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Identidade de gênero e políticas de afirmação identitária

Authors:
  • Federal Institute of Rio de Janeiro

Abstract and Figures

Vivências identitárias de gênero divergentes das socialmente aceitas são patologizadas e submetidas a preconceitos e discriminações que, no extremo, terminam com o assassinato de pessoas pelo fato de serem da população transgênero (transexuais e travestis), afigurando-se crimes de ódio em que as mulheres transexuais e as travestis são alvos recorrentes, repetindo o modelo da violência tradicional de gênero. O Brasil é o país no qual mais se registram assassinatos de tal natureza. Nessa conjuntura desumanizadora, desenvolve-se uma mobilização internacional pelo reconhecimento de direito de pessoas transexuais e travestis ao gênero, independentemente do sexo biológico. O presente trabalho apresenta o panorama internacional, com destaque para as questões brasileiras, das condições de vida e desafios da população transgênero.
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IDENTIDADE DE GÊNERO E POLÍTICAS DE AFIRMAÇÃO IDENTITÁRIA
Jaqueline Gomes de Jesus
1
Resumo: Vivências identitárias de gênero divergentes das socialmente aceitas são
patologizadas e submetidas a preconceitos e discriminações que, no extremo, terminam
com o assassinato de pessoas pelo fato de serem da população transgênero (transexuais
e travestis), afigurando-se crimes de ódio em que as mulheres transexuais e as travestis
são alvos recorrentes, repetindo o modelo da violência tradicional de gênero. O Brasil é
o país no qual mais se registram assassinatos de tal natureza. Nessa conjuntura
desumanizadora, desenvolve-se uma mobilização internacional pelo reconhecimento de
direito de pessoas transexuais e travestis ao gênero, independentemente do sexo
biológico. O presente trabalho apresenta o panorama internacional, com destaque para
as questões brasileiras, das condições de vida e desafios da população transgênero.
Palavras-chave: identidade de gênero, população transgênero, política identitária,
mobilização.
O presente artigo se refere à participação da autora na Mesa Coordenada
Desdobramentos de Gênero e Orientação Sexual, na qual foram tratados os temas da
luta pelo reconhecimento da identidade de gênero de pessoas transgênero, da construção
de novas masculinidades e da consolidação das famílias homoafetivas (com enfoque na
homoparentalidade feminina). Na ocasião, além de coordenar a referida mesa, a
pesquisadora abordou a dimensão da identidade de gênero e das políticas identitárias.
Ainda hoje a condição identitária da população transgênero (composta por
pessoas transexuais e travestis) é considerada um transtorno de identidade pelo Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-IV (American Psychological
Association, 1994), que passa por revisões (porém se prevê que a psicopatologização
das identidades trans será mantida, com outro tratamento), e a Classificação
Internacional de Doenças CID 10 (Organização Mundial de Saúde, 2008).
Essa classificação parte de uma compreensão biologizante dos gêneros, que trata
gênero como uma configuração puramente genética, senão meramente genital,
confundindo-o com sexo biológico, de modo que qualquer expressão de gênero
1
Vínculo institucional: Universidade de Brasília. E-mail: jaquelinejesus@unb.br.
diferente da atribuída ao nascimento e esperada socialmente para pessoas com vagina ou
com pênis é considerada anômala e classificada como um transtorno.
Tal perspectiva se contrapõe à que trata o gênero como um conjunto de atos
performativos, norma que se materializa discursivamente (Butler, 2003), mosaico de
identidades construído socialmente, visão esta que permitiria compreender as vivências
trans fora de modelos patológicos.
Na conjuntura brasileira, em particular, o espaço reservado a homens e mulheres
transexuais e a travestis é o da exclusão extrema, sem acesso a direitos civis básicos,
sequer ao reconhecimento da identidade. São cidadãs e cidadãos que ainda têm de lutar
muito para terem garantidos os seus direitos fundamentais.
Como relatam Bento (2008) e Pelúcio (2009), a partir da ótica da Teoria Queer,
de contestação a qualquer normalização, reconhecida como um dispositivo de poder e
saber (remetendo ao pensamento de Foucault), essas pessoas ainda não são vistas como
seres humanos, mas como seres abjetos, porque não são inteligíveis para os padrões
hegemônicos de gênero (fundamentados no binarismo) e até mesmo de sexualidade.
Entretanto, as pessoas travestis e transexuais e seus parceiros, tem se mobilizado
internacionalmente contra a psiquiatrização das identidades trans e pelo reconhecimento
de direito ao gênero, independentemente do sexo biológico (Rede Internacional pela
Despatologização Trans, 2012), em uma luta pelo direito à autodefinição.
Esse é um dos aspectos políticos centrais da ação coletiva relacionada às pessoas
transgênero: a luta pelo direito atualmente negado por diversos profissionais de
saúde, operadores do direito e outras autoridades de poderem se nomear, de serem
autônomas para falarem de si mesmas.
Identidade de gênero, exclusão e violência
No que se refere ao seu cotidiano, as pessoas transgênero são alvos de
preconceito, desatendimento de direitos fundamentais (diferentes organizações não lhes
permitem utilizar seus nomes sociais
2
e elas não conseguem adequar seus registros
civis
3
na Justiça), exclusão estrutural (acesso dificultado ou impedido a educação, ao
mercado de trabalho qualificado e até mesmo ao uso de banheiros) e de violências
variadas, de ameaças a agressões e homicídios, o que configura a extensa série de
2
Aquele pelo qual a pessoa transexual ou travesti se identifica e é identificada socialmente.
3
Nome civil e sexo registrados na certidão de nascimento. Os registros civis brasileiros não
adotam o conceito de gênero, ainda se restringindo ao sexo biológico.
percepções estereotipadas negativas e de atos discriminatórios contra homens e
mulheres transexuais e travestis denominada ―transfobia‖.
Dados do projeto europeu de monitoramento do assassinato de pessoas
transgênero (Transgender Europe’s Trans Murder Monitoring, 2012a) indicam, a partir
de notícias coletadas ao redor do mundo, um total de 816 (oitocentos e dezesseis)
assassinatos de pessoas transgênero em 55 países, entre primeiro de janeiro de 2008 e
31 de dezembro de 2011. A figura 1 expressa a distribuição global dessa realidade.
Figura 1: Distribuição mundial dos assassinatos de pessoas transgênero (fonte:
Transgender Europe’s Trans Murder Monitoring, 2012b).
Desses 816 homicídios, a maioria absoluta ocorreu na região da América Latina
(643 78,80% do total, com expressiva participação brasileira, que conta com 325
assassinatos no período de 3 anos pesquisado), seguida da Ásia, com 59 (cinquenta e
nove). A tabela 1 expressa os principais locais de ocorrência dos crimes, causas das
mortes e profissões das vítimas, configurando um perfil das circunstâncias mais
significativas.
N
% do total global
(n = 816)
Locais dos crimes
134
16,42
73
8,95
14
1,72
Causas das mortes
310
37,99
159
19,48
80
9,80
42
5,15
Profissões das vítimas
227
27,82
25
3,06
Tabela 1: Distribuição das principais características dos assassinatos.
São significativas as informações de que a maioria dos crimes contra mulheres e
homens transexuais e travestis ocorrem no espaço público das ruas (16,42%), tendo em
vista que grande parte deles trabalhava como profissionais do sexo (27,82%), profissão
marginalizada geralmente atribuída à população transgênero, especialmente às travestis,
devido à exclusão educacional e laboral que sofrem historicamente.
Também chama atenção que sejam geralmente executadas com tiros (37,99%), o
que indica planejamento por parte dos autores. Notável ainda haver apedrejamentos
(5,15%), método arcaico de punição para indivíduos considerados desviantes.
Somente em 2011, 248 pessoas foram assassinadas por serem transexuais ou
travestis (Transgender Europe’s Trans Murder Monitoring, 2012c). O Brasil é o país
onde mais foram reportados assassinatos de pessoas integrantes da população
transgênero nesse ano: 101 (cento e um), seguido do México, com 33 (trinta e três)
assassinatos, e da Colômbia, com 18.
A América Latina é a região com os piores índices: 204 (duzentos e quatro),
82,26% do total global, seguida da Ásia, com 17 (dezessete), apenas 6,85% das mortes
em todo o mundo. Pode-se considerar que a tradição machista e sexista da cultura
latino-americana tenha alguma influência nesses resultados extremamente negativos.
A gravidade dos dados coletados no Brasil, entre 2008 e 2011, acentua-se
quando se comparam os números de assassinatos transfóbicos deste com os de outros
países com nível semelhante de liberdade de imprensa e de mobilização social, fatores
que aumentam a probabilidade de divulgação de crimes de ódio, em diferentes
continentes, conforme a tabela 2.
País
Brasil
Argentina
Estados
Unidos
Portugal
África
do Sul
Índia
Número de
assassinatos
325
18
52
1
1
10
Porcentagem
em comparação
com o Brasil
94,46%
menor
84%
menor
99,69%
menor
99,69%
menor
96,92%
menor
Tabela 2: Quadro comparativo de assassinatos em diferentes países e no Brasil.
Demonstra a tabela 2 que, internacionalmente, o número de assassinatos é menor
se comparado ao Brasil, país em que a extrema transfobia estrutural, processo
sociocultural que nega a cidadania das pessoas transgênero, torna-se mais visível
quando se remete a dados precisos e tangíveis como o de assassinatos supracitados.
A tabela 3 apresenta a descrição de algumas vítimas brasileiras, identificadas
pelos seus nomes sociais, quando informados, e as circunstâncias dos crimes.
Nome
Idade
Local do
crime
Causa da
morte
Circunstâncias
Gabi
17
Rua
Lagarto
(SE)
Alvejada
Tinha se mudado da capital
Aracaju para trabalhar como
faxineira. Foi alvejada na rua.
Adriana
Não
informada
Rodovia
Cariacica
(ES)
Alvejada
Trabalhava como profissional do
sexo. Um carro com dois sujeitos
estacionou próximo a ela. Um
deles saiu do veículo e, sem falar
nada, disparou várias vezes.
Márcia
30
Rua
Centro
Jaraguá
do Sul
(SC)
Alvejada
Segundo testemunhas, discutia
dentro de um carro com alguém.
Ela foi alvejada no pescoço e
jogada para fora. O assassino
fugiu, ela morreu em um
hospital.
Tabela 3: Descrição de vítimas brasileiras e circunstâncias (adaptada de Transgender
Europe’s Trans Murder Monitoring, 2012d).
Nome
Idade
Local do
crime
Causa da
morte
Circunstâncias
Não
informado
Não
informada
Casa
São
Paulo
(capital)
Esfaqueada
Foi encontrada morta com 20
facadas no rosto e no estômago.
O acusado morava na redondeza.
Natasha
26
Avenida
Curitiba
(PR)
Apedrejada
Ela já tinha sido alvo de duas
tentativas de homicídio, em uma
delas um de seus parentes ficou
gravemente ferido.
Não
informado
28
Avenida
Curitiba
(PR)
Alvejada
O corpo foi encontrado com três
tiros no rosto, suas calças estavam
abaixadas.
Carla
Não
informada
Rua
Penedo
(AL)
Alvejada
Vivia em Aracaju, visitava a mãe
em Alagoas quando foi morta.
Não
informado
Não
informada
Rua
São
Paulo
(capital)
Esfaqueada
Ela discutia com alguém em
frente ao Jockey Club quando ele
a esfaqueou e fugiu numa picape.
Mona
Não
informada
Rua
Belo
horizonte
(MG)
Alvejada
Vivia com moradores de rua. Na
noite anterior, alguém ateou fogo
nos pertences deles e efetuou
tiros, sem acertar ninguém. No
dia seguinte, o suspeito, um
morador ou comerciante local que
não queria travestis nas
redondezas matou Mona com 3
tiros, nas costas e no pé.
Bruninha
19
Rua
Apucara-
na (PR)
Alvejada
Morreu após levar um tiro no
rosto. Alguns meses antes uma
mulher de 28 anos a esfaqueara
no rosto e no peito, mas ela não
quis registrar a ocorrência.
Claret
Não
informada
Rua
Pouso
Alegre
(MG)
Apedrejada
Saia de um bar quando Renan
Donizeti Tomas, que mantinha
um relacionamento com ela,
matou-a com pedradas na cabeça.
Suely
Scalla
41
Rua
Campi-
nas (SP)
Espancada
Ela era mobilizadora social da
comunidade desde os anos 80. Foi
morta de manhã, na principal
avenida da cidade.
Tabela 3: Descrição de vítimas brasileiras e circunstâncias (adaptada de Transgender
Europe’s Trans Murder Monitoring, 2012d).
Nessa curta listagem se evidenciam os inúmeros casos de transfobia expressa
pelo homicídio de travestis e transexuais, especialmente as mulheres, algumas jovens,
ainda adolescentes, outras adultas.
Violações que, de forma geral, repetem o padrão dos crimes de ódio, motivado
por preconceito contra alguma característica da pessoa agredida que a identifique como
parte de um grupo discriminado, socialmente desprotegido, e caracterizados pela forma
hedionda como são executados, com várias facadas, alvejamento sem aviso,
apedrejamento (Stotzer, 2007), reiterando, desse modo, a violência genérica e a abjeção
com que são tratadas as pessoas transexuais e as travestis no Brasil.
Stotzer (2007) considera que o grupo composto pelas pessoas transexuais e
travestis é alvo significativo de crimes de ódio, dada principalmente a sua desproteção
social. O autor identificou, em 1997, 213 crimes de ódio nos Estados Unidos da
América, decorrentes da identidade de gênero das vítimas; e 321 em 2004.
Conforme afirma Martins (2008), o uso de imagens fixas (fotografia) ou em
movimento (vídeo), como documentos sociológicos de registro factual, apresenta
limitações e possibilidades para a análise da realidade social. No que se refere a
situações de conflito e violência urbana contemporânea, o material gravado pelas
câmaras postadas em diferentes locais, para monitoramento de trânsito ou com a
finalidade de salvaguardar a segurança dos cidadãos muito embora, em grande parte,
apenas registrem as ocorrências e sirvam como provas ex post facto , apresenta
enorme potencial para composição da vivência e experiências diferenciais dos sujeitos e
coletividades.
Uma cena, gravada em 15 de abril de 2011, é significativa do caráter de ódio que
orienta a transfobia no Brasil: o assassinato brutal, ocorrido em Campina Grande, na
Paraíba, da travesti Idete (o seu nome social foi pouco divulgado na mídia, ao contrário
do civil, além do tratamento em termos masculinos), morta com mais de 30 facadas por
um grupo de 3 jovens (Youtube, 2011). O link para o vídeo consta da bibliografia
4
.
Esse foi mais um crime de ódio, em uma de suas formas mais brutais: o ataque
físico; e covarde: a ação em grupo. A escala de Allport (1954) para as formas de
expressão do preconceito contra grupos sociais coloca o ataque físico, incluindo
linchamentos, como o nível mais grave depois do extermínio, quando o Estado colabora
para que um grupo seja liquidado, a exemplo do Holocausto. Isso nos remonta aos fins
do século XIX e até meados do século XX, quando das ações de grupos que perseguiam
e matavam pessoas pelo fato de serem negras, como a Ku Klux Klan.
4
Devido ao elevado grau da violência retratada, as imagens somente podem ser acessadas
mediante login e identificação como maior de 18 anos.
No que tange às questões de gênero, nos assassinatos das travestis e das
mulheres transexuais se verifica a mesma gica das violências conjugais comuns em
casais tradicionais, heteronormativos e pautados por relações machistas, caracterizadas
pela agressão da mulher, por parte do homem, quando em uma situação de conflito,
como uma estratégia de controle sobre o corpo feminino (Bandeira, 2009); além de
desamparo aprendido e descrença das vítimas ante à inoperância das instituições sociais
de suporte (Santi, Nakano e Lettiere, 2010).
No que se refere especificamente às mulheres transexuais, não há informação
oficial de como órgãos públicos brasileiros têm-se articulado para pensar e auxiliar
essas mulheres, no que envolve a possibilidade de serem atendidas nas Delegacias
Especializadas de Atendimento à Mulher; a proteção pela Lei Maria da Penha; o
respeito à sua identificação no trabalho e outros espaços.
Entretanto, há decisões judiciais favoráveis à aplicabilidade da Lei Maria da
Penha para violências conjugais em casais formados por homens cisgêneros
5
e mulheres
transexuais. Conforme relato de Mendonça (2011), uma mulher transexual, cujo nome
social não foi divulgado, apelou à Justiça do estado de Goiás ante às reiteradas
agressões do ex-companheiro.
Pontuando a condição marital do relacionamento e salientando a condição de
mulher da vítima, sobretudo o fato dela ser reconhecida socialmente como tal, a juíza
Ana Claudia Magalhães, da Vara Criminal de Anápolis, conferiu à ofendida
tratamento jurídico equivalente ao de outras mulheres, nas posturas que a Lei Maria da
Penha combate, e manteve o acusado na prisão, proibindo-o, quando em liberdade, de
estar a menos de mil metros da ofendida e de seus familiares, bem como de manter
contato com ela e seus entes em linha reta, por qualquer meio de comunicação.
Faz-se mister destacar a compreensão da juíza de que, sendo o sexo determinado
ao nascimento e o gênero construído ao longo da vida humana, a Lei Maria da Penha
não teria sentido se objetivasse proteger apenas a um sexo biológico, e não à
constituição de gênero, o de mulher, que formatado por características sociais, culturais
e políticas impostas a homens e mulheres, independe das diferenças biológicas.
No aspecto da visibilidade, apesar de haver pessoas transexuais nos diferentes
espaços políticos, técnicos ou acadêmicos brasileiros, a sua visibilidade na sociedade e
5
São conceituadas como ―cisgêneros‖ as pessoas cuja identidade de gênero está de acordo com
o que socialmente se estabeleceu como o padrão para o seu sexo biológico (Jesus, 2012a).
nos meios de comunicação é concentrada no aspecto marginal, e pouco no seu cotidiano
e demandas.
Políticas de afirmação identitária
O pequeno espaço conquistado por homens e mulheres transexuais é fruto de
mobilização, geralmente individual, pelo respeito a suas especificidades e direitos
fundamentais, e tem sido potencializado pela inserção dos coletivos trans e seus
simpatizantes na lógica dos novos movimentos sociais, caracterizados por políticas de
identidades ou identitárias (Jesus, 2012b).
Identificados por Laclau (1986) e Gohn (2005) como movimentos que rompem
com a lógica de comando de cima para baixo, os novos movimentos sociais político-
identitários constroem relações democráticas de estruturação do poder cada vez mais
ágeis, com um número maior de participantes e ações frequentes e organizadas.
Esses movimentos articulam as questões da esfera privada como as
discriminações que sofrem, os estigmas que lhes são atribuídos, e até mesmo a recepção
interpessoal negativa (repulsa) a atributos físicos ou de personalidade relacionados a
determinados grupos sociais (Jesus, 2012b) com as reivindicações da esfera pública,
para construir espaços de intimidade e sociabilidade que demarcam semelhanças e
diferenças, por meio de mobilizações sociais das mais variadas espécies (marchas,
caminhadas, paradas, procissões, desfiles), incluindo o ativismo online (Machado,
2007), reelaborando as relações sociais difusas, de encontros e deslocamentos, que a
cultura brasileira atribui às categorias casa e rua (Freyre, 2003; Damatta, 1987, 1990):
Como espaços alternativos de sociabilidade, as redes digitais têm possibilitado a
propagação, com menos intermediários e para uma audiência relativamente
grande, de contradiscursos acerca de regras estabelecidas de comportamento e de
modelos fixos de identidade (Jesus, 2012c, p. 1).
O movimento transgênero se encontra cada vez mais visível, a partir de
manifestações públicas, mas principalmente pelo ativismo em rede, instrumento pelo
qual fabricam novas realidades sociais, reconfigurações das relações de gênero, por
meio da combinação de elementos cotidianos e extra-cotidianos, demarcando suas
identidades pessoais e sociais e demonstrando, na sua práxis cotidiana, que a sua
identidade de gênero não esgota sua subjetividade, sendo, portanto, seres humanos
complexos, como quaisquer outros.
A prática cada vez mais frequente do ativismo entre os homens e mulheres
transexuais e as travestis, de forma mais ou menos intuitiva, tem aumentado a
consciência política da própria população transgênero.
Identifica-se, entretanto, considerando-se a perspectiva político-identitária desta
análise, a necessidade do desenvolvimento de uma linguagem propositiva em comum,
para que as diferentes militâncias trans, além de ocupar um lugar questionador, sejam
capazes de:
dizer publicamente sobre si e sobre aquilo que desejam para si. Nesse sentido, a
luta militante lhes possibilita participação ativa em processos de formulação de
políticas públicas a cada vez que pensam ações possíveis de governo, mas
também em um controle social efetivo daquelas políticas públicas que são
implementadas (Silva & Barboza, 2009, p. 274).
Ao nível de estruturação interna do movimento, e da micro-política, podem ser
citadas como referências de apoio virtual para a população transgênero brasileira, com
divulgação de notícias e orientações no trato de questões pessoais, as páginas
http://www.ftmbrasil.org, da FTM Brasil, comunidade virtual de homens transexuais,
que também se identificam pela designação inglesa de origem médica como FtM
Female to Male, sendo o primeiro termo o sexo biológico e o segundo o gênero de re-
atribuição, como explica Leite Júnior (2011), a designação gera conflitos
terminológicos entre militantes, focados no gênero com o qual se identificam, e alguns
profissionais de saúde que se focam no sexo biológico da pessoa transexual; http://astra-
rio.blogspot.com.br, da Astra Rio Associação de Travestis e Transexuais do Estado do
Rio de Janeiro; e http://anavtrans.blogspot.com, da Anav-Trans Associação do Núcleo
de Apoio e Valorização à Vida de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Distrito
Federal e Entorno.
A um nível mais amplo de estruturação, redes sociais, como a do Facebook, têm
possibilitado grande interatividade, elevado número discussões e articulações mais
concretas com os problemas coletivos.
Para além das páginas de grupos sociais e de manifestações específicas, de foco
imediato, que eventualmente são marcadas nessas redes, destacam-se as que se
aprofundam em pautas mais complexas e desenvolvem debates sobre questões em longo
prazo, como a Despatologização Trans. CID/DSM‖, localizada no endereço
http://www.facebook.com/#!/groups/267024486729539, que visa agrupar pensadores
nacionais sobre a luta internacional contra a psiquitrização das identidades trans; o
grupo ―Transfeminismo‖, postado no link
http://www.facebook.com/#!/groups/334400389941600, no qual mulheres e homens
transexuais feministas tratam de temas fortemente relacionados à inserção das pessoas
transexuais nos movimentos feministas e de mulheres, focalizando estratégias para o
aumento do reconhecimento da ―mulheridade‖ das mulheres transexuais; e nas listas de
ações em âmbito nacional, como a ―Redtrans Rede Nacional de Pessoas Trans‖, em
http://www.facebook.com/#!/groups/153551448083757, e a ―Antra Articulação
Nacional de Travestis e Transexuais‖, em
http://www.facebook.com/#!/groups/242849939071573.
No que se refere às ações protetivas do Estado, há avanços formais. O Governo
Federal subscreve o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais LGBT, resultante das discussões
realizadas durante a 1ª Conferência Nacional LGBT, ocorrida em Brasília entre 5 e 8 de
junho de 2008, disponível eletronicamente em
http://portal.mj.gov.br/sedh/homofobia/planolgbt.pdf; e adotou o nome social de
servidores públicos federais travestis e transexuais, com a publicação da Portaria nº 233
da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, datada de 18 de maio de 2010, que foi reiterada, na esfera do Ministério da
Educação, pela Portaria nº 1.611, de 17 de novembro de 2011.
Entretanto, o formato do novo documento de identidade, o Registro de
Identificação Civil RIC, desenvolvido no âmbito do Ministério da Justiça com base no
Decreto presidencial nº 7.166, de 5 de maio de 2010, o qual gerará um número único de
identificação civil para todos os cidadãos brasileiros, apresenta-se como um retrocesso
na questão dos direitos da população transgênero, porque expõe o sexo biológico das
pessoas, conforme se observa no destaque em vermelho na figura 2.
Figura 2: Destaque da imagem oficial do RIC divulgada pelo Ministério da Justiça
(fonte: http://portal.mj.gov.br/portal/ric).
O atual Registro Geral RG (CI Carteira de identidade) não mostra o sexo das
pessoas. Evidentemente, o RIC não adota o conceito de gênero, mas o de sexo, e o
apresenta em seu formato impresso.
Esse documento, como se encontra, causará mais constrangimentos para as
pessoas transexuais e travestis que não conseguiram adequar seus registros civis ao
gênero com o qual se identificam, considerando as dificuldades enfrentadas nos
Tribunais para adequação dos registros civis, ante à inexistência de uma legislação a
respeito do tema e da lentidão no andamento de projetos existentes, como a estratégica
Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 4275, que está sendo analisada no Supremo
Tribunal Federal pelo Ministro relator Marco Aurélio de Mello, apresentada em 21 de
julho de 2009 pela Procuradoria-Geral da República, com a finalidade de reconhecer o
direito das pessoas transexuais modificarem nome civil e sexo na documentação civil, a
fim de que esses registros se adequem a sua realidade identitária, social e de gênero.
Considerações finais
No mundo contemporâneo, mais que vivenciar uma identidade de gênero, ser
transgênero corresponde a representar uma identidade política, pautada pela
desconstrução da crença em papéis de gênero considerados naturais, construídos
biologicamente; e pela visibilização de identidades particulares historicamente
estigmatizadas, tornadas invisíveis em determinados espaços sociais considerados
normais porque, como ocorre com qualquer ser humano com características pessoais
ou sociais associadas a um estigma corporal, psicológico ou de caráter, acreditamos
que alguém com um estigma não seja completamente humano (Goffman, 1980, p. 15).
Entre avanços e retrocessos decorrentes de ofensivas reacionárias, ainda estamos
distantes, principalmente na realidade brasileira, do ideal delineado por Joan
Roughgarden (2005), para quem a sociedade um dia poderá amadurecer e o fato de uma
pessoa se assumir como transexual não mais seria considerado uma razão de luto para
ela, os familiares e amigos, mas de enorme alegria, quem sabe com direito a uma festa,
visto a pessoa estar se encontrando, em uma espécie de segundo nascimento.
A possibilidade de progredir nessa direção está, sob a ótica da mobilização
social como forma de influência dos grupos sociais marginalizados, em que as pessoas
que vivenciam a dimensão das transgeneridades (ou transgeneralidades), orientadas por
políticas de cunho identitário, tornem a sua realidade cada vez visível, e continuem
lutando, dentro dos sistemas legais e políticos, para propiciar um maior reconhecimento
de sua humanidade e da justeza de suas várias demandas.
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... Quais os regimes de inteligibilidade social (Butler, 2017) que podem fazer alguém ser lido como "o" sujeito político de quem as lutas feministas falam e por quem militam? Em muitos momentos da obra em análise, é possível perceber a convocação de vozes (puta)transfeministas (Vergueiro, 2015;Jesus, 2012) para, com isso, deslocar a cisheteronormatividade que, em muitos espaços feministas de produção política e intelectual, exerce violência contra mulheres trans e travestis, excluindo-as do contingente de corpos dentre os quais se pode ler uma mulher e a partir dos quais se pode elaborar uma ação política válida. Tal dinâmica põe em relevo os processos discursivos pelos quais as formas de agência política, dentre elas os feminismos, deliberadamente produzem, fabricam, os sujeitos por quem afirmam advogar (Butler, 2017). ...
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O presente estudo propõe uma leitura da obra e se eu fosse puta? (2016), da intelectual transfeminista Amara Moira, produzida a partir de uma escrita autobiográfica. Diante do processo estrutural de silenciamento ao qual pessoas travestis são submetidas na sociedade brasileira, buscamos compreender que descentramentos identitários são produzidos quando uma travesti puta agencia a palavra literária e, assim, fala desde sua posição enunciativa. Para tanto, são acionadas epistemologias transfeministas e putafeministas engajadas na decolonização dos feminismos, em face da escuta de vozes de mulheres histórica e sistematicamente invisibilizadas na produção do conhecimento, tal como propõem as perspectivas teórico-analíticas da colonialidade de gênero, da cisnormatividade e da subalternidade. Mediante uma leitura cartográfica da obra, foi possível elaborar uma interpretação que aponta para a contestação de regimes de autorização discursiva produzida pela ocupação da posição de autoria por um corpo-voz subalternizado que reivindica, então, sua possibilidade de autorrepresentação.
... Essa ideia encontra ressonância nos estudos de Pfeil e Pfeil (2024a, 2024b Ao explorar a temática da cisgeneridade, é crucial destacar a cisnormatividade, que se refere aos regimes políticos e às estruturas sociais que normalizam e privilegiam identidades de gênero cisgênero em detrimento de identidades transgênero e não-binárias. Essas discussões esclarecem como as identidades de gênero e as sexualidades são moldadas, restritas e definidas dentro de um espectro de poder que favorece a cisgeneridade como a norma (JESUS, 2012;RODOVALHO, 2017). Este cenário dá origem a uma complexidade de forças e contradições que permeiam a experiência humana, submetendo certas pessoas à LGBTfobia, e mais especificamente, à homo-transfobia (CORNEJO, 2020). ...
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Este estudo examina a marginalização do corpo trans-travesti na sociedade contemporânea, com ênfase nos efeitos da ideologia, do estigma e da transfobia sobre essas pessoas. Utilizando uma pesquisa narrativa crítica baseada na literatura acadêmica, acessada em bases de dados de trabalhos científicos, o estudo explora a cisnormatividade e o “pacto narcisista cisgênero” como fatores que reforçam estruturas de dominação e a patologização das trans-travestilidades. A discussão revela como discursos científicos e institucionais sustentam estigmas e discriminação contra identidades transgêneras. Conclui-se que há uma necessidade urgente de repensar normas e práticas institucionais que perpetuam a marginalização dessas identidades.
... A partir disso é que se torna inteiramente compreensível que a figura do psicólogo seja vista com ressalvas, mas essa tensão também não está aí para ser simplesmente superada, pois é com ela que poderemos construir uma aliança mais sólida. Caso ainda não tenha ficado evidente, não está em discussão uma "clínica trans", mas uma clínica atenta à produção da cisgeneridade enquanto um sistema que nos formata subjetivamente, algo compartilhado por autoras como Viviane Vergueiro (2016) e Jaqueline de Jesus (2012). Essa virada na compreensão do debate faz com que 7 invertamos também a pergunta inicial do texto. ...
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Resumo É com a proposta de discutir o receio sentido por diferentes profissionais de psicologia, ao se verem diante de pacientes trans e travestis, que o presente artigo busca elaborar algumas reflexões. Para tanto, propõe outra forma de encarar esse desamparo, sem que, com isso, seja pressuposto um descompromisso com a clínica. Ainda, questiona a pretensa estabilidade dos discursos nosológicos que aparentavam, historicamente, saber “bem” o que estavam fazendo com tal população, visto que apostavam em uma compreensão de gênero fundamentada em estereótipos sexistas.
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O presente ensaio investiga os movimentos sociais e o transfeminismo sob a lente da interseccionalidade de gênero, raça e classe por meio de pesquisa bibliográficas. Incialmente apresenta a discussão da rede social como possibilidade de potencializar vozes de travestis e transexuais negras para essas corpas: ocupar o ciberespaço é ampliar o debate sobre o apagamento de experiências e vivencias de travestilidades negras na trajetória dos movimentos sociais regidos pelo racismo e cisgeneridade compulsória. A importância da pesquisa reside em apontar o racismo e transfobia produzidos pelos movimentos sociais. Notadamente as protagonismos de corpas interseccionada tenciona a estrutura opressora e reverbera o potencial do Aquilombamento na luta por emancipação e liberdade para todas, todos e todes. Objetiva produzir epistemologias que contribuem para uma reflexão acerca da transfobia e racismo existente nos movimentos sociais e a necessidade do rompimento de barreiras que impedem a luta coletiva, bem como a construção de mecanismo de enfretamento ao racismo e cisheteropatriarcado.
Conference Paper
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Este trabalho propõe uma base teórica que objetiva contribuir com o campo da gerontologia para o acolhimento e inteligibilidade da pessoa trans-idosa. Além disso, aborda a temática do envelhecimento humano considerando demandas que foram historicamente ignoradas, tais como: o envelhecimento de corpos transgêneros e suas questões identitárias. Assim sendo, tem-se por objetivo analisar a utilidade do pensamento transfeminista para o campo da gerontologia, ambicionando uma contribuição dessa base teórica para atualizar as pesquisas gerontológicas e, deste modo, promover um acolhimento saudável para as trans-identidades idosas. Lembrando que o transfeminismo dedica-se a pensar em novas roupagens de sujeitos, dar inteligibilidades e possibilidades a existências precárias e descristalizar categorias e arranjos identitários que patologizam aqueles/as que vivenciam o mundo através de narrativas que não são cisgêneras e heterosexuais. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica exploratória em periódicos, artigos e livros sobre o debate da transgeneridade, transfeminismo, gerontologia e envelhecimento. Tem-se por resultados que estudos gerontológicos unicamente sobre sujeitos cis-heterossexuais são ineficientes para compreender as diversas experiências de envelhecimento de pessoas transgêneros. Assim, o transfeminismo convida outras bases teóricas, como a gerontologia, a se abrir e considerar outros sujeitos em seu campo.
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A violência à transgeneridade ou à identidade trans existente na sociedade apresenta-se como fator extintivo da relação empregatícia. Este artigo é oriundo de pesquisa exploratória realizada nos 24 Tribunais Regionais do Trabalho brasileiro e destrinchada na dissertação “A Transgeneridade e a Justiça do Trabalho: A construção do dando moral nas relações empregatícias às pessoas trans”, sendo o objetivo deste trabalho identificar o posicionamento do Poder Judiciário Trabalhista ao analisarem pedidos de indenização moral proposto por pessoas trans em decorrência da transfobia que suportaram no ambiente laboral. O resultado da pesquisa demonstrou, após a análise de 89 julgados, que o significado, a definição e a extensão do que é a identidade de gênero à pessoa trans ainda é pouco explorado e conhecido no meio Judiciário trabalhista, pois somente 36,5% (31 decisões) construíram seus fundamentos sob a ótica da identidade de gênero, enquanto que 40% (34 julgados) em discriminação contra a opção/identidade/orientação sexual etc., e 23,5% (20) sequer consideraram qualquer ofensa imaterial contra a pessoa trans.
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Resumo A partir de trabalho de campo realizado em Belo Horizonte (Minas Gerais), buscou-se compreender como o fluxo das Audiências de Custódia reitera a lógica penal de produção de precariedade, em relação à população trans, através de dois problemas: a) o uso do nome registro civil das pessoas trans, em detrimento do nome social; e b) o encaminhamento à rede de assistência psicossocial, por meio da determinação de um combo de medidas cautelares, que invisibiliza as demandas apresentadas por elas. Para exame dessas questões, foram utilizadas as observações anotadas no caderno de campo e as entrevistas semiestruturadas realizadas com três agentes responsáveis por serviços das audiências de custódia. Constatamos que há um enquadramento das experiências trans a partir da cisgeneridade; posicionamento que reforça a precariedade da visibilidade do público trans e de suas demandas.
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Resumo O campo jurídico é historicamente constituído por normativas sociais que estabelecem um padrão corporal (binário, cisgênero, endossexo), excluindo, dessa forma, corpos que não se enquadram nessa norma, como é o caso da intersexualidade. Por conta disso, pessoas intersexo sofrem discriminação e têm os seus direitos violados por procedimentos cirúrgicos e hormonais precoces e cosméticos, ainda na infância. O presente artigo busca discutir como a intersexualidade tensiona o conteúdo jurídico do critério proibido de discriminação sexo, contribuindo para o seu alargamento. Para tanto, foi realizada revisão bibliográfica e de legislação nacional e internacional sobre o conteúdo do critério proibido de discriminação sexo, considerando a necessidade de proteção antidiscriminatória das pessoas intersexo. Avalia-se se as categorias que dão conteúdo ao critério proibido sexo - orientação sexual e identidade de gênero - são suficientes para proteger as pessoas intersexo da discriminação e propõe-se a desbinarização do direito, por meio da inclusão da categoria características sexuais, como forma de contemplar as discriminações experienciadas por pessoas intersexo, e também por outras corporalidades que não se inscrevem em um padrão binário e que não se relacionam de modo linear com a identidade.
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O presente artigo busca fazer uma reflexão do bolsonarismo e da violência policial com o enfoque no assassinato e na violação de direitos humanos dos travestis e transgêneros no Brasil. Nosso problema de pesquisa consiste em analisar a influência do bolsonarismo na violência policial em se tratando de assassinato de pessoas trans e travestis. A metodologia utilizada é a bibliográfica e a análise documental do dossiê ANTRA sobre assassinato de transgêneros e travestis.
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O presente artigo busca fazer uma reflexão do bolsonarismo e da violência policial com o enfoque no assassinato e na violação de direitos humanos dos travestis e transgêneros no Brasil. Nosso problema de pesquisa consiste em analisar a influência do bolsonarismo na violência policial em se tratando de assassinato de pessoas trans e travestis. A metodologia utilizada é a bibliográfica e a análise documental do dossiê ANTRA sobre assassinato de transgêneros e travestis.
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El objetivo del estudio es identificar la percepción de las mujeres víctimas de violencia, sobre el apoyo y la asistencia recibida en su contexto social, y en particular, los recursos institucionalizados para combatir la violencia contra la mujer. Es un estudio exploratorio descriptivo, con enfoque cualitativo, desarrollado en el Instituto Médico Legal de Ribeirão Preto. Se entrevistaron 57 mujeres víctimas de violencia doméstica con lesión corporal dolosa. El análisis de los datos se hizo según la modalidad temática. La búsqueda de ayuda viene de su propio entorno social, con la familia y amigos. El uso de los servicios de salud depende de la percepción de la gravedad del estado de salud y no siempre resulta en una respuesta adecuada. En la justicia, la realidad de desamparo y poca credibilidad muestran la desarticulación e inoperancia de las instituciones en el apoyo a las víctimas. Para la atención integral y humanizada, las acciones deberían ir más allá de los protocolos de acción, pensando en estrategias para prevenir y reducir la violencia.
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Análise das principais ações e estratégias de resistência desencadeadas pelo movimento feminista que, nos últimos trinta anos, no Brasil, buscou erradicar a diversas formas de violência existentes contra a mulher. Discute-se por um lado, a violência como estratégia de controle sobre o corpo feminino e, por outro, a ineficácia da Lei nº 9.099/95. Com a implementação da Lei Maria da Penha, uma importante conquista legislativa e jurídica no combate à violência contra a mulher, evidenciam-se mudanças nas estratégias socioculturais e nos recursos jurídicos utilizados no País; entretanto, expressões de violência institucional continuam presentes na cultura e nas práticas jurídicas. Tais expressões são parte de uma lógica moral masculina que ainda modela os procedimentos dominantes e que se faz presente nas instituições e entre os agentes públicos, assim como nos espaços privados e na família. Enfim, no conjunto da sociedade brasileira. _________________________________________________________________________________ ABSTRACT This paper analyzes the main actions and resistance strategies unchained by the Brazilian feminist movement that, in the last thirty years, tried to eradicate violence against women. It discusses on one side, the violence as a control strategy on the female body and, on the other, the inefficacy of the Law N. 9,099/95. With the implementation of Maria da Penha's Law, an important legislative and juridical conquest in the struggle against violence towards women, changes are evidenced in the sociocultural strategies and in the juridical resources used in the country; however, expressions of institutional violence are still present in the culture and in the juridical practices. Such expressions are part of a male moral logic that still models the dominant procedures and that are present in the institutions and among public agents, as well as in the private sphere and in the family, in other words, in all Brazilian society.
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Nossos corpos também mudam: a invenção das categorias " travestis " e " transexual " no discurso científico
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ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde – CID 10, 2008. Acesso em 25 de abr. 2012. Disponível em http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm.
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