002). Argumenta-se que
esses modelos de relacionamento, percebidos como exemplos
de amor (positivos) ou desamor (negativos), seriam também
levados para a vida adulta e teriam uma forte inuência nos
relacionamentos de conjugalidade desses lhos, questão que
deve ser levada em consideração para a compreensão do fe-
nômeno que se pretende abordar nesse trabalho.
Contudo, apesar do crescente interesse dos pesquisadores
de investigar e compreender as correlações e a interdepen-
dência entre os subsistemas conjugal e parental que envolve a
construção do relacionamento humano, como pontuam Braz
e cols. (2005), a literatura da psicoterapia clínica é escassa
em estudos quantitativos que apontem para tal dinâmica. Por
outra perspectiva, os procedimentos terapêuticos que visam
abordar o sujeito humano a partir de sua história pessoal,
armam que os modelos maritais/parentais repercutem de
forma determinante na estruturação psíquica, condicionando
as relações de conjugalidade (Braz & cols., 2005; Bowlby,
1969/1990; Corneau, 1997/1999; Erikson, 1902/1976;
Winnicott, 1896/1999). Assim, mesmo que se incentive, nas
diversas práticas clínicas, o relato livre dos conteúdos vividos
com as guras parentais (Giddens, 1992/1993, 1999/2002;
Leonard, 1982/1997), permitindo articulações explicativas,
essas elaborações acabam por vitimizar o sujeito a determi-
nações impostas por situações vividas no passado, portanto,
já incorporadas à personalidade.
Dessa maneira, diversos construtos teóricos armam
que essas percepções maritais/parentais são passíveis de
conscientização e aceitação, mas não de mudança em sua
estrutura. Entretanto, uma vez que a melhoria nos relacio-
namentos de conjugalidade passa exatamente pela possibili-
dade de transformação dessas percepções, identicou-se na
intervenção terapêutica da Terapia de Integração Pessoal,
realizada por meio do método da Abordagem Direta do In-
consciente (ADI/TIP), uma possibilidade prática e teórica de
investigação dessas inuências. Tal metodologia terapêutica
permite avaliar a inuência das percepções maritais/parentais
negativas sobre relacionamentos de conjugalidade e investi-
gar se mudanças nessas percepções causariam algum impacto
nessas mesmas relações.
Nesse contexto, a intervenção terapêutica por meio da
ADI/TIP surge como uma possibilidade prática e teórica. Esse
método terapêutico propõe uma inversão na ordem de acesso
aos conteúdos do inconsciente, não por meio do aoramento
desses ao consciente, nem por meio do relato racional e da
associação livre, como é comum nas práticas terapêuticas,
mas levando o sujeito a perceber esses mesmos conteúdos
psíquicos a partir do questionamento direto e consciente ao
inconsciente. Nessa perspectiva, buscam-se os fatos vividos
pelo sujeito tal como eles se apresentam, sem interpretações
e análises, permitindo que esse sujeito os identique e os
descreva no mesmo momento do processo e da maneira como
os vivenciou no passado (Moraes, 1985/2001, 1995/2002).
A proposta do Método ADI/TIP é de uma vivência tera-
pêutica que possibilita a descoberta das conclusões pessoais
que foram registradas no inconsciente do sujeito e que são
descritos conscientemente, aparecendo como códigos exis-
tenciais, sem distorções racionalizadas dos mesmos. Essas
conclusões, segundo Moraes (1995/2002), se manifestam
como Frases-Registros de base, aparecendo de duas maneiras
especícas: Frases-Conclusivas (FC) e Frases-Registros (FR).
A primeira se refere às conclusões elaboradas pelo sujeito
sobre a situação e sobre as pessoas emocionalmente impor-
tantes envolvidas no fato vivido. Essas Frases-Conclusivas
elaboram-se a partir da percepção do sujeito sobre a relação
conjugal de seus pais, sobre o progenitor do mesmo sexo e
sobre o progenitor do sexo oposto. Conclusões estas que, por
sua vez, são generalizadas e projetadas sobre o parceiro(a),
inuenciando o relacionamento afetivo-sexual com o sexo
oposto, provocando posturas de envolvimento ou separação
a partir desses posicionamentos iniciais.
Já a segunda maneira se refere às conclusões formuladas
pelo sujeito sobre si mesmo (Frases-Registros), a partir de
sua percepção do fato vivido. Esses autoconceitos, por seu
649Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Out-Dez 2009, Vol. 25 n. 4, pp. 647-655
Percepções Maritais/Parentais – Conjugalidade – Método ADI/TIP
turno, recebem a inuência, em sua elaboração pessoal, dos
processos de identicação com o progenitor do mesmo sexo,
percebido como semelhante, e, mesmo distorcidos em relação
ao ser essencial da pessoa, são internalizados e generalizados
para outras dimensões existenciais.
Ao atingir o núcleo central do sintoma, no nível do
inconsciente noológico (Moraes, 1985/2001), observa-se
que as Frases-Registros e Conclusivas são resultados de
posicionamentos e decisões do sujeito formulados, princi-
palmente, a partir de situações vivenciadas, como desamor
de seus pais para consigo (percepção negativa das guras
parentais) e/ou desamor dos pais entre si (percepção negativa
do relacionamento marital). Essas conclusões, realizadas
de forma intuitiva e pré-reexiva desde a fase da gestação,
incluem a inuência dos elementos afetivos maternos, que
também são percebidos pela criança, corroborando estudos
que enfatizam a intensa interação mãe-bebê existente desde a
fase gestacional (Piccinini, Gomes, Moreira & Lopes, 2004).
Além disso, esses elementos afetivos maternos reetem
também nos padrões de relacionamento entre a mãe e o pai
da criança (Braz & cols., 2005), sendo que a percepção desse
relacionamento pode rearmar a referência da relação mari-
tal dos pais na construção da estrutura psíquica da criança,
mesmo que na forma da ausência.
Frases-Registros e Conclusivas, portanto, são ideias
enraizadas no núcleo do sintoma relacional, considerando-
se que as estruturas relacionais serão construídas a partir, e
sobre, essas primeiras conclusões afetivas tomadas como
modelo. Dessa forma, a experiência clínica desse processo
traz elementos que permitem uma compreensão mais ampla
da dinâmica psíquica envolvida nos relacionamentos de
conjugalidade, observando-se, porém, que a ênfase recai
sempre sobre o posicionamento pessoal do sujeito diante
daquilo que foi por ele vivido, caracterizando um sujeito pos-
suidor de condicionamentos, mas não por eles determinado
(Frankl, 1946/1973). Descortina-se, assim, a possibilidade
da descoberta, pelo sujeito, da signicação dada por ele aos
fatos vividos, assim como a percepção das consequências
das decisões e posicionamentos por ele tomados.
Ainda, por se atingir o nível psiconoossomático, que
inclui a tridimensionalidade humana (somática, psicológi-
ca e noológica) (Frankl, 1946/1973; Jost, 2006; Moraes,
1985/2001; Vaz, 1991, 1992), permite-se a efetivação da
dimensão da liberdade (dimensão noológica), possibili-
tando, ao sujeito, reposicionar-se diante de suas vivências,
resignicando-as. Autoriza-se, assim, o desmanche da rede
de distorções formadas em torno dessas conclusões negativas,
decodicando-as, além do reforço dos registros positivos,
o que permite ao sujeito mudanças ao nível do seu próprio
ser existencial.
Distingue-se, dessa forma, o processo terapêutico pelo
método da ADI/TIP de outras abordagens clínicas, por não
se limitar à constatação do fenômeno psíquico de repetição
dos modelos estabelecidos pelas guras parentais nos rela-
cionamentos de conjugalidade, mas por propor a terapêu-
tica e a decodicação dos códigos e registros negativos de
base, levantando a possibilidade de transformação dessas
vivências primárias e fundamentais. Além disso, como essa
metodologia prevê uma terapêutica de breve duração (10-15
sessões), possibilita-se o controle do fenômeno estudado.
Justica-se, assim, a escolha dessa metodologia para a pes-
quisa proposta.
Percebe-se, dessa maneira, que o estudo do processo de
internalização dos modelos maritais/parentais e sua correla-
ção com os padrões de relação de conjugalidade futura envol-
vem um intercruzamento de variáveis que incluiriam: (a) o
modelo da relação conjugal dos pais; (b) a identicação com
o progenitor do mesmo sexo; (c) a projeção para o parceiro
da vivência com o progenitor do sexo oposto; e (d) o modelo
da relação afetiva dos progenitores com seu lho(a).
Além disso, como pontua Wendland (2001), o próprio
conceito de interação pressupõe a existência de dois parcei-
ros ou dois fenômenos que reagem reciprocamente, parcei-
ros que trazem uma história relacional pregressa, construída
a partir de outros modelos relacionais. Esses elementos
agregam ao relacionamento conjugal em questão uma nova
variável que não pode ser desconsiderada. Entretanto, como
este trabalho foi realizado em um contexto clínico, tem-
se a limitação da percepção subjetiva do relacionamento
de somente um dos cônjuges, o que está em atendimento
terapêutico, podendo-se apenas inferir, por analogia, que
o mesmo fenômeno ocorre para o parceiro (a), fato que se
adiciona à dinâmica conjugal em estudo.
Reconhece-se, assim, o caráter tridirecional (pai-mãe,
mãe-pai, pais-lhos) e multidimensional da construção do
relacionamento afetivo-sexual. Porém, tendo em vista a com-
plexidade e os desdobramentos dessas dimensões relacionais,
este trabalho limitou-se a investigar quantitativamente a
inuência da diculdade de relacionamento com a gura pa-
rental do sexo oposto e sua projeção para o(a) cônjuge, além
de identicar as inuências da percepção marital conituosa
vivenciadas pelos pais nos relacionamentos conjugais dos
participantes futuros, pela impossibilidade de abarcar, neste
artigo, a amplitude dos elementos que envolvem as relações
de conjugalidade.
Diante do exposto, implementou-se uma pesquisa com o
objetivo de (a) avaliar a presença de diculdade de relacio-
namento com a gura parental do sexo oposto e a percepção
subjetiva do mesmo; (b) averiguar a presença de queixa quanto
à diculdade no relacionamento conjugal heterossexual dos
participantes; (c) investigar a percepção tanto do relacionamen-
to marital dos pais quanto do relacionamento estabelecido com
a gural parental de sexo oposto ao do participante, quando
relatada diculdade conjugal pelo mesmo; (d) identicar as
possibilidades de transformação nas percepções negativas do
relacionamento marital/parental e se tal processo ocasionaria
mudanças nas relações de conjugalidade, à luz da metodologia
da ADI.
Método
Participantes
A amostra total foi composta por 604 participantes hete-
rossexuais, sendo 198 homens (33%) e 406 mulheres (67%),
que procuraram o processo de intervenção terapêutica ADI/
TIP, na cidade de Belo Horizonte, e voluntariamente acei
-
taram participar deste estudo. O perl sócio demográco
650 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Out-Dez 2009, Vol. 25 n. 4, pp. 647-655
M. C. J. Moraes & cols.
dos participantes indica a predominância de faixa etária
adulta variando de 25 a 34 anos (DP=13,8 anos), sendo
que 48% eram solteiros, 42% casados e os 10% restantes
eram igualmente distribuídos em divorciados, separados
e viúvos. Quanto ao nível de escolaridade, 1% da amostra
não tinha formação escolar, 8% tinha o primeiro grau, 25%
tinha o segundo grau, 51% tinha o terceiro grau completo
e 5% tinha pós-graduação, sendo que 10% da amostra não
responderam à questão.
Instrumentos
Como parte de uma pesquisa mais ampla intitulada “Estu-
do do impacto da aplicação do método ADI/TIP no processo
terapêutico”, realizada pela Fundação de Saúde Integral Hu-
manística (FUNDASINUM) no município de Belo Horizonte
(MG), foi desenvolvido um amplo instrumento denominado
Questionário de Autoavaliação do Paciente (QAAP), que
congrega diferentes escalas acerca das motivações para
terapia, vivências socioafetivas e avaliação do bem-estar
psicofísico dos participantes, utilizado em diferentes etapas
do processo terapêutico. Para responder os objetivos deste
estudo foram extraídas informações da escala de vivências
socioafetivas – Escala de Percepção Parental Subjetiva
(Veloso, Jost, Moraes & Tróccoli, 2006) – que mensura as
percepções dos participantes referentes à intensidade da di-
culdade no relacionamento conjugal dos mesmos (DRC),
à presença de diculdade no relacionamento marital dos
pais (DRM), à presença de diculdade no relacionamento
com a gura parental (DRFP) e à intensidade da percepção
subjetiva dos mesmos, denidas a partir de 33 itens selecio-
nados da experiência terapêutica. Tais itens foram agrupados
em três fatores caracterizados por atribuições da percepção
subjetiva das guras parentais: Dominador(a) – Fator D:
guras parentais predominantemente autoritárias, rígidas e
manipuladoras que frequentemente utilizam a punição como
via de controle do comportamento e que são percebidas como
guras sérias, incompreensivas, agressivas e intransigentes
pelo sujeito; Fraco(a) – Fator F: guras parentais caracteri-
zadas como fracas, omissas, ausentes, distantes e não con-
áveis, percebidas como pessoas que não assumem posturas
de responsabilidade, acarretando em comportamentos de
submissão.; Amigo(a) – Fator A: guras parentais percebi-
das como participativas, dedicadas, compreensivas, alegres,
companheiras e presentes, sendo afetuosas e caracterizadas
como capazes e inteligentes.
Tal escala permite que os sujeitos femininos respondam
as questões referindo-se à gura paterna e ao parceiro de
sexo masculino, sendo que os participantes masculinos se
referem à gura materna e à parceira. Em cada questão há
uma escala de mensuração onde 1 = não se aplica; 2 = pouco;
3 = moderado; 4 = intenso e 5 = muito intenso.
Procedimento
A Terapia de Integração Pessoal é composta por dois mo-
mentos: o primeiro tem o objetivo de preparação e treino ao
acesso direto dos conteúdos do inconsciente e o segundo se
refere ao processo especíco de intervenção terapêutica. Essa
intervenção segue uma metodologia com características pró-
prias, sendo executada em 10 a 15 sessões e imediatamente
após a fase preparatória (Moraes, 1985/2001, 1995/2002).
Uma vez estabelecida a agenda de atendimentos dos clien-
tes, estes foram indagados sobre a possibilidade de participar
da pesquisa, recebendo as informações necessárias quanto ao
procedimento, instrumentos, assinatura do termo de adesão
à pesquisa (parecer 47/2003) e garantia do anonimato e da
não interveniência da pesquisa na qualidade do procedimento
terapêutico. Em caso de adesão, os participantes respondiam
ao QAAP em três momentos: (1) após o agendamento da
terapia e antes do início da fase preparatória – nessa fase
(QAAP-A: inicial) era possível observar como a pessoa
estava no momento que buscava por uma terapia sem ter
sido beneciada por qualquer procedimento clínico da ADI.
Essa primeira aplicação dos instrumentos permitia que se
estabelecessem seus valores de linha de base; (2) depois
da fase preparatória e antes da primeira sessão terapêutica
– a aplicação do questionário nesse momento (QAAP-B:
Intermediária) permitia controlar as mudanças nos padrões
comportamentais que tivessem ocorrido pela simples pre-
sença e atenção recebidas em um ambiente de apoio e ajuda.
Na abordagem ADI, todos os procedimentos são dirigidos
para mudanças. Esta segunda mensuração possibilitava a
análise do padrão e ritmo de mudanças; (3) ao término da
última sessão da intervenção terapêutica (QAAP-C: Final). A
comparação desse último momento permitia que se avaliasse
diretamente os efeitos da intervenção terapêutica tanto em
relação ao processo de mudança desencadeados (comparação
QAAP-C: Final vs. QAAP-B: Intermediária), quanto em
relação ao estado inicial da amostra (comparação QAAP-C:
Final vs. QAAP-A: Inicial).
Análises da presença de casos omissos, casos extremos,
normalidade e linearidade das variáveis foram realizadas, não
se observando nenhuma violação dos pressupostos estatís-
ticos (Tabachnick & Fidel, 1996).Dados faltosos (menos de
5% dos casos) foram substituídos pelas médias das variáveis
de cada grupo.
Resultados
Na Tabela 1 estão as frequências de atribuições às gu-
ras parentais como Dominador(a), Fraco(a) e Amigo(a) na
ocorrência ou não de DRFP. Observa-se, na primeira coluna
da Tabela 1, que no grupo de 180 mulheres (44% do total de
406) que indicou ter DRFP, ocorreram 87 (39%) atribuições
de dominador, 60 (27%) atribuições de fraco e 74 (33%)
atribuições de amigo. O número de atribuições feitas excede
o número de participantes uma vez que os mesmos atribuíram
mais de uma característica (Dominador, Fraco e/ou Amigo) à
gura parental. Em contraste com esse grupo, no grupo das
mulheres que inicialmente não relataram DRFP, ocorreram
apenas 20 (11%) atribuições de dominador, 10 (5%) atribui-
ções de fraco e 161 (84%) atribuições ao pai como amigo.
Entretanto, ao nal da intervenção terapêutica, o quadro
das percepções de diculdade com o pai e atribuição de ca-
racterísticas negativas ao mesmo, pai dominador e/ou fraco,
mudou radicalmente, com 364 (90% do total de 406) mu-
651Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Out-Dez 2009, Vol. 25 n. 4, pp. 647-655
Percepções Maritais/Parentais – Conjugalidade – Método ADI/TIP
lheres relatando ausência de DRFP e 279 (92%) percebendo
o pai como amigo. Portanto, para o grupo das mulheres, o
padrão de percepções, avaliações e mudanças correspondem
ao esperado pela abordagem ADI para o contexto clínico. A
abordagem ADI prevê esse padrão de percepções e mudanças
em função dos seus fundamentos e da ecácia dos procedi-
mentos terapêuticos que preconiza.
Já para os participantes masculinos, apesar de mani-
festarem inicialmente uma queixa menor de DRFP (33%),
foi observada uma ocorrência elevada de atribuições de
dominadoras às mães (55%). Já para as outras percepções,
ocorreram 16 atribuições às mães como fracas (20%) e 20
como amigas (25%). Ao término da intervenção terapêutica,
essas percepções foram alteradas, chegando a reduzir em 57%
a atribuição da mãe como dominadora no grupo masculino
com presença de DRFP.
Esse posicionamento diferenciado entre homens e mu-
lheres também aparece diante da ausência de DRFP na fase
inicial. Os participantes femininos, nesse contexto, classi-
caram positivamente o pai, enquanto o grupo masculino
apresentou elevada percepção da mãe como dominadora
(107 atribuições, compondo 82%) e não como amiga (seis
atribuições, compondo 5%), mesmo após o aumento do relato
de ausência de diculdade de relacionamento com essa mãe,
de 132 (67%) para 169 (85%) na etapa nal.
Assim, observa-se que os grupos masculinos e femininos
apresentam clareza na percepção e relato de diculdade em se
relacionar com a gura parental em questão. Entretanto, uma
vez relatada a ausência de DRFP, os grupos se comportam
de forma distinta com relação à atribuição das características
relacionadas à percepção subjetiva da gura parental. A dife-
rença de comportamento observado no grupo masculino nos
leva a pensar que as questões ligadas à socialização masculina
e aos estereótipos ligados aos papéis sexuais, principalmente
de mulher/mãe, devam ser consideradas para compreender
essa classicação da mãe dominadora independente da au-
sência ou presença de diculdade de relacionamento com
a mesma.
Os cruzamentos entre os índices da presença ou ausência
de DRFP e de DRM dos pais,no caso de ocorrência de di-
culdade de relacionamento conjugal (DRC) dos participantes,
estão reproduzidos na Tabela 2. Observa-se a ocorrência
de elevados percentuais de diculdade conjugal no início
da terapia (mulheres: 65% de 406; homens: 50% de 198),
sendo que ao término do processo terapêutico, os grupos de
mulheres e de homens apresentaram uma acentuada redução
dessa diculdade (53% e 67%, respectivamente).
Ainda de acordo com a Tabela 2, na presença de DRC dos
participantes, ambos os grupos relataram DRFP (mulheres:
50%; homens: 43%) e percepção de DRM dos pais (mulheres:
67%; homens: 57%). Entretanto, após a intervenção terapêu-
tica, tanto o grupo feminino quanto o masculino apresentou
uma queda na avaliação de DRFP quando na presença de
DRC (84% e 67%, respectivamente). Ainda nesse contexto,
o mesmo ocorreu para a percepção de DRM, a qual reduziu
63% para as mulheres e 75% para os homens, sinalizando
Tabela 1. Frequências de atribuições à gura parental como Dominadora , Fraca ou Amiga, no caso de ocorrência ou não de diculdade no relacionamento
parental (DRFP), nas etapas inicial e nal da intervenção terapêutica.
Feminino Masculino
Inicial (%) Final (%) Var % Inicial (%) Final (%) Var %
Presença de DRFP¹ 180 44 42 10 -77 66 33 29 15 -56
Dominador(a) 87 39* 9 26* -90 44 55* 19 61* -57
Fraco(a) 60 27* 7 21* -88 16 20* 6 19* -63
Amigo(a) 74 34* 18 53* -76 20 25* 6 19* -70
Total de atribuições 221 34 80 31
Ausência de DRFP 226 56 364 90 61 132 67 169 85 28
Dominador(a) 20 11* 17 6* -15 107 82* 147 96* 37
Fraco(a) 10 5* 7 2* -30 17 13* 4 3* -76
Amigo(a) 161 84* 279 92* 73 6 5* 1 1* -83
Total de atribuições 191 303 130 152
Total (N) 406 406 198 198
O número de atribuições excede o número de participantes uma vez que os mesmos atribuíram mais de uma caraterística (Dominador, Fraco e/ou Amigo)
à gura paternal.
*Percentuais referentes aos números de atribuições totais.
¹DRFP: Diculdade de Relacionamento com Figura Paternal de sexo oposto ao do correspondente.
652 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Out-Dez 2009, Vol. 25 n. 4, pp. 647-655
M. C. J. Moraes & cols.
que o modelo conituoso de relacionamento entre os pais
pode inuenciar os padrões de conjugalidade dos partici-
pantes, o que se considera um fenômeno importante para o
contexto clínico.
Além das análises de frequências apresentadas até aqui,
análises das médias das variáveis referentes às diculdades
relacionais (DRC, DRFP e DRM), bem como as percepções
subjetivas (Dominador, Fraco e Amigo), foram realizadas e
apresentadas na Tabela 3. Nessa tabela estão os resultados
das análises de variância entre as três médias de cada variável
(todas estatisticamente signicativas) e contrastes pos hoc
(Scheffé) comparando as médias das principais variáveis
mensuradas nas três fases da intervenção terapêutica. São
sinalizadas apenas as comparações pos hoc não signicativas,
todas relativas aos contrastes entre as médias da fase inicial
e intermediária. Todas as demais comparações, entre a fase
inicial e nal e a fase intermediária e nal, foram estatisti-
camente signicativas.
Em geral, os resultados da Tabela 3 mostram uma dimi-
nuição ao longo das três fases para as médias das mulheres
relativas a percepções negativas do pai (dominadores, fra-
cos) e dos relatos de diculdades nos relacionamentos. As
únicas médias que apresentaram um aumento entre as três
fases foram às médias das percepções do pai como amigo.
Com exceção de duas comparações, entre a fase inicial e a
fase intermediária, todas as outras comparações revelaram
diferenças estatisticamente signicativas para o grupo das
mulheres. Já para o grupo dos homens, esse mesmo padrão
se manteve apenas para quatro das seis variáveis. Diferen-
temente das mulheres, os homens perceberam suas mães
como menos amigas e mais dominadoras ao longo das três
fases. Além disso, apenas um contraste, entre as médias
do fator DRC da fase inicial e da fase intermediária, foi
signicativa. Todas as demais comparações, entre as duas
médias da fase inicial e da fase intermediária, foram não
signicativas. Esses resultados mostram que ocorreu um
processo signicativo de mudanças, apenas para as mulhe-
res e não para os homens, antes mesmo da fase principal da
intervenção terapêutica.
Tabela 2. Frequências da presença ou ausência de diculdade de relacionamento com a gura parental do sexo oposto (DRFP) e percepção de diculdade
no relacionamento marital dos pais (DRM), no caso de ocorrência de diculdade de relacionamento conjugal dos participantes (DRC), nas etapas inicial e
nal da intervenção terapêutica.
Feminino
Masculino
Inicial (%) Final (%) Var % Inicial (%) Final (%) Var %
Na ocorrência de DRC 262 65* 122 30* -53 99 50* 33 17* -67
presença DRFP 130 50** 21 17** -84 43 43** 14 42** -67
ausência DRFP 132 50** 101 83** -23 56 57** 19 58** -66
presença DRM 175 67** 64 52** -63 56 57** 14 42** -75
ausência DRM 87 33** 58 48** -33 43 43** 19 58** -56
*Percentuais tomados em função da frequência total dos bancos femininos (N=406) e masculino (N=198).
**Percentuais tomados em função da sub-amostra em relação à presença de DRC no banco feminino inicial (N=262) e do banco masculino inicial (N=99)
e nal (N=33).
Tabela 3. Resultados da análise de variância e comparações pos hoc (Scheffé)
entre as médias das percepções sobre a gura parental como Dominadora, Fraca
e Amiga e da diculdade de relacionamento com a gura parental (DRFP),
com o cônjuge (DRC) e entre os pais (DRM), nas três etapas da intervenção
terapêutica.
Inicial
Interme-
diária
Final F
Inicial
vs.
Intermediária
Feminimo
(N = 406)
Amiga 2.72 2.71 3.14 19,14* N.S.
Dominadora 1.98 1.82 1.42 47,16*
Fraca 1.75 1.60 1.21 55,40*
DRPF 2.45 2.14 1.48 70,53*
DRC 3.09 2.76 2.12 61,73*
DRM 3.01 2.86 2.25 37,05* N.S.
Masculino
(N = 198)
Amigo 1.73 1.60 1.27 22,98* N.S
Dominador 3.24 3.30 3.64 11,94* N.S
Fraco 1.68 1.61 1.33 7,03* N.S
DRPF 2.12 2.01 1.61 11,87* N.S
DRC 2.60 2.28 1.74 31,77*
DRM 2.68 2.42 2.04 12,64* N.S
*p <0,01
Obs.: Apenas os contrastes pos hoc não são signicativos (N.S.) foram
colocados na tabela.
As células em branco e todas as outras comparações entre as médias das fases
inicial e nal e fases intermediárias e nal foram signicativas.
653Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Out-Dez 2009, Vol. 25 n. 4, pp. 647-655
Percepções Maritais/Parentais – Conjugalidade – Método ADI/TIP
Mesmo assim, como a maioria dos contrastes entre
as médias das duas primeiras fases foi não signicativa,
encontraram-se forte indicativos de que as contribuições da
fase terapêutica (diferenças signicativas entre as médias da
fase intermediária e da fase nal) são maiores que as da fase
preparatória (maioria de diferenças não signicativas entre as
médias da fase inicial e da fase intermediária). Tais resultados
sugerem fortemente que os procedimentos terapêuticos apli-
cados depois da fase intermediária, tenham sido os contribui-
dores principais, embora não únicos, na redução das queixas
apresentadas no início da intervenção terapêutica.
Discussão
Há muito se tem observado, na prática terapêutica da
ADI/TIP, a elevada demanda de queixas relacionadas a
diculdades conjugais, sendo que ao longo desse processo
os sujeitos trazem elementos que os permitem identicar
associações entre essas queixas e a percepção de diculdades
no relacionamento marital dos pais e com a gura parental.
A partir dessas observações, considerou-se a importância
de pesquisar esse fenômeno quantitativamente, a m de
elucidar os acontecimentos clínicos que agregam saber ao
conhecimento do ser humano.
Nesse contexto, a primeira dimensão avaliada investiga
a importância das percepções subjetivas da gura parental
de sexo oposto sobre os relacionamentos com a mesma,
tendo em vista que essas percepções favorecem a construção
de conceitos sobre essa gura que tendem à cristalização
(Corneau, 1997/1999; Leonard, 1982/1997). A elaboração
de conceitos, quando negativos, diculta o relacionamento
com a gura parental, provocando mecanismos de projeção
desse padrão interacional para o(a) parceiro(a).
Dessa maneira, corroborando a experiência clínica, no
triângulo pai-mãe-lho(a) que se estabelece, é necessário
que no processo de introjeção dos referenciais parentais, os
lho(as) vejam nas guras parentais de sexo oposto ao seu,
modelos que permitam a construção de relacionamentos
afetivos positivos no futuro (Corneau, 1977/1999). Segundo
Leonard (1982/1997), uma lha que teve um relacionamento
negativo com seu pai, tende a projetar sobre outros homens
o medo constante de não ser amada. No caso da relação
triangular pai-mãe-lho, o lho homem tende a concluir
que as mulheres não amam, mantendo, muitas vezes, um
relacionamento frio ou possessivo com o sujeito feminino,
consequência de sua experiência negativa com a gura ma-
terna (Moraes, 1985/2001).
A realização do estudo especicado conforme o sexo
permitiu observar diferenças entre os participantes masculino
e feminino na forma de apreensão das guras parentais, seja
com relação às percepções afetivas que possuem dos mesmos,
seja com relação ao relato da presença de diculdades de
relacionamento tanto com essas guras quanto com os(as)
parceiros(as). Dessa forma, as diferenças observadas podem
se remeter às questões ligadas ao processo de socialização
feminina que encoraja a mulher a expressar afetos e emoções,
permitindo o desenvolvimento de sua capacidade de nomear
sentimentos e diferenciar as diculdades de relacionamento
da atribuição de juízo de valor à gura paterna.
Em contrapartida, os sujeitos masculinos, ao nomear a
mãe como dominadora, independentemente da presença ou
ausência da diculdade com a mesma, sinalizam questões
ligadas à socialização masculina, que ao enfatizar o controle
da expressão de afetos, provoca respostas rígidas, predo-
minantemente impessoais e instrumentais, levando-o a não
questionar o lugar socialmente reservado à mãe (Corneau,
1989/1991; Stengel, 2003). Assim, os lhos tendem a xar a
imagem materna no papel culturalmente esperado da mesma,
relacionando a gura da mãe àquela ligada a comportamentos
de cuidado, controle da vida e educação dos lhos, parte
integrante da moderna construção da maternidade (Giddens,
1992/1993).
A presença de diculdade de relacionamento parental de
sexo oposto para as pessoas que relatam diculdade conjugal
sugere que no âmbito dos relacionamentos afetivo-sexuais
realizam-se triangulações que, partindo dos modelos maritais/
parentais, os perpassam, sendo projetados sobre os relaciona-
mentos de conjugalidade, como ocorrem nas interações pai/
lha/parceiro e mãe/lho/parceira. Esses resultados corro-
boram outros trabalhos clínicos que apontam a importância
das percepções parentais como conguradoras de modelos
afetivos, delimitando as formas de interação estabelecidas
pelos lhos com os parceiros amorosos ao longo da vida
(Corneau, 1997/1999; Erikson, 1902/1976; Jung, 1875/1982,
1875/1996; Leonard, 1982/1997; Moraes 1985/2001; Win-
nicott, 1896/1999).
Por outro lado, como já pontuado, observa-se que ou-
tros fatores podem inuenciar a construção afetivo-sexual
como, por exemplo, os modelos de identicação do sujeito,
a inuência do(a) parceiro(a) com seus elementos subjeti-
vos particulares e, inclusive, as características próprias do
fenômeno interacional. Além disso, não se pode deixar de
considerar a inuência do modelo conjugal aprendido do
relacionamento marital dos pais. Entretanto, são raros os
estudos clínicos que enfatizam essa inuência direta do
relacionamento marital dos pais na elaboração de padrões
de conjugalidade dos lhos(as).
Além disso, diversos construtos teóricos armam que as
percepções desses fatores, uma vez interiorizadas, podem
ser explicitadas e elaboradas, mas não transformadas pelos
sujeitos (Corneau, 1997/1999; Leonard 1982/1997). Todavia,
ao ser considerada a metodologia proposta pela ADI, entende-
se que as construções desses modelos maritais/parentais
podem ser resignicadas a partir de um novo posicionamento
sobre os fatos vividos. Esse fenômeno é possível porque a
mudança nas Frases-Conclusivas e nas Frases-Registros (au-
toconceitos), de negativas para positivas, afeta os padrões de
conjugalidade estabelecido pelo sujeito, desvinculando essas
imagens parentais da percepção do parceiro(a).
Isso demonstra que o processo terapêutico da ADI/TIP
possibilita não só uma mudança na maneira de se perce-
ber os modelos maritais e parentais, mas permite também
um processo de distanciamento e descolamento psíquicos
dessas percepções subjetivas distorcidas, criadas a partir
de vivências negativas com a gura parental. Tais percep-
ções subjetivas são apontadas na literatura como frutos de
identicações negativas com o progenitor do mesmo sexo,
de projeções sobre o sexo oposto e de compreensões distor-
cidas da dinâmica conjugal (Corneau, 1997/1999; Erikson,
654
Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Out-Dez 2009, Vol. 25 n. 4, pp. 647-655
M. C. J. Moraes & cols.
1902/1976; Giddens, 1992/1993; Leonard, 1982/1997;
Moraes, 1995/2002).
Este descolamento psíquico dos modelos maritais/
parentais negativos pode ser compreendido, no contexto
terapêutico, pelo trabalho e efetivação da dimensão nooló-
gica (Moraes, 1985/2001, 1995/2002). Essa terapêutica, por
considerar a dimensão noológica, permite transformações
no nível existencial humanístico, viabilizando ao sujeito
em terapia uma vivência mais autêntica de descoberta e re-
encontro com o seu próprio Eu, denominado na abordagem
como Eu-pessoal. Isso possibilita, por sua vez, a construção
de relacionamentos amorosos mais autênticos (Moraes,
1985/2001, 1995/2002).
Dessa forma, apesar da literatura enfatizar a tendência à
repetição de padrões e estilos de comportamento parental e
seu reexo nas atitudes conjugais (Oliveira, Marin & Pires,
2002), raramente tem sido observado que essa repetição se
dá também por uma internalização, introjeção da concepção
e julgamento sobre as guras parentais (FC), que são proje-
tadas e inuenciam no relacionamento conjugal. Além disso,
são escassas as referências teórico-práticas que apresentem
possibilidades de transformação dessas percepções e seus
possíveis impactos nos relacionamentos de conjugalidade.
O processo terapêutico ADI/TIP, permitindo uma leitura
diferenciada da percepção subjetiva das imagens maritais/
parentais, possibilita um reposicionamento pessoal que age
sobre os relacionamentos de conjugalidade, permitindo
uma nova abordagem sobre o fenômeno que ultrapassa as
hipóteses até então vigentes. Se as percepções, conclusões
e registros negativos não se dão em função do fato em si,
mas pela maneira como esse fato foi signicado por quem
o viveu, ele é passível de ser compreendido e transforma-
do, como os resultados permitiram conrmar, sempre pelo
próprio sujeito, a partir de uma percepção noológica do fato
vivido (Moraes, 1985/2001).
Esses resultados, somados à prática clínica, têm apon-
tado outros elementos importantes para a compreensão do
problema, que merecem ser pontuados e apresentados, de
forma esquemática, aproximando-se do conceito da cons-
trução da subjetividade proposto por Berger e Luckmann
(1966/1985). Tem-se, então, que o sujeito humano, diante
da situação vivida com seus pais, tira conclusões a respei-
to: (a) da situação marital dos pais, introjetando modelos
de relacionamento afetivo-sexual – o que se articularia à
proposta dos autores citados quando se referem à relação
do sujeito com seu mundo; (b) da situação parental, ou da
gura masculina e/ou feminina, introjetando modelos de
identicação e/ou projeção e valores ligados aos conceitos
do ser masculino e ser feminino –conceito que se articula
à ideia, proposta pelos autores, da relação do sujeito com o
outro; (c) de si mesmo, construindo autoconceitos a partir
da percepção dos modelos marital/parental, contudo sempre
de forma pessoal.
Novas pesquisas, portanto, serão de signicativa impor-
tância para a avaliação dessas variáveis que se inter-relacio-
nam e se somam às percepções do outro cônjugue, numa rede
complexa de possibilidades múltiplas que poderiam estar
inuenciando os relacionamentos de conjugalidade.
Acredita-se que esse processo terapêutico possibilita
a mobilização das potencialidades do sujeito e a transfor-
mação das percepções negativas do relacionamento marital
dos pais e dessas guras parentais, com a consequente me-
lhoria na qualidade dos relacionamentos estabelecidas com
essas guras. Essas transformações, por sua vez, reetem
sobre os relacionamentos conjugais presentes, podendo
proporcionar impactos positivos na saúde relacional das
próximas gerações.
Referências
Badinter, E. (1993). Um amor conquistado: o mito do amor
materno (W. Dutra, Trad.). São Paulo: Circulo do Livro. (Trabalho
original publicado em 1992)
Berger, P., Berger, B., & Kellner, H. (1979). Um mundo sin
hogar: modernizacion y conciencia. Santander: Sal Terrae.
Berger, P., & Luckmann, T. (1985). A construção social da
realidade: tratado de sociologia do conhecimento (F. S. Fernandes,
Trad.). Petrópolis: Vozes. (Trabalho original publicado em 1966)
Bowlby, J. (1990). Apego e perda.\ (A. Cabral, Trad.). São
Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1969)
Braz, M. P., Dessen, M. A., & Silva, N. L. P. (2005). Relações
conjugais e parentais: uma comparação entre famílias de classes
sociais baixa e média. Psicologia Reexão e Crítica 18,151-161.
Corneau, G. (1991). Pai ausente. Filho carente: o que aconteceu
com os homens? (L. Jahn, Trad.). São Paulo: Brasiliense. (Trabalho
original publicado em 1989)
Corneau, G. (1999). Será que existe amor feliz? Como as
relações pais e lhos condicionam nossas relações (G. Teixeira,
Trad.). Rio de Janeiro: Campus. (Trabalho original publicado em
1997)
Diehl, A. (2002). Família em cena: tramas, dramas e
transformações. Petrópolis: Vozes.
Erikson, E. H. (1976). Identidade, juventude e crise (A. Cabral,
Trad.). Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em
1902)
Frankl, V. E. (1973). Psicoterapia e sentido da vida: fundamentos
da Logoterapia e Análise Existencial (A. M. Castro, Trad). São
Paulo: Quadrante. (Trabalho original publicado em 1946)
Giddens, A. (1993). A transformação da intimidade:
sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas (M. Lopes,
Trad.). São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista.
(Trabalho original publicado em 1992)
Giddens, A. (2002). Modernidade e identidade (P. Dentzien,
Trad.) Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado
em 1999)
Gottman, J. M. & Katz, L. F. (1989). Effects of marital discord
on young children’s peer interaction and health. Developmental
Psychology, 25, 373-381.
Jost, M. C. (2006) Por trás da máscara de ferro: as motivações
do adolescente em conito com a lei. Bauru: EDUSC.
Jung, C. G. (1982). O eu e o inconsciente (D. F. da Silva, Trad.).
Petrópolis: Vozes. (Trabalho original publicado em 1875)
Jung, C. G. (1996). Fundamentos de psicologia analítica (A.
Elman, Trad.) Petrópolis: Vozes. (Trabalho original publicado em
1875)
Leonard, L. (1997). A mulher ferida: em busca de um
relacionamento responsável entre homem e mulher (M. S. M.
Neto, Trad.). São Paulo: Summus. (Trabalho original publicado
em 1982)
655
Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Out-Dez 2009, Vol. 25 n. 4, pp. 647-655
Percepções Maritais/Parentais – Conjugalidade – Método ADI/TIP
Moraes, R. J. (2001). As chaves do inconsciente. Petrópolis:
Vozes. (Trabalho original publicado em 1985)
Moraes, R. J. (2002). O inconsciente sem fronteiras. Aparecida:
Santuário. (Trabalho original publicado em 1995)
Oliveira, E., Marin, A., & Pires, F. (2002). Estilos parentais
autoritário e democrático-recíproco intergeracionais, conflito
conjugal e comportamento de externalização e internalização.
Psicologia: Reexão e Crítica, 15, 1-11.
Piccinini, C., Gomes, A., Moreira, L., & Lopes, R. (2004).
Expectativas e sentimentos da gestante em relação ao seu bebê.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20, 223-232.
Stengel, M. (2003). Obsceno é falar de amor? As relações
afetivas dos adolescentes. Belo Horizonte: PUC Minas.
Tabachnick, B. G., & Fidell, L. S. (1996). Using Multivariate
Statistic. Northridge, CA: Harper Collins College Publishers.
Vaz, H. C. L. (1991). Antropologia losóca I. São Paulo:
Loyola.
Vaz, H. C. L. (1992). Antropologia losóca II. São Paulo:
Loyola.
Veloso, F. G. C. Jost, M. C., Moraes, G. R. J., & Tróccoli, B. T.
(2006). Impacto dos modelos parentais sobre os relacionamentos
intimo/afetivo com parceiros do sexo oposto num contexto clínico
[Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos
de comunicações cientícas, XXVI Reunião Anual de Psicologia.
Salvador: SBP.
Wendland, J. (2001). A abordagem clínica das interações pais-
bebê: perspectivas teóricas e metodológicas. Psicologia: Reexão
e Crítica, 14, 45-56.
Winnicott, D. W. (1999). Privação e delinquência (A. Cabral,
Trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado
em 1896)
Recebido em 22.11.07
Primeira decisão editorial em 18.11.08
Versão nal em 11.05.09
Aceito em 19.06.09 n