A Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará foi a oitava escola médica
aberta no Brasil em 1919, através do esforço de um grupo pequeno de médicos
locais e em condições adversas. Apenas com a federalização em 1950, a
situação estrutural e financeira da faculdade se estabiliza. Talvez isso explique
o porquê de, apesar de centenária, nossa escola sempre teve dificuldade em
se impor no cenário nacional, em termos de relevância acadêmica.
O ponto de inflexão ocorreu em 1985, quando a Profa. Bettina Ferro de
Souza e seus colegas da cadeira de Propedêutica Médica resolveram publicar
suas experiências conjuntas através do Manual de Propedêutica Médica. Neste
momento, a faculdade fincou seus pés como referência na trabalhosa arte da
anamnese e do exame físico. No cenário local, o “Manual” foi um divisor de
águas entre os ex-alunos da nossa faculdade.
Ao longo deste projeto, pudemos conversar com vários médicos e
alguns professores que foram alunos de Profa. Bettina e estudaram por este
livro, e é nítido como ele marcou diferentes gerações, tanto tecnicamente
quanto emocionalmente. Há uma clara sensação de orgulho do fato de que
um livro tão bem montado possa ter sido gestado em nossa instituição. O
sucesso da obra fez com que o livro ganhasse novas edições e reimpressões
diversas. Contudo, nas últimas décadas, uma série de novos livros de semiologia
com ótima qualidade surgiram no mercado brasileiro, levando o antes
tão lido “Manual” a estantes e armários empoeirados.
O presente projeto surge de dois pilares. Primeiro, a percepção de que
os herdeiros espirituais de Profa. Bettina continuaram a depurar sua arte semiológica
e têm muito conhecimento herdado que merece ser compartilhado
com estudantes de medicina de todo Brasil.
Segundo, a convicção de que o mundo mudou, a medicina mudou
e, principalmente, o modo de aprender dos estudantes mudou desde 1985.
Os professores das escolas médicas têm lutado para se adaptar à revolução
das metodologias ativas no ensino da medicina. Nunca houve tanto acesso à
informação como no mundo da Internet, onde vídeos, áudios e mensagens instantâneas em redes sociais são usados diariamente por nossos estudantes.
Novas questões éticas e desafios sobre promoção de saúde em uma sociedade
mais diversa e igualitária também se incorporaram definitivamente à prática
médica do dia a dia.
Porém, apesar de tantas mudanças, os livros de semiologia parecem
pouco sensíveis a tudo isso. O esquema geral do ensino do exame físico dos
principais sistemas com algo sobre anamnese parece ser reproduzido entre as
obras, com poucas variações. Não conseguimos enxergar este caleidoscópio
de caminhos que a modernidade nos oferece.
Na tentativa de sensibilizar sobre estes pontos, tivemos a honra de
organizar um novo Manual de Propedêutica Médica, concebido e escrito por
múltiplas mãos, de professores e estudantes. Mas esta não é uma outra edição
do livro da Profa. Bettina. Fizemos algo novo, justamente para homenagear a
obra antiga. Escrevemos um manual objetivo, sem a pretensão de um livro-
-texto extenso, com a inovação de adicionar vídeos curtos vinculados a QR
codes inseridos no texto. Tudo para facilitar o estudo do aluno, que poderá
ler a descrição do exame físico e conferir a execução da manobra em um
vídeo dedicado em seu próprio celular.
As inovações continuam no conteúdo. Ousamos ao trazer temas como
anamnese espiritual, tecnologia em semiologia, tópicos de saúde de grupos
específicos (idosos, população LGBTQIAP+, povos indígenas, população
negra e quilombola) e princípios da medicina do estilo de vida. Todos dialogando
com o Brasil atual.
Esperamos que este livro tenha tanto impacto para os estudantes de
medicina do século XXI quanto o seu antecessor. Que ele também possa
fincar seus pés na memória de inúmeros futuros médicos e, mais importante,
ajudar na formação de profissionais de qualidade.
Tenham um ótimo aprendizado!
Belém do Pará, 10 de outubro de 2023
Bruno Lopes Santos-Lobato
Edienny Viana Santos-Lobato