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374
Prática
Clínica
Na
arte da significação (semântica),
estudamos as mudanças ou
as transições sofridas pelas palavras em seus significados, ao longo
do tempo e do espaço. No intuito de caracterizar a homeopatia
como modelo terapêutico para o tratamento das enfermidades
humanas, inúmeros adjetivos são-lhe atribuídos: medicina alterna-
tiva, complementar, não-convencional, coadjuvante, integrativa,
etc. Nestas acepções imputadas ao modelo homeopático, importa
entendermos o conceito ou a noção do que os termos expressam
ou exprimem, pois representam o papel que o agente da ação
(médico homeopata) deverá desempenhar quando assumir tal ou
qual atribuição.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), “os termos
‘complementar’ e ‘alternativa’ (e, às vezes, também ‘não-conven-
cional’ ou ‘paralela’) são utilizados para referir-se a um amplo grupo
de práticas sanitárias que não fazem parte da tradição de um país, ou
não estão integradas em seu sistema sanitário prevalente”, estando
a homeopatia encaixada nesta classificação
1
.
Dentro de uma conotação terapêutica, o adjetivo “alternativo”
significa “o que se diz ou faz com alternação” ou “que vem ora um,
ora outro”, descartando a freqüente atuação da homeopatia de
forma concomitante a outras práticas médicas. A denominação
“complementar” também não condiz com a atuação desta prática no
tratamento das enfermidades humanas, pois significa “que serve de
complemento” ou “que sucede ao elementar”, em contradição às
evidências clínicas que apontam para a resolutividade de diversos
problemas de saúde tratados exclusivamente pela homeopatia.
Assim como para outras formas de tratar distintas das empregadas
comumente pelo modelo tradicional, o termo “não-convencional”
HOMEOPHOMEOP
HOMEOPHOMEOP
HOMEOP
AA
AA
A
TIATIA
TIATIA
TIA
: :
: :
:
PRÁTICAPRÁTICA
PRÁTICAPRÁTICA
PRÁTICA
MÉDICAMÉDICA
MÉDICAMÉDICA
MÉDICA
COADJUVCOADJUV
COADJUVCOADJUV
COADJUV
ANTEANTE
ANTEANTE
ANTE
M
ARCUS
Z
ULIAN
T
EIXEIRA
Trabalho realizado pela Disciplina “Fundamentos da Homeopatia” da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
*Correspondência
Rua Teodoro Sampaio, 352/128.
Cep: 05406-000. São Paulo/ SP.
Tel.: (11) 3083-5243
Fax: (11) 3082-6980
marcus@homeozulian.med.br
RESUMO
Em vista do binômio saúde-doença da concepção homeopática abranger aspectos diversos da individualidade humana, a
escolha do medicamento deve englobar as características psíquicas, emocionais, gerais e físicas do paciente. Neste processo
de “individualização do medicamento”, o entendimento da complexidade humana exige tempo e dedicação, encontrando
a resposta satisfatória após um conjunto variável de atuações. Atuando de forma coadjuvante às demais práticas médicas,
o médico homeopata deve ter consciência de que poderá suspender os medicamentos alopáticos necessários à manutenção
da integridade do paciente tão somente quando tiver certeza da ação substitutiva do medicamento homeopático escolhido.
Deste modo, estará cumprindo o aforismo hipocrático
primo non nocere
.
U
NITERMOS
: Homeopatia. Diagnóstico Constitucional. Diagnóstico Medicamentoso. Simillimum. Terapêu-
tica. Bioética.
“Falar de medicina ‘alternativa’ é... como falar de estrangeiros – ambos os termos são vagamente
pejorativos e fazem referência a amplas e heterogêneas categorias definidas pelo que não são, em
lugar de definir-se pelo que são”. (OMS, 2002)
exprime uma conotação institucional e política para estas atitudes
terapêuticas “distintas das amplamente ensinadas nas faculdades de
medicina e geralmente utilizadas em hospitais”
2
.
No termo “coadjuvante”, que significa aquele que “coadjuva,
ajuda ou concorre para um fim comum”, encontramos um signifi-
cado apropriado para a forma como a terapêutica homeopática deve
se colocar perante as demais práticas médicas vigentes, em vista de
buscarem, como objetivo comum, o bem-estar físico, psíquico,
social e espiritual dos seus pacientes. O adjetivo “integrativo”
(“capaz de integrar ou juntar-se, tornando-se parte integrante”)
também exprime a idéia de atuar de forma integrada com outras
abordagens terapêuticas.
Aspectos práticos da terapêutica homeopática impedem que ela
se arrogue no direito de atuar, indistintamente, de forma indepen-
dente e autônoma (não-coadjuvante, não-integrativa) dos demais
conhecimentos e práticas da medicina moderna, como a prerroga-
tiva
sine qua non
de se valorizar a individualização do medicamento
homeopático,
que significa a
aplicação do princípio da semelhança
entre a totalidade de sintomas característicos do indivíduo e as
manifestações patogenéticas despertadas pelas substâncias nos
experimentadores humanos
3
. Apenas o medicamento homeopá-
tico corretamente adaptado ao conjunto de sintomas característicos
da individualidade enferma (individualizado) poderá promover a
reação homeostática almejada, responsável pela cura de enfermi-
dades crônicas e agudas das mais diversas categorias.
A não observância deste pressuposto obrigatório e intrínseco
ao modelo homeopático de tratamento das doenças redunda em
ineficácia terapêutica, como demonstrou a meta-análise do
The
Rev Assoc Med Bras 2007; 53(4): 374-6
375
Lancet
publicada em 2005: não foram observadas diferenças
estatisticamente significativas quando se comparou a eficácia do
placebo versus a eficácia dos tratamentos homeopáticos que
des-
prezaram a individualização do medicamento homeopático
[a gran-
de maioria dos ensaios clínicos homeopáticos selecionados apre-
sentava desenhos impróprios à clínica da individualidade, empre-
gando “um mesmo medicamento” ou “uma mesma mistura de
medicamentos (complexos homeopáticos)” para uma queixa clíni-
ca comum de todos os pacientes, sendo que na análise final nenhum
dos oito ensaios clínicos homeopáticos incluídos aplicava a
individualização na escolha do medicamento]
4-5
.
Por outro lado, quaisquer médicos homeopatas honestos, que
aproveitem os ensinamentos que a prática clínica lhe demonstra
diariamente, sabem que este “processo de individualização
medicamentosa” nem sempre é imediato, exigindo consultas e
avaliações periódicas no processo gradual de conhecimento do
binômio doente-doença e suas suscetibilidades mórbidas individu-
ais. De forma análoga às outras práticas médicas, incertas por
natureza, as limitações existentes na homeopatia, no médico
homeopata e no paciente exigem um tempo mínimo para que o
ajuste satisfatório do medicamento e suas potências ocorram,
fazendo do tratamento homeopático uma técnica empírica, na qual
os resultados somente serão observados
a posteriori
da adminis-
tração da terapêutica.
Assim sendo, o diagnóstico medicamentoso correto poderá
ser um processo mais ou menos demorado (horas a dias nos
processos agudos; semanas a meses nos processos crônicos),
exigindo do médico homeopata uma conduta consciente e ética que
impeça a suspensão imediata dos demais medicamentos em uso,
desde que necessários e indispensáveis ao bem-estar físico, psíqui-
co, social e espiritual do paciente.
Ao contrário dos episódios benignos, que evoluem de forma
satisfatória, causando incômodos suportáveis ao paciente, nas
doenças agudas e crônicas graves a intervenção terapêutica pode
ser o diferencial entre a vida e a morte.
Todo médico homeopata consciente deve refletir na capacida-
de pessoal, evidenciada em sua experiência clínica diária, de atingir
o diagnóstico precoce do medicamento homeopático individualiza-
do ideal
(simillimum),
único capaz de atuar em profundidade e
estimular a resposta homeostática terapêutica nestes casos com-
plexos. Homeopatas respeitados referem o índice de 20%-30%
de acerto do medicamento
simillimum
num curto período de
acompanhamento do paciente. Desta forma, 70%-80% destes
casos graves, que necessitam de drogas alopáticas para a manuten-
ção das funções vitais, estariam desprotegidos e suscetíveis a
desenvolverem iatrogenias fatais com a suspensão prematura dos
medicamentos em uso.
Desprezando estas premissas inerentes ao modelo, muitos
colegas não assumem o caráter “coadjuvante” do tratamento
homeopático, suspendendo drogas aloenantiopáticas imprescindí-
veis à manutenção do equilíbrio orgânico numa primeira consulta,
ou mesmo antes de terem a confirmação da resposta clínica do
medicamento indicado, desrespeitando critérios fundamentais e
seculares da “boa prática médica homeopática”.
Como aceitar a suspensão imediata de hipotensores em paci-
entes hipertensos graves, da insulina em diabéticos tipo 1, de
anticoagulantes em cardiopatas severos, de broncodilatadores em
asmáticos graves, etc., sem que tenhamos total segurança da
atuação substitutiva do medicamento homeopático prescrito? Além
do possível agravamento da doença de base (AVE, cetoacidose
diabética, IAM, crise asmática grave, respectivamente), a suspensão
abrupta e indiscriminada dos medicamentos enantiopáticos poderá
desencadear a reação paradoxal ou efeito rebote do organismo
(reação vital) causando eventos graves e fatais
6-8
. Como desprezar
a probabilidade da ocorrência destas iatrogenias nesta conduta
homeopática imprudente?
Exemplos deste tipo de conduta inaceitável por parte de colegas
“homeopatas” são vivenciados freqüentemente em pronto-socor-
ros ou atendimentos de emergência, transmitindo a falsa idéia de
que “a suspensão imediata dos medicamentos alopáticos em uso”
representa uma prerrogativa da clínica homeopática. Este precon-
ceito, fomentado pelos casos de insucesso inicial da terapêutica
associados à postura irresponsável de médicos, contribui para que
a homeopatia encontre dificuldades em ser aceita como uma
importante colaboradora no tratamento de inúmeras doenças
perante a medicina convencional.
Em vista de ser um modelo de difícil execução, que exige
dedicação e estudo constante, a terapêutica homeopática deve ser
encarada como “prática médica coadjuvante” perante as demais
especialidades médicas, até que se atinja o
status medicamentoso
ideal
(simillimum),
que poderá permitir a substituição gradativa das
drogas aloenantiopáticas em uso, desde que viável fisiologicamen-
te. Para isto, devemos embasar nossa conduta substitutiva em
exames clínicos e subsidiários (bioquímicos, provas de função,
imagens, etc.) que atestem o reequilíbrio dos sistemas orgânicos
primordialmente alterados, desprezando as suposições da menta-
lidade “contracultural”, avessa aos avanços da ciência contemporâ-
nea, que ainda impregna alguns segmentos do movimento home-
opático.
Homeopatia é coisa séria! Não pode ser encarada como um
deslumbre de médicos “alternativos” que desprezam a integridade
de seus pacientes por acreditarem num “poder absoluto e imediato”
de qualquer substância homeopática prescrita, desprezando, na
maioria das vezes, o critério da individualização medicamentosa,
fundamental para o sucesso da terapêutica homeopática.
Para evitarmos estas disparidades, presentes em todas as
classes de especialistas despreparados, os cursos de formação e
educação continuada em homeopatia deveriam explicitar, de for-
mas claras e objetivas, as
limitações temporais do modelo,
evitando
os exageros da prática médica homeopática displicente, que pode
se transformar num instrumento nocivo quando utilizada de forma
inconseqüente.
Juntamente com a certeza dos benefícios do tratamento home-
opático bem conduzido, que contribui de forma eficaz e efetiva na
resolutividade de inúmeras enfermidades humanas, o médico
homeopata deve incorporar à sua conduta holística, generalista e
integrativa o aforismo hipocrático
primo non nocere
.
Rev Assoc Med Bras 2007; 53(4): 374-6
H
OMEOPATIA
:
PRÁTICA
MÉDICA
COADJUVANTE
376
Conflito de interesse: não há.
S
UMMARY
H
OMEOPATHY
:
COADJUTANT
MEDICAL
PRACTICE
Considering that in the homeopathic conception, the binomial
health-disease encompasses several aspects of human individuality,
choice of the medication should include the patient’s psychic,
emotional, general and physical characteristics. In this process of
“individualization of medication”, understanding the human
complexity demands time and dedication to finding the satisfactory
reply after a variable number of attempts. Acting as coadjutant to
other medical practices, the homeopath should be aware that he
may only interrupt administration of the allopathic drugs necessary
for maintenance of the patient’s integrity when he is assured of the
substitutive action of the homoeopathic medication chosen. This
way, the Hippocratic aphorism
primo non nocere
will be fulfilled.
[Rev Assoc Med Bras 2007; 53(4): 374-6]
K
EY
WORDS
: Homeopathy. Diagnosis Constitutional. Diagnosis
Medicamentous. Simillimum. Therapeutics. Bioethics.
R
EFERÊNCIAS
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2005. Geneva; 2002. Avaliable from: http://www.who.int/medicines/
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Disponível em: http://www.abem-educmed.org.br/rbem/pdf/
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Artigo recebido: 22/02/07
Aceito para publicação: 19/03/07
Rev Assoc Med Bras 2007; 53(4): 374-6
T
EIXEIRA
MZ