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XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
A BUSCA PELO PROJETO MODERNO E A QUESTÃO DA SUSTENTABILIDADE
NO PÓLO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO ASSU-MOSSORÓ (RN)
EMANOEL MÁRCIO NUNES (1) ; MÁRCIO ANTONIO DE MELLO (2) .
1.UERN/UFRGS, MOSSORÓ, RN, BRASIL; 2.EPAGRI/UFRGS, CHAPECÓ, SC,
BRASIL.
emanunes@zipmail.com.br
APRESENTAÇÃO ORAL
AGRICULTURA, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A BUSCA PELO PROJETO MODERNO E A QUESTÃO DA SUSTENTABILIDADE
NO PÓLO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO ASSU-MOSSORÓ (RN)
Grupo de Pesquisa 6: Agricultura, meio ambiente e desenvolvimento sustentável
Resumo
Este trabalho tem como finalidade apresentar algumas evidências acerca da modernidade e
suas conseqüências, e das tentativas de implementação do projeto moderno no espaço rural do
Pólo de Desenvolvimento Integrado Assu-Mossoró (RN). Além disso, pretende-se apreender
qual o papel do Estado e quais as relações existentes no contexto do Pólo, tendo em vista a
preocupação com o meio ambiente e a sustentabilidade diante das transformações e impactos
(desencaixes) resultantes da globalização. Baseando-se em interpretações de autores como
Antony Giddens e Ulrich Beck, o objetivo aqui é apresentar a partir de suas contribuições uma
análise sociológica da modernidade e dos seus riscos, além de demonstrar que associada ao
reconhecimento de forças direcionadas de cima para baixo impulsionadas pela globalização,
obtém-se um arcabouço teórico capaz de interpretar a direção que vem tomando o
desenvolvimento no espaço rural do Pólo Assu-Mossoró. Assim, de maneira geral, tenta-se
verificar quais os caminhos possíveis do desenvolvimento e as formas de reação (reencaixe),
de baixo para cima, praticadas por parte dos agentes e das instituições frente aos impactos da
globalização.
Palavras chave: Modernidade e risco, globalização, sustentabilidade, pólos de
desenvolvimento integrado.
Abstract
This work has as purpose to present some evidences concerning the modernity and its
consequences, and of the attempts of implementation of the modern project in the agricultural
space of the Polar region of Desenvolvimento Integrado Assu-Mossoró (RN). Moreover, it is
intended to apprehend which the paper of the State and which the existing relations in the
context of the Polar region, in view of the concern with the environment and the
sustentabilidade ahead of the transformations and impacts resultant of the globalization. Being
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
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"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
based on interpretations of authors as Antony Giddens and Ulrich Beck, the objective is here to
present from its contributions a sociological analysis of modernity and its risks, beyond
demonstrating that associated to the recognition of directed forces from top to bottom
stimulated for the globalization, one is gotten arcabouço theoretician capable to interpret the
direction that comes taking the development in the agricultural space of the Assu-Mossoró
Polar region. Thus, in a generalized manner, it is tried to verify which the possible ways of the
development and the forms of reaction (reencaixe), of low for top, practised on the part of the
agents and the institutions front to the impacts of the globalization.
Key Words: Modernity and risk, globalization, sustentabilidade, polar regions of integrated
development
1. INTRODUÇÃO
Diversos estudos apontam a década de 1990, período posterior à queda do socialismo
de Estado, como responsável pela mais intensa expansão dos principais pressupostos do
padrão moderno de desenvolvimento ocidental e o ápice da separação entre a sociedade e a
natureza. A aceleração do crescimento econômico capitalista passou a ocorrer de maneira
desordenada e “exponencial”, e a acarretar problemas sérios nos principais fundamentos da
vida e da natureza, o que despertou a necessidade de questionamento no que diz respeito a
adequação entre crescimento material e meio ambiente.
O conhecimento racional e a certeza, que nascem com o Iluminismo, têm sua
intensificação depois da II Guerra Mundial, e são acelerados nos anos 1990, vinham se
firmando como a base do projeto ocidental de civilização moderna, e passou a apresentar
falhas quando o crescimento da produção material passou a se dá sem respeitar limites e a
mostrar os seus riscos para a humanidade e para todas as formas de vida do planeta. O
afloramento dos riscos frutos do avanço da chamada modernidade, mediante o processo de
globalização, vem colocando em questão a certeza da ciência e forçando a uma reflexão e
questionamentos acerca da viabilidade da sua continuidade. Além disso, o processo de
globalização vem acirrando as relações Norte x Sul entre países e estimulando reações de
baixo para cima às forças de cima para baixo, numa relação local/global/local. Estas relações
vêm gerando o que GIDDENS (1991) define como a dor do processo de modernização, ou seja,
as agudas desigualdades sociais e econômicas e a degradação ao meio ambiente.
Para isso, diversos estudos vêm defendendo a construção de um novo tipo de modelo
para o sistema capitalista, que aponte, conforme aponta VARGAS (1997), para uma “nova
organização social desenvolvimentista” em bases modernizantes, a partir da análise de suas
diferentes dimensões: social, econômica, política, cultural e ambiental. Para esta nova
perspectiva, se abriria para as sociedades modernas, e principalmente aos países em
desenvolvimento, o que vários autores buscam definir como “desenvolvimento sustentável”.
A partir do exposto acima, o objetivo deste trabalho é analisar as transformações que
ocorrem no espaço rural do Pólo de desenvolvimento Assu/Mossoró, defendendo a hipótese
de que, mesmo ainda predominando os pressupostos do projeto moderno, o seu
desenvolvimento rural pode ser pensado a partir da lógica de uma síntese que vise combinar
as estratégias buttom-up e top-down. Não somente como uma alternativa de superação das
dificuldades dos atores (agricultores familiares, principalmente), mas, sobretudo, como eixo
fundamental e estratégico para um desenvolvimento mais amplo, dinamizado desde baixo, a
partir da contribuição de ações localizadas e desenvolvidas pelo segmento da agricultura
familiar combinada com as ações desde cima dos governos estaduais e do federal.
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Assim, partimos no item 2 da noção de pólos, do resgate da importância da perspectiva
desenvolvimentista utilizada de forma deturpada, onde a fé na noção de progresso se dava
pela busca do status de moderno mediante a prioridade em empresários capitalistas. No item 3
procuramos fazer uma análise, através da interpretação teórica a partir de autores como
Antony Giddens e Ulrich Beck, dos principais fundamentos da modernidade e dos seus riscos
para o meio rural, enfatizando o processo de globalização como a principal força exógena
que ameaça as ações localizadas. No item 4 buscaremos mostrar qual a participação do Estado
na estruturação do projeto moderno, e a difícil busca pela sustentabilidade no espaço do Pólo
Assu/Mossoró, enfocando estudos de autores europeus que traduzem as transformações e
estratégias da agricultura familiar em países desenvolvidos, e confrontar com a lógica de
desenvolvimento do Pólo no intuito de saber se o modelo adotado no seu espaço tem
cumprido o papel histórico de constituir-se numa estratégia de resgate da agricultura familiar
e da sustentabilidade. No item 5, procuramos mostrar quais as principais reações dos atores e
suas estratégias localizadas frente às forças da globalização e o poder de concertação e
regulação por parte de arranjos do ambiente institucional. Por fim, traçamos algumas
conclusões, principalmente no sentido de apreender se as relações entre os atores e
instituições foram capazes de construir, ou iniciar a construção de um desenvolvimento com
uma “nova organização social desenvolvimentista” pautada na sustentabilidade.
2. PÓLOS DE DESENVOLVIMENTO NO NORDESTE E A BUSCA PELO STATUS DE
MODERNO: UM BREVE RESGATE HISTÓRICO-TEÓRICO.
A concepção dos pólos de desenvolvimento para a região Nordeste na segunda metade
da década de 1990 vem da inspiração na perspectiva desenvolvimentista de espaço e
polarização teorizada pelo francês François Perroux. Na visão desse autor, uma determinada
região é caracterizada como pólo de influência e atração por possuir uma dinâmica econômica
e social definida e ser dotada de processos contínuos e potenciais de inovação tecnológica,
alta mobilidade de fatores (migração entre eles) e de intenso relacionamento institucional.
A principal preocupação dessa perspectiva, portanto, era com a desigualdade do
desenvolvimento em realidades que predominava o avanço da modernidade e onde imperava
a fé na noção de progresso, este último como conseqüência do crescimento econômico.
François Perroux em sua obra L´économie du XXème siècle, de 1964, procurou diferenciar o
significado dos termos crescimento e desenvolvimento concluindo que são realmente
diferentes. Para conceituar o desenvolvimento, PERROUX (1964) se inspirou em fundamentos
da Teoria Econômica, para classificá-lo como uma “combinação de um conjunto de mudanças
sociais e de mentalidade de um determinado povo que vive numa realidade de desigualdade
sócio-econômica e que reage, na tentativa de alterar as estruturas em favor do seu bem-estar”.
A crença nessa perspectiva, a qual tinha como finalidade a integração (funcional e
depois territorial) do desenvolvimento, foi difundida logo após a Segunda Guerra Mundial,
momento em que os países mais ricos colocaram como necessidade a implementação de
programas econômicos, a serem executados por agências multilaterais, objetivando diminuir
as desigualdades sócio-econômicas de regiões e de países. Essa estratégia se deu a partir do
plano externo (geo-político) que atendia regiões definidas do mundo, e do plano local, ou
interno, o qual buscava ajudar países, mais especificamente.
No plano externo, essas idéias desenvolvimentistas foram amplamente teorizadas e
difundidas por diversos autores internacionais do pós-guerra, entre eles o economista sueco
Gunnar Myrdal. Além disso, foram sugeridas e estimuladas por instituições multilaterais,
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como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
1
, e absorvidas
principalmente nos países em desenvolvimento dos anos 50 e 60, entre eles o Brasil.
No plano interno, aqui no caso brasileiro, as preocupações com o desenvolvimento
desigual tiveram início ainda na década de 1950. Foram reforçadas na década de 1970 com
uma expressiva presença do Estado brasileiro, se estendendo pelas décadas seguintes e se
intensificando a partir da segunda metade da década de 1990. Isso por perceber que, depois de
cerca de cinqüenta anos depois, o modelo adotado e estimulado pelas agências multilaterais
fez com que o país chegasse ao final dos anos 1980 com uma visível e permanente
desigualdade. Neste contexto, notava-se que a produção de riqueza e os sinais da
modernidade se concentravam principalmente no Centro-Sul do país deixando à margem
outras regiões, como a Nordeste. Além disso, por perceber que, mesmo adotando um modelo
de crescimento baseado em mecanismos de incentivos estatais nas décadas de 1970 e 1980, a
partir da ação planejadora da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE),
órgão criado em 1958, o Nordeste permanecia preocupante quanto aos seus principais
indicadores sócio-econômicos. O planejamento da região por parte do Grupo de Trabalho
para o Desenvolvimento do Nordeste, o GTDN, conforme LIMA (2000), estabeleceu suas
diretrizes seguindo a lógica setorial e elegeu como prioridades os investimentos na indústria,
os quais se tornaram predominantes, e na agricultura, na tentativa de transformar a economia
agrícola da faixa úmida com vistas a proporcionar uma oferta maior e mais adequada de
alimentos nos centros urbanos, cuja industrialização deveria ser intensificada.
Para o meio rural, o GTDN influenciou, nas décadas de 1970 e 1980, a instalação de
grandes programas de cunho empresarial, o qual se apresentava com o status de moderno,
dentro das metas do segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, o II PND. Eram programas
que atendiam pela denominação de desenvolvimento rural integrado. Os principais foram o
POLONORDESTE - Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste, em
1974; o Projeto SERTANEJO - Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da Região
Semi-árida do Nordeste, em 1976; e o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor, apoiado pelo
Banco Mundial, em 1982.
Esses programas tomaram por base uma estratégia do governo federal dos anos 1970,
em que a agricultura ampliaria sua escala, e seria conduzida como parte de um processo mais
amplo, onde integram, sob a ótica do planejamento, problemas de produção, mercado, infra-
estrutura econômica e social, pesquisa, assistência técnica e financiamento. Como visto, não
eram previstas as preocupações com a questão do meio ambiente.
As atividades realizadas nos planos de desenvolvimento rural integrado do
POLONORDESTE, a partir da agricultura irrigada ou de sequeiro em áreas mais férteis e
menos afetadas pelas secas, como nas serras úmidas, mostraram-se economicamente viáveis,
mas questionada posteriormente a sua sustentabilidade. Segundo apontamentos de LIMA
(2000), o mesmo ocorreu com os projetos dos Núcleos Sertanejos, implantados em áreas
irrigáveis ou em áreas secas, onde foi possível implantar uma infra-estrutura hídrica, como os
casos do Projeto Petrolina (PE)-Juazeiro (BA), na década de 1970, e do Projeto Baixo-Açu
(RN), na segunda metade dos anos 1980. A maioria dos programas não obteve êxito devido à
descontinuidade, deficiência na regulação, à degradação ambiental, ao desvio dos recursos e à
dimensão espacial excessivamente ampla dos projetos, que os tornaram pouco operacionais.
1
A ação destas instituições multilaterais representam, para B
UTTEL
(2000), a sugestão e direcionamento do
modelo de desenvolvimento a ser adotado nos países pobres, pelo fato destas serem as ofertantes dos recursos
financeiros necessários a implementação dos programas. Para este autor, isso sempre representou barreiras
institucionais impostas aos países pobres que limitam sua autonomia e desenvolvimento.
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A crise desse modelo diminuiu o papel da SUDENE ao longo do tempo levando à sua
desativação no fim dos anos 1990.
A partir da segunda metade dos anos 1990 é renovada a preocupação na escolha dos
projetos para a região Nordeste, insistindo na mesma fé da noção de progresso, na busca pelo
status de moderno, onde empresários capitalistas foram colocados como atores privilegiados,
e na lógica dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento anteriores, esta última
agora delineada no Plano Plurianual 1996-1999 (Brasil em Ação) do Ministério do
Planejamento. A partir disso, buscou-se formar um conjunto de empreendimentos estratégicos
para promover, mais uma vez, a lógica da integração e o desenvolvimento do Nordeste
definindo-se, assim, a criação de 12 Pólos de Desenvolvimento Integrado. Estes Pólos
encontram-se distribuídos nos estados da região Nordeste e no norte dos estados de Minas
Gerais e do Espírito Santo e, entre eles, o Pólo de Desenvolvimento Integrado Assu-Mossoró
(RN) criado no ano de 1997.
A busca pelo desenvolvimento, para o Nordeste e especificamente para o espaço rural
do Pólo de Desenvolvimento Integrado Assu/Mossoró, sempre foi para conseguir o status de
moderno. E, tendo em vista que isso é proporcionado por pressupostos do que os atores
acreditam ser a modernidade tentaremos, a seguir, e a partir da interpretação de Antony
Giddens e Ulrich Beck, realizar uma análise teórico-conceitual da modernidade reflexiva, da
expansão de seus riscos, e de suas conseqüências para o meio rural, entre elas a globalização.
3. MODERNIDADE, GLOBALIZAÇÃO E OS SEUS RISCOS PARA O MEIO RURAL:
UMA ANÁLISE TEÓRICO-CONCEITUAL
Buscando uma aproximação a partir da análise de GIDDENS (1991), a modernidade
passa a ser definida como um conjunto de costumes, estilos, modos de vida e de organização
social que emergiu e se consolidou a partir do século XVII na Europa, sendo difundido
posteriormente para outros países do mundo ocidental. A modernidade teve como base o
pensamento Iluminista e a cultura ocidental, os quais emergiram de um contexto religioso,
contexto este que por muito tempo predominou uma idéia diretiva do pensamento cristão com
um tipo de certeza (a divindade), o qual foi substituído por outro tipo de certeza (o da
observação empírica). O processo de expansão da modernidade para os demais países se
estendeu até o final do século XX e se deu através da difusão do projeto moderno, este
caracterizado pela racionalidade empírica e pela certeza da ciência, o qual era sustentado pela
fé na idéia de progresso
2
. E este progresso tinha no advento da Revolução Industrial e no
paradigma da indústria, o seu principal esteio de sustentação.
A fé no progresso representava o impulso necessário para as possibilidades benéficas
abertas pela era moderna, como a garantia em conseguir o estado de bem-estar, que fazia
acreditar que valeria à pena lutar para superar o que havia de negativo. Mas com essa euforia
não se chegou a prever o que BECK (1995) aponta como efeitos colaterais da tecnologia que
desmantelam a sociedade, e o que GIDDENS (1991) coloca como riscos, ou seja, o potencial
destrutivo de expressiva dimensão das forças de produção em relação ao meio ambiente e, por
outro lado, um construtivo com relação ao que ele chama de “industrialização da guerra”. Isso
se coloca como um ponto de contradição, no momento em que a crença no projeto moderno
era a de que o progresso levaria a um mundo melhor e mais seguro. Isto tem servido para
2
A noção de progresso está aqui associada a um processo dinâmico e evolucionário, onde se caminha sempre
para frente com ênfase na visão do positivo e não no negativo, na substituição do novo pelo velho, do complexo
tomando o lugar do simples, do moderno como melhor que o atrasado... Essa crença inicialmente era validada
pela certeza de que se conseguiria, no futuro, a garantia de uma vida melhor, ou seja, um estado de bem-estar.
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fazer mais do que simplesmente enfraquecer e nos forçar a provar a suposição de construção
de uma ordem social mais feliz e mais segura.
O período correspondente aos três últimos séculos, e que se configura como a era
moderna, foi caracterizado pela inércia homogênea, pela dinâmica econômica universal e
pelas descontinuidades. Essas descontinuidades ocorridas ao longo do tempo, segundo
GIDDENS (1991), foram responsáveis pela separação das instituições modernas das ordens
sociais tradicionais, em função de um ritmo de mudança que este período moderno ditou e
colocou em movimento. Este ritmo, o qual se configurou acelerado com o avanço da
racionalidade e da indústria, passou a separar cada vez mais a sociedade do meio ambiente, a
cidade do campo, o urbano do rural... Além disso, gerou problemas nas formas de como se
comportam os variados e heterogêneos sistemas sociais, causando um distanciamento cada
vez maior na relação tempo e espaço.
Para GIDDENS (1991), essa separação entre tempo e espaço é crucial para o extremo
dinamismo da modernidade, pois ela é condição maior do processo de desencaixe
3
. Por outro
lado, este fenômeno serve para abrir múltiplas possibilidades de mudança liberando das
restrições dos hábitos e das práticas locais, isso em função da capacidade das organizações
modernas de conectar o local e o global de formas impensáveis em sociedades tradicionais.
Seguindo este sentido, BECK (1995) coloca como desincorporação este fenômeno
característico de uma sociedade de risco, o qual para ele representa a transição da sociedade
industrial para outra modernidade. Neste caso, em condições de modernidade, e mais
recentemente de globalização, o lugar representado pela comunidade, pelo local, é penetrado e
moldado em termos de influências sociais bem distantes deles.
São dois os tipos de mecanismos de desencaixe apontado por GIDDENS (1991)
intrinsecamente envolvidos nas instituições sociais modernas: as fichas simbólicas e os
sistemas peritos. O dinheiro é um dos maiores exemplos de mecanismos de desencaixe
associados à modernidade e, na condição de ficha simbólica, representa uma forma
desenvolvida de relações de crédito e débito, que dizem respeito a uma pluralidade de trocas
amplamente difundidas, fazendo com que seja um meio de distanciamento tempo-espaço. Já
os sistemas peritos representam, para GIDDENS (1991), sistemas de excelência técnica
responsáveis pela organização de grandes áreas do ambiente material e social em que vivemos
atualmente, como profissionais competentes em suas áreas que são procurados por leigos, e a
quem estes últimos confiam.
Estes mecanismos de desencaixe dependem da confiança, esta última como um
elemento envolvido de uma maneira fundamental com as instituições da modernidade. A
confiança deve ser compreendida especificamente em relação ao risco, termo que passa a
existir apenas no período moderno, e diz respeito à credibilidade nas transações entre
indivíduos. A confiança deve ser sempre promovida e garantida pelas instituições modernas, a
partir do princípio da ação coletiva, princípio este caso referenciado pelo Estado democrático.
Para GIDDENS (1991), nas culturas tradicionais, o passado é honrado e os símbolos
valorizados porque contém e perpetuam a experiência acumulada de gerações. A tradição é
um modo de integrar a monitoração da ação com a organização tempo-espaço da comunidade.
Nas civilizações tradicionais, a reflexividade está ainda em grande parte limitada à
interpretação e esclarecimento da tradição, de modo que “... nas balanças do tempo o lado do
3
Por desencaixe, G
IDDENS
(1991) se refere ao deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação
e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo e espaço. Essa reestruturação tende a ocorrer a
partir de uma transição do mundo tradicional para o mundo moderno mediante o avanço das forças que
representam a lógica determinante do sistema capitalista.
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‘passado’ está muito mais abaixo, pelo peso, do que o do ‘futuro’” (GIDDENS, 1991: 45). Já na
vida social moderna, a reflexividade consiste no fato de que as práticas sociais são
constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias
práticas, que geram preocupação alterando assim constitutivamente seu caráter. Isso quer
dizer que a modernidade é caracterizada pelo apetite e a busca constante pelo novo.
Atualmente, segundo constata GIDDENS (1991), não conseguimos nos deslocar para
além da modernidade e, inseridos num contexto de globalização da economia mundial,
estamos vivendo precisamente através de uma fase de sua radicalização. Em condições de
modernidade, uma quantidade cada vez maior de pessoas vive em circunstâncias nas quais
instituições desencaixadas, ligando práticas locais e relações globalizadas, organizam os
aspectos principais da vida cotidiana construindo novos riscos. Os cenários tradicionais têm
sido desmontados e destruídos em grande parte pelo desencaixe e pelo distanciamento tempo-
espaço, gerados pelo entrelaçamento do local e o global. Nesse cenário, conforme aponta
GIDDENS (1991), se realiza um declínio da religião e a elevação da razão, onde a cosmologia
religiosa é suplantada pelo conhecimento reflexivamente organizado, governado pela
observação empírica, e focado sobre a tecnologia material e códigos aplicados socialmente.
Além disso, a tradição é constantemente solapada pela reflexividade da vida social moderna,
que se coloca em oposição direta a ela.
A análise de BECK (1995) sobre a reflexividade gira em torno das instituições, e nas
suas reflexões privilegia o eixo estrutural da sociedade. Para este autor, “... as estruturas
mudam as estruturas, e pelas quais se torna possível - na verdade obrigatória – a ação”.
Assim como GIDDENS (1991), BECK (1995) também se opõem à idéia de pós-modernismo e
prefere dizer que se vive numa época marcada pela radicalização da modernidade, a qual ele
chama de “modernização reflexiva”, ou a tentativas de reencaixe (GIDDENS), ou
reincorporação. A característica dessa época é a generalização dos riscos, sobretudo os
ambientais e tecnológicos de altas conseqüências. Eles se constituem numa categoria analítica
central para compreender a sociedade contemporânea e suas interfaces políticas, sociais e
econômicas. Para o autor a estrutura da sociedade de risco começa a ser moldada a partir da
obsolescência e do esgotamento da sociedade industrial.
E para BECK (1995), a reflexividade é uma característica desta fase. A transição do
período industrial, onde as certezas da sociedade industrial dominam o pensamento e a ação
das pessoas e instituições, para o período de risco da modernidade ocorre de forma
indesejada, despercebida e compulsiva. De maneira cumulativa e latente as ameaças vão
solapando as bases onde se assenta a sociedade industrial.
Enquanto a sociedade industrial organizava-se por uma lógica fundamentada na
distribuição da riqueza, a sociedade de riscos organiza-se com base numa lógica de
distribuição dos riscos. As oportunidades e ameaças que anteriormente eram superadas em um
grupo familiar ou na comunidade cada vez mais devem ser percebidas, interpretadas e
resolvidas pelos próprios indivíduos. Isto não significa atomização, isolamento, solidão ou
desconexão, representa a desincorporação seguida da reincorporação dos modos de vida da
sociedade industrial para outros modos novos. Significa a desintegração das certezas da
sociedade industrial concomitante à busca por novas certezas para si e para os outros.
Para BECK (1995), a mudança na sociedade industrial que implica na radicalização da
modernidade abre caminho para uma outra modernidade (a modernização da modernização).
A modernização reflexiva da sociedade industrial, segundo este autor, não pode ser
confundida com mudanças sociais. Para ele, a mudança ocorre silenciosamente modificando a
estrutura. O sujeito da modernização reflexiva são agentes individuais e coletivos, instituições
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e organizações e as estruturas. E quanto mais as sociedades são modernizadas, mais os
sujeitos adquirem a capacidade de refletir sobre as condições sociais de sua existência, e
assim modificá-las. O não-conhecimento, o dinamismo, o não-visto e o não-desejado são,
para BECK (1995), os meios da modernização reflexiva, e uma das suas conseqüências é a
individualização.
Segundo GIDDENS (1991), em um mundo estruturado principalmente por riscos
humanamente criados tem muito pouco lugar para as influências divinas, ou de fato para as
propiciações mágicas de forças ou espíritos cósmicos. Os riscos de alta conseqüência e baixa
probabilidade não desaparecerão do mundo moderno, embora num cenário otimista eles
possam ser minimizados. Com a globalização acelerada dos últimos cinqüenta anos,
“... as conexões entre vida pessoal e mecanismos de desencaixe se intensificaram e o
carro ficou desgovernado, (...) e muitos dos novos riscos e incertezas que nos afetam
onde quer que vivamos, não importando quão privilegiados ou carentes sejamos, eles
estão inextricavelmente ligados à globalização”. (GIDDENS, 2000: 15).
A globalização é conduzida pelo Ocidente, e carrega a forte marca do poder político e
econômico americano e tem se mostrado bastante desigual em suas conseqüências. Conforme
GIDDENS (2000), ela não é um fenômeno exclusivamente econômico; é também política,
tecnológica e cultural. Não diz respeito apenas ao que é externo, global e muito distante do
indivíduo, e sim um fenômeno que se dá internamente e no local, influenciando aspectos
íntimos das pessoas. Para GIDDENS (2000), a globalização representa um complexo de
processos que se comporta a partir da lógica de dupla causalidade, ou seja, ela não somente
puxa para cima, mas também empurra para baixo, criando pressões por autonomia no local.
Na análise de BECK (1995), cabe destacar, a influência resultante de debates, os quais antes
eram restritos a especialistas e às elites do poder, e que estão se abrindo em novos caminhos.
Para BECK (1995), o espaço privilegiado onde passa a acontecer estes debates é o da
subpolítica (subsistemas políticos) que envolve os atores “de fora” do sistema político oficial,
no sentido de reagir e moldar a sociedade de baixo para cima.
Esse fenômeno tem feito com que identidades culturais locais em várias partes do
mundo tenham ressurgido, como reações de baixo para cima a tendências universais e
lineares, à medida que o poder dos Estados nacionais mais antigos enfraquece. Como
exemplo disso tem-se a experiência da Terceira Itália
4
. O lado pessimista de GIDDENS (2000)
com relação a globalização está na relação Norte x Sul entre países, onde os primeiros são
possuidores absolutos das vantagens comerciais, restando pouco papel ativo para os últimos.
Essa relação tende ao acirramento das desigualdades entre países, as quais juntas ao risco
ecológico se configuram nos maiores problemas atuais da humanidade. Com isso, seguindo os
apontamentos de GIDDENS (2000), atualmente as nações passaram a enfrentar muito mais
riscos e perigos que inimigos, o que representa uma enorme transformação em sua própria
natureza. Dessa forma, a impotência que se experimenta não representa um sinal de
deficiências individuais, mais sim a incapacidade de regulação das instituições modernas.
As culturas chamadas de pré-modernas não tinham um conceito de risco pelo fato de
não necessitarem disso, pois este é diferente de perigo. No entanto, a aceitação do risco
também é vista como uma condição para a aventura e o entusiasmo, como a fonte de energia
necessária para um capitalista ousado gerar riqueza numa economia moderna. Por isso que os
4
Experiência ainda pouco utilizada por estudiosos brasileiros para entender os processos de industrialização
locais e regionais da Europa Mediterrânea, especialmente em países como Itália, França, Portugal e Espanha. No
caso italiano, setores tradicionais como vestuário, calçados e móveis são
comuns em diversos distritos industriais
da região que consta a Emília-Romagna, Toscana, Veneto, etc., mais conhecida como a Terceira Itália.
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liberais da globalização sempre foram favoráveis ao fim do welfare state
5
, pois, para eles os
trabalhadores também deveriam ser submetidos ao risco.
Para o atual contexto de globalização, GIDDENS (2000) classifica o risco em dois tipos:
1) o externo que vem de fora, das fixidades da tradição ou da natureza; e 2) o fabricado, este
criado pelo homem a partir dos impactos gerados pelo crescente conhecimento do mundo. O
risco fabricado diz respeito ao fato de estarmos numa relação mais ativa ou comprometida
com a ciência e a tecnologia do que antes. Para MATTEDI (2002), a maior parte dos problemas
ambientais recaem nesta segunda categoria, como recaem também, e de forma adequada, os
problemas relacionados ao meio rural, como colocado por GUIVANT (2000). E este risco não se
liga apenas à natureza ou às atividades ligadas a ela, é também penetrado em outras áreas,
como o casamento
6
e suas mudanças, na esfera da tradição.
Para BECK (1995), numa sociedade de risco a ciência não pode mais dar conta da
previsão e controle dos riscos em um ambiente que ela contribuiu decisivamente para criar.
São riscos ecológicos, químicos, genéticos, produzidos industrialmente, externalizados
economicamente, individualizados juridicamente, legitimados cientificamente e minimizados
politicamente. Assim como a sociedade industrial está relacionada com a modernização
simples, a sociedade de risco está ligada à modernização reflexiva. As categorias analíticas
que identificam a sociedade de risco são: a reflexividade, a globalização e a individualização.
A proposta de BECK (1995) não é apenas a de construir um novo conceito dentro da teoria
social, mas uma teoria da sociedade global de risco que estabeleça uma mudança de categoria
dentro da sociologia. Isto é “reinventar a sociedade e a política”. Para a tese da teoria da
reflexividade da modernidade, quanto mais avança a modernização, mais ficam dissolvidas,
consumidas, modificadas e ameaçadas as bases da sociedade industrial, e os indivíduos têm
que redefinir as estruturas, ou seja, reinventar a sociedade e a política.
A tradição sempre representou o lado sombrio da modernidade e, por isso, obteve ao
longo do período moderno pouco interesse em ser estudada. Além disso, ela passou a ser alvo
do projeto moderno, o qual tinha a finalidade de depreciar. A idéia de tradição para GIDDENS
(2000) é de ser, ela, uma criação da modernidade, para ser definida como o oposto da idéia de
progresso. Com a ascensão do paradigma da indústria, as atividades rurais foram durante
muito tempo ofuscadas pelo brilho do progresso industrial, ficando sob o manto sombrio da
modernidade por serem relacionadas ao atraso pela sua forte ligação com o local e a tradição.
Com o avanço do projeto moderno, especialmente após a II Guerra Mundial, o meio rural
passa a ser penetrado e alvo do que GIDDENS (1991) e BECK (1995) definem como riscos
ambientais e tecnológicos. (GUIVANT, 2000; 282). Com isso, o meio rural passou, portanto, a
ser submetido a descontinuidades e desencaixes proporcionados pela lógica moderna, e a
conviver com os tipos de riscos externos, e de escala global e, principalmente, com os
fabricados. Com relação a estes últimos, o uso intensivo de tecnologias externas, amplamente
difundidas pela Revolução Verde, segundo GUIVANT (2000), representa o principal vetor na
geração de riscos, tanto para o meio ambiente como para as populações. As interações entre
essas tecnologias e os ecossistemas têm se demonstrado complexas, o que tem feito surgir
com freqüência, no meio rural, fenômenos nocivos ao meio ambiente (contaminação da água
potável, destruição de florestas e de animais, contaminação e esgotamento dos solos,
5
O welfare state, ou estado de bem-estar, cujo desenvolvimento pode ser retraçado até as leis da assistência
social elisabetanas na Inglaterra, é essencialmente um sistema de administração do risco. Destina-se a proteger
pessoas contra infortúnios antes tratados como desígnios dos deuses (desemprego, doença, invalidez, velhice...).
6
Numa sociedade de risco, como definida por B
ECK
(1995), mesmo as tradições do casamento e da família estão
se tornando dependentes de processos decisórios, e todas as suas contradições devem ser experimentadas como
riscos pessoais.
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descontrole e ressurgimento de pragas e doenças, etc) e a humanos via consumo (tipos de
câncer, lesões renais e hepáticas, alterações do sistema imunológico, etc.).
Na lógica da tradição, o passado estrutura o presente através de crenças e sentimentos
coletivos partilhados, e o dependente está escravizado ao passado. Por outro lado, na lógica da
modernidade, o indivíduo retorna a seu passado para criar maior autonomia e se impulsionar
para o futuro. E essa lógica da modernidade é a que continua sendo fortemente difundida e de
maneira predominante pelo avanço das comunicações globais e pela democracia, seja no meio
rural ou no meio urbano, ainda influenciada pela fé no progresso e no bem-estar.
Conforme GIDDENS (2000), desde a década de 1960 a democracia fez o seu avanço
mais significativo da história, e isso se deu pela expansão da lógica liberalizante dos
mercados, tendo a sua aceleração maior após a queda em definitivo dos ideais socialistas no
ano de 1989. Mas, num mundo baseado em comunicação ativa, o poder opressivo que é
exercido de cima para baixo perde sua posição vantajosa e é forçado a dar espaço a
flexibilização e a descentralização. Esses dois fenômenos que emergem de baixo para cima,
papel da subpolítica de BECK (1995), fizeram com que boa parte das pessoas perdessem a
confiança nos políticos e passassem a construir uma nova fé, agora nas instituições.
GIDDENS (2000) conclui que em um contexto de globalização não se deve conceber a
sociedade dividida em apenas dois setores, ou seja, o Estado de um lado, e o mercado de
outro. No meio está a sociedade civil, a qual inclui a família e outras instituições não
econômicas. Mas o autor alerta para casos de sociedades ou regiões que têm pouca história de
governos democráticos, países que são marcados por ditaduras ou oligarquias (neste último
caso o Brasil), a democracia parece não ter raízes profundas e pode ser facilmente varrida.
Dessa forma, criam-se de alguma forma possibilidades da abertura de novos
caminhos, onde o aprofundamento da democracia se torna necessário, pois se vive numa
realidade em que os velhos mecanismos de governo não mais funcionam numa sociedade em
que cidadãos vivem no mesmo ambiente de informação que os que detêm o poder sobre eles.
E tem sido nestas aberturas que, especialmente para o meio rural, a busca pela
sustentabilidade vem se configurando num significativo motivo de mobilização social, tanto
em países de economia avançada como nos em vias desenvolvimento como veremos a seguir.
No caso do Brasil, procuramos especificar a busca pela sustentabilidade num espaço rural do
Nordeste, visto como um pólo de dinamismo regional: o Pólo de Desenvolvimento Integrado
Assu/Mossoró.
4. O PAPEL DO ESTADO, E A DIFÍCIL BUSCA PELA SUSTENTABILIDADE NO
PÓLO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO ASSU/MOSSORÓ
O modo tradicional de implementação de projetos de desenvolvimento sustentável tem
sido essencialmente o de focalizar os recursos renováveis nas regiões rurais e periféricas.
Como resultado, conforme aponta BUTTEL (2000), a idéia do desenvolvimento sustentável não
tem muita relevância para os povos urbanos ou para os desafios do ambiente urbano – uma
deficiência séria, dado o fato de que o mundo em desenvolvimento tem se tornado
rapidamente cada vez mais urbano na sua estrutura social e espacial.
Mas o que realmente se coloca como dificuldades na busca da sustentabilidade,
principalmente nos países em desenvolvimento, segundo BUTTEL (2000), são as tendências ao
reducionismo fortemente influenciadas pelos fundamentos da sociologia americana, a
inadequação das realidades desses países pobres à teoria da modernização reflexiva de
GIDDENS e BECK, e as barreiras institucionais erguidas pelos países ricos que limitam as fontes
de financiamento dos programas de desenvolvimento sustentável. Outro fator que preocupa e
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limita as ações em regiões periféricas, para BUTTEL (2000), é o reconhecimento da
insuficiência e da forma contraditória do papel dos Estados com a sustentabilidade. Todas as
dificuldades apresentadas por BUTTEL (2000), principalmente a última, são relevantes e se
identificam com a realidade do Pólo de Desenvolvimento Integrado Assu-Mossoró.
O Pólo Assu-Mossoró encontra-se localizado na região Nordeste do Brasil, no estado
do Rio Grande do Norte, e se configura numa delimitação geográfica onde o seu
desenvolvimento, a princípio, deve ocorrer distribuído espacialmente. Compreende uma área
total de 8.040 quilômetros quadrados e uma população em torno de 358.027 habitantes, e é
formado por 11 municípios, a saber: Afonso Bezerra, Alto do Rodrigues, Assu, Baraúna,
Carnaubais, Ipanguaçu, Itajá, Mossoró, Pendências, Serra do Mel e Upanema. A sua área se
caracteriza pela sua dinâmica econômica e de inovação, e pelas potencialidades de
desenvolvimento, principalmente na área agroindustrial, a partir do desempenho dos seus
arranjos locais, como a fruticultura irrigada, a carcinicultura, a atividade cerâmica, etc.
A crença na perspectiva de integração e a fé no progresso (GIDDENS, 1991; e BECK,
1995) direcionaram a partir da década de 1970 as principais ações no sentido de promover o
desenvolvimento rural da região que hoje se define como o Pólo Assu/Mossoró. Além disso,
se configuraram na base para a construção de um modelo estruturado fortemente nos
pressupostos do projeto moderno, ou seja, na universalidade, na homogeneização de espaços
heterogêneos, na dependência de tecnologias externas, e na ação do Estado.
Na área em que se encontra o Pólo o papel do Estado tem sido determinante, onde este
passou a assumir um papel estruturador quanto à criação da infra-estrutura necessária, e de
negociador, atraindo novas empresas. Segundo PINHEIRO (1991), para que o grande capital
despertasse interesse e realizasse investimentos, o Estado passou a criar condições sedutoras
concedendo subsídios creditícios e incentivos fiscais, que permitiram a atração de capitais
externos ao Rio Grande do Norte. E o direcionamento pela grande empresa com a opção por
um padrão intensivo em capital e força de trabalho assalariada apontou a prioridade dada pelo
Estado à implementação forçada do projeto moderno no sistema agrícola do Pólo
Assu/Mossoró. Esta opção proporcionou inúmeras facilidades para os grandes
empreendimentos, e dificuldades para os pequenos, os quais ficaram à margem do modelo.
Para PINHEIRO (1991), as facilidades oferecidas pelo Estado atendendo à lógica
capitalista não foram atreladas ao um compromisso de serem eficientes nos aspectos
econômico, social e ambiental. Todas as empresas instaladas no Vale do Baixo-Açu
apresentaram ao longo dos anos situações de super exploração da força de trabalho e danos
sérios ao meio ambiente. Como resultado, nas décadas de 1980 e 1990, emerge importantes
conflitos com as instituições sindicais e de proteção ambiental.
A lógica de ocupação das empresas permitia a expansão ou realocação de cultivos na
área de produção, caso houvesse contaminação (salinização) ou erosão, sendo fácil o
abandono do solo sem preocupações com os custos de recomposição ambiental. As primeiras
empresas instaladas na segunda metade da década de 1980 produziam algodão às margens do
rio. Mas a crise, a facilidade de salinização dos solos e a erosão paralisaram as atividades de
algumas delas, enquanto que outras foram para as terras mais altas (denominadas de tabuleiro)
para produzir frutas
7
, o que foi uma novidade para a região acostumada a produzir nas
7
O principal atrativo local para a fruticultura irrigada foi à ausência da mosca da fruta, um dos critérios de
aceitabilidade dos frutos no exigente mercado externo. A região do Baixo-Açu tornou-se do final dos anos 1980
à primeira metade dos anos 1990, responsável por 40% da produção estadual de frutas de exportação, sendo o
melão a locomotiva deste novo setor, com 2 a 3 safras por ano.
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margens do rio. O tabuleiro caracteriza-se pela existência de solos rasos e de fácil erosão. Ali,
a fruticultura ajustou tecnologias externas e implantou sistemas intensivos com fertiirrigação
associados ao melhoramento genético para potenciar o uso da umidade disponível no solo.
Desde a época de influência dos grandes programas como o Polonordeste e Sertanejo,
já se percebia que o modelo de crescimento agrícola baseado num programa governamental
de dinamização da agricultura irrigada, já apresentava fortes indícios do seu grau de
concentração e homogeneização. Esses programas se desenhavam especialmente para o Vale
do Açu e para a Chapada do Apodi, em torno de Mossoró (RN). Conforme aponta PINHEIRO
(1991), este modelo inibia a ação dos atores sociais, impedindo o surgimento e a emergência
da organização social e produtiva (cooperativas, associações, etc), e a sua direção tendia para
a exclusão da maioria dos agricultores familiares locais. Era o avanço das forças externas que,
a partir da sua lógica capitalista, ia gerando o desmonte, substituição e subordinação de uma
cultura e de uma dinâmica rural que já existia. Isso faz lembrar a concepção teórica da
modernidade em que o seu avanço proporciona nas localidades os desencaixes, de GIDDENS
(1991), e/ou a desincorporação, de BECK (1995).
A partir da segunda metade dos anos oitenta, onde se concentraram os grandes
projetos privados de irrigação, manifestaram-se mais visivelmente as alterações na estrutura
de produção sob influência da presença de grandes grupos de capital privado nacional. Na
área de influência de Mossoró, a atividade de grande porte foi iniciada em 1968 com a
empresa Mossoró Agro-Industrial S.A. (MAISA), situada numa área de 20.202 hectares no
município de Mossoró. O projeto inicial da MAISA era a produção em grande escala de
frutíferas perenes como o cajueiro, a graviola e o maracujá. Apenas na segunda metade dos
anos oitenta, num atendimento a uma demanda direcionada pelo mercado externo, é que a
empresa, seguida por outras, entra na produção de frutas irrigadas de ciclo curto.
Na área de influência de Assu, boa parte da área irrigada teve início em 1985, com
destaque para área ocupada pela empresa Fruticultura do Nordeste Ltda (FRUNORTE), de
10.920 hectares, sediada no município de Carnaubais. Sob a influência do Projeto Baixo-Açu,
essa empresa iniciou com outras que se instalaram no Vale do Açu a produção de algodão
irrigado. Entretanto, com a crise do algodão, passaram a se dedicar à fruticultura irrigada com
vistas à produção de frutas de mesa para a exportação e para mercados do Centro-Sul.
Dessa forma, a atividade da fruticultura irrigada assumiu o caráter de liderança da
economia e o modelo de crescimento agrícola, estimulado por mecanismos de incentivo do
Estado, se fortaleceu no final da década de 1980 e teve o seu auge na primeira metade da
década de 1990. Entretanto, a partir da segunda metade dos anos noventa, esse modelo entra
em crise, e é iniciada, a partir da reação dos atores, uma reconfiguração do espaço rural, a
qual abordaremos mais adiante.
Segundo PINHEIRO (1991), na mesma direção do “sucesso” do modelo, o qual possuía o
status de moderno, e a fé no progresso (GIDDENS, 1991; e BECK, 1995), percebeu-se o
acirramento das desigualdades e dos descasos com o meio ambiente nas áreas de influência de
Mossoró e de Assu. Os níveis de marginalização dos agricultores familiares e de degradação
ambiental atingiram o seu ponto mais agudo nos anos noventa, agravados pela prioridade por
parte das políticas do Estado às grandes empresas, entre elas multinacionais, as quais
detinham os principais requisitos para produzir com base em modernas tecnologias de
irrigação. Esse modelo de produção passou a ser o que se enquadrava nas fontes oficiais de
financiamento
8
, principalmente externo (com o apoio do Banco mundial, Banco
8
Este se configura um dos pontos da dificuldade das limitações apontadas por B
UTTEL
(2000), no que diz respeito
as barreiras institucionais e comerciais impostas pelos países ricos ao países pobres, como a condição do
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Interamericano de Desenvolvimento...), e no atendimento do exigente padrão de produção e
consumo para o mercado externo.
Uma das características da estrutura de produção do modelo desenvolvido na área do
Pólo de Desenvolvimento Integrado Assu/Mossoró sempre foi o seu corte setorial. Destaca-se
neste contexto a atividade agrícola baseada na fruticultura irrigada, a qual se coloca na
condição de responsável pelas transformações estruturais e pela reconfiguração do espaço
rural do pólo. Os municípios de Baraúna e Ipanguaçu são os que têm recebido os maiores
impactos e transformações na estrutura rural desde os anos 1990.
O Pólo Assu/Mossoró representou um exemplo do avanço dos pressupostos do projeto
moderno onde o auge do seu avanço maior se deu a partir dos anos 1990. Esse auge do
avanço teve como conseqüência o despertar, a partir de 1996, de um questionamento sobre o
processo de reestruturação do espaço rural, proporcionado pelo processo de depreciação do
modelo, dada a contínua retirada do Estado e das políticas voltadas para a agricultura
produtivista. Isso representou a possibilidade de inserção de novos atores e instituições (ONG
´s, Igreja, Cooperativas de Trabalho, etc.) que visavam alternativas para a construção de uma
nova realidade diferente da que estava sendo construída. A nova realidade era a da busca da
sustentabilidade, a qual tentava colocar em questão as certezas da produção agrícola onde o
eixo setorial meramente agrícola, e que movia o rural, perdia espaço para um cenário mais
heterogêneo e polivalente, e de uma estrutura de regulação mais evidente.
A lógica de ação dos atores na busca de um desenvolvimento sustentável no Pólo se
deu de forma semelhante ao sentido dado por LEFF (1998), de que a sustentabilidade do
desenvolvimento anuncia o limite da racionalidade econômica, elevando os valores da vida,
da justiça social e do compromisso com as futuras gerações. Este sentido demonstra, segundo
LEFF (1998), que o problema da sustentabilidade remete a um questionamento da
modernidade e vai de encontro ao avanço do projeto moderno. E foi por este motivo que
foram utilizados pelos novos atores sociais no Pólo, estudos e perspectivas teóricas que já
vinham questionando, principalmente na Europa, a viabilidade do projeto moderno no meio
rural europeu. Eram estudos aproximados aos desenvolvidos por VAN DER PLOEG et. al. (1994)
e VAN DER PLOEG (1992, 1995), e MARSDEN et. al. (1990) e MARSDEN (1995 1998 e 2003). Estes
autores procuram demonstrar teoricamente como as combinações e estratégias realizadas no
meio rural, especialmente por agricultores familiares, buscam a sustentabilidade através da
redução da dependência e da subordinação técnica e econômica, principalmente no que se
refere ao uso de tecnologias externas condicionadas pelo projeto moderno.
Na perspectiva defendida por VAN DER PLOEG et. al. (1994), não se deve dizer que os
modelos de desenvolvimento podem ser definidos em tipos-ideais, como exclusivamente
baseado em recursos locais, nem como apenas impondo a base produtiva em recursos
externos. Dessa forma, no que ele define como desenvolvimento endógeno, uma diferente
combinação é encontrada, isto é, recursos locais devem ser combinados e desenvolvidos em
estilos locais de agricultura, os quais determinam a heterogeneidade do espaço rural, e se
configuram como ponto de partida para a avaliação de uma “eventual” utilização de
elementos externos.
Esta perspectiva dá importância às interações entre os diversos atores, permitindo uma
compreensão das diferentes respostas locais a uma determinada realidade e direciona a uma
análise das estratégias realizadas de “baixo para cima”, que fazem com que o
direcionamento dos recursos financeiros a programas que difundam e reforcem ainda mais a lógica de
desenvolvimento defendida pela sociologia americana.
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desenvolvimento da produção agropecuária permaneça como um processo diversificado e
heterogêneo. Isso é o que representa, para LEFF (1998), novos sentidos existenciais para cada
indivíduo e comunidade, que definem novas forças, as quais atravessam as relações de poder,
donde emergem novos projetos civilizatórios. Neste caso, enfatiza-se uma lógica de
desenvolvimento endógeno, onde é importante o papel da diversidade de interações sócio-
econômicas e tecnológicas na produção, evidenciando a necessidade da autonomia, ou seja, de
um desenvolvimento que utiliza na estrutura produtiva tecnologias externas, mas que seja
baseado em condições sociais, ambientais e culturais de cada localidade.
A diversidade tecnológica, ou graus de mercantilização, resultante da interação dos
atores nos planos macro e micro pode ser compreendida a partir dos diferentes estilos de
agricultura no espaço rural. Como resultado, temos, por exemplo, de um lado, o aumento na
escala e dependência do uso de energia e tecnologias externas (monoculturas) e, de outro
lado, podemos ter uma produção autônoma de insumos e da base técnica de produção
(policultura). Para VAN DER PLOEG (1995), a característica de cada estilo de produção
agropecuária é resultante de um processo de trabalho particular, orientado por certas opções
locais ou regionais, estruturadas de uma forma específica por uma lógica correspondente e
condicionado por relações de produção particulares. Neste caso nos chama a atenção para o
fato de que na realidade do espaço rural do Pólo Assu/Mossoró, buscou-se adotar um único
estilo baseado na forma intensiva e exclusiva recursos externos, em um ambiente que não
oferecia opções, como na Europa.
Dessa forma, o desenvolvimento endógeno, para VAN DER PLOEG (1995), pode ser
apreendido como uma estratégia localizada de diversificação, tendo em vista a necessidade de
produzir para o mercado, mas mantendo uma resistência, por parte dos agricultores familiares,
à subordinação do projeto moderno, como tentativa de distanciamento da dependência total
do uso intensivo de insumos externos.
Assim, a diversificação na produção agropecuária pode ser analisada a partir das
diversas formas localizadas de reprodução e utilização da força de trabalho, de uma específica
composição dos meios de produção e das relações sociais estabelecidas. Com isso, a divisão
do trabalho torna-se menos complexa do que nas relações altamente mercantilizadas, o que
faz gerar uma maior possibilidade da existência de relações de proximidade, ou uma forma de
reencaixe no sentido dado por GIDDENS (1991) e/ou reincorporação de BECK (1995).
Dessa forma, VAN DER PLOEG enfatiza as diferentes estratégias de desenvolvimento
rural, resultantes de espaços heterogêneos, e que conformam diferentes estilos de agricultura.
No mesmo sentido, MARSDEN (1995) busca enfatizar as diferentes estratégias de
desenvolvimento rural que se dão a partir de dinâmicas localizadas do sistema agroalimentar
indicando a existência de novas faces do desenvolvimento resultantes da reação às forças
exógenas. Uma espécie de espaço privilegiado para a subpolítica de BECK (1995), onde os
atores buscam reagir e moldar a sociedade de baixo para cima. Para MARSDEN (1995), esse
processo de reação se dá a partir de processos de localização e relocalização, onde são
realizadas estratégias, entre elas a pluriatividade, para enfrentar as formas produtivistas.
Em seu trabalho “New Rural Territories: regulating the differentiated rural spaces”, de
1998, o autor explora esferas-chave do desenvolvimento que influenciam nas características
das mudanças espaciais rurais na Europa. Para MARSDEN (1998), a combinação de cadeias de
suprimentos, redes locais e não-locais e sistemas de regulação incorporam os diferentes
espaços rurais. As esferas de desenvolvimento rural são quatro: mercado de alimentos de
massa; mercado de alimentos de qualidade; mudanças relacionadas à própria agricultura; e a
reestruturação rural. Segundo o autor, tem-se traçado a “multi-dimensionalidade” desses
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processos de mudança tanto em termos de dinâmicas externas como mecanismos de respostas
locais. Similarmente, enquanto a literatura da sustentabilidade e do desenvolvimento
endógeno começa a discutir esse tema, seu foco sobre o local como uma oposição para a
interação do local com global tende a produzir uma importante, mais ainda parcial análise dos
processos que estão criando diferenciação dos espaços rurais (MARSDEN, 1998, p.108).
Em termos de comparação é necessário identificar essas esferas e suas posições
relativas nos diferentes espaços rurais, avaliando como cada uma delas conduz para mudanças
e status no espaço rural, e o grau de complementaridade ou conflito entre elas. A estrutura
analítica aqui colocada por MARSDEN (1998) carrega um peso empírico considerável para
entender o novo padrão de diferenciação rural e o papel dos atores sociais e das instituições.
Nesse sentido, este autor, em seu trabalho “The condition of rural sustainability”, de
2003, explora novos parâmetros conceituais e teóricos que ajudam a construir o que ele
chama de “sustentabilidade rural” e destaca a necessidade de um entendimento mais refinado
da regulação e governança do espaço rural. Assim, não realizando somente um exame crítico
das condições existentes, procura apontar maneiras em que as coisas podem começar a mudar.
Neste seu novo trabalho, MARSDEN (2003) aponta o avanço das mudanças e passa a dar
ênfase a três modelos, ou dinâmicas, os quais passam a caracterizar o espaço rural e a ser sua
nova estrutura analítica para entender o sistema agroalimentar e o desenvolvimento rural: 1) a
dinâmica agroindustrial; 2) a pós-produtivista; e 3) a do desenvolvimento rural sustentável.
Para MARSDEN (2003), estas dinâmicas estão evoluindo entre si e competindo ao mesmo
tempo, e se configurando em modelos não somente na perspectiva da ciência social, mas
como uma estrutura que pode justificar tipos particulares de políticas econômicas.
Na dinâmica agroindustrial, o papel da agricultura e da alimentação repousa
claramente na lógica do projeto moderno, e o capital financeiro exerce uma influência
determinante. Com relação à dinâmica pós-produtivista, a qual se identifica com a definição
de modernidade de GIDDENS (1991), esta tem sido reforçada pelo reconhecimento de que o
problema do desenvolvimento rural, da pobreza e exclusão social não pode ser resolvido
apenas pelo foco da agricultura. Já a dinâmica do desenvolvimento rural sustentável
(considerada a mais emergente e a que mais se aproxima do que os novos atores buscam para
o Pólo Assu/Mossoró), o fato mais surpreendente, conforme MARSDEN (2003), é que tem sido
nas regiões menos exploradas por ambas as dinâmicas que tem dado impulso para a
alternativa de um modelo de desenvolvimento rural sustentável. Combinando com o que
defende LEFF (1998), isso é feito por diferentes grupos de princípios organizativos que
colocam a natureza, o trabalho e a região como valores e qualidades em diferentes conjuntos
de equações. As combinações da produção estão aqui relacionadas com um novo tipo de
associação e, quanto à inovação, os seus tipos estão muito mais ligados à organização, numa
lógica sustentável, de desenvolvimento endógeno, do que ao desenvolvimento tecnológico.
Este é o caso em que LEFF (1998) coloca como “a encruzilhada do nosso tempo e o encontro
de vários tempos: os ciclos da natureza, da vida e sua evolução, a emergência da novidade, as
mudanças tecnológicas e as transformações históricas”. Com isso, o sistema regulatório passa
a não ser facilmente desenvolvido de “cima para baixo”, fazendo com que os governos
nacionais encontrem dificuldades para controlar e regular essa dinâmica de governança.
Essa regulação, ou governança, ainda encontra-se em construção e, pelo lado da
produção, significa afastar-se do projeto moderno e buscar uma reversão em torno do
processo de especialização e intensificação tecnológica. Ao mesmo tempo, segundo MARSDEN
(2003), oferece oportunidades, via articulação institucional, para os agricultores familiares se
inserirem em mercados de produtos e serviços através das cadeias agro-alimentares criadas e
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desenvolvidas a partir do sistema de redes, e lhes permite fugir dos mercados de commodities,
cujos preços pagos aos agricultores encontram-se em queda. Nesse ambiente, alguns produtos
podem ser genuinamente enraizados na tradição, outros podem ter longa tradição de
produção, mas apenas recentemente procura-se diferenciá-los dos produtos similares, mas
sempre incorporando qualidade e autenticidade. Isso numa aproximação com as formas de
reencaixe de GIDDENS (1991) e/ou reincorporação de BECK (1995).
Essas estratégias, em um contexto de globalização, estabelecem um desafio à
agricultura familiar na construção de um projeto de desenvolvimento sustentável e a um
afastamento sistemático da dependência resultante do avanço do produtivismo. E, para
MARSDEN (2003), os agricultores familiares não podem fugir da organização social e produtiva
e da agregação de valor aos seus produtos como condição para enfrentar a concorrência
externa, a qual ainda segue impulsionando o projeto moderno.
Partindo do exposto acima percebe-se que a busca por parte dos novos atores sociais
pela sustentabilidade no Pólo de Desenvolvimento Assu/Mossoró não tem sido muito fácil.
Além de não haver tantas opções assim, como aponta VAN DER PLOEG (1995), o Estado sempre
agiu como o principal estimulador e estruturador da lógica do projeto moderno. Mesmo
assim, a busca pela sustentabilidade no espaço rural do Pólo, referenciando os estilos de
agricultura de VAN DER PLOEG (1995) e as dinâmicas produtivas específicas MARSDEN (2003),
tende a apontar estratégias reativas por parte dos agricultores familiares às forças da
globalização e de encontro com os pressupostos do projeto moderno. Como resultado, vem
sendo construída, de baixo para cima, uma nova lógica de desenvolvimento mais sustentável e
não setorial, a partir de um novo arranjo institucional e de uma reconfiguração do espaço e do
território onde são realizadas estratégias localizadas de integração com diversificação. É o que
tentaremos mostrar a seguir.
5. AS REAÇÕES DOS AGENTES E AS ESTRATÉGIAS LOCALIZADAS NO
ESPAÇO RURAL DO PÓLO E O AMBIENTE INSTITUCIONAL
Como percebido a partir do exposto acima, a área que compõe o Pólo de
Desenvolvimento Integrado Assu/Mossoró foi palco de uma considerável transformação de
sua estrutura rural, principalmente a partir da segunda metade dos anos 1990. Os
acontecimentos locais seguiram a lógica da transformação nacional, tendo esta última, por sua
vez, acompanhado as lógicas advindas do processo de globalização da economia, o qual gerou
impactos significativos localmente. Isso tendo em vista que, em certa medida, as diversas
relações ocorrem a partir de um sistema econômico que se configura num universo em que se
encontra o mercado, e que este último é influenciado pelo primeiro e vice-versa atendendo,
mediante uma ação local-global-local, a relação de dupla causalidade.
Na realidade do Pólo Assu-Mossoró, como em muitas outras realidades brasileiras,
especialmente no semi-árido nordestino, as reações locais não atendem de maneira uniforme,
unívoca, a essas relações micro-macro-micro, e situações onde ocorrem a “eventualidade” da
utilização de elementos externos, como acredita VAN DER PLOEG (1994), não são tão eventuais
assim. Ao contrário, de um lado, não se pode esquecer o papel desempenhado pelo Estado e
suas políticas para o desenvolvimento recente do meio rural brasileiro. De outro, e diferente
do citado acima por VAN DER PLOEG (1995), não se pode ignorar o
s impactos da globalização, os quais não possibilitaram tantas opções assim para os
agentes, seja em níveis locais ou regionais, no momento em que forçaram a criação urgente de
estratégias de sobrevivência, tanto para os agricultores familiares, como para produtores
maiores, como é o caso das empresas agroindustriais MAISA e FRUNORTE.
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Como já visto, a atividade econômica, especialmente das empresas da área do Pólo,
recebeu fortes incentivos governamentais (SUDENE, FINOR, etc.), porém, a partir da
implantação do Plano Real, em 1994, com orientações cada vez menos intervencionista no
ambiente de mercado e redução de políticas de incentivos, as empresas começaram a passar
por dificuldades, evidenciando a insustentabilidade do modelo adotado. A conseqüência mais
imediata disso foi um impacto nas relações capital x trabalho no interior da região, onde
muitos agricultores ficaram desempregados e tiveram que buscar alternativas de inserção.
Inicialmente, uma das estratégias de sobrevivência partiu das grandes empresas. Na
tentativa de diminuir seus custos e compensar a ausência dos incentivos do Estado, as
empresas decidiram se afastar da fase da produção de frutas e começaram a se interessar na
organização de uma rede de “integração” com os agricultores familiares. Nesse contexto, o
Rio Grande do Norte era um dos estados do Nordeste de melhor desempenho no avanço do
processo de reforma agrária, principalmente na região de influência de Mossoró, e os
assentados possuíam políticas específicas e diferenciadas de crédito. As empresas viram nisso
uma possibilidade para tentar amenizar sua situação e, num acordo com a superintendência do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, INCRA-RN, é iniciada a inserção da
agricultura familiar via áreas reformadas na produção de frutas, principalmente o melão.
Visando inicialmente o mercado interno e regional, alguns projetos de assentamento
foram, citando VAN DER PLOEG (1994), se mercantilizando até atingir o padrão de produção
exigido pelo mercado externo. Nessa estratégia de “integração”, em que as empresas atuavam
como âncoras, se destacam a MAISA, na área de influência de Mossoró, e a FRUNORTE, na
área de influência de Açu. Estimulada pela política de financiamentos especiais para as áreas
reformadas, como o PROCERA, e depois o PRONAF, este último criado em 1996, difundiu-
se na região do Pólo a produção irrigada em pequenas áreas com base na agricultura familiar,
geralmente exploradas de forma coletiva.
A estratégia de “integração” se deu mais intensamente entre os anos de 1997 e 2002 sob
o comando da MAISA e da FRUNORTE, e não exclusivamente com a produção das áreas de
assentamento. Essa iniciativa se generalizou e abrangeu alguns agricultores familiares e
médios produtores da região. Nesta estratégia, o conhecimento técnico e as habilidades,
adquiridos na prática pelos “integrados”, e transmitidos pelas empresas, se tornaram
importantes quando refletidos num processo contínuo de aprendizagem. Isso se deu com a fé
na noção de progresso [ALMEIDA, (1995), apud VARGAS (1997)], e se baseou num estilo de
agricultura que passou a adotar, de forma intensiva e exclusiva, insumos externos, com a
necessidade de atualização tecnológica. Além disso, nas relações entre empresas e
“integrados” não havia uma relação de proximidade, pois se tratava de um monopsônio, nem
um arranjo institucional capaz de regular as relações entre os atores. Mesmo com essas
estratégias, as empresas foram se mostrando ao longo do tempo cada vez menos capazes de se
sustentar no modelo vigente. Dessa forma, as principais âncoras da fruticultura potiguar e do
Pólo, a MAISA e a FRUNORTE, decretam falência. A primeira em 2002 e a última em 2003.
A desestruturação dessas empresas deu lugar a uma nova configuração, com parte do
espaço aberto por suas falências sendo ocupado pelo capital internacional com a chegada, no
ano de 1996, da espanhola Directivos Agrícola e, em 1998, da transnacional DEL MONT
FRESH PRODUCE, gigante norte-americana produtora e exportadora de frutas frescas. Por
outro lado, o outro tipo de configuração aconteceu pela parte do segmento da agricultura
familiar que, seguindo a tendência de bom desempenho do processo de reforma agrária,
intensificou a sua participação e promoveu um significativo processo de reconfiguração do
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espaço rural do Pólo. Dessa forma, a reconfiguração ocorrida no espaço rural do Pólo também
contou com as ações desde cima do Estado via reforma agrária.
Constituindo-se numa dinâmica diferente no Pólo Assu-Mossoró, o que permite pensar
uma relação com a noção de sustentabilidade de LEFF (1998), e com os estilos de agricultura
de VAN DER PLOEG (1995) e as dinâmicas de desenvolvimento sustentável de MARSDEN (2003),
o município de Serra do Mel se destaca dos demais do Pólo. Sem deixar, entretanto, de
reconhecer ações desde cima, tanto dos governos estaduais como federal, o modelo de
desenvolvimento adotado neste município conseguiu inserir agricultores familiares no
mercado externo (exporta castanha de caju para a Europa e EUA), através da lógica do
desenvolvimento local sustentável. Para conseguir isso foram aplicados um planejamento e
uma política reguladora direcionados para um desenvolvimento rural fortemente calcado na
agricultura familiar e no cooperativismo. Serra do Mel é atualmente o município do Pólo que
possui a presença mais significativa do cooperativismo, e o seu modelo proporcionou aos
agricultores familiares deixar sua condição de pobreza e se integrarem à lógica global via
inserção nos mercados.
A falência das grandes empresas deixou uma herança tecnológica significativa na
região. Nela, já havia sido difundida e apropriada pelos assentados e pequenos e médios
produtores um modelo de “integração” intensivo em insumos externos. Isso fez surgir uma
demanda específica por essa tecnologia, antes difundida pelas empresas. De outro lado, em
função da necessidade de constante de atualização tecnológica, fruto da competição e
inovação, essa nova realidade exigiu dos serviços de assistência técnica (EMATER)
realizados pelo Estado maior empenho. Entretanto, os novos atores, (ONG´s e escritórios
privados) também passaram a desempenhar importante papel de difusão do progresso técnico.
Dessa forma, percebe-se que, no espaço rural do Pólo, a globalização da economia tem
gerado impactos significativos, os quais têm proporcionado o que GIDDENS (1991) define como
desencaixes e BECK (1995) como desincorporação. Essa lógica de desenvolvimento
implementada passou a se assemelhar muito com o tipo de estilo mercantil de agricultura de
VAN DER PLOEG (1995) e de dinâmica agroindustrial de MARSDEN (2003). Neste caso, a
produção de uma cultura comercial predominante (o melão) promoveu um processo de
commoditização da agricultura familiar e, com isso, uma forte dependência e subordinação do
uso intenso de recursos externos. Dessa maneira, nesse espaço rural, em que se promove a
padronização e não a diversificação, os agricultores familiares passam a ter cada vez menos
autonomia, e a busca pelos processos de sustentabilidade e diversificação tendem a ser cada
vez mais uma decisão sinalizada pelas empresas capitalistas globalizadas.
Para dar um suporte regulador a essa nova realidade, vem sendo feito um esforço no
sentido de construir um arranjo institucional local em que todos os segmentos (Estado,
mercado e sociedade civil) estejam presentes e participantes, e a concentração das riquezas
geradas seja minimizada. Nesse sentido, num plano mais estratégico, a criação por parte do
Banco do Nordeste do Farol do Desenvolvimento, em 1999, é um exemplo disso. O Farol foi
criado para incentivar a criação e regulação em nível local de espaços de discussão,
concertação e viabilização de soluções para o desenvolvimento local sustentável. Trata-se de
um conselho local com a função de mobilizar a participação ativa da comunidade, por
intermédio de suas lideranças, tendo em vista criar um ambiente favorável à troca de
conhecimento e à integração das ações dos órgãos públicos e instituições atuantes nos
municípios. Isso deve acontecer mediante a formação de parcerias para a ação convergente,
contemplando as dimensões do desenvolvimento defendidas pelo agente coordenador que é o
Banco do Nordeste, principalmente nos municípios dos Pólos de Desenvolvimento. Na linha
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da troca de conhecimento, o Farol do Desenvolvimento tem um caráter “capacitador”, de
inovação, evidenciado em temas de oficinas realizadas em cada município. Tal inovação
busca estimular o potencial endógeno de crescimento e de desenvolvimento dos municípios.
Porém, algumas organizações que atuam no Pólo, e participam do arranjo institucional
estimulado pelo Farol, ainda tomam por base para as suas ações a antiga concepção
determinada pelo projeto moderno e defendida pelo Banco do Nordeste desde os anos 1970.
Dessa maneira, mesmo tendo a responsabilidade de constituir-se no principal agente
coordenador do Pólo Assu-Mossoró e o principal responsável pela difusão da concepção de
um desenvolvimento sustentável, deve-se reconhecer que o Farol, pelo menos nesse caso, tem
sido incapaz de reverter o modelo modernizante em que as relações no espaço rural do Pólo se
dão. Ou seja, capitaneadas pelas empresas globalizadas, o modelo de desenvolvimento que
persiste mantém os agricultores familiares aspirantes pelos pressupostos do projeto moderno,
sem um modelo próprio de desenvolvimento, e cada vez mais subordinados aos sinais das
empresas globalizadas e a dependência da utilização de recursos externos.
6. CONCLUSÕES
Procuramos demonstrar neste paper que o avanço dos pressupostos da chamada
modernidade (mesmo a teoria da modernidade reflexiva não se adequando à realidade de
países e regiões pouco desenvolvidas) refletiram, de alguma forma, no processo de
desenvolvimento recente do Pólo Assu/Mossoró. Uma das constatações é a de que o modelo
adotado tendo por base os princípios do projeto moderno segue sendo concentrador e dando
ênfase a um desenvolvimento desigual, com avanço cada vez maior da lógica capitalista nas
atividades rurais. Apesar da construção de novos espaços de concertação com vistas ao
desenvolvimento rural sustentável, o arranjo institucional tem sido insuficiente para alterar
uma realidade inspirada no planejamento ditado exclusivamente de cima para baixo. Com
isso, nota-se a ausência de uma discussão que defina qual o real papel da agricultura familiar
para o desenvolvimento do Pólo (e do estado). Na verdade, o que ainda vem sendo construído
é um tipo de desencaixe a partir da crescente commoditização da agricultura familiar e da
ação do Estado que privilegia a lógica empresarial capitalista, isto é, um desenvolvimento
contínuo de processos e de reorganização do trabalho e do espaço, de acordo com os padrões
e certezas da moderna ciência agrícola introduzidos mediante a difusão de técnicas
promovidas pelas empresas globalizadas. Sem uma política de diversificação, e sem muitas
opções, os agricultores familiares se movem apenas a partir das oscilações do mercado,
aumentando a competição, em um número cada vez mais reduzido de agricultores, elevando a
dependência destes do mercado e acirrando ainda mais o caráter desigual do desenvolvimento
e a degradação do meio ambiente. Com isso, tem sido difícil conseguir a sustentabilidade.
Assim, enquanto nas regiões rurais de países desenvolvidos os atores sociais reagem a
partir da reflexão das conseqüências da modernidade e vêm lutando por mais autonomia nos
processos de desenvolvimento, por meio de estratégias localizadas de diversificação, e
resistindo aos insumos externos, no espaço rural do Pólo Assu/Mossoró a reação via
reconfiguração realizada pelos atores sociais ocorre em sentido inverso. Os agricultores
familiares e outros atores sociais ainda aspiram pelo produtivismo, mantendo a fé na noção de
progresso que gerou e disseminou os riscos da modernidade. Na realidade desse Pólo, o
aparato institucional constituído pelo Farol do Desenvolvimento ainda tem demonstrado ser
incapaz de se constituir numa espécie de subpolítica de BECK, redirecionar o modelo de
desenvolvimento concentrador, e construir um modelo que tome como eixo estratégico para
um desenvolvimento mais amplo ações localizadas e desenvolvidas pelo segmento da
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agricultura familiar. Neste sentido, é fundamental que o espaço institucional criado pelo
Farol faça emergir novos atores e representantes sociais, que permitam a construção de um
processo de concertação que permita apontar novos caminhos e inicie a construção de um
desenvolvimento com sustentabilidade no espaço rural do Pólo de Desenvolvimento Integrado
Assu/Mossoró.
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