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Paleontologia: Cenários de Vida
Volume 4
ISBN 978-85-7193-274-6 Paleontologia: Cenários de Vida
PEGADAS DE DINOSSAUROS THEROPODA DO
PALEODESERTO BOTUCATU (JURÁSSICO SUPERIOR
- CRETÁCEO INFERIOR) DA BACIA DO PARANÁ
THEROPOD DINOSAUR FOOTPRINTS OF THE BOTUCATU PALEODESERT
(UPPER JURASSIC - LOWER CRETACEOUS) FROM PARANÁ BASIN
Marcelo Adorna Fernandes1, Aline Marcele Ghilardi1, Ismar de Souza Carvalho2 & Giuseppe Leonardi3
1 Universidade Federal de São Carlos. Depto de Ecologia e Biologia Evolutiva. Via Washington Luis, km 235, Caixa Postal 676,
13565-905; São Carlos - São Paulo – Brasil; 2 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Geociências. Depto de Geologia.
Cidade Universitária. Ilha do Fundão, 21949-900 Rio de Janeiro - Rio de Janeiro – Brasil; 3 7, Av. Chemin de la Forêt Place
Commerciale, Ma Campagne Kinshasa/Ngaliema République Démocratique du Congo.
E-mails: mafernandes@ufscar.br; alinemghilardi@yahoo.com.br, ismar@geologia.ufrj.br, gi-leonardi@simbatel.com
RESUMO
Lajes de arenito da Formação Botucatu foram coletadas na pedreira São Bento de Araraquara,
SP. De acordo com os ângulos interdigitais, relações comprimento/largura e forma dos dígitos,
as pegadas de Theropoda foram agrupadas em quatro morfotipos. Morfotipo I: Coelurosauria,
com ângulos interdigitais entre 20o e 30o; relação comprimento da pegada/largura da pegada
em torno de 1,7. Morfotipo II: Carnosauria com ângulos interdigitais entre 30o e 40o; relação
comprimento da pegada/largura da pegada em torno de 1,1. Morfotipo III: Carnosauria
(variação I) com ângulos interdigitais entre 35o e 50o. Morfotipo IV: Carnosauria (variação
II) com ângulos interdigitais entre 30o e 40o. As diferenças morfológicas das pegadas dos
Carnosauria podem ser variações do Morfotipo II, explicáveis em conseqüência do esforço e da
direção do deslocamento dos dinossauros em um plano inclinado, e da velocidade desenvolvida
durante o percurso no foreset.
Palavras-chave: Icnofóssil, Formação Botucatu, Theropoda
ABSTRACT
Slabs of sandstone from the Botucatu Formation were collected at the São Bento quarry,
Araraquara, SP. Four morphotypes were identified regarding the interdigital angles, the ratio of
length to width of the footprint, and the form of the digits. Morphotype I: Coelurosauria, shows
interdigital angles ranging from 20-30º and a footprint length/width ratio of approximately
1.7. Morphotype II: Carnosauria, revealed an interdigital angle ranging from 30-40º and a
ratio of length to width of the footprint of 1.1. Morphotype III: Carnosauria (variation I)
with interdigital angles ranging from 35-50º. Morphotype IV: Carnosauria (variation II) with
interdigital angles ranging from 30-40º. The differences between the Carnosauria footprints
are apparently variations of the Morphotype II, reflecting the effort and direction of dislocation
(movement) of the dinosaurs on an inclined plane and the speed developed during the passage
across the dune.
Keywords: Ichnofossil, Botucatu Formation, Theropod
610 Paleontologia: Cenários de Vida
1. INTRODUÇÃO
Segundo Leonardi & Sarjeant (1986), os primeiros registros fósseis da Formação Botucatu
foram observados e identificados por um engenheiro de minas brasileiro, Joviano A. A. Pacheco
em 1913, no calçamento das vias públicas da cidade de São Carlos, interior paulista. Huene (1931)
estudou alguns destes achados levando à compreensão do tipo de organismo produtor, associado ao
ambiente desértico.
Estudos feitos por Leonardi & Oliveira (1990) atribuíram à Formação Botucatu, nos arredores
de Araraquara, estado de São Paulo, uma icnofauna endêmica onde predominavam os mamíferos
primitivos, especialmente Brasilichnium elusivum, acompanhados de dinossauróides bípedes
(Ornithopoda e Theropoda).
Os icnofósseis atribuíveis a Theropoda foram coletados na Pedreira São Bento, localizada no
município de Araraquara, nas coordenadas de 21o49’03.4”S e 48o04’22.9”W.
Segundo Leonardi & Carvalho (2002), as pistas de tetrápodes das pedreiras da região do
Ouro (e de calçadas da cidade de Araraquara) são quase sempre (90-95%) de baixa qualidade, sendo
simplesmente cavidades arredondadas ou elípticas sem detalhes morfológicos. Estas cavidades são
freqüentemente acompanhadas de uma crista de arenito em forma de meia-lua, amiúde na direção do
mergulho dos estratos, representando assim um deslocamento de areia pelos pés dos animais, quando
em progressão através das dunas. Apesar da baixa qualidade de preservação, ainda assim os parâmetros
das pistas freqüentemente possibilitam classificá-las.
2. GEOLOGIA
A Formação Botucatu representa um extenso campo de dunas iniciado no Jurássico, sobre o
antigo continente Gondwânico, que foi recoberto no Eocretáceo pelo mais volumoso episódio de
vulcanismo intracontinental do planeta, registrado pela Formação Serra Geral.
O Arenito Botucatu cobre a maior parte da Bacia do Paraná, o Paraguai Oriental e o nordeste da
Argentina, perfazendo uma área de mais de 1.300.000 km2, constituindo uma das maiores deposições
áridas contínuas do mundo. No contexto paleontológico, além dos icnofósseis, poucos são os fósseis
corporais presentes na Formação Botucatu, sendo encontrados troncos e conchostráceos na porção
norte da Formação (Campos, 1889 apud Almeida & Melo, 1981).
As estruturas sedimentares mais típicas são estratificações cruzadas tangenciais em grandes
cunhas que, para o topo, passam à estratificação plano-paralela e cruzada acanalada. Zonas silicificadas
também são comuns nos arenitos da Formação Botucatu, principalmente na porção superior próxima
ao contato com as rochas vulcânicas da Formação Serra Geral (Paragassu,1970).
A Pedreira São Bento, de onde foram coletadas as lajes, apresenta a secção de uma grande
duna com 20 m de altura e 100 m de comprimento, exibindo a feição de foreset com mergulho de 29º
aproximadamente em direção S-SW.
611
3. METODOLOGIA
Oito amostras de arenito Botucatu contendo os mais relevantes vestígios de pegadas de
dinossauros Theropoda foram selecionadas (MPA-200, MPA-231A, MPA-207, MPA213, MPA-
610, MPA628, MPA-630A e MPA-231B).
A codificação dos novos materiais coletados foi realizada tomando-se como base seu
tombamento em um museu local, em fase de implantação, o Museu de Arqueologia e Paleontologia
de Araraquara, com a sigla de lastro correspondente à MPA - Material Paleontológico de Araraquara.
Atualmente, devido ao espaço físico insuficiente do Museu de Araraquara, a grande maioria das lajes
com este lastro encontra-se em fase de incorporação à coleção de paleontologia do Departamento de
Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
As descrições dos icnofósseis de vertebrados foram efetuadas tomando-se como referência as
publicações de Leonardi (1987, 1994). Cada amostra foi lastreada e fotografada constituindo-se em
um banco de dados onde houve a separação dos diferentes grupos parataxonômicos.
Com relação às formas dinossaurianas foi estabelecida uma associação de grupos de pegadas
com base em suas características morfológicas, tais como: formas dos dígitos, presença de garras,
largura e comprimento da pegada, ângulos interdigitais. Nas pistas com três ou mais pegadas foi
possível encontrar uma constância nas formas dos autopódios o que levou a um melhor detalhamento
do organismo produtor.
4. DESCRIÇÃO DAS PISTAS E PEGADAS
De acordo com Osmólska (1990) os dinossauros Theropoda possuem pés com metatarsos
estreitos e alongados, sendo o metatarsal V reduzido a um vestígio de osso e o metatarsal I separado
do tarso, caracterizando os dinossauros carnívoros.
Thulborn (1990) sugeriu como regra geral que as pegadas de Theropoda com comprimento
menor que 25 cm sejam atribuídas a Coelurosauria, e as com tamanho maior que este, aos Carnosauria.
Entretanto, no presente trabalho, as características morfométricas destas duas categorias são muito
díspares, por isso continuaram agrupadas em quatro morfotipos.
Dentre os dinossauros Theropoda, o grupo Coelurosauria foi definido inicialmente por Huene
(1914 apud Osmólska, 1990) para incluir pequenas formas carnívoras. Para Ostrom (1990) os pés
dos Coelurosauria são típicos dos Theropoda, apresentando adaptações cursoriais, com metatarsais
II, III e IV longos e finos, um metatarsal I relativamente curto e um metatarsal V rudimentar. De
acordo com Thulborn (1990), o dígito III é relativamente maior que os demais. As falanges são
delgadas, tendo a mesma fórmula falangeal 2-3-4-5-0, da maioria dos Theropoda. O dígito I é muito
curto, não ultrapassando em comprimento a porção distal do metatarsal II. A largura das pegadas dos
Coelurosauria é geralmente 70% a 75% do seu comprimento. A divergência total entre os dígitos II e
IV não ultrapassa os 50º. Normalmente todos os dígitos apresentam vestígios da impressão de garras.
Para Molnar et al. (1990) os Carnosauria, outro grupo de Theropoda, possuem pés
funcionalmente tridáctilos. O metatarso é robusto, com o dígito I curto e reverso. Os metatarsais II e
IV são freqüentemente semelhantes em comprimento e moderadamente divergentes, mas o metatarsal
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612 Paleontologia: Cenários de Vida
II é ligeiramente maior. O metatarsal III é o de maior comprimento e pode possuir a porção proximal
mais fina. Segundo Thulborn (1990), a fórmula falangeal é 2-3-4-5-0, com o dígito III maior. As
pegadas individuais são ligeiramente mais longas do que largas, com divergência entre os dígitos II e
IV ao redor de 50º e 60º. Freqüentemente os ângulos interdigitais são semelhantes com os hypex em
forma de “V”. A porção posterior das pegadas dos Carnosauria apresenta forma levemente triangular.
De acordo com as disposições dos dígitos nas pegadas, um grupo apresenta dedos com as
extremidades pontiagudas, sugerindo a presença de garras e o hypex na forma de “V”, como na maioria
dos dinossauros Theropoda presentes na Formação Botucatu.
Ainda assim, de acordo com os ângulos interdigitais, poderíamos agrupar os dinossauros
Theropoda em dois subgrupos, um Coelurosauria (ângulos entre 20o e 30o, Morfotipo I) e outro
Carnosauria (ângulos entre 30o e 40o, Morfotipos II, III e IV), porém nesse último caso existem
variações morfológicas das pegadas, talvez em função da direção do movimento em um plano inclinado
e da velocidade desenvolvida durante o percurso no foreset, ou mesmo da própria anatomia dos pés.
Morfotipo I: Coelurosauria
Características diagnósticas: pegadas tridáctilas mais compridas do que largas, digitígradas
e mesaxônicas. Relação comprimento da pegada/largura da pegada em torno de 1,7. Relação largura
da pista/largura da pegada em torno de 1,6. O dígito III possui ligeira curvatura em relação ao eixo
da pegada. Dígitos II e IV curtos em comparação ao dígito III, porém o dígito II é maior que o
IV. Aparentemente os dígitos II e IV apresentam pequeno encurvamento interno à pegada. Na
maioria das pegadas a garra do dígito III é bem evidente e curvada. Nas formas pequenas os três
dígitos apresentam garras evidentes. O hypex é em forma de “V”. Existe o intumescimento na porção
proximal do dígito III, porém com afinamento pronunciado nas extremidades, onde se inserem as
garras. Apresenta o padrão de pegadas atribuíveis ao grupo dos Coelurosauria. Ângulos interdigitais
entre 20o e 30o. Apresenta divergência total entre os dígitos II e IV de 40º a 50º.
MPA-200
Pista contendo quatro pegadas consecutivas muito bem preservadas, como epirrelevo côncavo,
onde existe a preservação dos dígitos II, III e IV. As extremidades de todos os dígitos são afiladas
indicando a presença de garras. O ângulo do passo possui valor obtuso de 166o e o valor médio do
meio-passo é de 13 cm. Há uma ligeira rotação da direção do passo para cada pegada, voltando-se para
o interior da pista, autopódios voltados para dentro, rotação positiva (Figura 1).
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Figura 1. MPA-200, (A) pista com quatro pegadas em epirrelevo negativo do morfotipo I. (B) Detalhes das pegadas. Escala
em centímetros.
MPA-231A
Figura 2. MPA-231A, pista com sete pegadas consecutivas em epirrelevo negativo do morfotipo I.
Escala em centímetros.
Mosaico de lajes que compõem uma pista com sete pegadas consecutivas,
mesaxônicas. São todas undertracks bem preservadas onde se pode observar a
impressão de garras somente nos dígitos III de cada pegada. Os dígitos III de cada
pegada mostram-se com as extremidades voltadas para o interior do eixo médio
da pista e com a porção proximal mais intumescida devido à morfologia externa
dos pés do animal. O ângulo de passo no início é de 172o e no final da pista é de
aproximadamente 174o e o valor médio do meio-passo de 43 cm, indicam que o
animal deveria estar acelerando durante o percurso. Esta pista, diferindo apenas em
tamanho, apresentou padrões morfométricos totalmente idênticos aos da pista MPA-
200 que é comparativamente muito menor, podendo ser um estágio ontogenético de
uma mesma espécie (Figura 2).
Morfotipo II: Carnosauria
Características diagnósticas: pegadas tridáctilas ligeiramente mais
compridas do que largas, digitígradas e mesaxônicas. Relação comprimento da
pegada/largura da pegada em torno de 1,1. O dígito III é praticamente reto e no
mesmo eixo da pegada. Dígitos II e IV curtos em comparação ao dígito III, porém
o dígito II é maior que o IV. Aparentemente os dígitos II e IV não apresentam
nenhuma rotação externa ou interna à pegada. Na maioria das pegadas a garra do
dígito III é evidente. O hypex é em forma de “V”. Existe o intumescimento na
porção proximal do dígito III sendo mais largo que os demais dígitos. Apresenta
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614 Paleontologia: Cenários de Vida
o padrão de pegadas atribuíveis ao grupo dos Carnosauria. Ângulos interdigitais entre 30o e 40o.
Apresenta divergência total entre os dígitos II e IV de 50º a 70º.
MPA-207
Pegada isolada preservada sob a forma de hiporrelevo convexo. O dígito III é o de maior
comprimento, apresentando a extremidade afilada. O dígito IV apresenta pequeno arredondamento
na extremidade. O hypex entre os dígitos II-III e III-IV é anguloso. A margem posterior é bem
arredondada com a feição em forma de meia-lua situada ao lado do dígito IV (Figura 3).
Figura 3. MPA-207, pegada isolada do morfotipo II preservada sob a forma de hiporrelevo convexo. Escala em centímetros.
MPA-213
Pegada isolada cuja preservação ocorreu sob a forma de epirrelevo côncavo. Os dígitos II e III
apresentam extremidades afiladas, já o dígito IV é arredondado e apresenta uma curvatura ligeiramente
divergente. O hypex entre os dígitos II-III e III-IV é anguloso. Existem pequenas crenulações nas
porções terminais dos dígitos. A margem posterior da pegada é arredondada com a forma em meia-lua
presente ao lado do dígito IV (Figura 4).
Figura 4. MPA-213, pegada isolada do morfotipo II preservada sob a forma de epirrelevo côncavo. Escala em centímetros.
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Morfotipo III: Carnosauria
Características diagnósticas: pegadas tridáctilas geralmente tão compridas quanto largas,
digitígradas e mesaxônicas. Relação comprimento da pegada/largura da pegada em torno de 1,0. O
dígito III possui maior curvatura em relação ao eixo da pegada. O dígito II também possui curvatura
voltada ao mesmo lado do dígito III. Dígitos II e IV curtos em comparação ao dígito III, porém o
dígito II é maior que o IV. Na maioria das pegadas a garra do dígito III é mais evidente que nos
demais dígitos. O hypex é em forma de “V”. Existe o intumescimento na porção proximal do dígito
III, porém com afinamento pronunciado nas extremidades, onde se inserem as garras. Apresenta o
padrão de pegadas atribuíveis ao grupo dos Carnosauria, podendo ser uma variação do morfotipo II.
Ângulos interdigitais entre 35o e 50o. Apresenta divergência total entre os dígitos II e IV de 60º a 80º.
MPA-610
Pegada isolada preservada sob a forma de epirrelevo côncavo. O dígito II aparenta ser maior
que o dígito III, porém o alto grau de encurvamento mascara este fato. O dígito IV apresenta
pequeno arredondamento na extremidade e é muito curto, em relação aos demais dígitos. Os hypex
são moderadamente angulosos. A margem posterior é bem arredondada com a feição em forma de
meia-lua situada ao lado do dígito IV (Figura 5).
Figura 5. MPA-610, pegada isolada do morfotipo III preservada sob a forma de epirrelevo côncavo. Escala em centímetros.
MPA-628
Pegada isolada preservada sob a forma de epirrelevo côncavo. As garras são evidentes apenas nos
dígitos II e III. O hypex é ânguloso e o dígito IV apresenta pequeno arredondamento na extremidade
e também pequeno comprimento. A margem posterior da pegada é bem arredondada com a feição
em forma de meia-lua situada ao lado do dígito IV. Os ditos II e III são excessivamente curvos, com
pequena crenulação entre eles (Figura 6).
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616 Paleontologia: Cenários de Vida
Figura 6. MPA-628, pegada isolada do morfotipo III preservada sob a forma de epirrelevo côncavo. Escala em centímetros.
Morfotipo IV: Carnosauria
Características diagnósticas: pegadas tridáctilas geralmente mais compridas do que largas,
digitígradas e mesaxônicas. Relação comprimento da pegada/largura da pegada em torno de 1,2.
Relação largura da pista/largura da pegada em torno de 1,2. O dígito III possui maior curvatura em
relação ao eixo da pegada. O dígito II também possui curvatura voltada ao mesmo lado do dígito
III, neste caso o dígito IV também apresenta ligeiro encurvamento no mesmo sentido. Dígitos II
e IV mais curtos em comparação ao dígito III, porém o dígito II é maior que o IV. Na maioria das
pegadas a garra do dígito III é mais evidente que nos demais dígitos. O hypex é em forma de “V”.
Existe o intumescimento na porção proximal do dígito III, porém com afinamento pronunciado nas
extremidades, onde se inserem as garras. Apresenta o padrão de pegadas atribuíveis ao grupo dos
Carnosauria, podendo ser também uma variação do morfotipo II. Ângulos interdigitais entre 30o e
40o. Apresenta divergência total entre os dígitos II e IV de 50º a 70º.
MPA-231B
Figura 7. MPA-231B, pista com três pegadas consecutivas do morfotipo IV, associada a outra pista de dinossauro
correspondendo à MPA-231A do morfotipo I, preservada sob a forma de epirrelevo côncavo. Escala em centímetros.
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Pista com três pegadas consecutivas, associada a outra pista de dinossauro correspondendo à
MPA-231A. O ângulo do passo possui valor obtuso de 178o e o valor médio do meio-passo é de 60
cm. A primeira e a terceira pegada desta pista apresentam os dígitos II e III com nítida impressão de
unhas (Figura 7).
MPA-630A
Pista associada com uma pegada de um dinossauro Ornithopoda, contendo três pegadas
consecutivas muito bem preservadas, apresentando-se sob a forma de epirrelevo côncavo. As pegadas
possuem dígitos curvos, como da amostra MPA-231B, porém são bem maiores. O ângulo do passo
possui valor obtuso de 176o e o valor médio do meio-passo é de 74 cm. Esta pista, diferindo apenas
em tamanho, apresentou padrões morfométricos totalmente idênticos aos da pista MPA-231B que é
comparativamente muito menor, podendo ser um estágio ontogenético de uma mesma espécie, como
foi observado entre amostras MPA-200 e MPA-231A do morfotipo I (Figura 8).
Figura 8. MPA-630A, pista do morfotipo IV associada com uma pegada de um dinossauro Ornithopoda, contendo três
pegadas em epirrelevo côncavo. Escala em centímetros.
5. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
As pistas se dispõem em direções preferenciais, na pedreira São Bento. Em 80% das ocorrências,
a direção preferencial do movimento esteve entre 300o e 330o, com algumas pistas em sentido contrário
120o e 150o. Os animais do paleodeserto Botucatu atravessaram comumente (de maneira diagonal)
uma grande duna transversa.
As variações preservacionais das pegadas fossilizadas nos arenitos da Formação Botucatu
condizem com aspectos relacionados à consistência do substrato em função da umidade e também das
velocidades e direções diferentes, adotadas pelos animais durante o percurso através das paleodunas.
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618 Paleontologia: Cenários de Vida
Para o morfotipo I o dígito II possui um comprimento maior do que o do dígito IV. Talvez o
dígito II possuísse uma garra muito maior (como é o caso dos dromeossaurídeos), que aprofundasse
mais na areia no momento de pisoteio, como mostra a pista MPA-200. Em todas as ocorrências o
sulco afilado na areia, provocado pelo dígito II foi maior que os dos demais dígitos.
Segundo Carvalho & Kattah (1998), a forma triangular da metade posterior da pegada e o
espalhamento simétrico dos dígitos podem associar-se aos Carnosauria de pequenas dimensões, como
é o caso das pegadas do morfotipo II e das variações demonstradas nos morfotipos III e IV.
Leonardi (1991) estudando as icnofaunas sul-americanas observou que havia uma freqüência
de dinossauros Theropoda de até 87%, com predominância de Coelurosauria para paleoambientes
desérticos, sugerindo que este grupo seria mais bem adaptado às regiões áridas e desérticas que outros
grupos de dinossauros. No entanto, isso pode ser um reflexo das condições preservacionais do ambiente,
que favoreceria a preservação de pegadas, ou undertracks, com proporções menores produzidas por
dinossauros com pequena massa corporal e que também dependeriam da maior ou menor umidade
em subsuperfície.
Os ângulos interdigitais no morfotipo III são elevados, sendo maiores ou iguais aos dos dígitos
das pegadas do morfotipo II. Os dígitos das pegadas do morfotipo III parecem ter uma curvatura
preferencial para o interior da pista, considerando-se o dígito II, mais longo que o IV e mais curvo
também.
Como foram encontradas duas pistas bem preservadas (MPA-231B e MPA-630A) foi possível
estabelecer a morfologia das pegadas, colocando-as na categoria do morfotipo IV. O dígito II é
relativamente maior que o dígito IV e ligeiramente curvado em relação ao eixo maior da pegada. Os
dígitos curvos das pegadas deste morfotipo IV são muito parecidos com os do morfotipo III, diferindo
apenas na largura da pegada, cuja base dos dígitos é bem mais estreita que no morfotipo III.
Segundo Thulborn (1990) podem ocorrer variações dos ângulos interdigitais, dentro de uma
mesma espécie, dependendo da consistência do substrato. Importante salientar então que dependendo
da consistência das areias no foreset e da velocidade desenvolvida pelos animais, os ângulos interdigitais
poderiam variar consideravelmente. A direção do movimento em relação ao plano inclinado também
poderia fazer variar os ângulos e até mesmo a morfologia dos dígitos.
Figura 9. Representação esquemática dos dinossauros Theropoda do Paleodeserto Botucatu e suas respectivas pistas e
pegadas. Escalas: 5 centímetros
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As imagens correspondendo às pistas de MPA-231A e MPA-200 do morfotipo I, e às
pistas MPA-231B e MPA-630A do morfotipo IV, foram redimensionadas de forma a ocorrer uma
sobreposição total, revelando a semelhança de padrões morfométricos. Isso certamente se deve ao fato
de que dentro de cada grupo ocorre uma mesma icnoespécie, diferindo apenas no tamanho. Portanto,
considerados aqui como estádios ontogenéticos distintos, dentro da mesma categoria parataxonômica
(Figura 9). Então coexistiram formas juvenis e formas consideradas adultas de Coelurosauria (Figura
10) e Carnosauria (Figura 11) neste contexto paleoambiental.
Figura 10. Reconstrução paleoartística do produtor das pegadas de dinossauros Coelurosauria, por Aline M. Ghilardi.
Figura 11. Reconstrução paleoartística do produtor das pegadas de dinossauros Carnosauria, por Aline M. Ghilardi.
Marcelo Adorna Fernandes, Aline Marcele Ghilardi, Ismar de Souza Carvalho & Giuseppe Leonardi
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6. AGRADECIMENTOS
À Dra. Luciana Bueno dos Reis Fernandes pelas sugestões e auxílio na elaboração das figuras. Ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação Carlos Chagas
Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (IVP-FAPERJ) pelo suporte financeiro. As
Universidades Federais do Rio de Janeiro e de São Carlos pelo suporte técnico e infra-estrutura.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Marcelo Adorna Fernandes, Aline Marcele Ghilardi, Ismar de Souza Carvalho & Giuseppe Leonardi