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Júlia Tomás Colóquio “Crise das Socializações” Abril 2012
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A invisibilidade social, uma construção teórica
Júlia Tomás
CECS – Centro de Estudos em Comunicação e Sociedade
Universidade do Minho
sa.pinto.tomas@gmail.com
Resumo: O presente artigo apresenta uma construção teórica do conceito de
“invisibilidade social”. Esta construção é edificada em três esquemas de inteligibilidade:
na Fenomenologia (Husserl, Sartre, Ricoeur), na Hermenêutica (Gadamer, Ricoeur) e na
Teoria Crítica (Escola de Frankfurt). Utilizando esta construção, podemos observar o
“desprezo social” (Honneth) – a invisibilidade social – das minorias, dos
estigmatizados, em suma, do Outro. O sentimento de invisibilidade é, paradoxalmente,
particular à época contemporânea da hiper-visualização na qual ser visível é quase uma
obrigatoriedade. Neste contexto, a ocultação do Outro constitui uma alteridade invisível.
A construção teórica conduziu a uma investigação em dois terrenos sociais: a
prostituição (no qual existe, pelo menos em França, uma luta visível pelo
reconhecimento social e jurídico) e a vagabundagem juvenil urbana (onde a busca
quotidiana do anonimato é intercalada por momentos de extrema visibilidade como as
festas techno, as raves). Os métodos de investigação foram qualitativos com entrevistas
e observação direta por vezes participante, o que permitiu um estudo comparativo
pondo em relevo alguns aspetos comuns aos dois grupos como, por exemplo, o
secretismo ou a desvalorização do Eu e do Outro.
L’invisibilité sociale, une construction théorique
Résumé: Cet article présente une construction théorique du concept d’invisibilité
sociale laquelle est édifiée sur trois schèmes d’intelligibilité : la Phénoménologie
(Husserl, Sartre, Ricœur), l’Herméneutique (Gadamer, Ricœur) et la Théorie Critique
(l’École de Francfort). À travers cette construction, nous pouvons observer le “mépris
social” (Honneth) – l’invisibilité sociale – des minorités, des stigmatisés, bref, de
l’Autre. Le sentiment d’invisibilité est, paradoxalement, particulier à l’époque
contemporaine où l’on constate une hyper-visualité dans laquelle être visible est presque
une obligation. Dans ce contexte, l’occultation de l’Autre constitue une altérité
invisible. La construction théorique a conduit à une enquête sur deux terrains : la
prostitution (qui démontre, au moins en France, une lute visible pour la reconnaissance
sociale et juridique) et le vagabondage juvénile, en particulier les zonards, (où la
recherche de l’anonymat est marquée par des moments d’extrême visibilité comme les
fêtes techno, les raves). Les méthodes de recherche ont été qualitatifs avec des
entretiens et de l’observation directe, parfois participative. L’observation a permit une
étude comparative en mettant en évidence quelques aspects communs aux deux groupes
comme, par exemple, le secret ou la dévalorisation du Moi et de l’Autre.
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A desconsideração da alteridade invisível: uma análise fenomenológica
O primeiro passo de uma investigação metódica é analisar os nossos próprios
preconceitos porque estes obstruem a compreensão do fenómeno. Ao esclarecer a
subjetividade constituinte pessoal revelamos a intuição primordial, ou seja o dado
imediato da consciência que precede o conhecimento objetivo. Esta abordagem
autorreflexiva opõe-se naturalmente às ideias holistas do mundo social que consistem
em considerar o objeto observado exterior ao sujeito observador. Ora não podemos
ignorar que o sujeito que pensa pensa-se a si mesmo de uma forma reflexiva. O vivido
da consciência tem uma importância irrefutável para a sociologia sendo esta o estudo do
mundo vivido. Por esta razão, parece-nos necessário sublinhar a primordialidade da
intencionalidade (no sentido de Husserl ou seja como a consciência de qualquer coisa) e
da reflexividade do investigador. Para estudar os feitos sociais é imprescindível ter uma
ideia prévia, ter a consciência da existência, do dito feito social. É este aspeto que une
indubitavelmente o investigador ao objeto investigado.
A intencionalidade da investigação cria uma relação íntima entre o observado e o
observador sendo esta ligação particularmente cativante quando o observado é invisível.
Isto conduz-nos a um paradoxo: como ver o invisível? Porque ver o invisível (ou
imaginá-lo) é torná-lo visível, da mesma forma que a revelação de um segredo aniquila
o dito. Todavia a consciência do invisível é o que o torna possível. A resposta a este
paradoxo é que, na realidade, não podemos ver o invisível, apenas podemos pensá-lo
dentro de uma estrutura pertinente de pensamento.
O segundo passo do método fenomenológico é a redução eidética que se traduz por um
procedimento da variação imaginária que revela a essência do objeto. A essência do
objeto é a invariante que permanece idêntica durante a evolução das variações. O objeto
é, neste sentido, constituído pela sedimentação das significações, ou seja pela crença
numa realidade, a crença sendo compreendida como uma certeza. Husserl chamou-lhe
Glaube (fé, crença) para sublinhar o facto de se tratar de um pré-saber. Propomos
assim, seguindo esta teoria, que a invisibilidade social nasce da consciência constituinte
do ato de “não ver outrem”. Por conseguinte, este fenómeno é puramente subjetivo. Ao
reduzir eideticamente o conceito da invisibilidade social surge a sua essência: a
intersubjetividade.
Ao considerar a intersubjetividade como a estrutura essencial da invisibilidade social
observamos uma correlação entre o “não visto” e os outros indivíduos, o “não visto”
sendo compreendido como aquele que é invisível aos olhos dos que o rodeiam e os
indivíduos sendo entendidos como consciência constituinte. É evidente que uma
filosofia do elo social não deve simplesmente reduzir os fenómenos ao Eu. A
intersubjetividade, ao abrir um espaço para o discurso filosófico na análise social,
implica uma dialética sobre o conhecimento dos feitos sociais. Sendo esta investigação
um estudo sociológico, o que nos interessa aqui é o facto de a alteridade invisível não o
ser somente para Mim, mas também o ser para Nós. A intersubjetividade é constituinte e
operante a diversos níveis. Existe, por um lado, intersubjetividade entre mim e aquele
que eu não vejo: o outro partilha mutualmente o sentido do mundo comigo e sabe que
eu não o vejo. Por outro, existe uma intersubjetividade coletiva: nós não vemos o outro.
O presente estudo tem em conta uma certa abstração que pertence ao mundo quotidiano
no qual, devido à natureza do fenómeno analisado, apenas podemos propor uma
concetualização teórica. Como exemplo da apropriação do pensamento fenomenológico
para analisar o nosso conceito propomos o seguinte parágrafo na primeira pessoa:
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Eu sou invisível mas não sei o que é a invisibilidade. Apenas sei que sou invisível
porque os outros desviam o olhar da minha pessoa. Podemos desenhar um paralelo com
Merleau-Ponty (1945: IV) quando este afirma que “o conhecimento de mim por mim
próprio é indireto, é uma construção, tenho de decifrar a minha atitude como decifro a
do outro.” A invisibilidade social vai depender (entre outras coisas) da perceção que os
outros têm de mim. Se o outro não me vê é certamente porque eu não existo para o
outro, no entanto existo fisicamente, logo sou visível. A não-perceção do outro é o
resultado da sua vida da qual eu não faço parte. Para compreender o significado do
comportamento social do “não ver outrem” é necessário perceber a compreensão do
ator, ou seja é fundamental conhecer as sedimentações da história individual e da
história comum.
Seguindo esta lógica e empregando a sociologia fenomenológica de Alfred Schütz
(1987) é possível constituir uma rede de experiências relacionadas com a invisibilidade
sendo esta uma das múltiplas fachadas do Lebenswelt
1
. Com efeito, as redes de
experiências incluem o não-reconhecimento. Consequentemente, este sentimento faz
parte da “província limitada de sentido”
2
(“finite province of meaning”) no qual o estilo
cognitivo próprio gravita em torno do “não ver”. Deste ponto de vista, a invisibilidade
social segue claramente a trajetória espácio-temporal da consciência. Por exemplo, com
o tempo, algumas pessoas que cruzaram a minha vida tornaram-se invisíveis para a
minha consciência, e eu esqueci-as, apaguei-as da minha vida pessoal. Da mesma
forma, posso não ver um indivíduo apesar da sua proximidade no espaço, como ver
claramente aqueles que não estão no meu campo percetivo. Isto explica a presença ainda
viva dos mortos, dos seres desaparecidos que continuam porém visíveis para a
consciência.
Em suma, se considerarmos a ação social de “não ver outrem”, podemos afirmar que o
motor desta relação é a intersubjetividade. O “não ver” aparece sob esta luz como uma
prática coletiva, comum, quotidiana, mas no fundo a sua significação social conduz-nos
a uma sedimentação de certas tipificações. Seguindo esta lógica, assumimos que o ato
de “não ver” é uma atividade orientada significativamente. Se agir implica escolher,
então o não-reconhecimento de outrem torna-se num ato intencional, sem porém querer
dizer que é voluntário. Para compreender a existência de uma alteridade invisível é
necessário analisar a coerência do sistema de conhecimento quotidiano, ou seja as
sequências e relações típicas que contribuem para a constituição deste fenómeno social.
1
Alfred Schütz (1998) traduz este termo de Husserl por “mundo-da-vida”: a realidade do quotidiano que
se caracteriza pela “dimensão de proximidade e de distância no espaço e no tempo” e pela “dimensão de
intimidade e de anonimato”. É no Lebenswelt que a experiência de outrem é elaborada. Husserl explica:
outrem é um ser que se constitui no meu ego como um alter-ego e com o qual eu posso ter uma relação
recíproca. Este pensamento pressupõe a existência de um Lebenswelt, ou seja de uma esfera essencial de
pertença que representa o mundo comum da perceção e da cultura.
2
Schütz desenvolve o seu conceito das múltiplas realidades sendo estas tipos diferentes de atitude face ao
mundo, definidas por um certo tipo de disposição que o homem assume em situações diversas. Entre as
múltiplas realidades, Schütz destaca o mundo quotidiano do trabalho, dos sonhos, da experiência da arte
ou das experiências religiosas, ou ainda o mundo da teoria científica. Cada realidade é definida como
sendo uma província limitada de significados. Uma fração das nossas experiências compatíveis entre elas
e ligadas a um estilo cognitivo forma um conjunto específico chamado província limitada de sentido.
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A recusa de reconhecimento: uma análise hermenêutica
A questão da visão como instrumento principal do conhecimento é uma constante
epistemológica desde os tempos helénicos. Ora a crença tem um papel central para a
visão. Por conseguinte, a perceção de outrem é edificada sobre uma visão suposta.
Podemos mesmo afirmar, seguindo a teoria freudiana da “inquietante estranheza”
(Freud, 1919), que o indivíduo procede geralmente, depois da inversão e da
comparação, à “satanização” (Tacussel, 1998: 298) do Outro. Assim, a imagem que
Nós construímos dos Outros procede a um “encaixamento de plataformas mentais”
(ibid.) que organiza a consciência. Se Sartre tinha razão ao dizer que “é o
antissemitismo que faz o judeu” (Sartre, 1946: 84), então é o racismo que faz o preto e é
o machismo que faz a mulher. Seguindo esta ordem, e de acordo com o argumento da
secção precedente, podemos constatar que é a recusa de ver que constitui a alteridade
invisível. Esta rejeição pode ser definida pela recusa de reconhecimento e pelo
desprezo. Tocamos aqui na questão da identidade e do reconhecimento de outrem na sua
alteridade porque o desejo de ser reconhecido tem um papel central na socialização.
Paul Ricoeur na sua obra Parcours de la Reconnaissance expõe três estudos: o
reconhecimento como identificação do Outro (objeto ou pessoa), o reconhecimento do
Eu e o reconhecimento mútuo. Para o filósofo reconhecer é, antes de tudo, distinguir
(sobretudo distinguir o verdadeiro do falso). Ora distinguir é identificar. Estes dois
termos são “um par verbal indissociável” (Ricoeur, 2004: 50). Relativamente à
invisibilidade podemos dizer que não reconhecer é não identificar. Ou seja, o in-visível
é o in-distinguivel. Este argumento implica que o sujeito que não é reconhecido, ou des-
conhecido irá sempre procurar ser reconhecido. A aplicação existencial do conceito de
invisibilidade social é, desta forma, essencial.
No segundo estudo, Ricoeur defende que o homem, ao reconhecer que é ator (porque
age) e sofredor (porque sente) torna-se capaz de certas realizações. Por outras palavras,
o reconhecimento de si mesmo leva ao reconhecimento da responsabilidade e à
consciência autorreflexiva. Ou seja, a dialética do autorreconhecimento conduz ao
problema do sujeito reconhecido implicado na solicitação de reconhecimento mútuo. O
filósofo encara este segundo tipo de reconhecimento como o mediador entre o
reconhecimento como identificação e o reconhecimento recíproco cuja base é a
conflitualidade porque “é deste tipo de reconhecimento que nascem as ideias de
pluralidade, de alteridade, de ação recíproca e de mutualidade” (ibid.: 236).
Baseado em Hegel, Ricoeur explica que os três modelos de reconhecimento são o amor,
o direito e a estima social. O primeiro modelo, o reconhecimento afetivo, encontra-se
nas relações eróticas, familiares e amicais. Este é o nível pré-jurídico do
reconhecimento mútuo no qual as primeiras estruturas conflituais são do tipo emocional
mãe-filho. A recusa deste reconhecimento provoca a perca do autorrespeito.
O segundo modelo, o reconhecimento jurídico, traduz-se pelos direitos civis (a proteção
da pessoa), pelos direitos políticos (participação na democracia) e pelos direitos sociais
(justa distribuição dos bens elementares). As primeiras lutas pelos direitos civis datam
do século XVIII, a instauração dos direitos políticos começaram no século XIX e os
direitos sociais são, para Ricoeur, os que deram mais problemas no século XX. A recusa
dos direitos civis provoca humilhação, a rejeição dos direitos políticos causa frustração
e a recusa dos direitos sociais traduz-se pela exclusão. A luta pelo reconhecimento
desponta quando se chega ao estado de indignação. O combate torna-se então numa luta
pela dignidade humana.
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O terceiro modelo, a estima social, refere-se à vida ética. “As pessoas medem a
importância das suas qualidades para a vida do outro baseadas nos valores e nos
objetivos comuns” (ibid.: 316). A identidade forma-se, assim, pelo reconhecimento ou
pela sua ausência. As vítimas desta recusa de reconhecimento interiorizam imagens
depreciativas de si próprias. Quando a indignação se transforma na vontade de
revindicação adquire uma dimensão coletiva. Os exemplos atuais são os indignados de
Madrid, de Wall Street, de Lisboa, de Atenas, etc. Allain Caillé (2007: 12) resume o
percurso deste termo polissémico como “o reconhecimento da singularidade do sujeito
(pelo amor), da sua universalidade (pelo respeito) e da sua particularidade (pela estima).
A invisibilidade social torna-se realidade quando ao menos um destes tipos de
reconhecimento é recusado a alguém. Consequentemente, o indivíduo pode ser invisível
a nível afetivo e/ou jurídico e/ou social. Assim, a invisibilidade não é uma categoria
social mas uma situação ou uma realidade de onde emerge o sentimento de “desprezo
social” (Honneth, 2004). Em suma, a imagem que cada um tem de si próprio depende
do olhar dos outros. Quando um sujeito se sente invisível tem o sentimento de não ter
um valor positivo para os outros e para a sociedade.
Todavia, no seu sentido antagonista procurar a invisibilidade pode ser uma afirmação
subversiva pessoal em relação à sociedade de controlo. A clandestinidade é, neste
sentido, vista como um refúgio. Com efeito, a visibilidade pode ser uma
vulnerabilidade. Por exemplo, as prostitutas querem ser visíveis coletivamente a nível
jurídico mas desejam ficar individualmente no anonimato.
Resumindo, admitir a multiplicidade e a heterogeneidade dos significados obriga-nos a
fazer uma crítica do sentido do conceito de invisibilidade social como uma realidade
simbólica cujo imaginário nos transporta para lugares sombrios e tristes. Lembremos
que o sentido deste conceito não é limitado, pelo contrário conduz a diversos
sentimentos como a vulnerabilidade ou a subversão. Podemos igualmente afirmar que a
invisibilidade se faz sentir tanto a nível coletivo e social como a nível individual e
psicológico. Para compreender melhor a sociedade do desprezo que gera a invisibilidade
social dedicamos a secção seguinte à Teoria crítica da Escola de Frankfurt.
A invisibilidade sofrida e a invisibilidade desejada
Axel Honneth põe em relevo a teoria do reconhecimento intersubjetivo relativamente à
construção da identidade. O sociólogo alemão explica (baseado nos estudos de George
Herbert Mead) como do reconhecimento emerge, durante a socialização do sujeito, a
consciência do ego numa visão intersubjetiva. Durante a sua educação primária, a
criança aprende a reconhecer primeiro o outro (a mãe), em seguida os outros (a mãe, o
pai, os irmãos, etc.) e, finalmente, outrem. Ao viver o processo de maturação social o
sujeito aprende a conhecer-se do ponto de vista de Outro generalizado.
O indivíduo insere-se na sociedade como um membro desta maneira. É neste momento
que é introduzida a noção de reconhecimento recíproco, porque para ele ser incluído
como um membro é necessário não só reconhecer os outros, mas também ser
reconhecido pelos outros. O ator compreende-se desta forma como uma pessoa jurídica.
Os seus direitos estando garantidos, o sujeito assegura-se do valor social da sua
identidade. Esta experiência permite-lhe adotar uma atitude positiva em relação a si
próprio porque “os outros, ao serem obrigados a respeitarem os seus direitos,
concedem-lhe as qualidades de um ator moralmente responsável” (Honneth, 1986: 98).
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A satisfação individual é constituída por duas categorias: “a autonomia individual e a
autorrealização pessoal” (ibid.: 100). No entanto a autorrealização do sujeito é
constituída por pulsões que são contidas face às normas sociais. Segundo Honneth esta
situação pode criar um conflito moral no qual as normas intersubjetivas são postas em
causa. As exigências individuais, quando são visíveis, contribuem à evolução do mundo
social.
Relativamente ao materialismo histórico
3
podemos constatar, sem dificuldade, a
existência contínua de pressões entre o sujeito e os processos da vida social. “Em cada
período da história, os esforços dos indivíduos para aumentar as relações de
reconhecimento reúnem-se num novo sistema de exigências normativas” (ibid.: 102).
Neste sentido, a teoria do reconhecimento intersubjetivo tem por objetivo “explicar os
processos de transformação social em função das exigências normativas que estão
estruturalmente inscritas na relação de reconhecimento mútuo” (ibid.: 113). Honneth
afirma que são as lutas pelo reconhecimento recíproco que possibilitam a transformação
social.
A distinção entre os vários tipos de reconhecimento conduz à observação das formas
negativas correspondentes. Honneth assinala três tipos de desprezo baseado nesta teoria.
A violência física representa a forma extrema de desprezo e provoca um
desmoronamento psicológico dramático para a vítima resultando na confiança em si e
no seu mundo afetivo. O segundo tipo de desprezo é a exclusão jurídica que provoca
uma experiência de humilhação moral como, por exemplo, quando os direitos
fundamentais são recusados à vítima. Honneth considera estes direitos como “as
exigências que uma pessoa pode legitimamente pedir à sociedade na medida em que ela
faz parte de uma comunidade e participa à ordem constitucional” (ibidem). A terceira
forma de desprezo é a desconsideração cultural de um modo de vida. Esta forma de
desdém é avaliativa pois a vítima é julgada pelos seus valores sociais.
Estas duas formas de desprezo inscrevem-se num “processo de transformação histórica”
(ibid.: 165). Assim, as lutas pelo reconhecimento, sendo motivadas pelas emoções
negativas que acompanham a experiência da desconsideração, promovem uma evolução
social constante. Neste sentido, as ditas emoções relacionadas ao desprezo contém a
possibilidade de ultrapassagem de uma injustiça. A resistência política só é possível
quando o sujeito se apercebe da injustiça que lhe é feita. Quando o indivíduo se insere
numa resistência coletiva descobre uma forma de se tornar visível. O sujeito pode assim
(re)apropriar-se do seu próprio valor moral. Desta análise transparece o facto dos
conflitos sociais serem “a instauração das condições intersubjetivas da integridade
pessoal” (ibid.: 197). O interesse por este tipo de lutas sociais permite o acesso às
experiências morais vividas por certos grupos sociais.
A invisibilidade como experiência moral é sofrida porque está relacionada ao
sentimento de inexistência social. No capítulo “Invisibilidade: sobre a epistemologia do
reconhecimento” (Honneth, 2004: 225-243) o sociólogo propõe uma análise crítica da
invisibilidade social claramente influenciada pela fenomenologia. Para Honneth, este
3
O valor científico incontestável do materialismo histórico permite o desenvolvimento da ideia de
consciência coletiva. Horkheimer (1947: 63-86) propõe uma teoria materialista da sociedade baseada no
tema da dominação da natureza pelo homem. O verdadeiro materialismo é dialético porque implica um
processo interativo entre o sujeito e o objeto. O homem, como uma parte da natureza, tem tendência a
querer ver além do visível, a explorar infinitamente. Este é o ponto de partida da razão. Todavia é também
fonte de “des-razão”, ou seja, onde há um desvio da razão. O terceiro elemento da dialética entre a
natureza e o homem é o sujeito cujo objetivo único é a sua própria conservação. O combate entre a razão
e a natureza marca toda a história da humanidade
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tipo de invisibilidade
4
é uma situação social particular na qual “os dominantes
exprimem a sua superioridade ao não verem aqueles que eles dominam”.
Honneth passa em seguida do conceito negativo (a invisibilidade) ao seu correspondente
positivo (a visibilidade). Para ele, “a visibilidade física implica uma forma elementar de
identificação individual e representa consequentemente uma forma primária, primitiva,
do conhecer” (ibid.: 228). Ora, um sujeito não pode tornar o outro invisível, sendo este
fisicamente visível, sem ter previamente concretizado a identificação primária do outro.
Assim, a invisibilidade no sentido figurado tem como condição a visibilidade no sentido
literal. Este argumento confirma a nossa teoria segundo a qual o ato de “não ver” é
determinado pela história individual e coletiva num movimento intersubjetivo e cultural
entre aquele que não vê e aquele que não é visto. Este movimento intersubjetivo, ao
qual também podemos chamar consenso ou conformismo (Adorno), determina as
relações de reconhecimento recíproco.
Seguindo a lógica dicotómica, se por um lado existe a invisibilidade social como
exclusão sofrida pelo ator, por outro existe uma invisibilidade que pode ser desejada.
Num mundo embriagado pela visibilidade, onde reina a tirania do visual, a injunção à
visibilidade pode ser tida como uma obrigação, como um dever social. Desta forma, a
visibilidade é uma forma de alienação profundamente ancorada na indústria cultural.
Com efeito, assistimos atualmente a uma massificação da visibilidade. Neste caso ser
visível será sempre desejável?
A ideia da invisibilidade como tática de rebelião contra a sociedade de controlo
(conceito deleuziano) provém de vários autores, dos quais se destaca Michel Foucault e
a sua conceção de sociedade de vigilância. Os mecanismos sociais desta estrutura
teórica são baseados no “panotismo” onde “cada ator é constantemente visível”
(Foucault: 1975:233). Para este filósofo o Poder, comparável à arquitetura do
panopticum de Jeremy Bentham, controla os indivíduos pela imposição da sociedade
disciplinária, estruturada por um controle omnipresente, repressivo, todavia protetor.
Este é o efeito principal do panótico: “induzir um estado consciente e permanente de
visibilidade que garante o funcionamento automático do Poder” (Foucault: 1975:234).
Gilles Delleuze (1990) continua esta via de exploração do mundo social contemporâneo
e propõe uma análise das sociedades de controlo e dos mecanismos do Poder
provenientes da globalização.
Um dos dispositivos de vigilância/segurança mais importantes é o poder dos mass
media, que geram um “sistema sinótico” (Bietlot: 2003) no qual todos vêm a mesma
coisa simultaneamente. Os aparatos sinóticos são, no fundo, as táticas usadas pelos
media, ou seja a sedução, a aculturação, a distração e a comunicação do medo. Outro
trunfo do Poder é o “superpanótico” (Poster: 1996), ou seja, a vigilância e o controle
pelas bases de dados que recolhem informações pessoais digitalizadas e que podem
atravessar o planeta em apenas alguns segundos.
A sociedade de vigilância gera, desta forma, o sentimento de insegurança. No entanto, o
que aparece inicialmente como um paradoxo segue, na realidade, uma lógica clara. As
desordens sociais criadas por esta situação confirmam e reforçam as mensagens
mediáticas. Assim, o diagrama de segurança/vigilância transforma-se numa espiral na
qual as novas tecnologias permitem o desenvolvimento de uma civilização sinótica e
“superpanótica” pós-moderna. O Poder observa o povo e o povo vê o espetáculo.
4
Axel Honneth reconhece a existência de outro tipo de invisibilidade social ao fazer referência ao
panopticum de Jeremy Bentham analisado por Michel Foucault.
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Na tirania do visual, a visibilidade pode-se transformar rapidamente numa armadilha
alienante. Por isso, não é surpreendente pensar que a invisibilidade (anonimato) seja
uma manha astuciosa, não só para “viver feliz” – “pour vivre heureux, vivons cachés”
como aconselha a fábula de Claris de Florian no século XVIII – como para resistir a esta
sociedade sufocante. Neste contexto, a invisibilidade como desejo de clandestinidade é
uma forma implícita de contestação.
Para melhor visualizar as diferentes formas de invisibilidade apresentadas neste estudo,
propomos a seguinte tabela:
Invisibilidade
social
Individual
Coletiva
Sofrida
- Recusa de reconhecimento afetivo;
- Recusa do direito civil;
- Sofrimento psíquico.
- Recusa dos direitos
jurídicos e sociais;
- Desejo de visibilidade.
Desejada
- Evasão da pressão social;
- Desejo de passar despercebido a
nível jurídico e fiscal.
- Clandestinidade;
- Subversão.
Confirmação do argumento com uma breve análise de dois grupos sociais
Foram escolhidos dois grupos sociais “problemáticos” para testar a nossa teoria: as
prostitutas
5
e os jovens vagabundos metropolitanos. Os paradoxos e as contradições que
os englobam são fascinantes e permitiram um questionamento não só a nível pessoa mas
também a nível social. Um estudo comparativo permitiu realçar alguns aspetos comuns
às duas populações relativamente ao nosso conceito chave. É de notar que neste
contexto as prostitutas são observadas como aquelas que sofrem a invisibilidade
vivendo uma marginalidade por resignação e que os jovens vagabundos são
considerados como aqueles que desejam a invisibilidade vivendo uma marginalidade
por determinação. Numa desconstrução analítica torna-se rapidamente evidente que a
tabela não é fixa pois a realidade é múltipla e complexa. Tentemos, por isso, ultrapassar
este “tipo ideal” (Max Weber).
A prostituição é um trabalho desprezado a nível jurídico e social. Os comportamentos
face a esta atividade estão profundamente enraizados na história das mentalidades e
contribuem para uma consciência coletiva desprezadora e estigmatizadora. A
prostituição, de acordo com o Código Penal, não é ilegal mas é restringida, é tolerada
mas reprovada e situa-se nas fronteiras do lícito, do dizível e do visível. Esta atividade é
relegada ao secretismo. Consequentemente, a desconsideração pública prejudica
seriamente a integração social e dignidade da prostituta. É ainda necessário ter em conta
os diversos mundos da prostituição pois existe a prostituição como opção e a imposta
pelos proxenetas. No universo da prostituição livre a esmagadora maioria luta pelo
5
O termo é utilizado no feminino devido ao senso comum. Porém este grupo social inclui igualmente o
género masculino.
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reconhecimento social e jurídico pois a clandestinidade facilita a insegurança e a
violência. Todavia, devido à repressão policial e à influência dos proxenetas, a
resignação silenciosa prevalece. Notemos contudo que a primeira cantora do fado
lisboeta foi Maria Severa, uma prostituta do bairro alto. É interessante pensar como a
saudade de uma meretriz marcou a cultura portuguesa – profundamente católica e
abolicionista – para a posteridade embora ela seja a personificação da alteridade
invisível.
Por seu lado, os jovens nómadas urbanos, ou vagabundos metropolitanos, constituem as
tribos pós-modernas (Maffesoli,1988). Para Maffesoli, a noção de “tribo” designa de
maneira ideal-típica a união de um grupo à volta de imagens que agem como vetores de
uma comunidade. Estas imagens podem ser o imaginário de uma música, como por
exemplo a música techno que engloba uma socialidade particular baseada na festa, na
vagabundagem, na tecnologia e na cultura urbana. Estes grupos de jovens juntam-se em
redes informais que, ainda que não sendo políticas, podem manifestar-se como uma
expressão política. A incompreensão social alimentada pelo medo vê os jovens das ruas
como “selvagens” ou como “bárbaros” pois eles quebram o que Simmel chamou “o
rigor extremo da lei moral” (1908:16). A sociabilidade destes microgrupos, por mais
variados que sejam – quer sejam os jovens do hip-hop ligados aos grafitis, os adeptos da
música tecno, os punks, os góticos ou os emos – tem uma consistência própria e uma
postura idêntica. A intersubjetividade partilhada é constituída por uma combinação de
valores variados, polimorfos, estilhaçados. O imaginário coletivo que funda estes laços
sociais põe em evidência uma constelação de mitos e de símbolos, pedra angular do seu
poder invisível de subversão.
Depois do estudo e observação destes dois grupos sociais
6
, um primeiro comentário a
nível linguístico em relação ao conceito de invisibilidade social impõe-se. O termo
“sofrido” poderia ser acompanhado por “consentido” e o termo “desejado” por
“assumido”. A invisibilidade sofrida é muitas vezes consentida pela vítima e a
invisibilidade desejada é uma espécie de compromisso assumido. Esta terminologia
ajusta-se à noção de invisibilidade social facilitando uma descrição de vidas e uma
interpretação de comportamentos marginais.
Em seguida, é de notar que as trabalhadoras do sexo podem ser consideradas como uma
“minoria ativa” (Moscovici, 1976: 261) porque lutam pelo reconhecimento enquanto os
jovens vagabundos são uma minoria inerte. Contudo os dois grupos raramente são
visíveis por isso os seus sentimentos e atividades são ignorados: não os vemos, não os
ouvimos, não lhes falamos.
De acordo com Mark Hatzfeld (2005), consideramos que existem quatro formas de
olhar social em relação a estas duas populações. Primeiro, o não olhar (no sentido de
ignorar) que torna outrem inexistente. Segundo, o olhar do desprezo, ou de repulsão que
reduz o Outro a um dejeto. Terceiro, o olhar compassivo, ou caritativo, que apenas vê a
miséria: “virtuoso por proclamação, este olhar dispensa ver” (ibid.: 82). Quarto, o olhar
científico, o mais pervertido porque instalado no consenso cultural e numa alta
valorização. Este olhar é o que sabe, por conseguinte não precisa de realmente observar.
Outro aspeto comum aos dois grupos é a relação ao trabalho. Porque os meios de
subsistência não seguem a ordem estabelecida e não são aceites, eles são vistos como
improdutivos, assistidos, ou seja como “os inúteis do mundo” (Castel, 1999: 665). Ora a
desvalorização e a repressão das suas atividades são obstáculos reais para o
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A observação participativa foi uma parte da investigação no terreno da tese de doutoramento de 2007 a
2009.
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reconhecimento social o que demonstra que quando saímos das categorias habituais
situamo-nos em territórios impensáveis, em espaços invisíveis.
Os dois grupos estão igualmente associados ao segredo porque vivem realidades
dissimuladas. Desta forma, a invisibilidade pode ser apreendida como o lado sombrio da
sociedade do espetáculo e do controlo. Os “dispositivos visuais” (Peroni, 1999: 92)
utilizados nos dois universos são, por exemplo, as campanhas de prevenção e de
informação. Com efeito, as associações deste género são por vezes o único elo entre os
invisíveis e a sociedade. Outro dispositivo visual empregado são as manifestações pelos
direitos das prostitutas e as raves.
Conclusão
As variações simbólicas sobre a invisibilidade social são múltiplas, contudo a recusa de
outrem é o fio condutor permanente no qual o argumento repousa. A nossa noção-chave
é pertinente para designar os buracos negros do mundo social sendo estes apreendidos
com receio e desconfiança. Todavia, se estas realidades secretas inspiram o imaginário
do medo também suscitam fascínio.
O caráter sumário da perceção põe em evidência as categorias mentais que impedem a
observação da complexidade e da realidade. Ora o inaparente é o mais profundo. A
parte invisível da realidade social é, em suma, a que ultrapassa o horizonte da razão, é a
realidade que se encontra ou nas margens (marginalidade) ou no poder subterrâneo do
social (a sociabilidade).
Nota: todas as citações são traduções livres pela autora.
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