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Capítulo 1o
A introdução e a expansão
do eucalipto em Portugal
António Monteiro Alves,
João Santos Pereira e João M. Neves Silva*
Departamento de Engenharia Florestal,
Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa.
E-mail: aamalves@isa.utl.pt; jspereira@isa.utl.pt
* Actualmente no Instituto de Investigação Científica Tropical
E-mail: joaonevessilva@gmail.com
*
Capítulo 1
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O eucalipto (Eucalyptus globulus Labill.) assume um papel relevante no qua-
dro da actividade económica portuguesa, não só pela importância da área ocu-
pada e da elevada rendibilidade da sua cultura, mas igualmente pelo signicado
macroeconómico da produção a que dá origem, constituindo a matéria-prima de
um dos principais sectores industriais da economia do país, a indústria de pasta
para papel, com participação proeminente na balança comercial externa. Trata-se
de uma espécie introduzida pertencente ao género botânico Eucalyptus. Este gé-
nero engloba um grande número de espécies adaptadas a uma larga variedade de
condições no seu continente de origem – a Austrália – desde a oresta tropical
húmida até aos habitats subalpinos (Whitehead & Beadle, 2004). A espécie
Eucalyptus globulus Labill., o único eucalipto com interesse económico que se ex-
pandiu em Portugal, ocorre naturalmente na Tasmânia e em Vitória, no sudoeste
do continente Australiano.
1 – Os primórdiOs
A cultura do eucalipto e a sua expansão, sendo uma espécie introduzida,
têm dado origem em Portugal a amplos debates, essencialmente centrados nos
potencialmente negativos impactes sobre o ambiente. Nem sempre assim foi.
Quando o eucalipto foi introduzido no Sul da Europa e em algumas das colónias eu-
ropeias, em meados do século XIX, foi tido em grande consideração (Radich, 1994).
Em Portugal, onde a sua entrada se fez em 1854 (Coutinho, 1886) ou 1859
(Pimentel, 1884), e noutras regiões de clima mediterrânico ou sub-tropical ha-
via uma crónica falta de madeira. O aparecimento de uma espécie de árvores
de crescimento rápido, com troncos aprumados e esguios, constituía um grande
atractivo. Para os agricultores mais progressivos era um modo ecaz de fornecer
madeira para uso nas explorações agrícolas e como combustível. O eucalipto
constituía uma fonte fácil e acessível.
Mas mais que os destinos utilitários, não deixaram de ser determinan-
tes para o interesse inicial, os próprios valores e ideias dominantes na época,
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propícios à proliferação dos “amadores de plantas”, na sequência do século
anterior dos “exploradores naturais” que descobriram para a Europa “as plan-
tas do Mundo”. O eucalipto (os eucaliptos) entra nessa vaga, e tendo embora
sido descoberto na Ilha de Van Diemen, Tasmânia, em 1792, por Labillardière,
só cinquenta anos mais tarde, depois de se manter quase ignorado nos Jardins
Botânicos da Europa, conhece a sua difusão. Em Portugal, a introdução e a
expansão, durante muitos anos, devem-se, não a qualquer acção promotora
das instâncias públicas orestais, mas a particulares, movidos pela curiosidade
pela “coisa exótica” no embelezamento dos seus parques, jardins e algumas
terras, mas também por outras qualidades, incluindo medicinais, que foram
propagandeadas por um conjunto qualicado de entusiastas, publicistas, como
Duarte de Oliveira Júnior, e importadores-viveiristas, como Marques Loureiro,
Guilherme Tait e Rodrigues Batalha, comerciantes do Porto. Registe-se, pois,
como nesta fase introdutória da espécie foram de facto os proprietários pri-
vados os pioneiros. Num inventário directo realizado nos anos 80 do século
XIX por Pimentel (1884) refere-se a presença de eucalipto nas “mais extensas
plantações do país”, mostrando bem a predominância do interesse dos parti-
culares. Da lista de propriedades arroladas, em número de 12, envolvendo no
total umas 300 000 árvores, apenas guram o Pinhal de Leiria, onde existiriam
umas 40 000, e a Mata do Valverde (Alcácer), onde se encontravam não mais
de 1000 árvores.
Para além das utilizações agrícolas e domésticos da madeira, o primeiro
destino claramente de produção comercial do eucalipto, foi para travessas
de caminho de ferro. As primeiras plantações com essa finalidade foram
efectuadas em 1870 (Pimentel, 1884) pela Companhia Real dos Caminhos
de Ferro Portugueses, a partir de viveiros e da instalação definitiva nas áreas
reservadas das estações, casas de guarda e ao longo das linhas. Entretanto,
reconhece-se um longo período em que o recurso ao eucalipto não tem
aumentos importantes, e verdadeiramente só a partir da década de 1940, se
torna numa óbvia e importante fonte de matéria-prima para a produção de
pasta para papel (Radich, 1994).
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2 – A expAnsãO e As Opções públicAs
A questão dos impactes ambientais do eucalipto que tem acompanhado, por
vezes como se se tratasse apenas de uma luta entre entusiastas e detractores da
espécie, todo o longo processo de introdução e expansão do eucalipto, corre
em paralelo com uma outra questão menos evidenciada que é a do papel das
opções públicas nessa evolução. Quando no último quartel do século XIX se con-
solida uma verdadeira Administração Pública Florestal, resultante do auxo dos
conhecimentos técnicos e organizativos colhidos por um conjunto de destacáveis
orestais formados no estrangeiro (e, alguns, já formados em Portugal depois de
1872), é assumida com força a ideia de levar por diante a obra de arborização
do país para combater o secular recuo das áreas orestais (que deu origem aos
celebrados incultos, matéria de abundante discussão política, durante algumas dé-
cadas). A Administração Geral das Matas investe o melhor das suas vontades e
capacidades nesse objectivo, culminando com os planos de arborização das serras,
iniciados em Manteigas e Gerês (1888-1889).
Não se encontra, nos planos de trabalho deste período, por muitos anos,
qualquer interesse especial na utilização do eucalipto, como espécie produtiva.
Quando aparece na obra feita é a título precário, como espécie ornamental, sendo
a sua madeira considerada como quase um aproveitamento secundário, embora
elogiada a árvore pelo seu rápido crescimento. Explica-se em grande parte esta
ausência de interesse no último quartel do século e também, no seguinte do sé-
culo XX, pelo facto de a acção dominante se dirigir para a arborização das serras
e dunas no Norte do país, e em consequência da adaptação às circunstancias
ecológicas, ser satisfeita melhor pelo pinheiro bravo, com as suas características
de pioneira na ocupação de solos degradados. Talvez por isso e por parecer estar
resolvido o problema da escolha das espécies, não tenha havido estímulo ou ne-
cessidade para a busca de outras soluções que, além do mais, não se coadunavam
com o ritmo que queria impor-se à realização da obra.
Também no meio académico, assim como no da investigação nascente, até
aos anos 20 do século XX, não se vislumbram igualmente grandes manifestações
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de interesse no estudo e na divulgação do eucalipto. Um índice de referência, seria
o dos trabalhos publicados sobre a espécie. Além do texto, pioneiro e entusiasta
de Pimentel (1884), encontramos apenas, no “Curso de Silvicultura” de António
Xavier Pereira Coutinho (1886), o registo do eucalipto glóbulo, ainda assim em
exclusiva descrição botânica, e sem especial destaque entre cinco outras espécies
de eucalipto referenciadas. Compulsada, por outro lado, a lista de relatórios nais
de curso em Silvicultura de 1872 a 1920, apenas encontramos uma dissertação
sobre “essências orestais exóticas a cultivar em Portugal” (Belo, 1914), na qual,
de facto, é feita a descrição botânico-cultural da espécie.
Mesmo depois deste período e até aos anos 40 o número de publicações é es-
casso. Estranhamente até, num livro com as características de manual de Silvicultura,
largamente utilizado, as “Noções de Silvicultura” de Horácio Eliseu (1926 e 1942),
ao ser apresentada a listagem, com informação dendrológica e cultural das espécies
recomendadas para a utilização na arborização do Continente, nem sequer há regis-
to da Eucalyptus globulus, entre as três dezenas de espécies descritas.
Mas, a partir das décadas de 20-30, potenciam-se situações que irão conduzir
a alterações de contexto para o que virá a ser a grande expansão do eucalipto.
Um caso ca reectido nos primeiros passos dados, nesta altura, e por parte da
Administração Pública, na organização da investigação orestal, com a criação de
duas instituições, a Estação de Experimentação do Pinheiro Bravo, na Marinha
Grande, e a Estação de Experimentação do Sobreiro e Eucalipto (mais tarde ape-
nas Estação de Experimentação do Sobreiro), em Alcobaça. Aqui, têm início os
trabalhos ligados à tecnologia dos produtos orestais que conduzem à instalação,
no inicio dos anos 40, dum Laboratório da Celulose (Seabra, 1943) no qual foram
estudadas de modo sistemático as nossas diferentes espécies na perspectiva da
sua industrialização. Em 1925, a empresa Caima, já instalada em Portugal desde
1888, recorrendo até aí a outras matérias-primas, e em particular ao pinheiro
bravo, começa a comercializar a pasta obtida a partir do eucalipto, ao mesmo
tempo que desenvolve plantações próprias desta espécie. Pelo lado do Estado,
o alargamento da obra de arborização continua a fazer-se, com preferência pela
arborização das serras, tendo começado a executar-se o Plano de Povoamento
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Florestal de 1938 (Baldios), mas não se vericando alteração de rumo quanto às
características dessa mesma arborização e dos seus produtos.
Entretanto, na década de 40, assiste-se ao agudizar da discussão e do lan-
çamento duma política de industrialização do país, o que é feito em polémica
permanente entre industrialistas e ruralistas, tendo sido aprovado o projecto de
“Fomento e Reorganização Industrial” que constitui a Lei n.º 2005, de 14 de Março
de 1945, a qual previa importante intervenção e apoios do Estado na criação de in-
dústrias. Em relação à indústria de celulose, já antes, em 1942, tinha sido proferido
o despacho, de 12 de Março, que concedeu a licença “para a instalação duma fábri-
ca de celulose, pasta mecânica, papel de jornal e outros papeis” à Companhia Por-
tuguesa de Celulose (Cacia), que veio a funcionar a partir dos primeiros anos de
50, depois da conjugação de interesses entre industriais e banqueiros portugueses,
com intermediação do Estado, tendo sido aliás o primeiro projecto português sob
apoio do célebre Plano Marshall (CPC, 1958). A matéria-prima utilizada foi desde
inicio o pinheiro bravo, só mais tarde o recurso ao eucalipto se tornou importante.
Estava lançada a grande expansão da indústria de celulose que viria a vericar‑se.
Tratou-se, pois, duma opção forte de política pública industrial que viria natu-
ralmente a produzir efeitos marcantes no domínio orestal, nomeadamente o do
arrastamento da política orestal, isto é, do sector da agricultura, sempre resis-
tente a essa evolução. Em 1959, aquando da denição pelo respectivo Ministério
da Economia das linhas essenciais para uma acção política de industrialização
agrícola, que especicamente enunciava também o caso dos eucaliptos para fabri-
co de pasta para papel, era necessário apelar para a cooperação necessária, que
se entrevia difícil, entre os três sectores da governação económica: a indústria,
o comércio e a agricultura (Caldas, 1991). Justicavam‑se, então, as reticências à
expansão do eucalipto, em razões de natureza ecológica, dos seus efeitos nega-
tivos, embora na altura mal elucidados, e nalguns equívocos do alastramento das
plantações a localizações contra-indicadas, mas com certeza também muito mais
fundadas na tradição de defesa do “país essencialmente agrícola” que vinha do
século XIX e, portanto, do receio de perda de áreas julgadas, na época, de mais
interesse para a agricultura. Este contexto explica não só as resistências à expan-
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são do eucalipto, mas dum modo mais geral à própria orestação e, daí, o pouco
sucesso de algumas iniciativas públicas, desde a Lei n.º 2069, de 1954, destinada
a criar condições para a arborização da propriedade privada, que se cou pela
realização de planos de arborização de algumas bacias hidrográcas do Sul do país,
muito pouco concretizados, e à criação de um organismo próprio para realização
desse objectivo, o Fundo de Fomento Florestal (1965), a curto prazo limitado na
acção principalmente pelos problemas do seu nanciamento no âmbito do sector
da Administração Pública responsável pelo sector da Agricultura.
Em contrapartida, no que diz respeito ao eucalipto, devem situar-se precisa-
mente nos trabalhos preparatórios realizados para a aplicação da Lei 2069, acima
referida, as raízes da inovação em termos de técnicas de silvicultura, nomeada-
mente de preparação do solo e de produção de plantas para as arborizações, que
se devem principalmente a Ernesto Goes e às equipas de campo constituídas na
altura, o que permitiu não só alargar as áreas geográcas de expansão mas tam-
bém aumentar as condições de produtividade (Goes, 1977).
É a partir desta época que, sob inuência do interesse dos proprietários e a
pressão da indústria em expansão, carente de matéria-prima, se vai estender a área
de eucaliptal, incluindo a área de exploração das próprias empresas industriais, com
o apoio de diversas origens, do Banco Mundial aos fundos europeus, e passar-se
dos 100 000 hectares para mais de seis vezes no presente (ver Quadro 1).
3 – A expAnsãO, A prOduçãO de mAtériAs‑primAs e A cOn‑
servAçãO dO Ambiente
A área de cultivo do eucalipto alargou-se, portanto, lentamente até aos
anos 50 do século XX. A partir desta época, a área cresceu continuamente até
aos anos 90 do século passado, registando um ligeiro decréscimo no último
Inventário Florestal Nacional (2005-06), como se pode observar no Quadro 1.
O inventário refere, no entanto, a existência de 295 500 ha de povoamentos
jovens, devendo uma parte considerável desta área corresponder a plantações
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de eucalipto. Excluindo a área destes povoamentos jovens, a área de eucaliptal
(647 000 ha,) representa cerca de 19% da área orestal do país (3 412 300 ha).
Na segunda metade do século XX a expansão foi grosso modo paralela ao cresci-
mento da indústria da pasta para papel. Actualmente a totalidade da madeira de
eucalipto utilizada na indústria nacional provém da oresta nacional e a expor-
tação representa 90% e 77% das vendas de pasta e de papel, respectivamente
(dados referentes a 2005; CELPA1, 2005).
A distribuição do eucalipto no território fez-se claramente de acordo com
as preferências ecosiológicas da espécie. A Figura 1 mostra a proporção da
área de eucalipto em cada região NUT III. Na actualidade, as plantações ocorrem
predominantemente no Litoral do país, com maior incidência na faixa litoral
da região Centro. As regiões NUT III com maior proporção de ocupação de
eucalipto (superior a 15%) são as de: Grande Porto, Entre Douro e Vouga, Baixo
Vouga, Baixo Mondego, Pinhal Interior Norte, Médio Tejo e Oeste. Estas unidades
geográcas perfazem 40% da área total de eucalipto e localizam‑se predominante-
mente no eixo Porto-Aveiro-Coimbra. Em oposição a estas regiões estão as que
têm uma proporção de eucalipto inferior a 5%, localizadas no Interior Norte do
país, no Alentejo interior, em Lisboa e no Algarve, e que representam 46% da área
de Portugal Continental.
1 As empresas associadas da CELPA representam 100% da produção de pasta para papel e cerca de
90% da produção de papel.
Quadro 1 – Evolução da área de eucalipto em Portugal Continental.
Fonte: 1928, Mendes de Almeida, Portugal – a sua riqueza silvícola; 1956, Serviço de Reconhecimento e Ordenamento
Agrário; a partir de 1963/66, Inventário Florestal Nacional (DGRF).
Ano 1928 1956 1963/66 1968/80 1980/89 1990/92 1995/98 2005/06
Área (103 ha) 8 58 99 214 386 529 672 647
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Figura 1 – Distribuição do eucaliptal em Portugal: proporção da área ocupada
em cada NUT III (Fonte: Inventário Florestal Nacional, 2005-06).
< 5%
5 – 15%
15 – 25%
> 25%
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Esta expansão de uma árvore exótica, que no jargão dos ecólogos e dos
técnicos orestais, quer dizer, originária de um país ou clima diferente daquele
em que vive, deveu-se pois, a razões tecnológicas e económico-sociais, nomea-
damente, 1) à elevada qualidade do material lenhoso da E. globulus como maté-
ria-prima para pasta para papel e à instalação e expansão da respectiva indústria
em Portugal; 2) às características produtivas da espécie e às potencialidades
climáticas e de solos para uma elevada produtividade em muitas regiões do país;
mas também 3) às possibilidades de intensicação do cultivo, quer através das
técnicas de silvicultura, quer do recurso, vericado mais tarde, ao melhoramento
genético. A intensicação da cultura, permitindo obter produções em períodos
incomparavelmente mais curtos do que a generalidade das espécies orestais, foi
um grande atractivo económico especialmente no contexto de despovoamento
rural emergente nos meados do século XX.
Como escrevemos acima, as preocupações com o ambiente, embora sob
formas embrionárias e não globais, não são de hoje. Cedo, por exemplo, os agri-
cultores depararam com decréscimos na produção agrícola nas áreas adjacentes
a plantações ou quebra-ventos de eucaliptos. Embora seja fácil de explicar e não
possa ser generalizado, este efeito de bordadura que resulta de um intenso con-
sumo de água pelas linhas de árvores de fronteira, tornou os eucaliptais num alvo
de controvérsia. Foram efectuadas algumas intervenções legislativas, nomeada-
mente a de 1937, quando foi publicada a Lei n.º 1951 de 9 de Março que proibia a
plantação de eucaliptos a menos de 20 metros de distância de terrenos cultivados
e a menos de 40 de nascentes e terras de cultura de regadio.
Mas verdadeiramente, a discussão ambiental vericou‑se com mais força nas
décadas de 70 e 80 do século XX, fruto da visibilidade da expansão das plantações
e da oportunidade de politização de temas ambientais. A polémica não esteve de
modo nenhum circunscrita a Portugal pois cobria a maioria dos países onde se utili-
zavam os eucaliptos em plantações de cultivo intensivo para a produção de madeira,
pasta para papel ou combustível – Índia, Etiópia, Brasil, África do Sul. Entre nós, po-
rém, os argumentos eram incipientes e combinavam aspectos distintos. Por exemplo,
as questões socioeconómicas da conversão de terrenos agrícolas e agro‑orestais
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em plantações de eucalipto eram misturadas com efeitos ecológicos, muitas vezes
imaginários. Surgiu então em Portugal legislação a limitar a expansão do eucaliptal, da
qual se destaca o Decreto-Lei n.º 175/88 de 17 de Maio de 1988, que visou impedir
a proliferação de grandes áreas contínuas de eucaliptal, assim como impossibilitar a
conversão de montados de sobro e azinho em eucaliptal.
A expansão do cultivo do eucalipto em Portugal desenvolveu-se numa época
em que na sociedade portuguesa, crescentemente urbanizada, tinham cada vez maior
eco as atitudes e as losoas de defesa ambiental e conservação da biodiversidade.
Foi neste contexto, em que os valores do produtivismo agrário se foram confrontan-
do com um imaginário de defesa do ambiente (Mather, 2001), que se desenvolveu a
moderna contestação ambiental ao cultivo desta espécie. Assistiu-se a uma mudança
da percepção da oresta e dos paradigmas da sua gestão, em que os benefícios am-
bientais são cada vez mais valorizados em comparação com os bens materias como
a madeira. Ou seja, a imagem foi mudando da oresta “industrial” para a oresta
“pós-industrial” ou “pós-produtivista” (Mather & Pereira, 2006). Os benefícios am-
bientais tendem, no entanto, a reverter a favor da população em geral, sendo difícil
aos proprietários da oresta fazer a sua conversão em valor económico. Assim, a
mudança de paradigma da gestão orestal origina conitos de interesses entre dife-
rentes partes da sociedade. Só um cada vez maior esclarecimento e o mais possível
quanticado, digamos cienticamente fundado, poderá ir elevando os níveis das deci-
sões que compatibilizem os interesses justos na perspectiva do económico-privado e
no contexto macro do interesse económico-social e sustentável das comunidades.
Foi pois neste contexto que surgiu a necessidade de dar resposta às preocupações
ambientais com um cultivo que está na base de uma indústria de grande importância
nacional. Este livro é o resultado do conhecimento e da experimentação das últimas
décadas sobre o ecossistema do eucaliptal. Nele são abordados os impactes ambientais
das plantações de eucalipto (nos recursos hídricos, no solo, na biodiversidade), assim
como a produtividade e o melhoramento do eucalipto. São ainda tratados outros as-
pectos como os agentes bióticos, o fogo, os impactes socioeconómicos, as modicações
das paisagens e o papel dos eucaliptais no sequestro de carbono.
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