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A Caatinga ocupa grande parte do nordeste brasileiro,
cobrindo uma área em torno de 800.000 km2 (Ab’Saber 1974,
Fernandes 1999). Estende-se de 2º 54’ S até 17º 21’S
(Andrade-Lima 1981). O clima influencia bastante a
Caatinga, neste bioma foi assinalada a mais forte insolação e
a mais baixa nebulosidade; as mais altas médias térmicas
(26º-29ºC) e as mais baixas percentagens de umidade
relativa; as mais elevadas taxas de evaporação e, sobretudo,
as mais escassas e irregulares precipitações pluviais (250-800
mm anuais), que são extremamente sazonais e limitadas a um
curto período do ano (2 a 3 meses) (Nimer 1972, Reis 1976).
Especificamente no estado do Piauí, essa formação
vegetal ocupa grande parte da porção leste deste estado,
situando-se na sub-região da depressão periférica crateús-
Parnaguá e sub-região dos altos platôs Araripe-Ibiapaba,
junto a divisa com os estados do Ceará, Pernambuco e Bahia
(CEPRO 1984). A Caatinga representa cerca de 30% da área
total do estado Piauí (CEPRO 1996).
Estudos sobre preferências ecológicas de comunidades de
aves tem sido realizados em diversos biomas brasileiros nas
últimas décadas (Novaes 1970, Negret 1983, Silva e Cons-
tantino 1988, Bierregaard 1990, Aleixo e Vielliard 1995,
Santos 2001a). No entanto, a Caatinga continua sendo o Bioma
com menor grau de conhecimento biológico dentro do País.
As comunidades de aves em duas fisionomias da vegetação de Caatinga no
estado do Piauí, Brasil
Marcos Pérsio Dantas Santos
Universidade Federal do Piauí, Departamento de Biologia – TROPEN – Núcleo de Referência em Ciências Ambientais do Trópico Ecotonal
do Nordeste. Av. Universitária, 1310, Ininga, Teresina – Piauí, Brazil. 64.0449-550. persio@ufpi.br; marcospersio@uol.com.br
Recebido em 07 de maio de 2004; aceito em 19 de julho de 2004
Ararajuba 12 (2):113-123
Dezembro de 2004
ABSTRACT. This work had as objective to analyze the communities of birds present in two distinct physiognomy in the
domain of the Caatinga. Using the method of census for counting through fixed points, it was possible to register a total of
115 species of birds, distributed in 23 families. Arboreal caatinga presented in the study area 33 exclusive species, while in
arbustive caatinga only 21 had been observed. Of the 18 considered species as endemic of the domain of Caatinga, 10
species (55.5%) are observed in the area of the study. Through cluster analysis (“to cluster”), it was possible to observe that
the communities of birds are segregated in two distinct groups, a group related with caatinga arborea and another on catinga
arbustiva. However, difference was not found significant among the average abundance of the species of birds of arboreal
caatinga and arbustive caatinga (U = 6555; p 0,05). Also does not have differences verified between the six areas of
sampling how much the relative abundance of the species of birds (H = 0.394; p 0,05). On the other hand, the data indicate
that it has a distinction of which species are more abundant in each physiognomy.
KEY-WORDS: Ecological analysis, Caatinga, Birds, Piaui.
RESUMO. Este trabalho teve como objetivo analisar as comunidades de aves presentes em duas distintas fitofisionomias no
domínio da Caatinga. Utilizando o método de censo por contagem através de pontos fixos, foi possível registrar um total de
115 espécies de aves, distribuídas em 23 famílias. A caatinga arbórea apresentou, na área de estudo, 33 espécies exclusivas,
enquanto na caatinga arbustiva foram observadas somente 21. Das 18 espécies consideradas como endêmicas do Bioma
Caatinga, 10 espécies (55.5%) estão presentes na área de estudo. Através de análise de agrupamento hierárquico (“cluster”),
foi possível observar que as comunidades de aves estão segregadas em dois grupos distintos, um grupo relacionado com
caatinga arbórea e outro ligado a caatinga arbustiva. Entretanto, não foi encontrada diferença significativa entre a abundância
média das espécies de aves de caatinga arbórea e caatinga arbustiva (U = 6555; p 0,05). Também não há diferenças
verificadas entre as seis áreas de amostragem quanto a abundância relativa das espécies de aves (H = 0.394; p 0,05). Por
outro lado, os dados indicam que há uma distinção de quais espécies são mais abundantes em cada fitofisionomia.
PALAVRAS-CHAVE: Análise Ecológica, Caatinga, Aves, Piauí.
Especificamente com relação as aves, sabe-se que esse
grupo animal possui especializações únicas e aparentemente
responde, de forma diferente dos outros grupos de vertebra-
dos terrestres, às mudanças na composição e estrutura do
hábitat (MacArthur 1964, MacArthur et al. 1966, Karr e
Roth 1971, Wiens e Rotenberry 1981, Askins et al. 1987,
Wiens 1989, Sick 1997). Como a Caatinga é o bioma em que
se registra alguns dos valores meteorológicos mais extremos
dentro do Brasil, espera-se que a biota local apresente
adaptações peculiares a sobrevivência local, tornando-se uma
região especialmente importante para estudos sobre as inter-
relações das comunidades bióticas em um ambiente xérico.
Por outro lado, do ponto de vista da vegetação, existe
uma certa discussão sobre a caracterização fitogeográfica da
Caatinga. Brasil (1973) identificou apenas 03 fisionomias
para a Caatinga, arbórea, arbustiva e parque. Posteriormente
Rizzini (1979) detalhou essa caracterização fitogeográfica,
identificando cinco tipos fisionômicos principais de caatinga:
(a) caatinga agrupada; (b) caatinga arbustiva esparsa; (c)
caatinga arbustiva densa; (d) caatinga arbustiva com
suculentas, e (e) caatinga arbórea. Aumentando ainda mais o
nível de detalhamento, Andrade-Lima (1981) sugeriu seis
unidades de caatinga. Por fim, Fernandes e Bezerra (1990)
reconhecem apenas duas grandes fisionomias, a caatinga
114 Marcos Pérsio Dantas Santos
arbórea e a caatinga arbústica/subarbustiva. De um modo
geral, os autores em maior ou menor grau de detalhamento
perecem reconhecer duas grandes paisagens na Caatinga,
uma de porte florestal e outra de porte arbustiva.
Diante desse contexto, esse estudo tem como objetivo
analisar as comunidades de aves presentes em duas fisiono-
mias distintas da Caatinga, aqui tratadas de caatinga arbórea
e caatinga arbustiva, a fim de verificar suas relações ecoló-
gicas quanto a composição de espécies, abundância relativa e
estrutura trófica.
ÁREA DE ESTUDO E MÉTODOS
O local escolhido para a realização deste trabalho com-
preende as formações de caatinga arbórea e caatinga arbus-
tiva encontradas nos Municípios de Curimatá, Morro Cabeça
no Tempo e Parnaguá, limite sul da distribuição da Caatinga
dentro do estado do Piauí (Figura 1). Essa área foi escolhida
por ainda apresentar um relativo grau de integridade na
cobertura vegetal nativa, haver baixo índice de ocupação
humana e facilidade de acesso.
O presente trabalho foi realizado no período de fevereiro
a abril de 2000, coincidindo com a época chuvosa na região,
período em que se verifica o pico do período reprodutivo das
comunidades de aves na região da caatinga no sul do estado
do Piauí.
Classificação das paisagens
No sul do estado do Piauí, Brasil (1973) reconheceu duas
unidades fitofisionômicas de caatingas: (a) caatinga arbórea
e (b) caatinga arbustiva. A seguir cada uma dessas classes será
descrita conforma a classificação proposta por Brasil (1973):
(a) Caatinga Arbórea – Fisionomia de porte florestal,
com árvores cujas copas tocam-se, não permitindo
assim a visualização dos estratos inferiores. Apresen-
tam caducifolia durante o período de seca. Schnopsis
brasiliensis, Astronium urundeuva, Ziziphus joazeiro
e Caesalpinia pyramidalis, são os elementos típicos
dessa classe.
(b) Caatinga Arbustiva – Caracteriza-se pela uniformi-
dade do estrato arbustivo, entremeadas por plantas
espinhosas como cactáceas e bromeliáceas. Apresenta
como espécies mais representativas Mimosa acusti-
pula, Leocereus squamosus, Anadenanthera macro-
carpa, Bromelia laciniosa, Pilocereus gounellii e
Caesalpinia microphylla.
Análise quantitativa
Para o levantamento das espécies foram realizadas conta-
gens através do método de pontos com raio fixo (Bibby et al.
1992). Com base no estado de conservação e acesso, foram
selecionadas 3 áreas de amostragem para cada um dos dois
tipos de caatingas diagnosticadas na região, totalizando,
portanto, 6 áreas (Figura 2; Tabela 1). Em cada área, foram
Figura 1. Localização da área de estudo, no sul do Estado do Piauí.
Figura 2. As regiões
de caatinga arbórea e
caatinga arbustiva no
sul do Estado do
Piauí, com as seis lo-
calidades estudadas.
115
As comunidades de aves em duas fisionomias da vegetação de Caatinga no estado do Piauí, Brasil
Tabela 1. Localidades analisadas por tipo fisionômico de caatinga.
Localidades Município Latitude Longitude Paisagem
Faz. Espinhos Curimatá 10º 07´ 44º 13´ Caatinga Arbórea (1)
Faz. Coqueirinho Parnaguá 10º 07´ 44º 28´ Caatinga Arbórea (2)
Faz. Serra Negra Morro Cabeça no Tempo 09º 48´ 44º 04´ Caatinga Arbórea (3)
Faz. Pedrinhas Parnaguá 10º 14´ 44º 42´ Caatinga Arbustiva (1)
Faz. Tábua Lascada Parnaguá 10º 12´ 44º 44´ Caatinga Arbustiva (2)
Faz. Jatobá Parnaguá 10º 24´ 44º 43´ Caatinga Arbustiva (3)
estabelecidos 30 pontos de contagem, os quais eram separa-
dos entre si por pelo menos 200 m e trabalhados por dois dias
consecutivos. Esses pontos foram escolhidos a fim de
amostrar a maior parte da diversidade de hábitats existente
dentro de cada área. O raio estabelecido foi de 25 metros. Os
pontos eram demarcados previamente e marcas de referência
(fitas plásticas coloridas) eram colocadas em árvores pró-
ximas para auxiliar a estimativa da distância da ave em rela-
ção ao centro do ponto. A duração de cada contagem foi de
10 minutos, sendo realizada entre 6h:00min às 10h:30min.
Foram sorteados 15 pontos em cada um dos dois dias de
amostragem em cada área. Durante as contagens foram
registrados os nomes e número de indivíduos de cada espécie
encontrada dentro e fora do raio fixo. O índice de abundância
foi calculado, dividindo-se o número total de indivíduos
registrados dentro do raio de 25 metros, pelo total de pontos
realizados em cada área de amostragem (Wunderle 1994).
Guildas tróficas
As dietas foram determinadas através de três dados
básicos: (1) registro de campo, (2) fezes coletadas através das
capturas com redes, e (3) bibliografia (Moojen et al. 1941,
Hempel 1949, Schubart et al. 1965, Silva e Oniki 1988, Sick
1997). As categorias tróficas consideradas foram: F (frugí-
voro), O (onívoro), C (carnívoro/vertebrado), Cp (carnívoro/
piscívoro), Ci (carnívoro/invertebrado), D (detritívoro), G
(granívoro), N (nectarívoro). Em cada local de amostragem
por censos, utilizou-se de forma paralela, redes de neblina
(36mm 12 x 2,5m) de modo a obter dados complementares
sobre a composição de espécies e dados sobre vestígios
alimentares contidos nas fezes depositadas nos sacos de
contenção. Para esse procedimento foram utilizadas 10 redes
de neblina, distribuídas em duas baterias de 5 redes cada. As
redes eram abertas as 6:00 e fechadas as 11:00 e reabertas as
16:00 e fechadas as 18:00 diariamente.
Estimativa de riqueza de espécies
A riqueza de espécies foi definida como o número de
espécies amostradas através do censo e a estimativa de
espécies esperadas foi calculada através do estimador de
primeira ordem Jackknife (Burham e Overton 1978). Foram
verificadas as espécies com apenas um ou dois indivíduos no
total de amostras (Singletons e Doubletons respectivamente).
E ainda as espécies que ocorrem em apenas uma ou duas
amostras (Únicos e Duplos, respectivamente).
Para estas análises utilizou-se o programa ESTIMATES
6b1.
Análises estatísticas
A análise de similaridade entre os hábitats foi realizada
com auxílio do software MVSP (Multivariate Statistical
Package 3.1.), utilizando-se o índice de Sorensen (inci-
dência) para composição de espécies e o índice de Morisita-
Horn (abundância) para análise da abundância. Ambos foram
realizadas pelo método de ligação pela média de grupos
(UPGMA).
O teste de Kruskal-Wallis (H) (teste de variância não
paramétrico para análise de médias de k amostras indepen-
dentes), foi utilizado para verificar se haviam diferenças na
abundância entre as diferentes áreas de amostragem. O teste
de Mann-Whitney (U) (teste estatístico não-paramétrico para
duas amostras independentes) foi utilizado para verificar se
haviam diferenças na abundância entre as fisionomias,
caatinga arbórea e arbustiva.
Todos os testes estatísticos foram realizados com auxílio
dos programas BIOESTAT 2.0 e SYSTAT 6.0.1.
A seqüência taxonômica segue a lista oficial de aves
brasileiras, normalizada pelo Comitê Brasileiro de Registros
Ornitológicos (CBRO).
RESULTADOS
Riqueza e composição de espécies
Um total de 115 espécies de aves, distribuídas em 23
famílias, foi registradas para a área de estudo. A caatinga
arbórea apresentou 33 espécies exclusivas, enquanto a
Caatinga arbustiva apresentou apenas 21 (Apêndice 1). Do
total de espécies observadas na área de estudo, apenas 13
(3,38%) não estão presentes na lista de 384 espécies de aves
registradas para a Caatinga (Pacheco e Bauer 2000), mas
constam na mais recente atualização da lista de aves da
Caatinga (Silva et al. 2003). As famílias com maior riqueza
de espécies foram Tyrannidae (26 spp.), Emberizidae (18
spp.), Formicariidae (8 spp) e Furnariidae (7 spp).
Das 18 espécies consideradas como endêmicas da
caatinga (Stotz et al. 1996, Pacheco e Bauer 2000), 10
116 Marcos Pérsio Dantas Santos
espécies (55,5%) estão presentes na área de estudo. São elas:
Penelope jacucaca, Aratinga cactorum, Anopetia gounellei,
Caprimulgus hirundinaceus, Picumnus pygmaeus, Herpsi-
lochmus sellowi, Hylopezus ochroleucus, Gyalophylax
hellmayri, Megaxenops parnaguae e Paroaria dominicana.
O número de espécies esperadas através do estimador de
primeira ordem Jackknife é de 146 espécies (Figura 3). Como
foram registradas 115 espécies e estimadas 146, segundo o
estimador de riqueza 31 espécies ainda não teriam sido
registradas.
Os “Singletons” e “ Dubletons” representaram 14 e 5
espécies, respectivamente e os “Únicos” e “Duplos” repre-
sentam respectivamente 36 e 27 espécies da amostra total.
As espécies representadas por apenas um ou dois indivíduos
nas amostras (Singletons e doubletons) representam 16,52 %
das espécies. E as espécies que ocorrem em apenas uma ou
duas amostras (únicos e duplos) representam 54,78% (Figura
4). Há uma tendência de estabilização das curvas de
acumulação de “Singletons”, “Doubletons”, Únicos e duplos,
mas essa tendência é quebrada quando há uma mudança na
fisionomia, indicando um incremento de novas espécies, e
conseqüentemente uma diferença na composição de espécies
de aves entre as fisionomias de caatinga estudadas (Figura 4).
Através da análise da composição de espécies por agru-
pamento hierárquico aglomerativo utilizando-se o índice de
similaridade de Sorensen (Incidência), foi possível observar
que as comunidades de aves reúnem-se em dois grupos
distintos, caatinga arbórea e caatinga arbustiva (Figura 5).
Figura 4. Curva de acu-
mulação de espécies
(Singletons, Double-
tons, Únicos e Duplos).
Figura 3. Curva de acu-
mulação de espécies
para os três locais de
amostragem em caatin-
ga arbórea e três em ca-
atinga arbustiva, no sul
do Estado do Piauí
(Utilizando o estimador
de riqueza de espécies
Jackknife 1).
117
As comunidades de aves em duas fisionomias da vegetação de Caatinga no estado do Piauí, Brasil
Figura 5. Análise de agrupamento hierárquico da ordenação e clas-
sificação dos locais de amostragem (caatinga arbórea e caatinga
arbustiva), baseada na incidência das espécies. Método de média de
grupo (UPGMA), índice de Sorensen.
Figura 6. Abundância relati-
va da avifauna em caatinga
arbórea no sul do estado do
Piauí, Brasil.
Figura 7 – Abundância relati-
va da avifauna em caatinga
arbustiva no sul do estado do
Piauí, Brasil.
Abundância relativa
Não há diferença significativa entre a abundância média
das espécies da caatinga arbórea e caatinga arbustiva (U =
6555; p>0,05). Também não foram verificadas diferenças
entre as seis áreas de amostragem quanto a abundância
relativa das espécies de aves (H = 0,394; gl = 5; p > 0,05).
A curva de abundância das espécies para a caatinga
arbórea demonstrou haver pouca dominância de uma só
espécie, e uma distribuição mais eqüitativa dentro da comu-
nidade (Figura 6). A curva para as espécies da caatinga
arbustiva demonstra que neste ambiente há uma dominância
de duas espécies e conseqüentemente uma menor diversidade
(Figura 7).
Utilizando os dados de abundância relativa realizou-se
uma análise de agrupamento hierárquico aglomerativo
0,000
0,200
0,400
0,600
0,800
1,000
1,200
1,400
1 21416181101
Espécies
Abundãncia relativa
118 Marcos Pérsio Dantas Santos
utilizando-se o índice de similaridade de Morisita-Horn
(Abundância), através do qual foi possível observar que os
locais de amostragem igualmente ao dados de incidência
também reúnem-se em dois grupos distintos, caatinga arbórea
e caatinga arbustiva (Figura 8).
Entre as 10 espécies com maior abundância relativa na
caatinga arbórea e caatinga arbustiva há uma diferença de
seis espécies (Tabela 2). Na caatinga arbórea, Furnarius
figulus é a espécie com maior abundância, seguido por
Columbina squammata e Cyanocorax cyanopogon. Já na
caatinga arbustiva, Cyanocorax cyanopogon é a espécie com
maior abundância, seguida por Columbina squammata e
Thamnophilus pelzelni.
Análise das comunidades de aves por guildas tróficas
A análise das guildas tróficas ocupadas pelas espécies de
aves registradas na região da Caatinga, sul do estado Piauí,
demonstrou um predomínio das espécies carnívoro/inverte-
brado (39%), seguidas das onívoras (25,2%), frugívoras (22
spp.; 9%) e granívoras (16 spp.; 6,3%), para ambas as
fisionomias de caatinga encontradas na região. As menos
representativas se encontram nas espécies com sobreposição
de guildas, onívora detritivoras e frugívoro granívoras (01 sp,
0,4%) (Figura 9 e 10).
DISCUSSÃO
O número total de aves registradas na caatinga é de
aproximadamente 510 espécies (Silva et al. 2003). Se
considerarmos a estimativa do método Jacknife com 146
espécies para a região de estudo, teríamos então uma riqueza
de espécies dentro dos padrões esperados para sítios dentro
do bioma Caatinga, uma vez que existe grande variação no
número de espécies entre os locais inventariados até o
momento dentro desse bioma. A Estação Ecológica do
Seridó, (RN) com 116 spp., Estação Ecológica de Aiuaba,
(CE) com 154 spp. (Nascimento 2000), a Floresta Nacional
do Araripe, (CE) com 155 spp. (Nascimento & Neto 1996), o
Parque Nacional da Serra da Capivara, (PI) 208 spp. (Olmos
1993), e o Parque Nacional da Serra das Confusões, (PI) com
222 spp. (Silveira & Santos em preparação).
Apesar da curva de acumulação de espécie indicar uma
tendência a estabilização, o número relativamente baixo de
espécies registradas através do censo pode estar relacionado
com o alto percentual de “Singletons” e “ Dubletons”
(16,52%), sugerindo a presença de muitas espécies de hábitos
conspícuos ou discretos, as quais são menos suscetíveis a
registros por este tipo de metodologia.
Quanto a composição de espécies envolvendo as duas
fisionomias de caatinga estudadas, houve uma clara separa-
ção entre as comunidades de aves presente na caatinga
arbórea e caatinga arbustiva. A Caatinga arbórea apresenta
uma comunidade vegetal mais complexa e estruturalmente
mais diversificada em relação a caatinga arbustiva (Andrade-
Lima 1981). Como as espécies de aves da Caatinga são
essencialmente independentes ou semi-dependentes de
Figura 8. Análise de agrupamento hierárquico da ordenação e clas-
sificação dos locais de amostragem (caatinga arbórea e caatinga
arbustiva), baseada na abundância relativa das espécies. Método de
média de grupo (UPGMA), índice de Morisita-Horn.
CAATINGA ARBÓREA CAATINGA ARBUSTIVA
A. R. Espécie A. R. Espécie
1.278 Furnarius figulus 1.067 Cyanocorax cyanopogon
1.011 Columbina squammata 1.011 Columbina squammata
1.000 Cyanocorax cyanopogon 0.733 Thamnophilus pelzelni
0.956 Paroaria dominicana 0.622 Conirostrum speciosum
0.933 Thamnophilus pelzelni 0.600 Aratinga cactorum
0.911 Leptotila verreauxi 0.511 Nemosia pileata
0.789 Coryphospingus pileatus 0.389 Leptotila verreauxi
0.700 Pseudoseisura cristata 0.389 Myiarchus tyrannulus
0.622 Pitangus sulphuratus 0.378 Tolmomyias flaviventris
0.522 Formicivora grisea 0.367 Brotogeris chiriri
* A. R. – Abundância Relativa
Tabela 2. Lista das 10 espécies com maior abundância relativa na caatinga arbórea e caatinga arbustiva, sul do Piauí, Brasil.
119
As comunidades de aves em duas fisionomias da vegetação de Caatinga no estado do Piauí, Brasil
0
10
20
30
40
50
C i O G F N F; G O ;D C F;C i C ;C i
Gu idas tróficas
Percentual de espécies
0
10
20
30
40
50
60
Ci O G F N F;G C;Ci O;D C F;Ci
Categorias tróficas
Percentual de espécies
Figura 9. Distribuição das guildas tróficas das espécies registradas
na fisionomia de caatinga arbórea, sul do Piauí, Brasil. F:
frugívoro; O: onívoro; C: carnívoro; Ci: carnívoro/invertebrado; D:
detritívoro; G: granívoro; N: nectarívoro.
Figura 10. Distribuição das guildas tróficas das espécies registradas
na fisionomia de caatinga arbustiva, sul do Piauí, Brasil. F:
frugívoro; O: onívoro; C: carnívoro; Ci: carnívoro/invertebrado; D:
detritívoro; G: granívoro; N: nectarívoro.
formações florestais (Santos 2001b), os resultados encontra-
dos possivelmente refletem um padrão de distinção das
comunidades de aves presentes em uma formação de porte
arbóreo (florestal) de outra formação de porte arbustivo.
Muitas espécies possuem hábitos e hábitats específicos
dentro da caatinga, Gyalophylax hellmayri por exemplo, que
é uma espécie de hábitos discretos prefere a caatinga
arbustiva com bromélias. Outras espécies típicas da Caatinga
também apresentam especificidade por hábitats, Herpsi-
lochmus sellowi esta relacionado com a caatinga arbórea,
estando sempre no dossel dessa fisionomia, enquanto
Hylopezus ochroleucus é encontrado preferencialmente no
solo da caatinga arbórea, mesmo que eventualmente seja
observado em caatinga arbustiva.
Com relação a abundância relativa, apesar da análise de
agrupamento hierárquico e classificação dos locais de amos-
tragem haver demonstrado uma distinção entre caatinga
arbórea e arbustiva, estatisticamente não há diferença
significativa entre as duas fisionomias. As curvas de abun-
dância revelam que na caatinga arbórea tem-se uma
distribuição mais eqüitativa entre as espécies com uma menor
dominância específica quando comparado com a curva
gerada para a caatinga arbustiva que além de apresentar uma
distribuição menos eqüitativa tem uma dominância específica
relativamente alta.
É possível que a variação da abundância relativa das
espécies de aves presentes na Caatinga, esteja mais relacio-
nada com a sazonalidade ao longo do ano (seca e chuva) do
que por questões de complexidade do hábitat. Há na Caatinga
uma dependência das espécies pelo clima. É marcante a
explosão reprodutiva no período chuvoso, no qual as espécies
tem três a quatro meses para realizar todas as etapas de
procriação. Infelizmente ainda não há trabalhos envolvendo
esta questão, e ausência de dados que comprovem essa
característica peculiar de uma fauna adaptada para regiões
xéricas.
A análise das guildas tróficas ocupadas pelas espécies de
aves registradas tanto na caatinga arbórea quanto na caatinga
arbustiva, revelaram que ambas as fisionomias apresentam
um predomínio de carnívoros/insetívoros, seguido por
onívoros, frugívoros e granívoros. Esse padrão na composição
das guidas tróficas é semelhante ao registrado por Almeida
(1982) em matas ciliares no estado de São Paulo, Motta-
Júnior (1990) também em São Paulo, Negret (1983) na região
do cerrado no Distrito Federal, e Terborgh et al. (1990) em
área da floresta Amazônica.
De modo geral, os resultados apontaram para uma
distinção na composição entre os dois tipos fisionômicos de
caatinga, porém não sugerem diferenças significativas tanto
na abundância relativa quanto na composição das guildas
tróficas.
Este trabalho é pioneiro a tratar especificamente sobre as
preferências ecológicas das aves da Caatinga. Espera-se que
os resultados aqui apresentados sirvam de base para futuras
comparações, de modo a permitir que em algum tempo seja
possível traçar o padrão ecológico geral das aves da Caatinga,
e que tais dados possam influenciar na tomada de decisões
sobre políticas públicas que gerem recursos efetivos para a
conservação desse que, apesar de exclusivamente brasileiro, é
o menos conhecido dentre os biomas do país.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a José Maria Cardoso da Silva pela orientação
e críticas, a José Fernando Pacheco pelo apoio e sugestões ao
manuscrito, ao revisor anônimo pelas valiosas críticas e
correções, a Elinete Batista Rodrigues e Carlos Alberto pela
ajuda em campo. Agradeço também ao IBAMA/PI pelo apoio
e logística, ao WWF-Brasil pelo suporte financeiro (CSR-
178-00) e CAPES por conceder bolsa de mestrado.
REFERÊNCIAS
Ab’saber, A. N. (1974) O domínio morfoclimático semi-árido das
caatingas brasileiras. Geomorfologia. Universidade de São
Paulo – Instituto de Geografia, São Paulo, 1-39p.
Aleixo, A. e , J. M. E. Vielliard (1995) Composição e dinâmica da
120 Marcos Pérsio Dantas Santos
avifauna da mata de Santa Genebra, Campinas, São Paulo,
Brasil. Rev. Bras. Zool. 12:493-511.
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121
As comunidades de aves em duas fisionomias da vegetação de Caatinga no estado do Piauí, Brasil
Família TINAMIDAE
Crypturellus noctivagus 1 0 O 0.033 0.000
Crypturellus parvirostris 1 0 O 0.100 0.000
Crypturellus tataupa 1 0 F 0.022 0.000
Nothura boraquira 0 1 F;Ci 0.000 0.011
Família ACCIPITRIDAE
Gampsonys swainsonii 1 0 C;Ci 0.011 0.000
Rupornis magnirostris 1 0 C;Ci 0.500 0.000
Família FALCONIDAE
Micrastur semitorquatus 1 0 C 0.011 0.000
Milvago chimachima 1 1 O;D 0.022 0.011
Caracara plancus 0 1 O 0.000 0.011
Falco femoralis 1 0 C;Ci 0.011 0.000
Família CRACIDAE
Penelope jacucaca *1 0 F 0.033 0.000
Família RALLIDAE
Aramides cajanea 0 1 O 0.000 0.011
Família COLUMBIDAE
Columba picazuro 1 1 G;F 0.022 0.011
Columbina minuta 1 0 G 0.178 0.000
Columbina talpacoti 1 1 G 0.356 0.211
Claravis pretiosa 1 0 G;F 0.022 0.000
Columbina squammata 1 1 G 1.011 1.011
Leptotila verreauxi 1 1 G;F 0.911 0.389
Família PSITTACIDAE
Aratinga cactorum *1 1 F;G 0.189 0.600
Aratinga aurea 0 1 F;G 0.000 0.033
Forpus xanthopterygius 1 1 F 0.211 0.111
Brotogeris chiriri 1 1 F 0.022 0.367
Família CUCULIDAE
Piaya cayana 1 1 Ci 0.100 0.100
Crotophaga ani 1 1 O 0.089 0.100
Crotophaga major 1 1 O 0.500 0.033
Guira guira 1 0 Ci 0.056 0.000
Tapera naevia 1 0 Ci 0.011 0.000
Família CAPRIMULGIDAE
Podager nacunda 1 0 Ci 0.011 0.000
Caprimulgus hirundinaceus *1 0 Ci 0.022 0.000
Família TROCHILIDAE
Phaethornis pretei 1 1 N 0.089 0.033
Anopetia gounellei *1 1 N 0.011 0.022
Campylopterus largipennis 1 0 N 0.056 0.000
Chrysolampis mosquitus 1 1 N 0.044 0.022
Chlorostilbon aureoventris 1 1 N 0.067 0.133
Família TROGONIDAE
Trogon curucui 0 1 O 0.000 0.078
APÊNDICE 1 - Lista geral de espécies. Legenda. Guilda: F (frugívoro), O (onívoro), C (carnívoro/vertebrados), Cp (carnívoro/piscívoro), Ci
(carnívoro/invertebrado), D (detritívoro), G (granívoro), N (nectarívoro).
Ocorrência Abundância Relativa
Taxon Arbórea Arbustiva Guilda Arbórea Arbustiva
122 Marcos Pérsio Dantas Santos
Família BUCCONIDAE
Nystalus maculatus 0 1 Ci 0.000 0.033
Família PICIDAE
Picumnus pigmaeus *0 1 Ci 0.000 0.044
Colaptes melanochloros 1 1 Ci 0.044 0.033
Piculus chrysochloros 0 1 Ci 0.000 0.122
Dryocopus lineatus 1 1 O 0.044 0.056
Melanerpes candidus 1 0 Ci 0.033 0.000
Veniliornis passerinus 0 1 Ci 0.000 0.111
Campephilus melanoleucos 0 1 Ci 0.000 0.067
Família FORMICARIIDAE
Taraba major 1 1 Ci 0.144 0.189
Thamnophilus doliatus 1 1 Ci 0.244 0.044
Thamnophilus pelzelni 1 1 Ci 0.933 0.733
Myrmorchilus strigilatus 1 1 Ci 0.344 0.311
Herpsilochmus atricapillus 0 1 Ci 0.000 0.133
Herpsilochmus sellowi *0 1 Ci 0.000 0.056
Formicivora grisea 1 1 Ci 0.522 0.167
Hylopezus ochroleucus *1 1 Ci 0.011 0.078
Família FURNARIIDAE
Furnarius figulus 1 1 Ci 1.278 0.011
Gyalophylax hellmayri *0 1 Ci 0.000 0.011
Poecilurus scutata 1 0 Ci 0.033 0.000
Certhiaxis cinnamomea 0 1 Ci 0.000 0.267
Pseudoseisura cristata 1 0 Ci 0.700 0.000
Megaxenops parnaguae *0 1 Ci 0.000 0.033
Xenops rutilans 0 1 G 0.000 0.044
Família DENDROCOLAPTIDAE
Sittasomus griseicapillus 1 1 Ci 0.056 0.167
Dendrocolaptes platyrostris 1 1 Ci 0.022 0.011
Xiphorhynchus picus 1 0 Ci 0.011 0.000
Lepidocolaptes angustirostris 1 1 Ci 0.100 0.122
Família TYRANNIDAE
Myiopagis caniceps 1 0 Ci 0.089 0.000
Elaenia flavogaster 0 1 O 0.000 0.011
Elaenia cristata 0 1 Ci 0.000 0.011
Leptopogon amaurocephalus 1 1 Ci 0.122 0.111
Hemitriccus margaritaceiventer 1 1 Ci 0.011 0.211
Hemitriccus striaticollis 1 0 Ci 0.022 0.000
Todirostrum cinereum 1 0 Ci 0.067 0.000
Tolmomyias flaviventris 0 1 Ci 0.000 0.378
Platyrinchus mystaceus 0 1 Ci 0.000 0.022
Myiobius barbatus 0 1 Ci 0.000 0.033
Cnemotriccus fuscatus 1 1 Ci 0.067 0.122
Fluvicola nengeta 1 1 Ci 0.067 0.022
Hirundinea ferruginea 1 1 Ci 0.044 0.022
Casiornis fusca 1 1 Ci 0.211 0.256
Myiarchus tyrannulus 1 1 Ci 0.167 0.389
Ocorrência Abundância Relativa
Taxon Arbórea Arbustiva Guilda Arbórea Arbustiva
123
As comunidades de aves em duas fisionomias da vegetação de Caatinga no estado do Piauí, Brasil
Ocorrência Abundância Relativa
Taxon Arbórea Arbustiva Guilda Arbórea Arbustiva
Myiarchus swainsoni 1 1 Ci 0.156 0.178
Pitangus sulphuratus 1 1 O 0.622 0.056
Pitangus lictor 1 0 Ci 0.022 0.000
Megarynchus pitangua 1 1 Ci 0.011 0.178
Myiozetetes similis 1 1 Ci 0.056 0.111
Myiodynastes maculatus 1 1 O 0.056 0.100
Empidonomus varius 0 1 Ci 0.000 0.056
Tyrannus melancholicus 1 0 Ci 0.044 0.000
Pachyramphus polychopterus 1 0 Ci 0.044 0.000
Tityra cayana 0 1 O 0.000 0.111
Tityra inquisitor 0 1 O 0.000 0.011
Família CORVIDAE
Cyanocorax cyanopogon 1 1 O 1.000 1.067
Famíia TROGLODYTIDAE
Thryothorus leucotis 1 1 Ci 0.022 0.011
Troglodytes musculus 1 1 Ci 0.078 0.033
Família MUSCICAPIDAE
Polioptila plumbea 1 0 Ci 0.444 0.000
Turdus rufiventris 1 1 O 0.167 0.011
Turdus leucomelas 1 1 O 0.189 0.144
Família MIMIDAE
Mimus saturninus 1 0 O 0.122 0.000
Família VIREONIDAE
Cyclarhis gujanensis 1 0 Ci 0.111 0.000
Vireo olivaceus 1 1 Ci 0.111 0.122
Família EMBERIZIDAE
Basileuterus flaveolus 1 1 Ci 0.056 0.011
Basileuterus culicivorus 0 1 Ci 0.000 0.111
Coereba flaveola 1 0 O 0.133 0.000
Compsothraupis loricata 1 0 O 0.400 0.000
Hemithraupis guira 0 1 O 0.000 0.067
Nemosia pileata 1 1 O 0.144 0.511
Thraupis sayaca 1 0 O 0.200 0.000
Thraupis palmarum 1 0 O 0.178 0.000
Euphonia chlorotica 1 1 O 0.067 0.022
Conirostrum speciosum 1 1 O 0.100 0.622
Sicalis flaveola 1 0 G 0.011 0.000
Volatinia jacarina 1 1 Ci 0.067 0.067
Sporophila albogularis 1 1 G 0.033 0.022
Coryphospingus pileatus 1 1 G 0.789 0.111
Paroaria dominicana *1 1 G 0.956 0.089
Icterus cayanensis 1 1 F 0.033 0.044
Icterus icterus 1 1 F 0.356 0.233
Gnorimopsar chopi 1 1 F 0.278 0.222
* Espécies endêmicas da Caatinga.