Conference PaperPDF Available

Identidade de gênero e políticas de afirmação identitária

Authors:
  • Federal Institute of Rio de Janeiro

Abstract and Figures

Vivências identitárias de gênero divergentes das socialmente aceitas são patologizadas e submetidas a preconceitos e discriminações que, no extremo, terminam com o assassinato de pessoas pelo fato de serem da população transgênero (transexuais e travestis), afigurando-se crimes de ódio em que as mulheres transexuais e as travestis são alvos recorrentes, repetindo o modelo da violência tradicional de gênero. O Brasil é o país no qual mais se registram assassinatos de tal natureza. Nessa conjuntura desumanizadora, desenvolve-se uma mobilização internacional pelo reconhecimento de direito de pessoas transexuais e travestis ao gênero, independentemente do sexo biológico. O presente trabalho apresenta o panorama internacional, com destaque para as questões brasileiras, das condições de vida e desafios da população transgênero.
Content may be subject to copyright.
IDENTIDADE DE GÊNERO E POLÍTICAS DE AFIRMAÇÃO IDENTITÁRIA
Jaqueline Gomes de Jesus
1
Resumo: Vivências identitárias de gênero divergentes das socialmente aceitas são
patologizadas e submetidas a preconceitos e discriminações que, no extremo, terminam
com o assassinato de pessoas pelo fato de serem da população transgênero (transexuais
e travestis), afigurando-se crimes de ódio em que as mulheres transexuais e as travestis
são alvos recorrentes, repetindo o modelo da violência tradicional de gênero. O Brasil é
o país no qual mais se registram assassinatos de tal natureza. Nessa conjuntura
desumanizadora, desenvolve-se uma mobilização internacional pelo reconhecimento de
direito de pessoas transexuais e travestis ao gênero, independentemente do sexo
biológico. O presente trabalho apresenta o panorama internacional, com destaque para
as questões brasileiras, das condições de vida e desafios da população transgênero.
Palavras-chave: identidade de gênero, população transgênero, política identitária,
mobilização.
O presente artigo se refere à participação da autora na Mesa Coordenada
Desdobramentos de Gênero e Orientação Sexual, na qual foram tratados os temas da
luta pelo reconhecimento da identidade de gênero de pessoas transgênero, da construção
de novas masculinidades e da consolidação das famílias homoafetivas (com enfoque na
homoparentalidade feminina). Na ocasião, além de coordenar a referida mesa, a
pesquisadora abordou a dimensão da identidade de gênero e das políticas identitárias.
Ainda hoje a condição identitária da população transgênero (composta por
pessoas transexuais e travestis) é considerada um transtorno de identidade pelo Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-IV (American Psychological
Association, 1994), que passa por revisões (porém se prevê que a psicopatologização
das identidades trans será mantida, com outro tratamento), e a Classificação
Internacional de Doenças CID 10 (Organização Mundial de Saúde, 2008).
Essa classificação parte de uma compreensão biologizante dos gêneros, que trata
gênero como uma configuração puramente genética, senão meramente genital,
confundindo-o com sexo biológico, de modo que qualquer expressão de gênero
1
Vínculo institucional: Universidade de Brasília. E-mail: jaquelinejesus@unb.br.
diferente da atribuída ao nascimento e esperada socialmente para pessoas com vagina ou
com pênis é considerada anômala e classificada como um transtorno.
Tal perspectiva se contrapõe à que trata o gênero como um conjunto de atos
performativos, norma que se materializa discursivamente (Butler, 2003), mosaico de
identidades construído socialmente, visão esta que permitiria compreender as vivências
trans fora de modelos patológicos.
Na conjuntura brasileira, em particular, o espaço reservado a homens e mulheres
transexuais e a travestis é o da exclusão extrema, sem acesso a direitos civis básicos,
sequer ao reconhecimento da identidade. São cidadãs e cidadãos que ainda têm de lutar
muito para terem garantidos os seus direitos fundamentais.
Como relatam Bento (2008) e Pelúcio (2009), a partir da ótica da Teoria Queer,
de contestação a qualquer normalização, reconhecida como um dispositivo de poder e
saber (remetendo ao pensamento de Foucault), essas pessoas ainda não são vistas como
seres humanos, mas como seres abjetos, porque não são inteligíveis para os padrões
hegemônicos de gênero (fundamentados no binarismo) e até mesmo de sexualidade.
Entretanto, as pessoas travestis e transexuais e seus parceiros, tem se mobilizado
internacionalmente contra a psiquiatrização das identidades trans e pelo reconhecimento
de direito ao gênero, independentemente do sexo biológico (Rede Internacional pela
Despatologização Trans, 2012), em uma luta pelo direito à autodefinição.
Esse é um dos aspectos políticos centrais da ação coletiva relacionada às pessoas
transgênero: a luta pelo direito atualmente negado por diversos profissionais de
saúde, operadores do direito e outras autoridades de poderem se nomear, de serem
autônomas para falarem de si mesmas.
Identidade de gênero, exclusão e violência
No que se refere ao seu cotidiano, as pessoas transgênero são alvos de
preconceito, desatendimento de direitos fundamentais (diferentes organizações não lhes
permitem utilizar seus nomes sociais
2
e elas não conseguem adequar seus registros
civis
3
na Justiça), exclusão estrutural (acesso dificultado ou impedido a educação, ao
mercado de trabalho qualificado e até mesmo ao uso de banheiros) e de violências
variadas, de ameaças a agressões e homicídios, o que configura a extensa série de
2
Aquele pelo qual a pessoa transexual ou travesti se identifica e é identificada socialmente.
3
Nome civil e sexo registrados na certidão de nascimento. Os registros civis brasileiros não
adotam o conceito de gênero, ainda se restringindo ao sexo biológico.
percepções estereotipadas negativas e de atos discriminatórios contra homens e
mulheres transexuais e travestis denominada ―transfobia‖.
Dados do projeto europeu de monitoramento do assassinato de pessoas
transgênero (Transgender Europe’s Trans Murder Monitoring, 2012a) indicam, a partir
de notícias coletadas ao redor do mundo, um total de 816 (oitocentos e dezesseis)
assassinatos de pessoas transgênero em 55 países, entre primeiro de janeiro de 2008 e
31 de dezembro de 2011. A figura 1 expressa a distribuição global dessa realidade.
Figura 1: Distribuição mundial dos assassinatos de pessoas transgênero (fonte:
Transgender Europe’s Trans Murder Monitoring, 2012b).
Desses 816 homicídios, a maioria absoluta ocorreu na região da América Latina
(643 78,80% do total, com expressiva participação brasileira, que conta com 325
assassinatos no período de 3 anos pesquisado), seguida da Ásia, com 59 (cinquenta e
nove). A tabela 1 expressa os principais locais de ocorrência dos crimes, causas das
mortes e profissões das vítimas, configurando um perfil das circunstâncias mais
significativas.
N
% do total global
(n = 816)
Locais dos crimes
134
16,42
73
8,95
14
1,72
Causas das mortes
310
37,99
159
19,48
80
9,80
42
5,15
Profissões das vítimas
227
27,82
25
3,06
Tabela 1: Distribuição das principais características dos assassinatos.
São significativas as informações de que a maioria dos crimes contra mulheres e
homens transexuais e travestis ocorrem no espaço público das ruas (16,42%), tendo em
vista que grande parte deles trabalhava como profissionais do sexo (27,82%), profissão
marginalizada geralmente atribuída à população transgênero, especialmente às travestis,
devido à exclusão educacional e laboral que sofrem historicamente.
Também chama atenção que sejam geralmente executadas com tiros (37,99%), o
que indica planejamento por parte dos autores. Notável ainda haver apedrejamentos
(5,15%), método arcaico de punição para indivíduos considerados desviantes.
Somente em 2011, 248 pessoas foram assassinadas por serem transexuais ou
travestis (Transgender Europe’s Trans Murder Monitoring, 2012c). O Brasil é o país
onde mais foram reportados assassinatos de pessoas integrantes da população
transgênero nesse ano: 101 (cento e um), seguido do México, com 33 (trinta e três)
assassinatos, e da Colômbia, com 18.
A América Latina é a região com os piores índices: 204 (duzentos e quatro),
82,26% do total global, seguida da Ásia, com 17 (dezessete), apenas 6,85% das mortes
em todo o mundo. Pode-se considerar que a tradição machista e sexista da cultura
latino-americana tenha alguma influência nesses resultados extremamente negativos.
A gravidade dos dados coletados no Brasil, entre 2008 e 2011, acentua-se
quando se comparam os números de assassinatos transfóbicos deste com os de outros
países com nível semelhante de liberdade de imprensa e de mobilização social, fatores
que aumentam a probabilidade de divulgação de crimes de ódio, em diferentes
continentes, conforme a tabela 2.
País
Brasil
Argentina
Estados
Unidos
Portugal
África
do Sul
Índia
Número de
assassinatos
325
18
52
1
1
10
Porcentagem
em comparação
com o Brasil
94,46%
menor
84%
menor
99,69%
menor
99,69%
menor
96,92%
menor
Tabela 2: Quadro comparativo de assassinatos em diferentes países e no Brasil.
Demonstra a tabela 2 que, internacionalmente, o número de assassinatos é menor
se comparado ao Brasil, país em que a extrema transfobia estrutural, processo
sociocultural que nega a cidadania das pessoas transgênero, torna-se mais visível
quando se remete a dados precisos e tangíveis como o de assassinatos supracitados.
A tabela 3 apresenta a descrição de algumas vítimas brasileiras, identificadas
pelos seus nomes sociais, quando informados, e as circunstâncias dos crimes.
Nome
Idade
Local do
crime
Causa da
morte
Circunstâncias
Gabi
17
Rua
Lagarto
(SE)
Alvejada
Tinha se mudado da capital
Aracaju para trabalhar como
faxineira. Foi alvejada na rua.
Adriana
Não
informada
Rodovia
Cariacica
(ES)
Alvejada
Trabalhava como profissional do
sexo. Um carro com dois sujeitos
estacionou próximo a ela. Um
deles saiu do veículo e, sem falar
nada, disparou várias vezes.
Márcia
30
Rua
Centro
Jaraguá
do Sul
(SC)
Alvejada
Segundo testemunhas, discutia
dentro de um carro com alguém.
Ela foi alvejada no pescoço e
jogada para fora. O assassino
fugiu, ela morreu em um
hospital.
Tabela 3: Descrição de vítimas brasileiras e circunstâncias (adaptada de Transgender
Europe’s Trans Murder Monitoring, 2012d).
Nome
Idade
Local do
crime
Causa da
morte
Circunstâncias
Não
informado
Não
informada
Casa
São
Paulo
(capital)
Esfaqueada
Foi encontrada morta com 20
facadas no rosto e no estômago.
O acusado morava na redondeza.
Natasha
26
Avenida
Curitiba
(PR)
Apedrejada
Ela já tinha sido alvo de duas
tentativas de homicídio, em uma
delas um de seus parentes ficou
gravemente ferido.
Não
informado
28
Avenida
Curitiba
(PR)
Alvejada
O corpo foi encontrado com três
tiros no rosto, suas calças estavam
abaixadas.
Carla
Não
informada
Rua
Penedo
(AL)
Alvejada
Vivia em Aracaju, visitava a mãe
em Alagoas quando foi morta.
Não
informado
Não
informada
Rua
São
Paulo
(capital)
Esfaqueada
Ela discutia com alguém em
frente ao Jockey Club quando ele
a esfaqueou e fugiu numa picape.
Mona
Não
informada
Rua
Belo
horizonte
(MG)
Alvejada
Vivia com moradores de rua. Na
noite anterior, alguém ateou fogo
nos pertences deles e efetuou
tiros, sem acertar ninguém. No
dia seguinte, o suspeito, um
morador ou comerciante local que
não queria travestis nas
redondezas matou Mona com 3
tiros, nas costas e no pé.
Bruninha
19
Rua
Apucara-
na (PR)
Alvejada
Morreu após levar um tiro no
rosto. Alguns meses antes uma
mulher de 28 anos a esfaqueara
no rosto e no peito, mas ela não
quis registrar a ocorrência.
Claret
Não
informada
Rua
Pouso
Alegre
(MG)
Apedrejada
Saia de um bar quando Renan
Donizeti Tomas, que mantinha
um relacionamento com ela,
matou-a com pedradas na cabeça.
Suely
Scalla
41
Rua
Campi-
nas (SP)
Espancada
Ela era mobilizadora social da
comunidade desde os anos 80. Foi
morta de manhã, na principal
avenida da cidade.
Tabela 3: Descrição de vítimas brasileiras e circunstâncias (adaptada de Transgender
Europe’s Trans Murder Monitoring, 2012d).
Nessa curta listagem se evidenciam os inúmeros casos de transfobia expressa
pelo homicídio de travestis e transexuais, especialmente as mulheres, algumas jovens,
ainda adolescentes, outras adultas.
Violações que, de forma geral, repetem o padrão dos crimes de ódio, motivado
por preconceito contra alguma característica da pessoa agredida que a identifique como
parte de um grupo discriminado, socialmente desprotegido, e caracterizados pela forma
hedionda como são executados, com várias facadas, alvejamento sem aviso,
apedrejamento (Stotzer, 2007), reiterando, desse modo, a violência genérica e a abjeção
com que são tratadas as pessoas transexuais e as travestis no Brasil.
Stotzer (2007) considera que o grupo composto pelas pessoas transexuais e
travestis é alvo significativo de crimes de ódio, dada principalmente a sua desproteção
social. O autor identificou, em 1997, 213 crimes de ódio nos Estados Unidos da
América, decorrentes da identidade de gênero das vítimas; e 321 em 2004.
Conforme afirma Martins (2008), o uso de imagens fixas (fotografia) ou em
movimento (vídeo), como documentos sociológicos de registro factual, apresenta
limitações e possibilidades para a análise da realidade social. No que se refere a
situações de conflito e violência urbana contemporânea, o material gravado pelas
câmaras postadas em diferentes locais, para monitoramento de trânsito ou com a
finalidade de salvaguardar a segurança dos cidadãos muito embora, em grande parte,
apenas registrem as ocorrências e sirvam como provas ex post facto , apresenta
enorme potencial para composição da vivência e experiências diferenciais dos sujeitos e
coletividades.
Uma cena, gravada em 15 de abril de 2011, é significativa do caráter de ódio que
orienta a transfobia no Brasil: o assassinato brutal, ocorrido em Campina Grande, na
Paraíba, da travesti Idete (o seu nome social foi pouco divulgado na mídia, ao contrário
do civil, além do tratamento em termos masculinos), morta com mais de 30 facadas por
um grupo de 3 jovens (Youtube, 2011). O link para o vídeo consta da bibliografia
4
.
Esse foi mais um crime de ódio, em uma de suas formas mais brutais: o ataque
físico; e covarde: a ação em grupo. A escala de Allport (1954) para as formas de
expressão do preconceito contra grupos sociais coloca o ataque físico, incluindo
linchamentos, como o nível mais grave depois do extermínio, quando o Estado colabora
para que um grupo seja liquidado, a exemplo do Holocausto. Isso nos remonta aos fins
do século XIX e até meados do século XX, quando das ações de grupos que perseguiam
e matavam pessoas pelo fato de serem negras, como a Ku Klux Klan.
4
Devido ao elevado grau da violência retratada, as imagens somente podem ser acessadas
mediante login e identificação como maior de 18 anos.
No que tange às questões de gênero, nos assassinatos das travestis e das
mulheres transexuais se verifica a mesma gica das violências conjugais comuns em
casais tradicionais, heteronormativos e pautados por relações machistas, caracterizadas
pela agressão da mulher, por parte do homem, quando em uma situação de conflito,
como uma estratégia de controle sobre o corpo feminino (Bandeira, 2009); além de
desamparo aprendido e descrença das vítimas ante à inoperância das instituições sociais
de suporte (Santi, Nakano e Lettiere, 2010).
No que se refere especificamente às mulheres transexuais, não há informação
oficial de como órgãos públicos brasileiros têm-se articulado para pensar e auxiliar
essas mulheres, no que envolve a possibilidade de serem atendidas nas Delegacias
Especializadas de Atendimento à Mulher; a proteção pela Lei Maria da Penha; o
respeito à sua identificação no trabalho e outros espaços.
Entretanto, há decisões judiciais favoráveis à aplicabilidade da Lei Maria da
Penha para violências conjugais em casais formados por homens cisgêneros
5
e mulheres
transexuais. Conforme relato de Mendonça (2011), uma mulher transexual, cujo nome
social não foi divulgado, apelou à Justiça do estado de Goiás ante às reiteradas
agressões do ex-companheiro.
Pontuando a condição marital do relacionamento e salientando a condição de
mulher da vítima, sobretudo o fato dela ser reconhecida socialmente como tal, a juíza
Ana Claudia Magalhães, da Vara Criminal de Anápolis, conferiu à ofendida
tratamento jurídico equivalente ao de outras mulheres, nas posturas que a Lei Maria da
Penha combate, e manteve o acusado na prisão, proibindo-o, quando em liberdade, de
estar a menos de mil metros da ofendida e de seus familiares, bem como de manter
contato com ela e seus entes em linha reta, por qualquer meio de comunicação.
Faz-se mister destacar a compreensão da juíza de que, sendo o sexo determinado
ao nascimento e o gênero construído ao longo da vida humana, a Lei Maria da Penha
não teria sentido se objetivasse proteger apenas a um sexo biológico, e não à
constituição de gênero, o de mulher, que formatado por características sociais, culturais
e políticas impostas a homens e mulheres, independe das diferenças biológicas.
No aspecto da visibilidade, apesar de haver pessoas transexuais nos diferentes
espaços políticos, técnicos ou acadêmicos brasileiros, a sua visibilidade na sociedade e
5
São conceituadas como ―cisgêneros‖ as pessoas cuja identidade de gênero está de acordo com
o que socialmente se estabeleceu como o padrão para o seu sexo biológico (Jesus, 2012a).
nos meios de comunicação é concentrada no aspecto marginal, e pouco no seu cotidiano
e demandas.
Políticas de afirmação identitária
O pequeno espaço conquistado por homens e mulheres transexuais é fruto de
mobilização, geralmente individual, pelo respeito a suas especificidades e direitos
fundamentais, e tem sido potencializado pela inserção dos coletivos trans e seus
simpatizantes na lógica dos novos movimentos sociais, caracterizados por políticas de
identidades ou identitárias (Jesus, 2012b).
Identificados por Laclau (1986) e Gohn (2005) como movimentos que rompem
com a lógica de comando de cima para baixo, os novos movimentos sociais político-
identitários constroem relações democráticas de estruturação do poder cada vez mais
ágeis, com um número maior de participantes e ações frequentes e organizadas.
Esses movimentos articulam as questões da esfera privada como as
discriminações que sofrem, os estigmas que lhes são atribuídos, e até mesmo a recepção
interpessoal negativa (repulsa) a atributos físicos ou de personalidade relacionados a
determinados grupos sociais (Jesus, 2012b) com as reivindicações da esfera pública,
para construir espaços de intimidade e sociabilidade que demarcam semelhanças e
diferenças, por meio de mobilizações sociais das mais variadas espécies (marchas,
caminhadas, paradas, procissões, desfiles), incluindo o ativismo online (Machado,
2007), reelaborando as relações sociais difusas, de encontros e deslocamentos, que a
cultura brasileira atribui às categorias casa e rua (Freyre, 2003; Damatta, 1987, 1990):
Como espaços alternativos de sociabilidade, as redes digitais têm possibilitado a
propagação, com menos intermediários e para uma audiência relativamente
grande, de contradiscursos acerca de regras estabelecidas de comportamento e de
modelos fixos de identidade (Jesus, 2012c, p. 1).
O movimento transgênero se encontra cada vez mais visível, a partir de
manifestações públicas, mas principalmente pelo ativismo em rede, instrumento pelo
qual fabricam novas realidades sociais, reconfigurações das relações de gênero, por
meio da combinação de elementos cotidianos e extra-cotidianos, demarcando suas
identidades pessoais e sociais e demonstrando, na sua práxis cotidiana, que a sua
identidade de gênero não esgota sua subjetividade, sendo, portanto, seres humanos
complexos, como quaisquer outros.
A prática cada vez mais frequente do ativismo entre os homens e mulheres
transexuais e as travestis, de forma mais ou menos intuitiva, tem aumentado a
consciência política da própria população transgênero.
Identifica-se, entretanto, considerando-se a perspectiva político-identitária desta
análise, a necessidade do desenvolvimento de uma linguagem propositiva em comum,
para que as diferentes militâncias trans, além de ocupar um lugar questionador, sejam
capazes de:
dizer publicamente sobre si e sobre aquilo que desejam para si. Nesse sentido, a
luta militante lhes possibilita participação ativa em processos de formulação de
políticas públicas a cada vez que pensam ações possíveis de governo, mas
também em um controle social efetivo daquelas políticas públicas que são
implementadas (Silva & Barboza, 2009, p. 274).
Ao nível de estruturação interna do movimento, e da micro-política, podem ser
citadas como referências de apoio virtual para a população transgênero brasileira, com
divulgação de notícias e orientações no trato de questões pessoais, as páginas
http://www.ftmbrasil.org, da FTM Brasil, comunidade virtual de homens transexuais,
que também se identificam pela designação inglesa de origem médica como FtM
Female to Male, sendo o primeiro termo o sexo biológico e o segundo o gênero de re-
atribuição, como explica Leite Júnior (2011), a designação gera conflitos
terminológicos entre militantes, focados no gênero com o qual se identificam, e alguns
profissionais de saúde que se focam no sexo biológico da pessoa transexual; http://astra-
rio.blogspot.com.br, da Astra Rio Associação de Travestis e Transexuais do Estado do
Rio de Janeiro; e http://anavtrans.blogspot.com, da Anav-Trans Associação do Núcleo
de Apoio e Valorização à Vida de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Distrito
Federal e Entorno.
A um nível mais amplo de estruturação, redes sociais, como a do Facebook, têm
possibilitado grande interatividade, elevado número discussões e articulações mais
concretas com os problemas coletivos.
Para além das páginas de grupos sociais e de manifestações específicas, de foco
imediato, que eventualmente são marcadas nessas redes, destacam-se as que se
aprofundam em pautas mais complexas e desenvolvem debates sobre questões em longo
prazo, como a Despatologização Trans. CID/DSM‖, localizada no endereço
http://www.facebook.com/#!/groups/267024486729539, que visa agrupar pensadores
nacionais sobre a luta internacional contra a psiquitrização das identidades trans; o
grupo ―Transfeminismo‖, postado no link
http://www.facebook.com/#!/groups/334400389941600, no qual mulheres e homens
transexuais feministas tratam de temas fortemente relacionados à inserção das pessoas
transexuais nos movimentos feministas e de mulheres, focalizando estratégias para o
aumento do reconhecimento da ―mulheridade‖ das mulheres transexuais; e nas listas de
ações em âmbito nacional, como a ―Redtrans Rede Nacional de Pessoas Trans‖, em
http://www.facebook.com/#!/groups/153551448083757, e a ―Antra Articulação
Nacional de Travestis e Transexuais‖, em
http://www.facebook.com/#!/groups/242849939071573.
No que se refere às ações protetivas do Estado, há avanços formais. O Governo
Federal subscreve o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais LGBT, resultante das discussões
realizadas durante a 1ª Conferência Nacional LGBT, ocorrida em Brasília entre 5 e 8 de
junho de 2008, disponível eletronicamente em
http://portal.mj.gov.br/sedh/homofobia/planolgbt.pdf; e adotou o nome social de
servidores públicos federais travestis e transexuais, com a publicação da Portaria nº 233
da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, datada de 18 de maio de 2010, que foi reiterada, na esfera do Ministério da
Educação, pela Portaria nº 1.611, de 17 de novembro de 2011.
Entretanto, o formato do novo documento de identidade, o Registro de
Identificação Civil RIC, desenvolvido no âmbito do Ministério da Justiça com base no
Decreto presidencial nº 7.166, de 5 de maio de 2010, o qual gerará um número único de
identificação civil para todos os cidadãos brasileiros, apresenta-se como um retrocesso
na questão dos direitos da população transgênero, porque expõe o sexo biológico das
pessoas, conforme se observa no destaque em vermelho na figura 2.
Figura 2: Destaque da imagem oficial do RIC divulgada pelo Ministério da Justiça
(fonte: http://portal.mj.gov.br/portal/ric).
O atual Registro Geral RG (CI Carteira de identidade) não mostra o sexo das
pessoas. Evidentemente, o RIC não adota o conceito de gênero, mas o de sexo, e o
apresenta em seu formato impresso.
Esse documento, como se encontra, causará mais constrangimentos para as
pessoas transexuais e travestis que não conseguiram adequar seus registros civis ao
gênero com o qual se identificam, considerando as dificuldades enfrentadas nos
Tribunais para adequação dos registros civis, ante à inexistência de uma legislação a
respeito do tema e da lentidão no andamento de projetos existentes, como a estratégica
Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 4275, que está sendo analisada no Supremo
Tribunal Federal pelo Ministro relator Marco Aurélio de Mello, apresentada em 21 de
julho de 2009 pela Procuradoria-Geral da República, com a finalidade de reconhecer o
direito das pessoas transexuais modificarem nome civil e sexo na documentação civil, a
fim de que esses registros se adequem a sua realidade identitária, social e de gênero.
Considerações finais
No mundo contemporâneo, mais que vivenciar uma identidade de gênero, ser
transgênero corresponde a representar uma identidade política, pautada pela
desconstrução da crença em papéis de gênero considerados naturais, construídos
biologicamente; e pela visibilização de identidades particulares historicamente
estigmatizadas, tornadas invisíveis em determinados espaços sociais considerados
normais porque, como ocorre com qualquer ser humano com características pessoais
ou sociais associadas a um estigma corporal, psicológico ou de caráter, acreditamos
que alguém com um estigma não seja completamente humano (Goffman, 1980, p. 15).
Entre avanços e retrocessos decorrentes de ofensivas reacionárias, ainda estamos
distantes, principalmente na realidade brasileira, do ideal delineado por Joan
Roughgarden (2005), para quem a sociedade um dia poderá amadurecer e o fato de uma
pessoa se assumir como transexual não mais seria considerado uma razão de luto para
ela, os familiares e amigos, mas de enorme alegria, quem sabe com direito a uma festa,
visto a pessoa estar se encontrando, em uma espécie de segundo nascimento.
A possibilidade de progredir nessa direção está, sob a ótica da mobilização
social como forma de influência dos grupos sociais marginalizados, em que as pessoas
que vivenciam a dimensão das transgeneridades (ou transgeneralidades), orientadas por
políticas de cunho identitário, tornem a sua realidade cada vez visível, e continuem
lutando, dentro dos sistemas legais e políticos, para propiciar um maior reconhecimento
de sua humanidade e da justeza de suas várias demandas.
Bibliografia
AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico
de transtornos mentais DSM IV, 1994. Acesso em 25 de abr. 2012. Disponível em
http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm.php.
ALLPORT, Gordon W. The nature of prejudice. Reading: Addison-Wesley, 1954.
BANDEIRA, Lourdes. Três décadas de resistência feminista contra o sexismo e a
violência feminina no Brasil: 1976 a 2006. Sociedade e estado, v. 24, n. 2, 2009, pp.
401-438.
BENTO, Berenice. O que é transexualidade. São Paulo: Editora Brasiliense, 2008.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
DAMATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio
de Janeiro: Guanabara, 1987.
_______. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro.
Rio de Janeiro: Guanabara, 1990.
FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. São Paulo: Global, 2003.
GOFFMAN, Erving. Estigma. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
GOHN, Maria da G. O protagonismo da sociedade civil: movimentos sociais, ONGs e
redes solidárias. São Paulo: Cortez, 2005.
JESUS, Jaqueline G. Trans-formações: poder e gênero nos novos tempos. Anais do 18º
Congresso Brasileiro de Psicodrama. Brasília: Federação Brasileira de Psicodrama,
2012a.
_______. O movimento na rua: política e identidade nas dimensões de gênero,
orientação sexual e raça/etnia. Anais do Simpósio Nacional sobre Democracia e
Desigualdades. Brasília: Demodê Grupo de Pesquisa sobre Democracia e
Desigualdades, 2012b. Acesso em 24 de abr. 2012. Disponível em
http://www.simposiodemode.unb.br/mesas/7_mesa/Jesus%20-
%20O%20movimento%20na%20rua.pdf.
_______. A negação do corpo feminino. Observatório Mídia & Política [Online], n. 2,
2012c. Acesso em 29 de mai. 2012. Disponível em
http://www.midiaepolitica.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=85
:a-negacao-do-corpo-feminino&catid=14:edicao-022012.
LACLAU, Ernesto. Os novos movimentos sociais e a pluralidade do social. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, n. 2, 1986, pp. 41-47.
LEITE JÚNIOR, Jorge. Nossos corpos também mudam: a invenção das categorias
travestis e transexual no discurso científico. São Paulo: Annablume, 2011.
MACHADO, Jorge A. S. Ativismo em rede e conexões identitárias: novas perspectivas
para os movimentos sociais. Sociologias, n. 18, 2007, pp. 248-285.
MARTINS, José de S. Sociologia da fotografia e da imagem. São Paulo: Contexto,
2008.
MENDONÇA, Camila R. Lei Maria da Penha é aplicada a algoz de transexual. Revista
Consultor Jurídico, 12 de outubro de 2011. Acesso em 28 de mai. 2012. Disponível em
http://www.conjur.com.br/2011-out-12/lei-maria-penha-aplicada-ex-companheiro-
transexual.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação estatística internacional de
doenças e problemas relacionados à saúde CID 10, 2008. Acesso em 25 de abr. 2012.
Disponível em http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm.
PELÚCIO, Larissa. Abjeção e desejo: uma etnografia travesti sobre o modelo
preventivo de aids. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2009.
REDE INTERNACIONAL PELA DESPATOLOGIZAÇÃO TRANS. Manifesto.
Acesso em 28 de mai. 2012. Disponível em http://www.stp2012.info/old/pt/manifesto.
ROUGHGARDEN, Joan. Evolução do gênero e da sexualidade. Londrina: Planta,
2005.
SANTI, Liliane N.; NAKANO, Ana M. S. & LETTIERE, A. Percepção de mulheres em
situação de violência sobre o suporte e apoio recebido em seu contexto social. Texto
Contexto - Enfermagem, v. 19, n. 3, 2010, pp. 417-424.
SILVA, Alessandro S. & BARBOZA, Renato. Exclusão social e consciência política:
luta e militância de transgêneros no ENTLAIDS. Cadernos CERU, v. 20, n. 1, 2009, pp.
257-276.
STOTZER, Rebecca L. Comparison of hate crime rates across protected and
unprotected groups. Los Angeles: University of California, School of Law, 2007.
Acesso em 10 dez. 2010. Disponível em http://williamsinstitute.law.ucla.edu/wp-
content/uploads/Stotzer-Comparison-Hate-Crime-June-2007.pdf.
TRANSGENDER EUROPE’S TRANS MURDER MONITORING. Reported deaths of
816 murdered trans persons from january 2008 until december 2011, 2012a. Acesso em
10 mai. 2012. Disponível em http://www.transrespect-
transphobia.org/uploads/downloads/TMM/TvT-TMM-Tables2008-2011-en.pdf.
_______. Map showing the TMM results from january 2008 to december 2011, 2012b.
Acesso em 10 mai. 2012. Disponível em http://www.questioningtransphobia.com/wp-
content/uploads/2012/03/TvT-TMM-Map2008-11-en2-1900x830.jpg.
_______. Reported deaths of 248 murdered trans persons in 2011, 2012c. Acesso em
10 mai. 2012. Disponível em http://www.transrespect-
transphobia.org/uploads/downloads/TMM/TvT-TMM-Tables2011-en.pdf.
_______. List of 248 reported murdered trans persons in 2011 (in chronological order),
2012d. Acesso em 10 mai. 2012. Disponível em http://www.transrespect-
transphobia.org/uploads/downloads/TMM/TvT-TMM-2011-Namelist-en.pdf.
YOUTUBE. Travesti sendo assassinado a facadas - imagens pesadas, 2011. Acesso em
18 abr. 2011. Disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=COZRktdcVOA&oref=http%3A%2F%2Fwww.yout
ube.com%2Fresults%3Fsearch_query%3Dassassinato%2Bbrutal%2Bde%2Btravesti%2
Bem%2BAlagoas%26oq%3Dassassinato%2Bbrutal%2Bde%2Btravesti%2Bem%2BAla
goas%26aq%3Df%26aqi%3D%26aql%3D%26gs_l%3Dyoutube.12...0.0.0.387.0.0.0.0.
0.0.0.0..0.0...0.0.
... A transexualidade e a travestilidade, segundo a literatura (Bento, 2008(Bento, , 2014Bento e Pelúcio, 2012;Jesus, 2012aJesus, , 2012b, estão envoltas em uma complexidade de processos sociais e discursivos. Um desses debates polariza a construção do gênero como categoria biologizante ou como uma política de afirmação, de construção social e subjetiva dos indivíduo. ...
... Em contraponto à lógica medicalizante, deve-se partir das lentes do debate sobre gênero, que transcende as noções binárias de gênero (masculino e feminino), e da ideia de estruturas biológicas enquanto únicos elementos constituidores da identidade (Bento, 2008, p. 59). Nessa perspectiva contrária à patologização está inserida a mobilização de pessoas transexuais e travestis na luta pela autodefinição de suas identidades e o combate à patologização destas (Jesus, 2012a), um embate da luta pelo direito ao reconhecimento que, a partir dos anos 1990, "a comunidade transexual começou a questionar as verdades produzidas pelo saber/poder médico e passou a trazer a público histórias de vida que divergem do padrão transexual" (Bento, 2008, p. 60). ...
... Antes do julgamento dessa ADI em 2018, a concretização do direito à identidade de travestis e de transexuais já vinha sendo realizada por meio da atuação dos tribunais estaduais, instituições judiciais competentes para processar as demandas relacionadas ao direito civil, em específico, as ações de retificação de registro civil. Parte da literatura (Bento, 2008(Bento, , 2014Carrara, 2010;Jesus, 2012a) apontava alguns ganhos do movimento de ingresso individual nos tribunais para a retificação do nome e do gênero para além da perspectiva patologizante que cerceava o reconhecimento do direito à identidade. São comuns casos de pessoas transexuais que demandam a mudança dos documentos sem a realização das cirurgias e que têm conseguido êxito. ...
Chapter
Aborda a judicialização de questões que envolvem políticas públicas, conflitos políticos e valores morais e políticos fundamentais, como um dos fenômenos mais significativos das democracias que atravessaram o século XX em direção ao século XXI. Sob o viés dos estudos da ciência política, os autores apresentam uma variedade de perspectivas sociojurídicas e empíricas sobre temas cruciais. São objetos de análise o papel dos tribunais e a ampla gama de instituições que fazem parte do sistema de justiça, como promotores e defensores públicos, além de outros atores, dispositivos e movimentos que atuam nesse contexto em que se articulam as decisões legais. A leitura instiga uma reflexão sobre o papel da justiça e das instituições judiciárias na América Latina, perante os desafios econômicos, sociais e políticos ou diante de contextos nocivos a direitos e práticas democráticas.
... Assim como a condição de pessoas trans e travestis, a condição de pessoas cisgêneras, ou seja, daquelas pessoas reconhecidas como não trans, é produzida a partir de efeitos insistentes de subjetivação, de regulações culturais, historicamente situadas e sustentadas nas performances e estilizações corporais cotidianas. Nesse seguimento, ver Vergueiro (2012), Jesus (2012) (FOUCAULT, 1999, p. 289-290). ...
... seriam potencialmente violáveis(BUTLER, 2016). Nesse âmbito, em função da cisnormatividade vigente, que executa de modo capilar e insistente o genocídio da população trans(JESUS, 2012), operada inclusive pela negação do acesso a direitos relativos à saúde sexual e reprodutiva, não seria forçoso inferir que estão excluídas do escopo identitário de "homens" e "mulheres", a quem a Conferência do Cairo (1995) faz menção, as existências de pessoas trans e travestis. Aqui está posto, certamente, como aspectos raciais, de gênero e de sexualidade, por exemplo, entram em jogo em tais equações de poder e (in)visibilidade.Rev. ...
Article
Full-text available
Resumo O presente artigo tem como objetivo discutir acerca da autonomia reprodutiva da população trans segundo perspectivas críticas de direitos humanos, epistemologias transfeministas e teorias biopolíticas. Para isso, analisam-se os efeitos políticos de discursos presentes no Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais de 2009 (PNCDH/LGBT) e em normas jurídicas atinentes à questão. Em linhas gerais, argumenta-se que, apesar da importância dos direitos humanos para a efetivação da cidadania integral de pessoas LGBT, persistem sentidos de invisibilidade e silenciamento que colaboram para a esterilização física e simbólica da população trans.
... A partir disso é que se torna inteiramente compreensível que a figura do psicólogo seja vista com ressalvas, mas essa tensão também não está aí para ser simplesmente superada, pois é com ela que poderemos construir uma aliança mais sólida. Caso ainda não tenha ficado evidente, não está em discussão uma "clínica trans", mas uma clínica atenta à produção da cisgeneridade enquanto um sistema que nos formata subjetivamente, algo compartilhado por autoras como Viviane Vergueiro (2016) e Jaqueline de Jesus (2012). Essa virada na compreensão do debate faz com que 7 invertamos também a pergunta inicial do texto. ...
Article
Full-text available
Resumo É com a proposta de discutir o receio sentido por diferentes profissionais de psicologia, ao se verem diante de pacientes trans e travestis, que o presente artigo busca elaborar algumas reflexões. Para tanto, propõe outra forma de encarar esse desamparo, sem que, com isso, seja pressuposto um descompromisso com a clínica. Ainda, questiona a pretensa estabilidade dos discursos nosológicos que aparentavam, historicamente, saber “bem” o que estavam fazendo com tal população, visto que apostavam em uma compreensão de gênero fundamentada em estereótipos sexistas.
... Acreditamos que três fatores, igualmente, podem se relacionar com essa caracterização de "nova" doença e esse reconhecimento da necessidade de discussão sobre o câncer de pênis: a) há em alguma medida, discussões entre as interlocutoras sobre os seus respectivos pênis e nesse momento há troca de informações de aparência, sinais e sintomas, cuidados básicos de O fator culturalcostumes, valores, significados partilhadosnão se coloca de forma isolada, mas se mostra influenciado por contextos singulares e particulares, composto, inclusive, de elementos sociais, históricos, econômicos e políticos da sociedade (HELMAN, 1994;ANDERSON, 1992;FRANKENBERG, 1980). Estudos apontam que a realidade social das travestis profissionais do sexo é resultante da exclusão de vários setores sociais, como educação e saúde (DUARTE, 2014;JESUS, 2012). Esse cenário se articula com a desinformação e com situações e/ou assuntos que estão, de alguma forma, presentes no cotidiano da sociedade mais ampla, mas não discutidas e/ou abordadas com as travestis profissionais do sexo. ...
Preprint
Full-text available
O objetivo central deste texto é compreender os significados atribuídos ao câncer de pênis pelas travestis profissionais do sexo. Este é um estudo qualitativo e descritivo realizado em Recife, Pernambuco, no ano de 2019.A literatura da Antropologia da Saúde do campo das Ciências Sociais em Saúde se constituiu como referencial teórico. Participaram oito interlocutoras negras, onde foi utilizado um caderno de campo, formulário de caracterização sociodemográficos e roteiro de entrevista semi-estruturado na produção dos dados. Para a análise, empregou-se a codificação temática resultando em duas categorias “corporificação da ‘nova’ doença” e “é como se fosse o fim de vida e de carreira!”. Por fim, os dados localizaram os significados do câncer de pênis a partir do contexto social, histórico e das próprias experiências das travestis, onde a corporificação da ‘nova’ doença ganhou relevo à medida que se construíram metáforas para designá-la, bem como à morte social e de carreira que esta representaria em suas vidas. Descritores: Câncer de Pênis; Travestis; Profissionais do Sexo; Experiência; Adoecimento
... Segundo Viviane Vergueiro (2018: 26), a cisgeneridade é um modo para se "pensar formações corporais e estéticas e identidades de gênero que são naturalizadas e idealizadas". Em linhas gerais, conforme aponta Jaqueline de Jesus (2012), o termo cis é designado às pessoas que se identificam com o gênero que lhes fora atribuído ao nascimento. ...
Article
Full-text available
Os dispositivos de mídia nas sociedades contemporâneas vêm ganhando cada vez mais importância para a experiência humana. Diante desse cenário, os corpos transgêneros vem disputando narrativas em diferentes campos da representatividade social. Este breve artigo tem como aposta, analisar alguns processos de miditização que engendram perspectivas identitárias, colando em xeque o modelo hegemônico de representação do corpo e do gênero construído no interior das políticas de cisgeneridade. Esse processo de “decolonização” representativa com e na mídia, chamo de antropofagia virtual, e é através dele que busco analisar alguns fenômenos de insurgência e trans-resistências.Palavras-chave: transexualidades, antropofagia, midiatização, insurgência, transdecolonialidade.
... 19 Essa realidade deriva de uma série de adversidades que enfrentam devido à exclusão social e à violência a que são sujeitos desde a adolescência 9 , incluindo o não reconhecimento de seus direitos à educação, saúde, moradia, ir e vir com segurança no espaço público, ao trabalho e o desrespeito à sua identidade de gênero e seus nomes sociais 10 , situações cumulativas que os fazem abandonar a família de origem, a escola, viver em condições de marginalidade social, aderirem à prostituição e tornem-se impedidos ao exercício da cidadania. Por isso estratégias de vulnerabilidade precisam ter enfoque global em promoção de sua inclusão e cidadania 11 . ...
Article
Full-text available
This article seeks to document the actions of the Cultural Institute Barong among transexuals, done with the intention of promoting their rights, including health and STI/HIV prevention. The related strategies for promoting information through the development of educational materials, expositions, eld actions and even courses produced for this public, seeking to ful ll their needs, places of circulation, of work or of sociability, language and demands. The strategies were considered a success for their high adherence and receptivity comproved within the reached public and the integrated spaces.
Article
O presente artigo busca fazer uma reflexão do bolsonarismo e da violência policial com o enfoque no assassinato e na violação de direitos humanos dos travestis e transgêneros no Brasil. Nosso problema de pesquisa consiste em analisar a influência do bolsonarismo na violência policial em se tratando de assassinato de pessoas trans e travestis. A metodologia utilizada é a bibliográfica e a análise documental do dossiê ANTRA sobre assassinato de transgêneros e travestis.
Article
O presente artigo busca fazer uma reflexão do bolsonarismo e da violência policial com o enfoque no assassinato e na violação de direitos humanos dos travestis e transgêneros no Brasil. Nosso problema de pesquisa consiste em analisar a influência do bolsonarismo na violência policial em se tratando de assassinato de pessoas trans e travestis. A metodologia utilizada é a bibliográfica e a análise documental do dossiê ANTRA sobre assassinato de transgêneros e travestis.
Article
Full-text available
Qual a função e o papel do gênero? Qual o significado do uso desse termo nãoapenas para os movimentos feministas, mas para a produção de conhecimento? Por que usar o gênero como categoria de análise para se pensar o “humano”? Busco aqui pensar, cerca de 30 anos depois da publicação do texto cânone de Joan Scott, o que significa usar o gênero como categoria de análise quando perspectivas como a decolonialidade nos mostraram que o gênero pode ser uma forma de colonialidade e pode produzir discursos que escondem a multiplicidade da vivência das relações fora do sistemamundo da colonial modernidade. Sustento ser o gênero uma categoria de análise capaz de desestabilizar o que é ser homem ou ser mulher apenas quando percebido não como uma categoria primária, secundarizando a raça, mas como categoria junto a ela produzida.
Article
Full-text available
This paper deals with the vulnerabilities suffered by Brazil’s transgender population and the importance of having the right to be known by their chosen name, with a view to reducing violations and promoting the exercise of their civil rights. SOS Dignidade (SOS Dignity in English) is a non-profit human rights defence project associated with Instituto Cultural Brong, a Brazilian NGO. Through a partnership between Barong and the Integral Health Clinic for Transvestites and Transsexuals run by the São Paulo State STD/Aids program, between 2009 through July 2012 SOS Dignidade filed 51 name-change legal actions in the Courts to alter names in civil documents. These actions were 100% successful in the 36 decided cases. According to a survey with the plaintiffs, these name changes had positive results with respect to quality of life in relation to the work situation of 69% of those unemployed, greater self-esteem and less anxiety in relation to gender reassignment surgery for 72%, emphasizing the importance of being able to use their chosen “social” name for the full exercise of their rights.
Article
Full-text available
El objetivo del estudio es identificar la percepción de las mujeres víctimas de violencia, sobre el apoyo y la asistencia recibida en su contexto social, y en particular, los recursos institucionalizados para combatir la violencia contra la mujer. Es un estudio exploratorio descriptivo, con enfoque cualitativo, desarrollado en el Instituto Médico Legal de Ribeirão Preto. Se entrevistaron 57 mujeres víctimas de violencia doméstica con lesión corporal dolosa. El análisis de los datos se hizo según la modalidad temática. La búsqueda de ayuda viene de su propio entorno social, con la familia y amigos. El uso de los servicios de salud depende de la percepción de la gravedad del estado de salud y no siempre resulta en una respuesta adecuada. En la justicia, la realidad de desamparo y poca credibilidad muestran la desarticulación e inoperancia de las instituciones en el apoyo a las víctimas. Para la atención integral y humanizada, las acciones deberían ir más allá de los protocolos de acción, pensando en estrategias para prevenir y reducir la violencia.
Article
Full-text available
Análise das principais ações e estratégias de resistência desencadeadas pelo movimento feminista que, nos últimos trinta anos, no Brasil, buscou erradicar a diversas formas de violência existentes contra a mulher. Discute-se por um lado, a violência como estratégia de controle sobre o corpo feminino e, por outro, a ineficácia da Lei nº 9.099/95. Com a implementação da Lei Maria da Penha, uma importante conquista legislativa e jurídica no combate à violência contra a mulher, evidenciam-se mudanças nas estratégias socioculturais e nos recursos jurídicos utilizados no País; entretanto, expressões de violência institucional continuam presentes na cultura e nas práticas jurídicas. Tais expressões são parte de uma lógica moral masculina que ainda modela os procedimentos dominantes e que se faz presente nas instituições e entre os agentes públicos, assim como nos espaços privados e na família. Enfim, no conjunto da sociedade brasileira. _________________________________________________________________________________ ABSTRACT This paper analyzes the main actions and resistance strategies unchained by the Brazilian feminist movement that, in the last thirty years, tried to eradicate violence against women. It discusses on one side, the violence as a control strategy on the female body and, on the other, the inefficacy of the Law N. 9,099/95. With the implementation of Maria da Penha's Law, an important legislative and juridical conquest in the struggle against violence towards women, changes are evidenced in the sociocultural strategies and in the juridical resources used in the country; however, expressions of institutional violence are still present in the culture and in the juridical practices. Such expressions are part of a male moral logic that still models the dominant procedures and that are present in the institutions and among public agents, as well as in the private sphere and in the family, in other words, in all Brazilian society.
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM IV Acesso em 25 de abr
  • American Psychological
AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM IV, 1994. Acesso em 25 de abr. 2012. Disponível em http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm.php.
Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade
  • Judith Butler
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
  • Janeiro Rio De
Rio de Janeiro: Guanabara, 1990.
O protagonismo da sociedade civil: movimentos sociais, ONGs e redes solidárias
  • Maria Da
GOHN, Maria da G. O protagonismo da sociedade civil: movimentos sociais, ONGs e redes solidárias. São Paulo: Cortez, 2005.
Nossos corpos também mudam: a invenção das categorias " travestis " e " transexual " no discurso científico
  • Leite Júnior
LEITE JÚNIOR, Jorge. Nossos corpos também mudam: a invenção das categorias " travestis " e " transexual " no discurso científico. São Paulo: Annablume, 2011.
Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde – CID 10 Acesso em 25 de abr
  • Organização Mundial
  • De Saúde
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde – CID 10, 2008. Acesso em 25 de abr. 2012. Disponível em http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm.
Abjeção e desejo: uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de aids. São Paulo: Annablume; Fapesp
  • Larissa Pelúcio
PELÚCIO, Larissa. Abjeção e desejo: uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de aids. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2009.
Reported deaths of 816 murdered trans persons from january Acesso em 10 mai Disponível em http://www.transrespecttransphobia .org
  • Transgender Europe 's
  • Trans
  • Monitoring
TRANSGENDER EUROPE'S TRANS MURDER MONITORING. Reported deaths of 816 murdered trans persons from january 2008 until december 2011, 2012a. Acesso em 10 mai. 2012. Disponível em http://www.transrespecttransphobia.org/uploads/downloads/TMM/TvT-TMM-Tables2008-2011-en.pdf.