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O(S) CURRÍCULO(S) DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DE SEUS SUJEITOS

Authors:

Abstract

The recently debate of education on cultural and educational contemporary theories indicate the need of critically approaching the curriculum as a way of cultural policy which influences the constitution of the identity. As a historical element of the education, Physical Education throughout its trajectory, connected in its curriculum the essential necessity for the constitution of identities essential for the political project organized by the state. This article analyses the Physical Education curriculums and infers the identities which were thought to guarantee the construction of a model of society determined by the interests of the dominant groups and executed through the state educational policies in which supports and reproduces its hegemony.
Currículo sem Fronteiras, v.8, n.2, pp.55-77, Jul/Dez 2008
O(S) CURRÍCULO(S) DA EDUCAÇÃO FÍSICA
E A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE
DE SEUS SUJEITOS
Mário Luiz Ferrari Nunes
Centro Universitário Ítalo-Brasileiro
Brasil
Kátia Rúbio
Escola de Educação Física e Esporte
Universidade de São Paulo, Brasil
Resumo
O atual debate a respeito da educação nas teorias cultural e educacional contemporâneas acena
para a necessidade de abordarmos criticamente o currículo como forma de política cultural que
incide nos processos de constituição da identidade. Como elemento da história da educação, a
Educação Física, ao longo de sua trajetória, veiculou conhecimentos em seu currículo necessários
para a constituição de identidades imprescindíveis aos projetos políticos organizados pelo Estado.
Este artigo analisa os currículos da Educação Física e infere as identidades que foram pensadas
para garantir a construção de um modelo de sociedade determinado pelos interesses dos grupos
dominantes e efetuado por meio de políticas educacionais pelo Estado que lhe dá suporte e
reproduz sua hegemonia.
Palavras chave: Educação Física; Currículo; Identidade.
Abstract
The recently debate of education on cultural and educational contemporary theories indicate the
need of critically approaching the curriculum as a way of cultural policy which influences the
constitution of the identity. As a historical element of the education, Physical Education
throughout its trajectory, connected in its curriculum the essential necessity for the constitution of
identities essential for the political project organized by the state. This article analyses the Physical
Education curriculums and infers the identities which were thought to guarantee the construction
of a model of society determined by the interests of the dominant groups and executed through the
state educational policies in which supports and reproduces its hegemony.
Key words: Physical Education; Identity; Curriculum.
ISSN 1645-1384 (online) www.curriculosemfronteiras.org 55
MARIO LUIZ F. NUNES e KÁTIA RÚBIO
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Introdução
A promulgação da LDB 9394/1996 ocasionou vários efeitos no sistema de ensino
brasileiro. Dentre eles, encontra-se em curso diversas reformas curriculares, tanto no
âmbito do ensino superior, quanto no da educação básica, nas diversas redes públicas e
particulares de ensino, visando adequar o ensino às pressões sociais e às demandas
históricas. A questão fundamental é definir o que se ensina, para quê se ensina, quem se
forma e quem não se deseja formar.
Essas reformas estão atreladas às transformações sociais destes tempos em que se
acentua o fenômeno da globalização. Esse fenômeno, além de fatores econômicos, envolve
fatores culturais na tentativa de tornar o globo em um único modo de ser. Na trilha destas
transformações, ocorre intricada situação de intenso fluxo cultural que, ao mesmo tempo,
em que nos revela e nos aproxima da diversidade cultural, produz uma coexistência tensa
entre os diversos grupos. Sem dúvida, entre seus efeitos homogeneizantes estão as
formações subalternas e a obliteração da diferença (Hall, 2003).
A relação entre escolarização e sociedade pode ser compreendida pelas análises de
Apple (1982). O autor afirma que todos os acontecimentos e as experiências de nossa vida
cotidiana não podem ser compreendidos de forma isolada. Eles têm que ser analisados
perante as relações de dominação e exploração que permeiam a sociedade. Na lógica deste
educador, as políticas de educação não se separam das políticas da sociedade. Para ele, a
escolarização está diretamente relacionada com poder. Por sua vez, o processo de
escolarização se orienta e acontece por meio do currículo. Diante dessas premissas,
enfatizamos que o currículo não pode ser considerado uma área meramente técnica, neutra
e desvinculada da construção social. O currículo aqui é entendido como o percurso da
formação escolar, ou seja, ele se refere a tudo que acontece na escolarização. Enquanto
projeto político que forma as novas gerações, o currículo é pensado para garantir a
organização, o controle e a eficiência social. O currículo, por transmitir certos modos de ser
e validar certos conhecimentos, está intimamente ligado ao poder. O currículo, pelos seus
modos de endereçamento nos chama a ocupar determinadas posições de sujeito. O
currículo, por regular as ações dos sujeitos da educação, forma identidades.
Para Hall (1997) a identidade é um processo discursivo. Ela é formada culturalmente
mediante circunstâncias históricas e experiências pessoais que levam o sujeito a assumir
determinadas posições de sujeito temporárias. A identidade pode ser entendida como um
conjunto de características pelas quais os grupos se definem como grupos e marca, ao
mesmo tempo, aquilo que eles não são. Nesta lógica, ao projetar as identidades adequadas,
as políticas educacionais estabelecem quais posições os sujeitos da educação deverão
assumir enquanto cidadãos. Por outro lado, aqueles que estiverem fora do sistema por
atuarem de forma contrária, ou resistirem ao processo de regulação dos modos de ser,
pensar e agir – os diferentes – serão considerados inadequados, ineficientes, desordeiros ou
responsáveis pelo atraso do desenvolvimento da nação. Desse modo, o importante é o que
se seleciona para compor os conteúdos do currículo e qual o resultado dessa seleção na
constituição das identidades.
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Silva (1999) adverte que a escolha de determinados conteúdos do currículo privilegia
um tema em detrimento de outro na inter-relação entre saberes, identidade e poder e
promove os conhecimentos e os valores tidos como adequados para as pessoas atuarem na
sociedade. Esse fator torna a escola um dos mais importantes espaços sociais responsáveis
pela construção da representação de quem somos e de quem não é desejado ser. O
currículo, pensado em um sistema nacional de ensino, busca modificar e produzir as
identidades ideais para constituir o Estado-Nação.
No atual contexto, diversas análises têm questionado as propostas de reformas
curriculares. Podemos afirmar que nessas críticas é central a preocupação se estes
currículos mantêm a interdependência com a ideologia neoliberal e sua força
homogeneizante por meio da imposição de um currículo nacional, ou se possibilitam a
construção da democracia e a conseqüente transformação das condições de opressão em
que vivemos mediante a presença nos currículos de diferentes formas de significação do
mundo. As reformas curriculares estão diretamente vinculadas com a constituição de
identidades culturais desejáveis para a consolidação dos interesses em voga.
No interior destas reformas encontramos a Educação Física ocupando função
significativa. Historicamente definida como área que trata pedagogicamente do corpo, este
componente curricular constituiu-se por diversas abordagens de ensino em meio a variadas
tendências curriculares que expressam visões diferenciadas de homem e sociedade. Diante
das reformas curriculares em curso, a questão é: quais saberes estão sendo validados por
esta área do conhecimento? Mediante estes saberes, quais identidades as propostas
curriculares de Educação Física estarão contribuindo a constituir?
Entendemos que a análise a respeito dos currículos da Educação Física escolar e a
constituição das identidades de seus sujeitos deva ser realizada à luz do momento histórico
em que eles são construídos e, portanto, sujeito às práticas discursivas, às relações de poder
e às lutas por hegemonia. Concordamos com Bracht (2003) que, neste momento, o
importante é nos livrarmos da velha pergunta: “O que é Educação Física?”. Questão que
nos direciona em busca de uma resposta única e fixa, o que contraria a afirmação anterior.
O que importa é refletir acerca de “o que vem sendo a Educação Física?”, para podermos
indicar possíveis caminhos para esses questionamentos a respeito da ação de seu currículo
sobre as identidades dos sujeitos da educação.
Com base em estudos de alguns autores que investigaram a trajetória da área de
Educação Física no Brasil (Bracht, 1986, 1992 e 1999, Betti, 1991, Ghiraldelli Júnior,
1988), organizamos o artigo de modo a traçar um paralelo entre as abordagens de ensino do
componente em fases distintas, seus conteúdos dominantes e os objetivos nelas veiculados,
ou seja, seus currículos, com as políticas educativas de cada período. Concomitantemente, a
partir da teorização de Hall (1997, 1998, 2000 e 2003) e do currículo (Silva, 1999),
inferimos, para além das identidades de classe, raça e gênero, outras categorias identitárias
projetadas pelo Estado ao longo da história da escolarização no Brasil e da inserção da
Educação Física neste processo.
Tomando por base a idéia de que identidade projetada não se configura em identidade
constituída, sugerimos aos professores que considerem que a construção de currículos e a
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projeção de identidades surgem em meio à fertilidade proporcionada pelo contexto
histórico, pelas relações sociais e pela produção científica disponível e que esta conjunção
de fatores contribui para que ocorram lutas pela significação a fim de que uma determinada
concepção didática se estabeleça e prevaleça sobre as demais. A essa sugestão,
acrescentamos que a autonomia atribuída às escolas para a construção de seus currículos
seja percustada pelos professores à luz dos pressupostos e das intenções que subjazem o
contexto de influência social, as políticas educacionais, as tendências pedagógicas e as
abordagens de ensino em questão.
O currículo ginástico e as identidades saudáveis
A Educação Física, enquanto prática sistematizada e institucionalizada na forma de
educação escolarizada, surgiu na Europa no final do século XVIII. Este período histórico
caracterizou-se por grandes transformações sociais e econômicas que culminou com a
determinação de uma nova classe dominante – a burguesia – e uma nova classe dominada –
o proletariado. Foi nesse contexto que a escola moderna e a Educação Física nasceram e
mantêm estrutura semelhante nos dias de hoje. Consolidada no século XIX, sua função
social foi pensada para “construir” a sociedade crescente capitalista. Nela, precisava-se de
identidades empreendedoras para liderá-la, e de identidades fortes e subservientes para
aqueles que deveriam vender sua força-trabalho para a produção das riquezas.
Este período marca a ênfase nas idéias e transformações pedagógicas pautadas no
Iluminismo. A Educação Física era parte integrante da educação do jovem e, com a
educação moral e a educação intelectual, formava aquilo que os educadores da época
denominavam de “educação integral”. Educadores naturalistas e filantropos, como
Basedow, Rousseau, Guths Muths, Pestalozzi e outros (Betti, 1991), enfatizavam os valores
da prática de exercícios físicos como forma de controlar os corpos e, assim, interferir na
formação da personalidade do homem, logo, práticas essenciais para o currículo escolar. A
origem da Educação Física está atrelada à criação dos sistemas nacionais de ensino, à
consolidação dos projetos econômicos e políticos liberal e à primazia do poder da razão no
fazer cotidiano dos homens.
Sua constituição foi fortemente influenciada, a princípio, pela instituição militar e, a
partir da segunda metade do século XIX, pela medicina, fundamentando-se nos princípios
filosóficos positivistas (Bracht, 1999). Nessa época, a educação ligou-se estreitamente aos
movimentos nacionalistas e às políticas liberais. A Educação Física, por sua vez, esteve
ligada a esses movimentos por meio dos métodos ginásticos, nos países continentais
europeus e dos esportes, na Inglaterra.
No Brasil, sua primeira denominação era ginástica e, até o início do século XX, sua
prática ficou restrita às escolas do Rio de Janeiro – capital da República – e às Escolas
Militares. Inicialmente, influenciado pelo pensamento liberal das elites brasileiras e numa
perspectiva denominada Higienista, seu currículo pautava-se na aquisição de hábitos de
higiene e saúde, valorizando o desenvolvimento físico e moral. Sua prática pedagógica
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baseava-se nos métodos europeus de ginástica. A Educação Física voltava-se para setores
privilegiados da sociedade. Atendia, exclusivamente, aos filhos das classes dirigentes,
tencionando suprir qualquer deformidade ortopédica de seus integrantes, a possibilidade de
contrair doenças infecciosas ou adquirir os vícios decorrentes da crescente urbanização das
cidades. Seus objetivos eram profiláticos e corretivos. Seu “currículo-ginástico” (Neira e
Nunes, 2006) colaborava para disseminar os modos de ser das elites dirigentes para as
demais classes sociais e construir identidades saudáveis no seio de uma sociedade saudável.
Desde seu início, os conteúdos de ensino, selecionados a partir de justificativas
científicas, marcavam a distinção social. Muitos dos jovens que freqüentavam a escola
eram de origem rural e, para que estivessem aptos a assumir os principais postos da
sociedade, a Educação Física era necessária para a educação de um corpo tido como rude,
de maus hábitos e preguiçoso. A futura classe dirigente deveria seguir os padrões europeus
de retidão do corpo, afirmando certo ar de requinte, elegância e aspecto saudável. A prática
da atividade física deveria ser regrada para não se misturar com exercícios físicos
relacionados ao esforço do trabalho. Nesse sentido, podemos afirmar que as identidades
projetadas deveriam ser docilizadas nas atitudes, mas robusta na sua aparência. Em relação
às mulheres, entendia-se que a ginástica, bem aplicada e na dose correta, seria o melhor
meio de acentuar sua beleza, sua graciosidade e as virtudes de uma boa mãe (Soares, 2002).
Vale ressaltar que esses objetivos tencionavam conferir à mulher uma identidade que
marcava o lar como domínio de sua atuação para exercer sua plenitude (Goellner, 2003)
associada a um padrão de feminilidade.
A partir de sucessivas reformas na educação, a Educação Física foi lentamente incluída
nos currículos de alguns Estados da Federação e tornou-se obrigatória em todo país no final
dos anos 1930.
Entre os anos de 1930 e 1945, o Brasil passou por grande processo de mudanças
sociais marcado pela Revolução Constitucionalista e pela criação do Estado Novo. Este
período foi o marco da transformação da educação brasileira com mudanças que tiveram
início na década de 1920, com o surgimento da ideologia nacionalista-desenvolvimentista
que teve apogeu na década de 1950, e tencionava introduzir definitivamente o Brasil no
mundo industrializado. No currículo da Educação Física fica clara a passagem da
preocupação ortopédica e higiênica para a eficiência do rendimento físico.
Até então, a Educação Física era vista como uma atividade essencialmente prática e
complementar ao currículo, não necessitando de uma fundamentação teórica que a
diferenciasse da atividade militar. Seus responsáveis assumiam a identidade de instrutores,
cujo processo de socialização consistia em treinamento realizado dentro de uma Escola de
Educação Física militar. Sob a influência militar, a Educação Física, por meio de decreto,
em 1921, impõe o Método do Exército Francês à rede escolar. Objetivava-se formar o
caráter, respeitar a hierarquia e garantir a força física para seus praticantes, adestrando e
capacitando o corpo para a força-trabalho, para a reprodução sadia e, conseqüentemente,
para o desenvolvimento econômico da nação (Betti, 1991). Podemos notar que seu
currículo tencionava constituir identidades para assumir posições de sujeito patriotas,
corajosos, obedientes e preparados para cumprir com suas responsabilidades na labuta
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diária e para a defesa da pátria. Estes objetivos de funções eugênicas, militares, higiênicas,
disciplinares e morais estavam em conformidade com o projeto educacional determinado
pelo Estado Novo e com os interesses das elites: a construção do sentimento nacionalista,
selecionar os melhores e criar modelos de identidades – respeitadoras das hierarquias
sociais – para servir de exemplo para a constituição das novas gerações.
As transformações da pedagogia brasileira foram decorrentes de várias reformas
educacionais influenciadas pelos ideais democráticos presentes no movimento denominado
Escola Nova. A Escola Nova contrapunha-se às idéias tradicionais da educação. Apoiada
no princípio de que todos os homens têm o direito de se desenvolver, o movimento
propunha a superação do caráter discriminatório do ensino brasileiro de então. Defendia a
educação obrigatória, laica, gratuita, a co-educação dos sexos e como dever do Estado.
Entre suas preocupações havia a necessidade de valorizar as crianças, compreendendo seus
comportamentos por meio da biologia, da psicologia social, da psicologia evolutiva, da
sociologia e da filosofia. Importante ressaltar que o movimento da Escola Nova foi o
primeiro a atribuir uma participação importante e sistematizada à Educação Física,
introduzindo o jogo às suas práticas. Com as reformas educacionais, e definitivamente
introduzida no currículo das escolas brasileiras, a Educação Física, influenciada pelo
discurso da Escola Nova, sem, no entanto, alterar sua prática autoritária, tencionava formar
o cidadão acima das questões políticas. O movimento escolanovista não alcançou grandes
proporções, porém, além de questionar os processos educacionais da época, germinou
novas formas de pensar e fazer a educação no Brasil. Por conta disso, podemos afirmar que
a inserção do jogo no componente marcou um período de transição de proposta curricular.
O currículo técnico-esportivo e as identidades vencedoras
No período após a Segunda Guerra (1945), o Brasil experimentou a rápida aceleração
do desenvolvimento industrial e do processo crescente de urbanização dos grandes centros.
Este fato proporcionou o crescimento da rede de ensino público nos anos 1950 e 1960. A
educação estava situada em um momento de pressão das camadas populares por condições
de ascensão social. Diante destas condições, os governos populistas (Vargas e Juscelino)
obrigaram-se a ampliar a rede pública de ensino. Nessa perspectiva, o ensino direcionou-se
para a capacitação técnica efetuada anteriormente pelo ensino profissionalizante. Neste
período, ocorre uma renovação no pensamento educacional, onde não é mais o professor
que detém a iniciativa e é o elemento principal do processo (escola tradicional), nem
tampouco é o aluno o centro da questão (escola nova), mas os objetivos e a “organização
racional dos meios” que direcionariam o processo, colocando os sujeitos anteriores como
meros executantes de um projeto educacional mecanizado, eram concebidos por
especialistas capacitados e imparciais (Saviani, 1983).
Nota-se que tais questões coadunaram-se com a idéia de nação em desenvolvimento. O
país deveria alçar grandes conquistas mediante uma massa trabalhadora competente
tecnicamente guiada (educada) por aqueles que determinavam o que aprender. Nessa
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direção, o objetivo de ensino valorizava o rendimento e os melhores resultados, fruto do
esforço por parte daqueles que trabalhassem com empenho e dedicação. Se na escola
tradicional o aluno que não conseguisse atingir os objetivos propostos, assumia uma
identidade essencializada de ignorante; na escola tecnicista tínhamos a identidade
incompetente e improdutiva. À Educação Física cabia corporificar as identidades projetadas
– os eficientes.
Quanto à prática, o fim da ditadura do Estado Novo permitiu a introdução nas aulas do
Método Desportivo Generalizado1 (MDG) que, mesmo tendo como princípio o jogo e
ênfase em um componente lúdico muito forte, foi gradativamente descaracterizado pelo
aspecto de treinamento e busca de resultados favoráveis que as aulas adquiriam.
Neste ínterim, sua desmilitarização ocorreu simultaneamente ao rápido crescimento do
esporte nos países europeus. Nessa conjuntura e sob influência do modelo curricular
americano, que preconizava o esporte como prática pedagógica ideal para aqueles tempos
de desenvolvimento, a Educação Física incorporou os princípios da instituição esportiva. O
esporte legitimou-se na escola como cultura e educação (Bracht, 1992). Reforçando esta
questão, enfatizamos que o esporte assumia um caráter de integração nacionalista, pois,
além dos movimentos ginásticos estarem atrelados aos países perdedores da guerra, muitas
associações e clubes esportivos eram ponto de encontro e afirmação das identidades
culturais estrangeiras. Estes clubes sofreram pressões governamentais para modificar seus
nomes de origem, seus símbolos, traduzir seus estatutos originariamente em língua materna
para o português, excluir certas práticas corporais e afirmar certos esportes, entre outras.
Diante de novas configurações políticas e sociais, a educação abandona os limites
determinados pelo cientificismo e passa a ser mediada pelo desenvolvimento tecnológico e
industrial. Neste período, tem-se ênfase no currículo tecnicista. Em acordo com as novas
necessidades sociais, o currículo tecnicista objetivava formar identidades de bom caráter,
com iniciativa e controle emocional. Para tal, requeria-se à escola que realizasse atividades
com essas finalidades. Por sua peculiaridade de atividade física regrada por regulamentos,
especialização de papéis, competição, meritocracia – e por apresentar condições para medir,
quantificar e comparar resultados – o esporte torna-se o melhor meio de preparar o homem
para os novos tempos.
Nos anos da ditadura militar, além da modernização do país, as preocupações
voltavam-se para o controle social. Para isso, a educação deveria preocupar-se com os
valores morais, o tempo livre, o lazer, e a educação integral dos jovens e crianças. Esses
objetivos atribuíam à Educação Física uma identidade destacada no cenário educacional. A
Educação Física tornou-se o centro vivo da escola e o seu professor o responsável por
atividades educativas como: a fanfarra e os desfiles, os jogos e as festas escolares
(Ghiraldelli Jr.,1988).
Neste novo contexto, a Educação Física serviu de base para a formação de atletas,
promovendo o ideal simbólico de uma nação composta por identidades lutadoras e
vencedoras. Assim, mais uma vez, a Educação Física atendia às intenções do Estado
(ditadura militar) que desenvolvia uma idéia de tecnização e neutralidade da educação.
Criava-se uma nova concepção de vida e de identidade imposta aos brasileiros e, em
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particular, aos professores de Educação Física que se tornaram condutores dos jovens para
que estes pudessem ter certas identidades: ordeira e pacífica, e por que não dizer,
acomodadas. Tem-se então a identidade instrumentalizada para o comportamento moral,
para o desempenho técnico e físico. Nesse contexto, o esporte e as competições escolares
ganham força e nascem nas instituições educativas novas identidades: o “professor-técnico”
e o “aluno-atleta”. Como conseqüência, estabeleceu-se na área o “currículo técnico-
esportivo” (Neira e Nunes, 2006).
No período da década de 1970, a prática da Educação Física escolar iniciava-se com a
educação do movimento para os alunos até a 4ª série do 1º grau, a iniciação esportiva para
os alunos maiores de 10 anos, quando, então, se orientava para a massificação do esporte e
a posterior seleção para a competição de alto nível (Política Nacional de Educação Física e
Desportos, 1976, apud Betti, 1991).
No final dos anos 1970, surgem novos planos políticos educacionais e estes fizeram
com que o binômio Educação Física e desporto estudantil passasse a ser interpretado como
elemento do processo educativo. Nesta perspectiva, todos teriam o direito de participar das
práticas esportivas escolares independente do talento de cada um (Betti, 1991). Amparado
por decreto, surge o treinamento esportivo na escola que visava a participação dos alunos
em campeonatos oficiais da Secretaria de Educação e a conseqüente seleção dos melhores
para representar o município, o estado e o país nas diversas esferas competitivas. É a partir
desse movimento que se consolidam as olimpíadas estudantis e as diversas formas de
competição entre jovens, tanto no ensino básico, como no ensino superior, tanto no ensino
público, como no privado.
Partindo do pressuposto de que currículo é tudo aquilo que existe na experiência
educacional, não podemos negar que o treinamento esportivo está implicado com formas de
regular e governar os sujeitos da educação. Pelas suas características próximas ao âmbito
do esporte profissional, o treinamento esportivo funciona como regime de verdade dos
valores do esporte. O treinamento esportivo é um microtexto do currículo da Educação
Física que contribui para a aquisição de certos conhecimentos validados pela sociedade e
fomentar as identidades desejadas pelo Estado.
Ao analisarmos a história de vida dos sujeitos do currículo técnico-esportivo de
Educação Física, consideramos que os rituais, os discursos e as práticas presentes neste
modelo curricular conclamam os alunos, alunas, professores, professoras e comunidade, a
assumirem certos modos de ser, validando aqueles que atuam em conformidade com o
sistema simbólico divulgado, ou seja, a identidade e as normas esportivas, e afastam os
resistentes às suas imposições (Nunes, 2006). Em uma perspectiva monocultural, o
componente colocava ênfase nas estéticas e cânones dominantes, no caso o domínio
explícito das técnicas esportivas, cabendo à educação dizer quem estava alinhado a esse
perfil societário – a identidade, a norma – e quem estava afastado e desqualificado,
personificando a diferença – o Outro cultural. Cabe ressaltar que os conteúdos do currículo
técnico-esportivo são retirados de artefatos culturais que agregam e divulgam valores de
origem euro-americana, burguesa, branca, heterossexual, cristã e masculina (idem).
Existe uma multiplicidade de fatores culturais e espaços que colaboram para a
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construção e tentativas de fixação das identidades de gênero, raça e classe (e também para
subvertê-las), dentre eles, a escola e a Educação Física.
Essas observações ganham força com as análises de Louro (1997), para quem o campo
da Educação Física marca de forma explícita as identidades de gênero, pois as práticas
discursivas presentes na área são construções sociais e históricas produzidas sobre
características biológicas marcadas pela influência das ciências naturais na área. Por sua
vez, a Educação Física contribui de forma enfática para a afirmação de uma identidade de
homem, enquanto identidade dominante, ao priorizar em seu currículo atividades
culturalmente determinadas como masculinas (Castellani Filho, 1988; Daolio 2003). Além
disso, esse fato favorece a essencialização das atividades esportivas como tipicamente
masculinas, sendo oferecido às meninas a participação naquelas em que o contato físico não
existe, como é o caso do voleibol, o que não afetaria sua feminilidade (determinada). Louro
(1997) reforça a discussão dizendo que, em relação à sociedade brasileira, um menino, para
ser saudável, isto é, macho, tem que gostar obrigatoriamente de futebol. Souza e Altman
(1999) afirmam que, durante muito tempo, o menino que praticasse voleibol arriscava-se a
ser identificado como efeminado. Neste modelo curricular, as meninas, muitas vezes, ficam
fadadas a sentirem-se incompetentes (Daolio, 2003) e assumir, nas aulas do componente e
nas práticas esportivas, identidades fragilizadas e/ou submissas. O mesmo pode-se dizer em
relação aos meninos que não assumem a posição de sujeito determinada. No tocante ao
currículo técnico-esportivo isso fica evidente, pois, além da ênfase nos esportes, as aulas
são realizadas mediante a separação entre meninos e meninas – mesmo quando realizadas
em regime de co-educação - sob a alegação de um rendimento físico inferior por parte das
meninas em função da sua condição biológica. Para Louro, a aula separada reforça práticas
discursivas que afirmam um padrão de feminilidade e de masculinidade. Quando as aulas
são realizadas em conjunto, a sensação que fica para os sujeitos da educação (física) é a de
que as meninas atrapalham e os meninos são violentos e, por conseguinte, esse
espaço/tempo não pode ser co-habitado (Nunes, 2006).
O mecanismo biológico de tentativa de fixar a identidade é cultural. Ele também é uma
construção discursiva, mas com sérias conseqüências. A identidade de raça também sofre
esse essencialismo. O “negro” é, antes de tudo, uma representação que carrega consigo
aspectos negativos atribuídos pela identidade branca. Hall (2003) chama a atenção para a
construção dessa representação. A cultura negra é híbrida. Ela é resultado de uma complexa
relação entre as origens africanas e suas dispersões e interações com outras culturas. No
entanto, fixa-se sua identidade em cima de seu corpo, de seu estilo e de sua música, e como
possuidor de uma sexualidade selvagem e insaciável. Para o autor, essas descrições são
produtos entre posições dominantes e dominadas. É por meio do que ele denominou “telas
de representação” da cultura negra que o significante “negro” é arrancado do contexto
histórico, político e cultural que o constituiu e colocado na categoria biológica que define
seu modo de ser. É aqui que o currículo técnico-esportivo atravessa as identidades de classe
e raça. O discurso presente no esporte afirma-o como uma das poucas possibilidades lícitas
de ascensão social. Para o negro, marcado pela eficácia de seu corpo, a aprendizagem do
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esporte torna-se uma oportunidade de mudar de classe social (Nunes, 2006).
Por uma nova identidade da Educação Física
Com a (re)democratização2 do país, iniciada no governo Figueiredo, os anos 1980
marcaram o início da crise de identidade da área. Diversas críticas ao modelo vigente foram
elaboradas e surgiram novas abordagens, ampliando o debate acerca das novas tendências
da Educação Física que buscava a construção de um referencial teórico próprio para a área.
Vários aspectos contribuíram para isso. Com o surgimento das Ciências do Esporte,
algumas críticas foram feitas, pois se alegava falta de conhecimento científico para
fundamentar a prática pedagógica. A perspectiva do desenvolvimento humano também
ganha força com a divulgação das pesquisas em Desenvolvimento Motor e Aprendizagem
Motora. Outro fator decisivo foi o estabelecimento de relação da área com as Ciências
Humanas. Esta relação ganha corpo com a aproximação das análises críticas a respeito da
função social da educação e, particularmente, da Educação Física, agora, escolar. A
Educação Física insere-se e absorve as discussões pedagógicas em busca de transformações
da sociedade.
Ao questionar-se seu papel e sua dimensão política, a Educação Física não teria mais a
função de criar e selecionar talentos esportivos nem tampouco lhe caberia a missão de
desenvolver a aptidão física com vistas à promoção da saúde. Seus objetivos e conteúdos
tornar-se-iam mais amplos, visando articular as múltiplas dimensões do ser humano.
Instaurava-se na área uma “crise de identidade”.
Segundo Hall (1998), a crise de identidade ocorre quando as estruturas que fornecem
referências sólidas aos indivíduos, sustentando-os no mundo social de forma estável,
sofrem mudanças, criando uma sensação de deslocamento dos sujeitos “tanto de seu lugar
no mundo social e cultural quanto de si mesmos” (p.9).
Para o autor, essa crise está situada na ruptura dos pensamentos da modernidade, nas
modificações aceleradas das instituições (entre elas, a escola) e das tecnologias, das
mudanças nas “tradições”, da necessidade de integração dos diferentes grupos culturais à
nova ordem mundial, enfim, transformações da vida social cotidiana que interferem
profundamente nas atividades e nos aspectos mais pessoais da existência humana. Essas
transformações sociais levam o sujeito a mudar a idéia que tem de si mesmo como sujeito
integrado ou pertencente a um grupo cultural específico.
Mediante uma análise do percurso da Educação Física no Brasil, podemos
compreender a “crise de identidade” em que ela se encontra. Bracht (2003) sugere que a
“crise” da Educação Física pode estar atrelada à mudança do universo simbólico que a
constituiu. Neste caso, seu embasamento sobre o conceito de corpo (funcionamento) e
atividade física estava vinculado ao conhecimento científico. A ciência biológica
legitimava o universo simbólico da Educação Física, garantindo-lhe sua “tradição”. Para o
autor, a hegemonia das ciências naturais está sendo questionada. Primeiro devido ao
vínculo da área com outras referências que lhe conferem legitimidade. Em segundo, porque
O(s) Currículo(s) da Educação Física e a construção da identidade
65
as próprias ciências naturais têm perdido sua autoridade suprema.
Seu papel pedagógico também sofre revés. Suas práticas eram entendidas como
elemento formador do homem integral. A ginástica e o esporte eram conteúdos necessários
para a construção de certas “identidades” na educação do corpo (imagem de retidão do
corpo dócil) e para a incorporação de valores e comportamentos sociais da sociedade em
desenvolvimento (competitividade, desempenho e superação do corpo máquina). Mas essas
atividades, principalmente o esporte, ocupam, atualmente, espaços diversos fora da escola e
apresentam significados distintos, em que, muitas vezes, se aproximam do pedagógico, ou
seja, continuam sujeitando os corpos a aprendizagem de certos comportamentos e valores
(corpo consumidor), porém não os que se identificam com a atual função social da escola
(corpo cidadão) e as demandas que dela urgem, principalmente favorecer a equidade e a
convivência entre múltiplas culturas que nela se encontram, ou melhor, se colidem.
Como a nova e vigente concepção de escola indica que ela deverá oportunizar um
ambiente formador de conhecimento e favorecer o convívio e a ética social, as práticas
anteriores da Educação Física perderam sua legitimidade. Por conseguinte, é possível que
tenha ocorrido um esgotamento de seu papel social (Bracht, 2003), uma vez que os
paradigmas que as sustentavam não atendem às novas ordens sociais, principalmente às
pedagógicas. A respeito dos novos campos de atuação da Educação Física, Bracht (2003)
assevera que os vários significados e sentidos dessas práticas fundamentam-se em um
universo simbólico com características diferenciadas das anteriores. Este fato dificulta
reunir estas atividades sob a luz de um único conceito e na mesma instituição (Educação
Física). Por conseqüência, a formação do profissional de Educação Física não consegue
contemplar uma área de atuação, pois esta está cada vez mais ampla e polissêmica. O
professor de Educação Física atua em vários campos, cada qual com sentidos diversos
(escolas, academias, clubes, hotéis, terceira idade etc.) e currículos diferentes.
Os currículos globalizante e saudável e a identidade competente
Apesar do debate intenso na área e da existência de novas propostas, ainda é comum
nas práticas da Educação Física a ênfase na aptidão física e manutenção do esporte como
conteúdo hegemônico das aulas do componente. Seu caráter técnico e funcionalista,
denunciado por Bracht (1986), permanece. Após quase três décadas de discussão em torno
de uma Educação Física revolucionária (Medina, 1983), ainda encontramos um grande
grupo de professores que se identificam com uma visão biologicista de Educação Física, ou
seja, aqueles que defendem os objetivos para melhoria da aptidão física dos indivíduos. É
forte, também, a presença de professores que podem ser identificados como “bio-
psicologizantes”, os quais, mesmo reconhecendo o valor da aptidão física, apóiam sua
prática no desenvolvimento intelectual e no equilíbrio emocional. Isto é, a Educação Física
escolar teria outras dimensões: motora, cognitiva e afetivo-social.
Essas idéias ganharam força a partir do final dos anos 1970, graças à retomada das
teorias científicas do comportamento. Neste período, surge no Brasil o método
MARIO LUIZ F. NUNES e KÁTIA RÚBIO
66
psicocinético. A chamada psicomotricidade mostrava-se mais atenta aos processos
cognitivos, afetivos e motores, preocupando-se com o desenvolvimento da criança. A
denominada “educação pelo movimento” visa contribuir para o desenvolvimento da criança
e que dela depende sua personalidade e o sucesso escolar, logo, pessoal. Ou seja, a
Educação Física, nesta concepção, visava a prevenção das dificuldades escolares e a
conseqüente garantia de desenvolvimento dos aspectos funcionais da aprendizagem por
intermédio de mecanismos de regulação da inter-relação sujeito e meio.
No final dos anos 1980, fundamentada em aspectos biológicos e psicológicos, outra
abordagem de caráter tecnicista ganha força: a desenvolvimentista. Esta objetivava garantir
o desenvolvimento fisiológico, motor, cognitivo e afetivo-social do educando. Tais
objetivos seriam alcançados a partir da aprendizagem de habilidades motoras respeitando as
características do comportamento motor dos alunos. Os conteúdos devem seguir uma
ordem de habilidades, das mais simples (fundamentais) para as mais complexas
(específicas). Nesta abordagem, tenciona-se oferecer variadas oportunidades de movimento
aos alunos a fim de ampliar seu repertório motor, permitindo-lhes melhor trânsito social.
Para seus defensores, o movimento é o principal meio e fim da Educação Física.
Ambas, por conta de seus pressupostos e fins, podem ser classificadas como “currículo
globalizante” (Neira e Nunes, 2006).
No entanto, apesar da introdução de outros elementos nas aulas - brincadeiras, jogos
pré-desportivos, educativos e os cooperativos, entendemos que estas duas abordagens
proporcionaram práticas que embasaram as aulas costumeiramente já desenvolvidas nas
escolas e que, principalmente, apoiavam-se na execução dos fundamentos dos esportes ou
em atividades que visavam preparar as crianças para sua execução. O resultado visível
dessas propostas é que quase nada foi alterado na área, pois a utilização das práticas
motoras como meio ou como fim permaneceram e, assim, o “currículo técnico-esportivo”
justificou sua permanência (com nova roupagem), pois esses objetivos (globalizantes)
poderiam ser alcançados por meio da prática esportiva ou por sua forma institucionalizada
(apresentações, competições etc.).
Mais recentemente surge o “currículo saudável” (Neira e Nunes, 2006), cujos objetivos
pautam-se no cuidado individual com a saúde e favorecer um estilo de vida ativo para
combater as mazelas da sociedade capitalista – o sedentarismo, a obesidade, as doenças
cárdio-respiratórias etc..
Diante da nova configuração social, a escola sofre pressão da sociedade,
especificamente das empresas, para formar sujeitos competentes para atuar frente às
instabilidades e as novas leis do mercado de trabalho. Mais do que o cidadão desodorizado
e obediente do início do século, do batalhador que não arrefece diante dos problemas do
desenvolvimento, os novos tempos necessitam de identidades capazes de resolver
problemas com autonomia e trabalhar em grupo para a superação dos obstáculos em busca
da qualidade total do empreendimento. Nesse sentido, esses modelos curriculares
configuram-se em acordo com as expectativas desejáveis para o século XXI – a identidade
competente.
Assim, podemos sugerir que, apesar do discurso da inclusão e do respeito às
O(s) Currículo(s) da Educação Física e a construção da identidade
67
diferenças, esses currículos podem ser classificados como (neo)tecnicistas. Se atentarmos
aos seus pressupostos, veremos que eles tencionam formar identidades iguais. Ou seja, ao
preparar (ou adequar) os educandos para atuar na sociedade, eles, de um modo ou de outro,
a reproduzem. O currículo globalizante, ao enfatizar os aspectos do desenvolvimento
psicológico ou motor esconde as condições que colaboram para que os alunos cheguem à
escola com déficit de partida para a aprendizagem. Por outro lado, o currículo saudável não
questiona e nem atua em direção contrária às condições sociais que promovem o estresse ou
outras doenças decorrentes do ritmo do trabalho ou das más condições de vida, mas habilita
suas identidades a assumir certas posições de sujeito para conviver com elas e
reforçar/reproduzir essas situações. Mais ainda, quando se referem à inclusão, ou a
qualidade de vida, esses currículos promovem atividades para que todos – respeitando-se os
ritmos e as diferentes fases de aprendizagem e de desenvolvimento em que se encontram –
atinjam o mesmo patamar – funções perceptivas, fase de aplicação das habilidades motoras
e níveis de saúde. Ou seja, diante do princípio da igualdade (sem querermos entrar na
discussão do que seria igualdade), os currículos globalizante e saudável, ao enfatizarem este
princípio, na prática, afirmam a hegemonia de um modo de ser, entendido como universal
(e necessário). Em suma, tencionam unificar as pessoas de acordo com as identidades que
os grupos dominantes determinaram como ideais para o funcionamento da sociedade.
O que vimos foi a continuidade da afirmação da condição branca enfatizada por
McLaren (2000), presente nos currículos ginásticos e técnico-esportivo, reforçada com o
discurso eficientista das competências. Como coloca este educador, a condição branca
funciona por meio de práticas sociais de assimilação e homogeneização cultural. Em
relação aos conteúdos, Neira e Nunes (2006, 2007a e 2007b) destacam a incorporação de
artefatos culturais nestes modelos curriculares desprovidos de seus sentidos e lutas por
significação. Como exemplo, é comum a alusão dos benefícios que a capoeira, o hip hop, as
danças folclóricas, as lutas orientais etc. propiciam para a saúde e o desenvolvimento motor
e cognitivo. Ao ser apagado o processo de significação, a diversidade cultural entra na
escola avalizada pelos saberes do racionalismo científico, pela condição branca.
A identidade do professor de Educação Física
Como a identidade está ligada à estrutura sociocultural, ou seja, é discursiva e
lingüisticamente construída, o professor de Educação Física também se encontra em
processo de transformação. O profissional está se tornando composto de várias identidades,
“algumas vezes contraditórias ou não resolvidas” (Hall, 1998, p.12). Como a Educação
Física não consegue definir seu papel na escola, o professor assume diferentes identidades
em diferentes momentos. Fator que, muitas vezes, ocasiona práticas diferenciadas no
mesmo espaço. Neste sentido, ressaltamos que as observações de Daolio (1995) favorecem
a compreensão do problema. O autor relata a freqüente insatisfação por parte dos
professores de Educação Física, que atuam na escola, quanto às suas aulas, à desmotivação
dos alunos, às condições de trabalho e, principalmente, à confusão e à indefinição da
MARIO LUIZ F. NUNES e KÁTIA RÚBIO
68
função social da Educação Física escolar.
A formação da pessoa e do professor é um processo inseparável, mas não é um
processo unidimensional. A formação da pessoa influencia a formação do professor e vice-
versa, ou seja, um processo não exclui o outro. Observando a história da Educação Física, e
da formação de seus professores, Betti (1991) aponta a influência do fenômeno da
esportivização da área, ocorrido entre os anos de 1969 e 1979, como fator fundamental para
a homogeneização esportiva do currículo escolar. Além disso, indica-se que muitos
professores e professoras apresentam especialização em modalidades esportivas e têm seu
histórico de vida atrelado à passagem por equipes competitivas de clubes, escolas e
faculdades. Mais ainda, vários profissionais autovalorizam-se por seus feitos esportivos
(Daolio, 1995). Parece que faz parte da identidade do professor de Educação Física a
formação de equipes e seu treinamento para as competições escolares. Atualmente, diante
dos discursos da preparação para o trabalho competente e da promoção da saúde, nasce
outra identidade de professor de Educação Física: além de descobrir talentos, ele tem que
garantir a eficiência para os demais em outros campos sociais. Mediante as análises de Hall
(2003), podemos afirmar que estes currículos validam certos modos de ser e negam outros,
afirmando a identidade de professor de Educação Física e enunciando sua diferença. O
currículo também incide na constituição da identidade de quem o aplica.
Essa situação dificulta a prática docente e, para Ghiraldelli Jr. (1988), as tendências
pedagógicas vividas no país estão mais ou menos incorporadas e vivas nas cabeças dos
professores atuais. Mais ainda, no momento atual, com incrível velocidade, surgem novas
críticas à educação e, por conseguinte, transformações metodológicas decorrentes. Sem
conhecer os pressupostos que embasam as novas tendências, e sequer ter tempo para as
experimentar e adaptar a sua realidade prática, o professor vê-se, constantemente, diante da
negação de seu trabalho, da própria função da escola e da Educação Física. O resultado tem
sido o trabalho docente cada vez mais inseguro. Diante das novas abordagens, da formação
superior, dos cursos de extensão e pós-graduação, da formação contínua, dos diversos
campos de atuação e das heranças conceituais vividas em períodos anteriores, parece que a
atuação do professor encontra-se em níveis distantes de ser resolvida. Para aumentar esse
problema, podemos dizer que a identidade da Educação Física confunde-se com ginástica,
esporte, recreação, lazer, psicomotricidade, agente promotor da saúde, fator preventivo,
preparação física etc. (Neira e Nunes, 2006).
Por outro lado, as sociedades atuais manifestam grandes ambigüidades em relação à
escola e aos professores. Os pais, por exemplo, que exigem da escola que trabalhe e
desenvolva os valores, a tolerância e o diálogo, são os mesmos que exigem os resultados e
as performances. Para muitos pais, o princípio democrático não teria, na escola, razão de
ser, importando, sim, a exigência do esforço, a valorização do mérito e a seleção dos
melhores. O professor, por sua vez, muitas vezes repete os valores da sociedade praticando
atitudes opostas: discursa a respeito de uma teoria democrática, mas exerce uma atividade
autoritária, impositiva, ancorada nos saberes denominados universais. O professor faz o que
tem que fazer para sobreviver em sua profissão.
Quanto à instituição, a escola, mesmo diante das mudanças da sociedade, reproduz a si
O(s) Currículo(s) da Educação Física e a construção da identidade
69
mesma atrelando-se a conteúdos e práticas passadas. Contraditoriamente, a escola pede
uma atualização constante de seu docente, porém mantém as velhas ordens sociais,
desconsiderando que os saberes do professor ou de qualquer indivíduo dependem da rede
ou redes de conhecimento às quais pertence. Nesse sentido, a escola e o professor atuam
conforme a cultura social determina. Ambos proporcionam a construção acrítica de
identidades, pois ficam entre o ser e o dever ser, ou melhor, o que é desejável ser. Esta
prática afirma um sentimento de perda do status quo até então inabalável. A divisão de
classe, gênero, raça que ocorre em todos os segmentos sociais parece ser reforçada na
escola, pois a sociedade não pressiona por mudanças nesse sentido. Na sociedade neoliberal
as preocupações fundamentais estão vinculadas à vida econômica e a escola (apesar de lhe
ser atribuída função destacada), nesse sentido, cumpre bem a função de creche ou até de
depósito, além de selecionar, hierarquizar e classificar os indivíduos por motivos de
competitividade para a manutenção dos interesses de mercado (Pérez Gómez, 2001).
Como afirmam Molina Neto e Molina (2003), a construção da identidade do professor
de Educação Física depende de seu fazer pedagógico enquanto resposta às demandas de
diversos segmentos sociais. Neste sentido, retomamos que este fazer pedagógico está
articulado com seus conhecimentos. Isto é, se ancoramos nossas idéias no conceito de
identidade fragmentada, líquida e transitória, não podemos deixar de considerar que
existem diversos mecanismos sociais que regulam a prática pedagógica e contribuem para
que ocorram alguns direcionamentos comuns entre os professores da área. Entre eles,
encontramos, por exemplo: sua formação, inicial ou contínua; os livros de divulgação
científica que, em sua maioria, são divulgados por editoras que adotam determinadas linhas
ideológicas e adotam certo modo de edição que legitimam os conhecimentos a eles
vinculados; a organização social das escolas; as mídias e a força absolutizante da
identidade, a norma do que venha a ser professor de Educação Física etc..
Em uma visão crítica, Crisório (2003) retoma a questão da “crise de identidade” da
Educação Física atribuindo maior carga de alienação dos professores aos saberes científicos
do que à diversidade de campos de atuação em que a Educação Física se insere. Para nós,
entretanto, entendemos que os discursos produzidos e produtores das relações de saber-
poder presentes na área orientam a prática pedagógica. É uma área que tem sido valorizada,
ao longo da sua trajetória histórica, pelo seu aspecto prático. Assim sendo, defendemos que
existe um conjunto de dispositivos que põe regularmente em ação práticas discursivas e
não-discursivas que produzem sujeitos e modos de pensar.
Pensar o currículo e seus enunciados como produto e produtor de discursos, implica em
reconhecer que quando os professores fazem suas ações afirmam as verdades enunciadas
pelo currículo. Os professores, especialistas legitimados pela sociedade, ao falarem no e do
interior dos discursos pedagógicos produzem efeitos específicos de verdade. Ao colocar
estes discursos em funcionamento, eles não examinam como esses discursos foram
construídos e as relações de poder que os engendram e os sustentam. Desse modo, não
conseguem reconhecer a conseqüência produzida pela sua própria ação. Seria, para nós,
muitas vezes, uma cumplicidade ingênua.
Sendo assim, podemos transpor estas afirmações para as aulas em que se aplicam os
MARIO LUIZ F. NUNES e KÁTIA RÚBIO
70
processos pedagógicos de ensino-aprendizagem das habilidades motoras ou do gesto
técnico esportivo. Nestes exercícios, os alunos repetem movimentos mecânicos em série,
não compreendem seus objetivos e conseqüências, limitando-se a executá-los de forma
sistemática, por conseguinte, não conseguem utilizá-los no contexto do jogo, muito menos
relaciona-los a construção de seus significados culturais. Podemos afirmar o mesmo em
relação às aulas em que os professores adaptam o jogo para que todos atuem de forma
igual, evidenciando, sem perceber, certas relações saber-poder e fixando os significados da
eficiência e da superação. Por outro lado, o professor desconhecedor das formas de poder e
linguagem que validaram esses saberes, ou seja, produto e produtor dessa condição,
acredita que, além de proporcionar bem-estar aos participantes, esta fórmula garante o
aprendizado de todos e apaga as diferenças.
Se levarmos em conta que os processos pedagógicos são executados igualmente por
todos os alunos, não levando em consideração sua(s) cultura(s), muito menos suas
características pessoais, estas experiências vividas validam um modo de ser e fazer,
reforçando uma ideologia. Nestas circunstâncias, a validação dos mais aptos, as
identidades, sustenta e afirma sua condição técnica, enquanto os menos habilidosos, os
diferentes, mantêm-se afastados de qualquer possibilidade de validarem-se enquanto
sujeitos. Mesmo com boas intenções, estes professores, por meio das narrativas do
currículo e pelos seus regimes de enunciação e visibilidade, tendem a reproduzir os valores
hegemônicos.
O currículo crítico e a identidade emancipada
Fruto das relações da área com as Ciências Humanas e da inserção da Educação
Física na discussão pedagógica, outras vertentes surgem em seu currículo. Influenciada
pelo pensamento de autores de tendências marxistas (Medina,1983; Castellani Filho, 1988;
Soares et alli, 1992), a Educação Física viu-se diante das teorias críticas do currículo.
Apoiadas nas idéias de Bourdieu e Passeron, Althusser, Baudelot e Establet e de autores
nacionais como Freire, Saviani e Libâneo, surgem, na área, abordagens críticas de ensino
(crítico-superadora e crítico-emancipatória). Guardadas as devidas epistemes, nelas o
conceito de currículo passa de uma lista de procedimentos e recomendações a respeito do
“como fazer” para que os alunos atinjam metas pré-estabelecidas para torná-los a
identidade idealizada, para um momento de reflexão crítica a respeito das conseqüências
dos conteúdos selecionados no currículo. Ao caráter técnico do currículo acrescenta-se o
caráter sócio-político.
Essa perspectiva visa denunciar os modelos reprodutores do sistema que mantém a
estrutura social de forma injusta e que reforça as relações de dominação de um grupo sobre
outro. A pedagogia crítica defende uma proposta de conteúdos do ponto de vista da classe
trabalhadora. Propaga que a relação educação-sociedade é influenciada dialeticamente, isto
é, a escola é influenciada pela sociedade e esta também pode ser influenciada pela escola.
Nesta perspectiva, a tarefa dos educadores críticos não é a transformação social via
O(s) Currículo(s) da Educação Física e a construção da identidade
71
escolarização, mas oferecer a democratização dos saberes universais e fazer compreender o
papel que as escolas representam dentro de uma sociedade marcada por relações de poder.
Por meio da tematização e seleção das práticas da cultura corporal (danças, esportes,
lutas, ginásticas), adequadas às possibilidades cognoscentes dos alunos e da relevância
social dos conteúdos, o currículo crítico refuta a idéia de que exista um conhecimento
dominante e inquestionável a ser trabalhado na escola, cabendo aos especialistas adequar e
hierarquizar o melhor percurso para desenvolvê-lo e atingí-lo. Ao contrário, na perspectiva
crítica a escolha dos conteúdos também deve ser submetida a um constante questionamento
para o seu redirecionamento. Abre-se espaço para a participação do aluno no processo
educativo e, não obstante, sua participação política.
Para os autores críticos da Educação Física é necessária a compreensão das relações
que se estabelecem entre as manifestações da cultura corporal e os problemas sócio-
políticos que as envolvem a fim de conscientizar a população a participar da gestão do seu
patrimônio cultural. A concepção de uma pedagogia crítica pressupõe que o ser humano é o
sujeito construtor de sua própria existência, devendo, portanto, atuar frente às
possibilidades históricas de transformação das suas condições de vida desde que possa
refletir criticamente sobre a realidade, combatendo as relações de exploração e opressão
que compõe sua geografia social.
As teorias críticas antevêem um modelo ideal de currículo, de método, de educação
que possa evitar a injustiça social. Por meio do conhecimento das condições sociais da sua
elaboração e da valorização dos membros envolvidos, sua própria cultura, o currículo
crítico visa dar a cultura dominada condições para emancipar-se da dominação e alienação
imposta pela ideologia hegemônica. Na teorização crítica, o educando ao aproximar-se dos
domínios da cultura dominante apropria-se desse locus social de forma igualitária. Na
pedagogia crítica, os sujeitos deverão assumir identidades emancipadas das condições de
opressão em que a sociedade está mergulhada.
O currículo pós-crítico e a identidade solidária
Se para a teoria crítica o currículo é um percurso em que a ideologia dominante
transmite seu poder às classes desfavorecidas, para a teoria pós-crítica o poder não está
polarizado na relação entre classes econômicas distintas. Embasadas nas idéias do pós-
estruturalismo, a teoria pós-crítica toma o conceito de saber-poder de Foucault e advoga
que o poder não é algo que se toma. O poder não está em um vazio, ou em algum lugar em
que se possa ser apropriado ou alcançado. O poder está descentrado. Ele está esparramado
em qualquer relação que compõe e constitui a teia social. O poder refere-se às formas de
regular a conduta dos outros. Onde há relação, existe disputa pela validação dos
significados. Isso é poder. O poder está além das relações de classe, ele está nas relações
entre todas as identidades – etnia, gênero, raça, sexualidade, idade, profissão, locais de
moradia, habilidades motoras e perceptivas, estéticas corporais etc..
Nessa direção, entende-se que o poder sempre existirá. O que se discute são as
MARIO LUIZ F. NUNES e KÁTIA RÚBIO
72
formas de democratizá-lo. Diante disso, a teoria pós-crítica supera a idéia de emancipação
das teorias críticas, pois isso nunca será possível. Afinal, pensamos e agimos em
conformidade com a complexidade do contexto sócio-histórico em que vivemos e em meio
a luta pela significação em que participamos.
A teoria pós-crítica pauta-se no conceito de diferença de Derrida e incorpora o
multiculturalismo, visto que este movimento argumenta em favor da inclusão de todas as
vozes, de todas as culturas no currículo. Ao abraçar todas as tradições culturais, por
conseguinte, suas formas de ser, pensar, agir, jogar, dançar etc., o currículo pós-crítico abre
espaço para a permeabilidade, o contato e o diálogo entre as culturas. Nele, não se discute
ou atribui-se valoração. No currículo pós-crítico todas as práticas culturais são válidas.
Diante disso, podemos tomar as questões da pedagogia crítica e indagar: quem definiu que
devemos aprender xadrez, basquete e voleibol ou outra modalidade esportiva? Quem
afirmou que é necessário desenvolver as habilidades motoras fundamentais ou seguir certos
modelos estéticos? E ampliar com o pensamento pós-crítico questionando o processo de
construção da identidade e da diferença. Assim, interessa saber como foram construídos,
mediados, aceitos ou recusados os significados presentes nas manifestações da cultura
corporal?
Hall (2003) define que o multiculturalismo é resultante da contestação dos grupos
dominados em relação ao modo como eles são representados pelos grupos dominantes. O
multiculturalismo é uma reivindicação, é uma luta pelo poder de definir quem eles são. Para
o autor, os grupos representados pelos dominantes são a diferença, enquanto, quem tem o
poder de definir, é a identidade, é a norma. Hall adverte que a diferença não é uma questão
econômica, mas uma questão cultural que é gerada e mantida por meio de práticas
discursivas. Nas concepções pós-estruturalistas, a diferença é marcada pela representação,
isto é, pela marca visível em que a realidade ou seu objeto real é tornado presente para o
social. Diante disso, podemos entender que a cultura diferente é representada pela
identidade dominante que confere para si os atributos válidos e, para marcar a diferença,
estabelece o negativo para o Outro cultural. Não realizar certas habilidades motoras, não
praticar certas atividades físicas como, dançar, jogar, correr etc. de determinados modos,
não ter certos corpos, é a diferença. A Educação Física, por meio de seus procedimentos
que visam a construção da identidade universal – o corpo perfeito por meio da ginástica, o
gesto técnico esportivo, o topo dos estádios de desenvolvimento ou níveis desejáveis de
saúde, consolida-se como prática discursiva que define a identidade e estabelece a
diferença.
Neira e Nunes (2007a) apresentam uma proposta pautada na perspectiva pós-crítica na
qual o conceito de cultura, divulgado pela Antropologia como modos de vida, é definido
como práticas culturais. Ancorados nos Estudos Culturais, os autores abraçam a idéia de
que cultura é um campo de luta pelo poder de definir os significados culturais. Nesse
campo os diversos grupos produzem a identidade e a diferença. A luta pela significação
cultural envolve formas de regulação e dominação, de resistência e luta. Mediante este
referencial teórico, os autores propõem uma pedagogia da cultura corporal que promova a
interação dos diversos grupos culturais por meio de suas práticas da cultura corporal
O(s) Currículo(s) da Educação Física e a construção da identidade
73
independentemente de valores, normas ou certos padrões sociais. Desse modo, tenciona-se
fazer “falar” a voz de várias culturas no tempo e no espaço – da família, da comunidade e
de outras esferas sociais, além de problematizar as relações de poder presentes nas questões
de raça, gênero, etnia, religião, sexismo, classe, idade, consumo etc. que se expressam por
meio das manifestações da cultura corporal. A Educação Física, pautada nos pressupostos
da teorização pós-crítica, traz para dentro da cultura escolar, por meio de uma política da
diferença, as diversas formas de expressão corporal, visando um trabalho pedagógico que
possa permitir um processo permanente de reflexão acerca dos problemas sociais que as
envolve, o modo como são representadas por outros grupos sociais e as práticas discursivas
que marcam fronteiras. Nessa direção, ao entrar em contato com outras identidades
culturais, uma identidade cultural pode ser desestabilizada, reconhecida e até mesmo
contestada em seus princípios básicos, expondo-se a crítica e favorecendo a auto-crítica.
Por promover a construção e reconstrução dos conhecimentos, o educando poderá
reconhecer que os significados são produzidos na e por meio das relações de poder. Assim,
poderá compreender sua sociedade, assumir posições de sujeito temporárias e atuar
concretamente como cidadão solidário.
Afirmam os autores, que em tempos de convivência e conflitos entre múltiplas
culturas, a função social da escola tem que ser revista. Elucidam que a escola para todos
não pode aceitar imposições universalizantes, pois, ao incorrer no erro de assimilar o Outro,
promove novas formas de conflito e poder. Nesse sentido, as práticas e métodos têm que
ser repensadas a luz das demandas sociais em seu sentido político e cultural mais amplo.
Por conta do seu caráter de fluidez e inquietude, Neira e Nunes defendem que na
perspectiva pós-crítica do currículo a indeterminação e a incerteza das questões do
conhecimento se adequam a plasticidade da cultura, logo, da linguagem presente na infinita
gestualidade das manifestações da cultura corporal. Por ser aberto, estar em permanente
invenção e aceitar diferentes traçados (em vez de um único percurso em linha reta), o
currículo pós-crítico incorpora conceitos e inspirações dos mais diferentes campos teóricos
para expandir-se. Faz diálogo constante com outras áreas e possibilita novas formas de
pensar aquilo que era dominante ou dominado, permite novas formas de ver aquilo que
estava oculto ou estereotipado.
O currículo pós-crítico, por validar todos os conhecimentos culturais, aproxima as
diferenças para que se promova o diálogo a fim de hibridizar novas formas de convivência,
sem, no entanto, negar a cultura de cada grupo. Não se trata, no caso, do diálogo tolerante,
como simples contato ou convívio, mas como troca de experiência marginal que contesta os
sistemas que definem as experiências aceitáveis e que construa novos significados. Nos
rastros (no sentido derridiano) da pedagogia pós-crítica, a convivência entre múltiplas
culturas pode ser construída frente às demandas dos grupos em questão, e não por meio da
imposição da identidade, do saber dominante. Para os autores essa é a possibilidade da
transformação social.
MARIO LUIZ F. NUNES e KÁTIA RÚBIO
74
Considerações Finais
A questão da identidade tornou-se central para compreender o modo pelo qual
percebemos a contemporaneidade. Desde a perspectiva da criação do Estado moderno e a
constituição da identidade nacional, à expressão de múltiplas identidades fornecidas pelas
diversas formas de mídia, essa discussão desencadeia a idéia de que se é verdade que temos
algum sentimento de pertencimento, este não é pré-determinado, sólido ou irrevogável
(Hall, 2000). Em outras palavras, a identidade é constantemente deslocada para toda parte,
ora por experiências confortáveis, ora por vivências perturbadoras.
Ao analisarmos as tendências pedagógicas presentes na escola desde o surgimento da
burguesia como classe dominante da sociedade até os dias de hoje, percebemos que, de um
jeito ou de outro, elas visam à recomposição da hegemonia burguesa diante de possíveis
ameaças de perda do status quo para, assim, reproduzir e garantir as relações de produção
capitalista ou de dominação cultural. No Brasil, o que vimos foi a transição da constituição
do Estado-Nação brasileiro, nos primeiros anos da República, para os ideais nacionalistas
de desenvolvimento, até chegarmos a atual inserção do país no mundo global com seus
conflitos entre os pressupostos homogeneizantes do neoliberalismo e a afirmação do direito
à diferença. Como vimos, esses objetivos corporificam-se no currículo que projeta/constrói
e enuncia identidades e diferenças.
A Educação Física, por sua vez, durante esses anos, somou conceitos e propostas, visto
que os projetos políticos que objetivavam um ideal de sociedade e de identidades foram
similares ao longo dos períodos mencionados. Por outro lado, sua fundamentação
positivista permitiu-lhe, com os mesmos princípios e objetivos, intervir nos corpos/
identidades para a afirmação da cultura universal. Inicialmente, por meio do controle via
racionalização e, posteriormente, por controle via estimulação psicológica (Bracht, 1999).
Neste quadro sócio-histórico, a Educação Física consolidou-se enquanto prática social e,
por meio dos métodos ginásticos, dos esportes e das novas práticas motoras, objetivou:
melhorar a aptidão física, a disciplina e a moral da população em geral; favorecer a
organização do esporte de massa como base para a formação de atletas de elite, iniciada no
currículo do componente, sistematizada no treinamento esportivo e institucionalizada nas
diversas organizações comunitárias e, recentemente, garantir a eficiência social de todos
seus sujeitos.
No atual momento histórico, vivemos em uma sociedade em rede. Nesta, a periferia –
composta por quem ficou fora da pirâmide social, ou seja, não pertence às identidades
dominantes – toca o centro (os dominantes culturais) e vice-versa a todo instante. Em
tempos de diáspora forçada e de contato instantâneo entre as culturas, a tentativa de
imposição de um grupo sobre o outro tem levado a conflitos sociais permanentes e
impensáveis em outros tempos. Isso se reflete na crescente tensão entre a cultura veiculada
pela escola e o patrimônio cultural apresentado pelos seus novos freqüentadores. Esse
quadro apresenta diversos desafios à educação, de forma ampla, e às práticas pedagógicas
em especial.
Diante disso, nos dias atuais, verificamos nas práticas da Educação Física uma tensão
O(s) Currículo(s) da Educação Física e a construção da identidade
75
permanente pela significação. Isto é, uma variedade de práticas pedagógicas, pautadas em
campos teóricos diferentes, tentando valer determinados significados. Também é recorrente
a defesa da tese de que é possível miscigenar as tendências pedagógicas sem, no entanto,
atentar para suas formas de relação saber-poder. Para nós, estes movimentos, mais do que
discursos adocicados e uma “pedagogia do faz-de-conta”, são tentativas de incorporação e
silenciamento efetuadas pela agenda neoliberal - com seu constante apelo universalizante,
etnocêntrico e sedutor, contra uma educação que torne quem aprende ciente dessas relações
de poder e do modo como as instituições sociais modelam representações que atuam sobre
e por meio dos corpos de quem é sujeito da educação. Uma educação que questione o
porquê não só de seu aprisionamento em silêncio a uma cultura hegemônica, como,
também, de sua cumplicidade. Nesse sentido, cabe enfatizar que apesar de o campo cultural
nunca poder ser estabilizado, isso não impede a ação freqüente de construir fronteiras em
outros lugares, outras vezes. Para Hall (2003), essa é uma tentativa do poder sobrepor,
regular e cercear as energias transgressivas e resistentes dos grupos subjugados. Uma
tentativa de contenção ao hibridismo social, étnico, de gênero, das sexualidades policiadas,
dos locais de moradia, das culturas juvenis etc. que ameaça a cultura dominante que se
denominou universal.
É nesse movimento que as propostas curriculares são colocadas em ação. Diante desta
luta pela significação, existe uma recontextualização do currículo do momento em que ele é
pensado nas esferas do Estado, passando pelo contexto de sua produção até chegar ao
contexto de sua prática.
Nessa direção, ficam algumas questões: qual currículo, a escola e a Educação Física,
enquanto componente curricular, poderiam elaborar para enfrentar as demandas sociais
mais urgentes: a democratização das relações de poder estabelecidas na convivência entre
múltiplas culturas, a equidade social e a garantia de acesso ao patrimônio cultural da
humanidade. Seria um currículo que prepara a identidade para inserção na sociedade e,
portanto, reproduzi-la? Ou seria aquele que a critica e cria possibilidades de transformá-la?
Ficamos estupefatos como estamos ou caminhamos em direção ao novo, ao desconhecido,
ao utópico?
Diante da história do currículo da Educação Física, projetada por poucos, convidamos
os professores a fazer o exercício da investigação sobre o campo em que as lutas culturais e
políticas da educação são fomentadas, e sobre o modo como os discursos se estabelecem.
Convidamos os professores a questionarem o discurso que enfatiza o ceticismo dominante
em relação à escolarização e as suas propostas de salvação. Convidamos os professores a
duvidarem das imposições dos especialistas e se transformarem em curriculistas.
Convidamos os professores a refletirem estas questões e a inventarem e escreverem outros
tempos e lugares para o currículo.
Notas
1 À época, o Método Austríaco disputava com o MDG o espaço pedagógico da EF.
MARIO LUIZ F. NUNES e KÁTIA RÚBIO
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2 O prefixo “re” é colocado entre parênteses por não concordarmos com a idéia de que o Brasil já vivera um período
democrático.
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Endereço para Correspondência:
Mário Luiz Ferrari Nunes, Professor do Centro Universitário Ítalo-Brasileiro, doutorando da FEUSP,
Universidade de São Paulo, Brasil.
E-mail - mlusa@uol.com.br
Kátia Rúbio, Professora Associada da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo,
Brasil.
E-mail - katrubio@usp.br
Texto publicado em Currículo sem Fronteiras com autorização dos autores.
... Por um lado, seu ensino foi compreendido a partir de procedimentos estritamente práticos, ligados à preparação física e ao campo esportivo. Por outro, sua prática político-pedagógica foi compreendida em uma perspectiva crítica, pautada em aspectos socioculturais que envolvem elementos políticos, econômicos e culturais Rúbio, 2008;Bracht, 2012). Bracht (2007, p. 30-31) salienta que "um pouco da crise de identidade da EF vem daí, do desejo de tornar-se ciência, e da constatação da dependência de outras disciplinas científicas (a Educação Física é 'colonizada' epistemologicamente por outras disciplinas)". ...
Article
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Este estudo objetivou relatar a experiência de um professor de Educação Física em uma turma do 1° ano do Ensino Médio com a tematização do tênis de mesa. O relato de experiência foi desenvolvido em seis aulas, todas as quintas-feiras. Participaram das aulas 45 estudantes, sendo 19 meninas e 26 meninos. Aponta-se que o professor encontrou barreiras específicas, como a ausência de materiais e espaços específicos para a prática e a resistência dos alunos e alunas em vivenciarem essa prática. Concluímos que apesar das limitações relacionadas a materiais e espaços específicos, é possível tematizar o tênis de mesa na escola a partir da adaptação de materiais e da problematização dos saberes produzidos pela humanidade, efetivando um processo contínuo de conscientização crítica e emancipação dos(das) estudantes. Salientamos que a partir do envolvimento dos(das) educandos(as) na construção de materiais específicos, ampliou-se a familiarização e motivação deles e delas para as vivências. Nesse sentido, a participação dos(das) jovens foi efetiva, acontecendo um avanço gradativo das experiências relacionadas ao tênis de mesa a partir da sistematização pedagógica.
... Concebe a linguagem como produtora do real. Advoga por uma pedagogia que afirma e potencializa a diferença, entendida como condição de existência, de possibilidade de abertura e de produção de sentidos; toma partido pela produção de um sujeito solidário Rubio, 2008) Para melhor compreendermos esse processo pedagógico em que as leituras dos códigos de comunicação 5 e dos regimes discursivos que constituem as práticas corporais se fazem presentes o tempo todo, é necessário pensarmos na produção do CC a partir dos seus princípios ético-políticos, a saber: afirmar a diferença, ancoragem social dos A prática docente no Currículo Cultural: as representações pedagógicas da ressignificação p.340 Linhas conhecimentos, evitar o daltonismo cultural, justiça curricular, a descolonização do currículo e a articulação do tema de estudos com o projeto pedagógico da escola Nunes, 2009a;2009b;Neira, 2011;Nunes, 2018). ...
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Nas duas últimas décadas, ganhou espaço na área da Educação Física a perspectiva do Currículo Cultural. Este objetiva permitir aos sujeitos da educação uma leitura crítica dos modos de regulação das práticas corporais, a fim de possibilitar a produção de outras formas de dizê-las, fazê-las, assim como aos sujeitos perceberem a si mesmos nessa seara. Tencionamos neste artigo discutir a ressignificação, um dos encaminhamentos didático-metodológicos do Currículo Cultural de Educação Física. Para tanto, nos apoiamos na teorização do Currículo Cultural, nas noções conceituais de resistência e contraconduta, formuladas por Michel Foucault e de representação, apresentada por Stuart Hall para a análise do modo como os docentes descrevem a ressignificação em relatos de prática. Os dados empíricos foram submetidos à análise cultural. Os resultados indicaram que a ressignificação emergiu nas ações pedagógicas em três diferentes esferas discursivas, sendo: na produção de novas gestualidades, nas adaptações diversas às estruturas das práticas corporais e na produção de significados que resultaram na desconstrução das identidades normatizadas e, por conseguinte, na afirmação e potencialização da diferença a partir das resistências.
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Resumo: Este artigo objetivou investigar a produção científica sobre a identidade docente e a formação continuada em educação física escolar, analisando como é debatida a relação entre essas duas dimensões da docência. O método utilizado foi a revisão integrativa em quatro bases de dados, sendo analisados 11 trabalhos. Os estudos demonstraram a complexidade da temática abordando-a por diferentes perspectivas: possibilidades e tipos de formação continuada, a subjetividade dos professores(as) em formação, o papel da comunidade, do outro e da alteridade no desenvolvimento de uma identidade profissional. Concluímos que a temática da identidade docente e sua relação com a formação continuada demonstrou-se pertinente e contemporânea, pois converge sobre a própria prática pedagógica dos(as) professores(as), no ser e estar na escola. Apontamos, ainda, a necessidade de mais estudos sobre o tema, dado seu impacto na atividade docente, com desdobramentos na concepção da educação física escolar. Palavras-chave: Identidade Docente. Formação Continuada. Educação Física. Revisão Integrativa.
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A presença de escolares da educação especial em salas de aulas regular se constitui na atualidade uma realidade. Por conseguinte, o atendimento as demandas educacionais especiais de acesso ao currículo se impõem como um dos maiores desafios aos professores neste contexto. Posto isso, esse estudo se debruçou a pesquisar os modos de organização de conteúdos curriculares que valorizam a consolidação da Educação Inclusiva nos cursos de Educação Física. Os resultados evidenciaram que as instituições analisadas oferecem disciplinas ressaltando temas relacionados à Educação Física Adaptada para atender aos princípios norteadores da educação inclusiva, porém foram raros as situações observadas para diminuir improvisação do trabalho do professor de educação física de revisão dos fundamentos teórico-práticos no atendimento a esse público nos espaços educacionais.
Article
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O artigo analisa e descreve as inter-relações entre a Educação Física cultural e o conceito de diferença. Buscando ampliar a adensar essa conceitualização usualmente abordada a partir da diferença cultural, o texto articula a diferença relacionando-a com: a) as estratégias de governamento e controle dos corpos; b) o conhecimento não representacional; e c) as teleologias educacionais almejadas pela proposta curricular. A pesquisa mobilizou a teorização pós-crítica da Educação Física, as filosofias da diferença e referenciou-se empiricamente na produção de conhecimentos a partir da prática docente. Os dados produzidos indicam que as diversas concepções (diferença cultural, diferença na linguagem, diferença no pensamento, diferença e desejo), mesmo que baseadas em elementos epistemológicos distintos, não são excludentes e, além disso, podem, em uma perspectiva educacional, inspirar práticas pedagógicas potentes, criadoras e comprometidas com as diferentes formas de viver, pensar e agir.
Thesis
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Although different authors indicate a rejection of sport by the Catholic Church throughout history, this position conflicts with sources that indicate various connections between the Church and this phenomenon, from antiquity to modernity. The Church's links with the father of Olympism, Baron Pierre de Coubertin, are extensive. This research elucidates the connections between Catholicism and Olympism. The central objective was to investigate the influences of a Catholic ethic on sport throughout history, comparing it with the values of Olympism, in order to list possible convergences and divergences. The study was based on a bibliographic-documentary methodology, of an exploratory descriptive nature, and had as a theoretical reference for discussion the analytical model of the 5'Es, in which five dimensions are adopted for interpretation, namely, emotion, esthetics, entertainment, ethics and education. The main sources that supported the understanding of Olympism came from a selection of writings by Baron de Coubertin, translated into Portuguese and published by PUCRS in 2015. In relation to Catholicism and its involvement with sport, we focused our analysis on the document “Giving your best”, published in 2018 by the Dicastery for Laity, Family and Life, a Church body. Furthermore, the text covers a theoretical reflection based on authors such as Max Weber, Allen Guttmann, and Norbert Elias, on topics such as modernization, civilizing process, religion and sport. As a result, we evidenced that there are convergences of certain values between Catholic ethics and Olympism, which allow the Church and the International Olympic Committee to work together. The Church seeks to insert Catholic values into sports, trying to re-Christianize the culture as a whole and civilize it again based on its ideals, recovering the lost space of religion in modernity. In turn, the IOC agents seem to have found a ceiling for consumer expansion, lacking charismatic elements to take Olympism to different social groups that still ignore sports consumption. In this way, they form alliances with the Catholic Church to disseminate a sport guided by values that are not solely subject to financial and political-ideological goals.
Article
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Este trabalho apresenta reflexões e análises sobre o processo de formação de uma estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - Campus Jacareí, sobre a sistematização de uma prática político-pedagógica inclusiva da Educação Física Escolar. Ao pensar nas aulas desse componente curricular, a licencianda entendia a sua função social como aulas de “educação corporal”. Desta maneira, justamente por este pensamento, foram realizadas reflexões ao decorrer da graduação relacionadas ao motivo dessas aulas serem vistas com este propósito de corpo produtivo, ocasionando a exclusão de alunos e alunas com necessidades educacionais específicas. Tendo em vista o contexto apresentado, a estudante de Pedagogia e dois docentes de Educação Física, após um processo reflexivo e dialógico, problematizaram sobre os fundamentos epistemológicos, políticos e pedagógicos da Educação Física Escolar inclusiva.
Article
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Neste texto discute-se o gênero como construção social que uma dada cultura estabelece em relação a homens e mulheres, mostrando que essa construção é relacional, tanto no que se refere ao outro sexo quanto a outras categorias, tais como raça, idade, classe social e habilidades motoras. Analisa as expectativas corporais em relação a meninos e meninas e suas manifestações na cultura escolar, o esporte como conteúdo genereficado da educação física e as possibilidades de intervenção docente na construção das relações entre meninos e meninas.
Educação Física no Brasil: A história que não se conta. Campinas: Papirus
  • Castellani Filho
CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil: A história que não se conta. Campinas: Papirus, 1988.
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