ArticlePDF Available
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=23801211
Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal
Sistema de Información Científica
Andréia Galvão
A estrutura sindical no campo, de Claudinei Coletti
Revista de Sociologia e Política, núm. 12, junho, 1999, pp. 157-160,
Universidade Federal do Paraná
Brasil
Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista
Revista de Sociologia e Política,
ISSN (Versão impressa): 0104-4478
EditoriaRSP@ufpr.br
Universidade Federal do Paraná
Brasil
www.redalyc.org
Projeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto
157
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 12: 157-160 JUN. 1999
COLETTI, Claudinei. A estrutura sindical no campo: a propósito da organização dos assalariados
rurais na região de Ribeirão Preto. Campinas : Ed. da Unicamp/Centro de Memória, 1998.
AS DISPUTAS POLÍTICAS PELO
CONTROLE DO SINDICALISMO RURAL PAULISTA
Andréia Galvão
Universidade Estadual de Campinas
São muitas as razões pelas quais a leitura deste livro é imprescindível não só para o estudioso do movi-
mento sindical brasileiro como também para os interessados em conhecer melhor as lutas sociais travadas
pelo “homem do campo”, a realidade em que ele vive e trabalha.
Em primeiro lugar, porque trata do sindicalismo rural, que não tem recebido tanta atenção por parte das
Ciências Sociais quanto o sindicalismo urbano. Em segundo lugar, porque analisa de forma precisa, rigorosa,
meticulosa, a implantação e a expansão da estrutura sindical no campo e seus efeitos sobre o movimento
sindical dos assalariados rurais na região de Ribeirão Preto (SP). Em terceiro lugar, porque procura explicar, de
modo original, a divisão do sindicalismo oficial rural paulista, ocorrida a partir do final dos anos 80. Por fim,
pode-se destacar a importância de se discutir os principais aspectos da estrutura oficial e suas implicações
para a atividade sindical justamente num momento em que essa estrutura é novamente colocada em questão1.
Ao longo do texto, redigido numa linguagem clara e objetiva, a partir de uma pesquisa empírica exaustiva
e de uma discussão bibliográfica abrangente, o autor não se limita a reproduzir o que afirma a bibliografia
especializada, mas busca contrapor as diferentes versões que cercam cada questão, procurando refletir a
partir delas. O resultado desse processo é um trabalho minucioso de argumentação, em que Coletti não se
furta a enfrentar as inúmeras polêmicas que surgem ao longo do caminho que se propõe a percorrer, terminan-
do por concluir de forma independente e inovadora. Assim, critica e rebate teses amplamente aceitas, como a
de que o sindicalismo rural seria isento ao fenômeno do peleguismo.
O peleguismo, segundo o autor, é um fenômeno inerente à estrutura sindical corporativa, na medida em
que a existência e a sobrevivência das entidades sindicais depende fundamentalmente da ação estatal. Nesse
sentido, manifesta-se tanto no meio rural quanto no urbano. O que define o peleguismo não é, portanto, a
adesão aos interesses patronais, como difunde-se geralmente, embora um sindicalista pelego possa facilmen-
te ser “dependente e subordinado às direções das empresas” (BOITO JR., 1991, p. 131-132, apud COLETTI,
1998, p. 80), uma vez que sua liderança não resulta necessariamente do reconhecimento de sua base.
A dificuldade dessa concepção é justamente definir os limites entre uma liderança pelega e uma liderança
não pelega. Considerando-se as características da estrutura sindical brasileira, todos os sindicatos possuem,
no limite, algum grau de dependência frente ao Estado. Será que, então, todos os dirigentes sindicais são
igualmente pelegos? Qual a utilidade desse conceito para distinguir as diferentes formas de atuação das
lideranças sindicais e os diferentes graus de dependência dos sindicatos perante o Estado? 2
1 Fundada sobre o monopólio da representação, o arbítrio da Justiça do Trabalho e a arrecadação compulsória de
recursos financeiros, a estrutura sindical corporativa tem sido alvo freqüente de críticas por parte de representantes dos
trabalhadores, do patronato e do governo. As mais recentes manifestações contrárias à sua manutenção partiram do
próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso e de membros de seu governo (como o ex-Ministro do Trabalho,
Edward Amadeo). Para um questionamento acerca da efetividade do discurso governamental, consultar o prefácio do
livro de Coletti, de autoria de Armando Boito Jr.
2 Pois não se pode negar que alguns sindicatos são mais dependentes do que outros. Alguns sindicatos filiados à CUT,
por exemplo, adotaram a prática de devolver o imposto sindical, não dependendo, portanto, desse recurso assegurado
pelo Estado para sua sobrevivência financeira, e puderam fazer isso porque desenvolveram, ao longo dos anos, um
trabalho de organização e mobilização de suas bases, procurando representar efetivamente os interesses dos trabalha-
dores a eles filiados.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 12, jun. 1999, p. 157-160
A ESTRUTURA SINDICAL NO CAMPO
158
A dependência frente ao Estado leva ao desenvolvimento de um outro aspecto que caracteriza o sindicalismo
rural, assim como o urbano: o legalismo. Este expressa-se não apenas no “apego à lei” encontrado na base da
prática da Contag, que busca freqüentemente na Justiça o respeito aos direitos trabalhistas e mantém a
obediência estrita à lei de greve, mas também na própria dificuldade do sindicalismo cutista em escapar dos
limites impostos pelo enquadramento sindical, o que poderia ser feito, por exemplo, pela criação de sindicatos
paralelos3. Ou seja, mais uma vez pode-se traçar uma correspondência entre os efeitos da estrutura sindical
no campo e na cidade, ainda que aqui o legalismo seja menos visível, em virtude da prática desenvolvida pelo
“novo sindicalismo”. Mas apesar de não obedecer à lei de greve, de criar uma central sindical quando isso
não era permitido, de evitar recorrer ao dissídio coletivo para dirimir os conflitos entre patrões e empregados,
o legalismo afeta também o sindicalismo progressista, que busca uma solução legal para a reforma ou ruptura
da estrutura sindical.
Uma diferença a ser apontada entre sindicalismo rural e urbano é que enquanto no primeiro caso a
combinação entre peleguismo e legalismo levou ao predomínio de uma prática de subserviência ao Estado,
imobilismo e a uma ação sindical reduzida ao assistencialismo, no segundo caso o surgimento de uma corren-
te combativa tornou possível minimizar o impacto daqueles elementos negativos.
Desse modo, pode-se concluir que embora a estrutura sindical favoreça a manifestação dos fenômenos
acima mencionados, ela não os determina inexoravelmente. Isto é, se por um lado as características da
estrutura sindical são propícias ao surgimento do peleguismo, do legalismo e do assistencialismo, posto que
estabelece mecanismos que asseguram a dependência das organizações sindicais em relação ao Estado, por
outro lado é possível usar as vantagens proporcionadas pela estrutura, como o monopólio da representação
e a contribuição sindical compulsória, para uma atuação mais comprometida com os interesses dos trabalha-
dores. Foi isso, aliás, o que o “novo sindicalismo” fez, buscando organizar e mobilizar os trabalhadores,
questionando alguns aspectos da estrutura sindical (apesar de, no geral, ter se adaptado a ela) e assumindo
uma postura crítica em relação à política econômica e salarial de todos os governos, desde as greves de 1978.
Voltando à questão anteriormente colocada, a prática desenvolvida pelo “novo sindicalismo” afastou
seus líderes do peleguismo (e do legalismo), mas não os tornou imunes a esses fenômenos. Além de procurar
uma nova formatação sindical pelas vias legais, os herdeiros desse movimento, reunidos ao redor da CUT,
têm dificuldades em passar do discurso (sustentado há vinte anos) à prática, permanecendo presos a alguns
aspectos da estrutura sindical, não obstante as propostas apresentadas para eliminá-la4. Uma evidência
desse apego é que a CUT, diante da recente ofensiva neoliberal — que busca promover a desregulamentação
das relações de trabalho e a adoção da livre negociação coletiva sem a garantia de direitos trabalhistas —
parece ter recuado em suas críticas em relação à estrutura corporativa. Qual a razão desse retrocesso? Os
sindicalistas cutistas parecem ter se convencido de que a estrutura ao menos assegura a preservação de
direitos mínimos, o que não ocorreria numa situação de desregulamentação total. Como, então, conceber um
sindicalismo autônomo e independente (e, portanto, completamente livre do peleguismo) se ele mantém
vínculos, por menores que sejam, com o Estado?
A influência do “novo sindicalismo” sobre o sindicalismo rural traz à tona os limites impostos pela
estrutura sindical à ação reivindicativa dos trabalhadores, bem como as possibilidades de contorná-los. Ao
analisar a greve de Guariba, no interior de São Paulo, em 1984, Coletti enfatiza o caráter espontâneo do
movimento, ocorrido fora da data-base e completamente à margem da lei de greve de 1964, o que seria
impensável se conduzido pelo legalismo do sindicalismo oficial. Isso só foi possível porque a greve “surgiu
completamente por fora da estrutura oficial, ou seja, foi resultado da própria iniciativa dos cortadores de
cana, independentemente dos STR [sindicatos de trabalhadores rurais] e de seus dirigentes” (p. 179, grifos
do autor). A partir do ano seguinte, no entanto, as mobilizações foram canalizadas para o interior do sindicalismo
oficial, sob o controle da Fetaesp (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo),
perdendo a eficiência antes demonstrada.
3 Apesar de, no plano do discurso, as lideranças cutistas apresentarem críticas à estrutura sindical, buscam “se manter
nas diretorias dos sindicatos oficiais [...] ou conquistá-las quando estão na oposição” (RODRIGUES, 1990: 93).
4 Uma delas foi difundida nacionalmente em 1993, durante o Fórum Nacional de Debate sobre Contrato Coletivo e
Relações de Trabalho, coordenado pelo Ministério do Trabalho, quando a CUT defendeu a adoção do contrato coletivo
de trabalho como alternativa global à estrutura sindical corporativa (SIQUEIRA NETO E OLIVEIRA, 1996: 308-9).
159
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 12: 157-160 JUN. 1999
A greve de Guariba, ao mesmo tempo em que revelou “a incapacidade organizativa e a predominância do
assistencialismo e do peleguismo no interior do sindicalismo oficial rural do Estado de São Paulo” (p. 178),
exprimiu a dificuldade do sindicalismo em incorporar os interesses dos assalariados temporários. Nesse
aspecto, o sindicalismo rural paulista reproduz as características gerais do sindicalismo rural brasileiro, que
ignora a diversidade das relações sociais no campo, falando em nome de “um trabalhador rural abstrato” (p.
171).
A diversidade de relações sociais no campo levou muitos estudiosos do sindicalismo rural — assim como
a maior parte das lideranças envolvidas — a explicar a criação dos sindicatos dos empregados rurais
coexistindo ou substituindo os antigos sindicatos dos trabalhadores rurais — como resultado do conflito
de classes entre os pequenos produtores (que exerceriam o papel de liderança na maioria das entidades
sindicais no campo) e os trabalhadores assalariados (que aqueles deveriam representar).
A criação de sindicatos de empregados rurais foi impulsionada pelas brechas abertas pela Constituição
de 1988, que eliminou a necessidade de se obter a “carta de reconhecimento” emitida pelo Ministério do
Trabalho para se fundar um sindicato. Isso facilitou o desmembramento e a formação de sindicatos distintos,
dividindo trabalhadores que antes pertenciam a uma mesma categoria profissional ou base territorial. Valen-
do-se desse precedente, um grupo de sindicalistas combativos da região de Ribeirão Preto adotou a tática de
alterar os estatutos dos sindicatos de trabalhadores rurais, transformando-os em sindicatos de empregados
rurais nos municípios em que o contingente de assalariados rurais era elevado, ou criando sindicatos de
empregados rurais ao lado dos sindicatos de trabalhadores rurais já existentes.
Ao contrário da tese predominante, Coletti demonstra em seu trabalho que a constituição dos sindicatos
dos empregados rurais (e da Federação dos Empregados Rurais Assalariados no Estado de São Paulo —
Feraesp) deve-se à disputa política entre, de um lado, um conjunto de lideranças progressistas e compro-
metidas com a organização e luta dos trabalhadores assalariados rurais, de outro, o peleguismo estatal-
patronal representado pela Fetaesp, que impunha uma camisa-de-força ao avanço do sindicalismo
combativo no campo paulista” (p. 250, grifos do autor). Em outras palavras, a tese defendida pelo autor
considera que a criação de sindicatos de empregados rurais foi mais para acomodar as lideranças próximas à
CUT, que não conseguiam vencer os “pelegos” via eleições, no interior da estrutura oficial, do que resultado
do conflito entre pequenos produtores e assalariados rurais5.
Dois fatores são cruciais para a comprovação da tese defendida pelo autor: primeiro, o registro de que
muitos sindicatos de trabalhadores rurais não tinham mais pequenos produtores em seu quadro social;
segundo, a constatação de que os conflitos entre assalariados e pequenos produtores não eram suficientes
para justificar a constituição de um outro sindicato, dada a dupla condição de classe desses últimos, já que
muitos trabalhavam como assalariados no período de safra6.
Duas teses secundárias são desdobradas a partir desta tese principal: a de que a constituição dos sindi-
catos de empregados rurais é uma forma precária da liderança combativa driblar a unicidade sindical e de que,
justamente por isso, o discurso do conflito de interesses cumpre uma função político-ideológica. Ao se
atribuir o imobilismo, a apatia e o peleguismo dos dirigentes sindicais a sua situação de classe, acaba-se
ocultando o papel desempenhado pela estrutura sindical na disseminação desses elementos7. No caso
5 Coletti opõe aqui o sindicalismo rural tradicional (pelego), representado pela Contag, ao sindicalismo combativo,
representado pela CUT, a partir de uma distinção estabelecida na prática de ambas as correntes sindicais, isentando o
sindicalismo cutista de peleguismo. No entanto, a Contag acabou filiando-se à CUT em 1995, “hipótese praticamente
impensável dez anos antes” (p. 245-6). Teria a Contag abandonado seu modelo de ação sindical ou a CUT passado a
aceitar uma prática que anteriormente condenava? Esta é uma questão que, embora não seja fundamental para a tese do
autor, poderia ser explorada pelo texto.
6 O autor reconstrói, com muita propriedade, o processo de desenvolvimento do capitalismo no campo e seu papel para
a deterioração da condição do pequeno produtor e para a expansão do assalariamento temporário.
7 Retomando mais uma vez a questão aqui já mencionada, poderíamos acrescentar que a constituição de um movimen-
to sindical combativo, preocupado com a organização e a mobilização dos trabalhadores, representativo de sua base e,
conseqüentemente, menos pelego (no sentido definido pelo autor), também ajuda a obscurecer o caráter perverso da
estrutura sindical, pois como atribuir à estrutura a responsabilidade pelas mazelas do sindicalismo se essa mesma
estrutura possibilitou o desenvolvimento de duas correntes sindicais tão diferentes?
A ESTRUTURA SINDICAL NO CAMPO
160
específico do sindicalismo rural na região de Ribeirão Preto, o autor demonstra que não é a situação de classe
da liderança o fator responsável pela desmobilização ou moderação das lutas sindicais, mas que essa é uma
possibilidade decorrente das próprias características da estrutura sindical. Ocorre que o sindicalismo
combativo, em sua luta contra o peleguismo, não podia atribui-lo à estrutura oficial, em virtude de seu próprio
comprometimento em relação a ela, visto que a perspectiva adotada por essa nova liderança era a de ocupar
espaços no interior dessa mesma estrutura sindical e não romper com ela. Daí a utilização do conflito de
interesses como um argumento ideológico para alterar o enquadramento sindical. Nesse sentido, a criação
dos sindicatos de empregados rurais e da Feraesp representou uma manobra no interior da estrutura sindical,
na medida em que combateu a unicidade sem que para isso fosse necessário instaurar o pluralismo.
Entre as inúmeras virtudes e contribuições do livro em questão, esta é certamente uma das mais relevan-
tes: o autor não se contenta com uma explicação simplista para a criação dos sindicatos de empregados rurais.
Pelo contrário, procura ir além das aparências de seu objeto de estudo, mostrando não só porque a tese do
conflito de interesses não funciona, mas também qual a sua utilidade para os que dela fazem uso. Essa
utilidade, nunca é demais repetir, é encobrir “o caráter perverso da estrutura sindical oficial, que possibilita o
imobilismo, a apatia e o peleguismo dos dirigentes sindicais” (p. 251). Atacando o foco do problema, o
excelente trabalho de Coletti contribui para desmistificar o papel da estrutura sindical e desfazer as ilusões
daqueles que ainda defendem sua manutenção como um “mal menor” para os trabalhadores e suas entidades
de representação.
Recebido para publicação em abril de 1999.
BOITO JR., A. 1991. O sindicalismo de Estado no Brasil: uma análise crítica da estrutura sindical. Campinas/
São Paulo : Editora da Unicamp/HUCITEC.
RODRIGUES, L. M. 1990. CUT: os militantes e a ideologia. Rio de Janeiro : Paz e Terra.
SIQUEIRA NETO, J. F. e OLIVEIRA, M. A. de. 1996. Contrato coletivo de trabalho: possibilidades e obstá-
culos à democratização das relações de trabalho no Brasil. In: Oliveira, M. A. de e Mattoso, J. (orgs.).
Crise e trabalho no Brasil. São Paulo : Scritta.
* * *
Andréia Galvão (agalvao@obelix.unicamp.br) Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Cam-
pinas (UNICAMP) e doutoranda em Ciências Sociais pela mesma universidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ResearchGate has not been able to resolve any citations for this publication.
ResearchGate has not been able to resolve any references for this publication.