Historial do artigo: O presente artigo expressa uma opinião fundamentada em evidência e lógica. Foi elaborado e registado em 2013 e lançado a público no âmbito de ações de formação em várias certificações em exercício organizadas pelo autor, fazendo parte da documentação de apoio entregue aos alunos. As duas seguintes revisões (2016 e 2017) tiveram como revisor o Professor José Vilaça-Alves, onde se acrescentaram algumas secções de texto e a pesquisa científica atualizada. A versão de 2017 foi apresentada a público no 1o Congresso Internacional Exercise Summit (Oeiras, Portugal, Maio de 2017). A presente versão (2018), já tendo como revisor o Professor José Afonso Neves, é a última versão revista pelo autor, com a expansão das últimas secções, que se referem às verdadeiras causas da falta de flexibilidade e aos métodos mais vantajosos para a sua melhoria.
Problema: A capacidade motora designada de flexibilidade é uma componente importante do movimento humano e, consequentemente, do fitness físico. Contudo, a forma de desenvolvimento desta capacidade não tem sido consensual, principalmente no que respeita às causas da sua pouca expressividade. Habitualmente, esta tem sido atribuída à falta de extensibilidade muscular antagonista e não às possíveis debilidades na capacidade de coordenação entre a musculatura agonista, antagonista e sinergista do movimento, que confere o arco articular analisado. Desta forma, a utilidade do alongamento do tipo passivo estático, aplicado à musculatura antagonista, com o propósito do aumento da amplitude do movimento articular (entre outros objetivos), embora seja a intervenção mais utilizada, tem sido colocada em causa. Assim, o objetivo do presente artigo foi efetuar uma reflexão crítica sobre esta problemática, tendo como base o raciocínio lógico e a revisão da literatura científica. Será dado enfâse aos efeitos do treino da flexibilidade em diversos domínios: nos níveis de força, na prevenção de lesões, no desempenho desportivo e na estrutura e função muscular. Será, igualmente, efetuada uma reflexão sobre o efeito das diferentes técnicas de treino da flexibilidade, tais como a facilitação neuromuscular propriocetiva (PNF) e o alongamento dinâmico. Serão abordados os efeitos do treino com resistências na flexibilidade e na capacidade de produzir força.
Recursos bibliográficos: Para o efeito, foram utilizados manuais de referência em fisiologia humana (p.e. Joint Structure and Function; Principles of Neural Science), bem como da área da prescrição de exercício, e revistos cerca de 100 artigos científicos (dos quais 34 são revisões), que relacionam alongamento e/ou treino com resistências com as capacidades motoras flexibilidade e força, no desempenho desportivo, na prevenção ou incidência de lesão, na estrutura e na função neural muscular. Os estudos usados apresentam probabilidade de erro inferior a 5%, mas nem todos reportam as magnitudes dos efeitos observados (i.e., effect sizes).
Conclusões: Tendo como base a revisão da literatura científica consultada e a reflexão lógica efetuada sobre a mesma, concluímos que, à luz dos conhecimentos presentes, o alongamento do tipo passivo estático pode não ser útil na obtenção de flexibilidade ativa (funcional) e, mesmo que o seja, comportará uma diminuição dos níveis de força muscular – à custa de alterações estruturais e neurais negativas. O aumento da extensibilidade muscular – e o consequente incremento de amplitude articular –, que é verificado com o treino de alongamento, é maioritariamente causado por inibição neural aferente e eferente. São verificadas alterações nas propriedades estruturais musculares, tais como a viscoelasticidade ou o comprimento, que, apesar de contribuírem também para o acréscimo de amplitude articular, são de menor relevância que os efeitos neurais. Efeitos estes que detêm um potencial negativo nos níveis de força. O alongamento pode ter um efeito negativo no desempenho desportivo, não previne lesões e os aumentos de flexibilidade que gera, passivos apenas, não se transferem necessariamente para a amplitude funcional. O treino com resistências pode melhorar a flexibilidade ativa, mesmo com o uso de contrações musculares isométricas, além de gerar ganhos superiores nos níveis de força quando comparado com o treino de alongamento. A combinação de ambos os tipos de treino – com resistências e alongamento na mesma sessão – não é relevante o suficiente para que se considere um método superior a sessões apenas com treino com resistências. As diretrizes do ACSM, no que concerne ao treino da flexibilidade, são incoerentes e não deverão ser seguidas. Além de não cumprirem com os pressupostos que propõem, representam um investimento temporal que melhor poderia ser aplicado com outras atividades.
Aplicações práticas: Por definição e bom uso da língua portuguesa, o termo flexibilidade deverá ser substituído por melhor termo, um que expresse realmente a qualidade física que se manifesta em amplitude de movimento articular. O termo mais correto será mobilidade. É sugerida uma origem alternativa para a sua diminuída expressão, nomeadamente a falta de controlo da musculatura agonista. O autor defende o treino com resistências como método superior ao alongamento, no treino da mobilidade ativa, ganhos de força e prevenção de lesões. O cumprimento das diretrizes tradicionais de prescrição do treino com resistências, tal como apresentadas pelo ACSM, apresenta-se como suficiente para tal efeito. Contudo, recomendações mais concisas e menos generalistas são aqui descritas, ainda que sejam necessárias mais pesquisas para clarificar os parâmetros ideais (se é que existem) de construção dos exercícios para o objetivo pretendido.